sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Gradiva lança segundo volume da biografia de Napoleão em BD!



A partir do próximo dia 27 de Agosto, chega às livrarias portuguesas o segundo tomo - de um total de três volumes - da banda desenhada biográfica sobre a vida do Imperador Napoleão.

Este lançamento faz parte da coleção das Grandes Figuras da História da editora Gradiva.

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse deste segundo livro e com algumas imagens promocionais da edição francesa da obra.


Napoleão - Volume 2 (de 3), de Jean Tulard, Noël Simsolo e Fabrizio Fiorentino

Como pôde um pequeno militar corso tornar-se NAPOLEÃO I, imperador dos Franceses, entre 1804 e 1815? 

Sucessivamente general, cônsul e imperador, este ambicioso filho do Ancien Regime, formado na República, foi um reformador sem tempo a perder, o fundador do Estado moderno e o génio militar que subjugou, durante algum tempo, as monarquias europeias. 

O apogeu da gesta napoleónica encontra‑se no coração deste segundo volume, encravada entre o regresso do Egito e o casamento com a arquiduquesa Maria Luísa da Áustria.


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Ficha técnica
Napoleão - Volume 2 (de 3)
Autores: Jean Tulard, Noël Simsolo e Fabrizio Fiorentino
Editora: Gradiva
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23,30 x 31,30 cm
PVP: 20,99€

Que maravilha, Sambre está de volta!!!



Os que me acompanham já sabem o quão fã eu sou da série Sambre, de Yslaire! É uma das minhas bandas desenhadas favoritas! De sempre!

Há algo nesta história, despudoramente trágico-romântica, que a torna única no universo da banda desenhada. E isto já para não falar nos desenhos, absolutamente maravilhosos, de Yslaire!

É uma daquelas séries de BD que considero irresistíveis e uma das minhas favoritas de sempre. Coloco-a nas dez melhores, sem qualquer problema. Por ventura, nas três melhores, até.

Portanto, e pelo menos para mim, é ALTAMENTE RECOMENDADA.

A editora Arte de Autor já fez saber que o livro deverá chegar às livrarias nos próximos dias. Relembro que se trata de um álbum duplo, que reúne os tomos 7 e 8 da série, que nunca haviam sido editados em Portugal. A partir deste momento, a Arte de Autor iguala os álbuns lançados no mercado original! Parabéns à editora por este marco e obrigado pela aposta!

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Sambre #7 e #8 - Flor da calçada | Aquela que os meus olhos não vêem…, de Yslaire
Para além do tempo, para além do ódio dos homens, o caso de amor entre Bernard Sambre e Julie, como uma brasa incandescente, irradia com toda a sua beleza nesta obra-prima. Yslaire escreve com as deslumbrantes palavras de paixão e desenha ardentemente este hino ao amor impossível.

Sambre ou a ilustração exacta e perfeita do "Romantismo", entre a escuridão da alma e a queima dos sentimentos. Um monumento.


Flor da calçada - Capítulo 7 – Última geração (1856-1868)

Paris, Junho de 1858. 
Judith é criada na pobreza de um orfanato, aterroriza apelas sombras da noite. Atraída como uma borboleta pelas mil luzes da capital, a menina rebelde emancipa-se, vive uma vida boémia, sobrevive entre a ralé. 

Em Roquevaire, o seu irmão gémeo, Bernard-Marie, cresceu assombrado pelos fantasmas dos seus pesadelos. E, sem o saber, sonha que um dia a morte os reunirá, a ele e a Judith, inevitavelmente. 

Apesar de tudo, os dois órfãos, com saudades da sua alma gémea, já se procuram no invisível, e tecem a teia do seu trágico destino…


Aquela que os meus olhos não vêem… - Capítulo 8 – Última geração (1856-1868)

Junho de 1862, 

La Bastide. 
Bernard-Marie tem a melancolia própria da idade. Para esquecer, apaixona-se por teatro, fotografia, entomologia e a migração das borboletas esfinge-caveiras. Mas sua tia Sarah, sofrendo devido ao distanciamento do adolescente, tenta desesperadamente reprimir o seu desejo de emancipação. 

Paris.
Judith é uma das principais atracções do País das Esfinges, um dos bordéis mais concorridos da capital. Sem escrúpulos, a órfã faz do seu corpo a ferramenta da sua ambição irresistível: tornar-se uma artista reconhecida e adorada. 
Sem o saber, Bernard-Marie sonha com a sua morte com Judith. Sem o conhecer, Judith procura a sua alma gémea, na sombra do espelho unidireccional do seu quarto público. Inconscientemente, apesar da distância e de tudo o que parece separá-los, a busca pela liberdade torna o seu encontro fatal e inevitável…

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Ficha técnica
Sambre #7 e #8 - Flor da calçada | Aquela que os meus olhos não vêem…
Autor: Yslaire
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
PVP: 31.50€

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Análise: A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa
A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo

Têm sido várias as boas surpresas de banda desenhada que a editora ASA tem lançado junto de nós no último par de anos e, em particular, neste ano de 2024. E uma dessas boas surpresas foi esta recente editada obra intitulada A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, que foi originalmente lançada em França há quase 20 anos. Tendo em conta a idade avançada da obra, considero óbvio que a aposta neste lançamento por parte da editora portuguesa se deve - para além da clara qualidade da obra, está claro - ao sucesso que a magnífica incursão do autor Émile Bravo na personagem de Spirou, recentemente editada pela mesma editora, tem recolhido junto do público e crítica portuguesa.

