A editora Planeta Tangerina, cuja oferta em banda desenhada nacional – e não só – se tem demarcado um pouco em relação a outras editoras portuguesas, com o lançamento de bandas desenhadas mais experimentais e, por ventura, direcionadas a um novo público, lançou recentemente um novo livro da autora Joana Estrela, da qual já tinha publicado os livros Pardalita ou Miau!.
Neste último livro que refiro, a autora já nos tinha dado um trabalho que tinha como enfoque a vida com gatos. Mas são duas propostas bastante diferentes, até porque Miau! é um livro destinado aos mais novos. Neste novíssimo Gato Comum, estamos perante uma história mais adulta e marcante, que claramente aponta para um público mais maduro, dado o teor comovente da história.
Neste caso, o tema é o luto. Não o luto por uma pessoa que parte, mas o luto por um animal que morre. Um gato. Os animais domésticos, quando bem inseridos num seio familiar, tornam-se membros por direito da família humana e, naturalmente, quando têm que partir deste mundo, deixam mágoa, nostalgia e boas lembranças que não mais nos abandonam.
O relato de Gato Comum é-nos dado na primeira pessoa, por uma jovem de 17 anos que tem a mesma idade do gato e que vê agora, juntamente com o seu pai e com a sua mãe, que o pequeno felino começa a acusar os intransponíveis sinais da idade e da velhice. E, por muitos trabalhos que um animal nos possa dar, com a mudança e adaptação de pequenos hábitos que também nós fazemos por eles, como, por exemplo, deixar a porta fechada para que o animal não entre em determinado sítio de casa, quando nos vemos privados desse animal, e já não temos que ter esses cuidados – que supostamente até eram "chatos" – vivenciamos uma sensação de perda e de vazio.
O que acho mais belo e marcante no trabalho de Joana Estrela – e que em Gato Comum se torna por demais evidente – é a sua forma sensível de escrita, que assenta, por vezes, em pensamentos que parecem avulsos, mas que captam a atenção do leitor, criando uma automática sensação de empatia. Ler Gato Comum é mergulhar, pois, na situação de incerteza e de tristeza desta família que se prepara para dizer adeus ao seu gato.
Não é um relato que seja forçosamente dramático. Mas nunca sinto, aliás, que as sensações que passam para o leitor nos trabalhos de Joana Estrela o sejam. Gato Comum faz-nos pensar, faz-nos refletir. E lembra-nos de como foi a perda de um animal no passado ou, em alternativa, prepara-nos para aquilo que, se tivermos animais domésticos, inevitavelmente acontecerá um dia. Há, pois, um certo efeito terapêutico na leitura deste Gato Comum. Porque por muito comum que seja um animal – ou mesmo uma pessoa, arrisco dizer – o(a) mesmo(a) torna-se especial, relevante e insubstituível para aqueles que consigo vivem. Não há volta a dar.
O estilo de ilustração é ultra simples na conceção. Com um traço naïf que nos remete para os desenhos que fazíamos na nossa infância, a autora oferece-nos um ambiente visual que, não obstante, consegue funcionar bastante bem no conjunto com a sua narrativa. Se em Pardalita o registo da autora já era simples, em Gato Comum o estilo de desenho foi tornado ainda mais elementar, não sendo feito uso de qualquer sombra e limitando o desenho de personagens e objetos a uma mera fina linha de contorno. É simples? Sim, não o poderia ser mais! É simplório? Nem pensar. Até porque Gato Comum acaba por ficar dotado de um ambiente pictórico credível, homogéneo e eficaz.
Para isso, também contribui, e muito, a maneira desenvolta como a autora planifica as suas páginas, conseguindo dominar muito bem a cadência do ritmo de leitura, pausando a mesma sempre que necessário. Se há páginas mais sobrecarregas de vinhetas, também há exemplos em que duas páginas são ocupadas por uma mera pequena vinheta ou, ainda noutros casos, por um ilustração de maior dimensão que ocupa as duas páginas. Esta valência de Joana Estrela acabou mesmo por me fazer lembrar, com as devidas distâncias, claro, o trabalho mais recente de Joana Mosi em O Mangusto.
Sendo em registo a preto e branco, o papel utilizado em Gato Comum é amarelo, o que, mais uma vez, contribui para uma experiência de leitura agradável e diferenciada.
De resto, a edição da Planeta Tangerina apresenta capa dura baça. No miolo o papel é de boa qualidade e a impressão e encadernação também são boas. Nota para o facto da capa e contracapa serem, quanto a mim, bastante apelativas.
Em suma, Gato Comum trata-se de um belo livro que, a meu ver, até supera o celebrado e promissor Pardalita. Não será, estou certo, pela natureza virtuosa dos desenhos que um leitor de banda desenhada comprará este livro, mas sim pelo belo e emocionante relato, transposto pela voz narrativo-visual única de Joana Estrela que, sem surpresas, se assume como uma das mais promissoras autoras da banda desenhada nacional. Cabe a cada um de nós sabermos reconhecê-lo.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Gato Comum
Autora: Joana Estrela
Editora: Planeta Tangerina
Páginas: 104, a preto e branco (algumas em papel amarelo)
Encadernação: Capa dura
Formato: 150 x 215 mm
Lançamento: Março de 2024
Sem comentários:
Enviar um comentário