Se há assuntos que a banda desenhada tem (sobre)explorado nos últimos anos, os temas da igualdade de género, da libertação sexual e da identidade de género são bons exemplos dessa tendência. Com efeito, nos últimos 12 ou 24 meses deverão ter sido editados, não só em Portugal, como em todo o mundo, mais livros sobre estas variantes temáticas, do que em todos os anos anteriores.
Se são temas que, à partida, até considero relevantes e que não devem, de forma alguma, serem tabu, também posso admitir, sem pudores, que sinto que as editoras estão a apostar às cegas, sem rei nem roque, neste tipo de livros, fazendo com que um tema que é relevante, sim, passe a ser um pouco cansativo e que deixe no leitor a sensação de “vira o disco e toca o mesmo”.
Este Feminists in Progress – Vamos Abrir os Olhos sobre o Sexismo, de Lauraine Meyer, é apenas mais um dos livros recentemente lançados por cá que versa sobre os temas supramencionados. E ao contrário de muitos livros sobre esta temática onde, através de testemunhos pessoais, se procura alargar a aceitação dos comportamentos das minorias ou acusar situações de injustiça vividas na primeira pessoa, em Feminists in Progress não se procura percorrer esse caminho narrativo, mas antes há um claro intuito de educar, ou elucidar, sobre as mais diversas injustiças das quais as mulheres ainda são vítimas no mundo atual. Este livro pode, pois, ser considerado como um certo "dicionário do feminismo".
Não temos, portanto, uma história propriamente dita, mas a explicação de diversos conceitos e temas associados à luta feminista. O livro aborda as questões do sexismo, das mulheres racializadas, das desigualdades salariais entre homens e mulheres, as questões do género, o não-binarismo, a violência conjugal, o consentimento (e não consentimento) sexual, a sexualidade, o conceito de body positive, a virgindade, o prazer feminino, as preferências sexuais, a maternidade, a amamentação, a paternidade, a “sororidade”, o empoderamento feminino, a linguagem inclusiva e até o ecofeminismo(!).
Acaba por ser uma amálgama demasiado grande sobre questões que, estando, sim, ligadas, se apresentam, todavia, como tendo diferentes tónicas de relevância. E acho que é isso que, quanto a mim, entre outras coisas que apontarei mais abaixo, que tira alguma da credibilidade ao trabalho de Lauraine Meyer. É que o facto da autora querer abraçar todas as temáticas e mais algumas, com o objetivo de chegar a todos os que, de alguma forma, se sentem revoltados contra o mundo patriarcal que ainda existe, acaba por ser algo periclitante nessa abordagem. Além de que – e embora a autora vá deixando referências espalhadas pelo livro acerca das suas fontes de estudo – muitas das afirmações aqui apresentadas são de enorme carga subjetiva e carecem de comprovação científica.
Por vezes, até fiquei com a ideia de que a autora, mais do que ter estudado os temas aqui apresentados, limitou-se a ouvir posições extremadas e subjetivas de uma única pessoa para cada um dos temas que, posteriormente, viria a abordar em Feminists in Progress. E isto já para não dizer que não deixa de ser irónico que um livro que procura aproximar pessoas na luta contra preconceitos infundados perante as mulheres, acabe ele próprio por estar impregnado de preconceitos perante os homens. Exemplos desta minha afirmação não faltam, mas relembro com especial riso a parte em que a autora sugere ser impossível que haja homens que façam "realmente" mais tarefas domésticas do que as mulheres ou a parte em que a autora afirma que os professores são menos benevolentes com as raparigas mal comportadas do que com os rapazes mal comportados. Gostaria de ver estatísticas e estudos para afirmações tão levianas e subjetivas num livro que se leva a sério. Nem estou a dizer que se passe o oposto ao que a autora afirma, estou é a dizer que a autora não pode dizer afirmações destas num livro deste género. É que sai o tiro pela culatra.
Enfim, se estivéssemos perante um livro de humor, eu certamente não apontaria estas questões. Mas estando de frente a um livro que procura tratar estes temas com seriedade, o trabalho final acaba por parecer mais amador e menos relevante do que aquilo que seria esperado. Sou uma pessoa que está sempre pronta a vestir a camisola pela luta por um mundo onde as mulheres têm os mesmos direitos do que os homens. Mas não acho que essa luta passe pela vitimização total das mulheres a que assistimos neste livro e no mundo ocidental – curiosamente o lado do planeta onde as mulheres têm mais direitos – ou por se lutar contra os homens. A luta não deve ser contra os homens mas com os homens. Há que educar homens e mulheres para que nenhum destes grupos tenha mais direitos do que os outros e fazer os ajustes que ainda faltam fazer – especialmente, no mundo ocidental, ao nível da falta de igualdade nos salários – para que a própria luta das mulheres possa um dia deixar de ser necessária. Infelizmente, esta luta ainda é muito necessária e ainda há muito a fazer mas, repito, isso não invalida que haja formas corretas e incorretas de travar este tipo de batalhas. Não há nada mais ridículo que lutar pela descriminação, descriminando o outro.
Olhando para os desenhos de Lauraine Meyer, o estilo da autora é bastante “cartoonesco”. Sentem-se algumas lacunas técnicas ao nível da representação das personagens, especialmente em cenas que pressupõem movimento, mas como o livro, à boa semelhança de um livro de banda desenhada educativa, apresenta desenhos de personagens que comunicam diretamente com o leitor, não há aqui propriamente uma sequencialidade, o que acaba por favorecer o estilo de desenho simples da autora, dando-lhe modernidade e eficiência. A paleta de cores, com tons suaves, também se adequa bem ao tipo de ilustração que nos é dado. Há algumas legendas com o texto demasiado pequeno, que se tornam mais difíceis de ler, mas, regra geral, é um livro que funciona bastante bem em termos visuais.
A edição da ASA é em capa mole baça com badanas e, no miolo, o papel é baço, de boa qualidade, apresentando uma boa encadernação e impressão.
Em suma, Feminists in Progress é mais um dos muitos livros de BD lançados sobre os temas trendy da atualidade que, infelizmente, descuram, por vezes, a profundidade de um bom argumento em detrimento da presença de um assunto que, só por si, já venderá alguns livros. Seja como for, e até porque, reitero, este tipo de temas também merece ser retratado, também não deixa de ser verdade que há outros livros desse género que são mais bem conseguidos do que este Feminists in Progress que nos dá uma boa dose de Feminismo, mas onde falta o desejável Progresso.
NOTA FINAL (1/10):
5.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Feminists in Progress - Vamos Abrir os Olhos sobre o Sexismo
Autora: Lauraine Meyer
Editora: ASA
Páginas: 248, a cores
Encadernação: Capa mole, com badanas
Formato: 15 x 22 cm
Lançamento: Março de 2024
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