Émile Bravo é um nome maior da banda desenhada franco-belga e ver mais algumas das suas obras a serem finalmente editadas em Portugal é motivo de regozijo. 

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa
Este livro cujo título é, na verdade, uma frase, assume-se como uma obra autobiográfica sobre o início de vida do seu argumentista, Jean Regnaud, e oferece uma visão sensível e comovente da infância. A história é contada na primeira pessoa, sob o ponto de vista de Jean, uma criança que, no começo do livro, se prepara para o seu primeiro dia de aulas na escola primária. Fica óbvio para o leitor, logo nas primeiras páginas da obra, que Jean perdeu a sua mãe. Não sabemos se morreu, mas é claro que a mãe se encontra ausente. A partir daí, Regnaud faz-nos entrar na mente ingénua de uma criança que, com toda a sua imaginação e inocência, ainda não consegue compreender em que lugar está a mãe. Nem qual é a razão para o seu desaparecimento.

A narrativa segue a vida de Jean, que vive com o pai, com o irmão mais novo e com uma governanta, que acaba por ser a presença adulta mais constante na vida destas crianças. Com a mãe ausente, Jean revela-se incapaz de compreender completamente a situação, e acaba por ser levado a acreditar que a sua mãe se encontra em viagem. A história avança com Jean a tentar entender o que aconteceu com a sua mãe, enquanto lida com as mudanças na sua vida quotidiana e com as emoções confusas que surgem alimentadas por essa ausência maternal.

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa
É então através da sua vizinha, uma criança um pouco mais velha, que o pequeno Jean começa a receber cartões-postais escritos pela sua mãe (?) que lhe vão dando alento e ânimo para lidar com o seu dia-a-dia, onde é notória o vazio maternal - e, já agora, o paternal, já que o seu pai, mesmo estando presente, não deixa de estar ausente no dia a dia dos seus filhos.

Um dos temas centrais do livro é a infância e como as crianças lidam com as situações complexas do mundo adulto. A ausência da mãe é o ponto de partida para uma exploração da dor, do luto e do crescimento pessoal. A narrativa é permeada por um tom de melancolia, mas ao mesmo tempo, é carregada por uma doçura inocente que torna a leitura deveras tocante.

Outro tema importante que este livro traz consigo é a forma como as crianças preenchem lacunas de informação com imaginação. Jean transforma a ausência e o mistério em torno da sua mãe em aventuras, acreditando nas histórias fantásticas que ela supostamente vive. Isso não só revela a criatividade infantil, mas também como a mente de uma criança pode tentar proteger-se da dura realidade.

A escrita de Jean Regnaud é simples e direta, refletindo a perspectiva de uma criança. No entanto, essa simplicidade esconde camadas de complexidade emocional, que vão sendo desvendadas à medida que a história progride. A história é, pois, terna e bela, num tom agridoce que tenta aquecer-nos o coração. 

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa
O estilo de ilustração é bem ao jeito daquilo que podemos encontrar nos álbuns do Spirou assinados por Émile Bravo: um desenho "fofinho", que agrada a crianças e que tem o poder de levar os adultos para destinos nostálgicos embrenhados na sua própria infância de outrora. A planificação da obra não é de todo convencional, havendo muita dinâmica e opções diversificadas de prancha para prancha.

Por falar nisso, embora este seja um livro de banda desenhada onde há algumas páginas que obedecem aos cânones clássicos do género, outras há em que o livro se aproxima mais de um álbum ilustrado, por nos apresentar ilustrações sem os limites das vinhetas e sem balões de fala. Pessoalmente, considero que esta opção funciona bem, não só porque torna o livro mais original, como permite que o relato que nos é dado na primeira pessoa - em voz off e com pouco lugar a diálogos - seja feito de uma forma mais escorreita. 

Falando nos diálogos, outra ferramenta que Émile Bravo utiliza com especial leveza e sensibilidade, é a opção por balões de fala em que, em vez de colocar texto, o autor coloca uma ilustração que procura demonstrar ao leitor aquilo que está a ser dito por cada uma das personagens. Não é algo que me pareça muito simples de se fazer de forma bem sucedida, mas Bravo, com a sua capacidade gráfico-narrativa, consegue superar-se.

A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa
De resto, o estilo de ilustração de Émile Bravo combina a suavidade das linhas e o uso eficaz das cores, conseguindo transmitir as emoções do protagonista de forma visualmente envolvente. As expressões faciais, os cenários e os detalhes subtis nas ilustrações complementam o texto e enriquecem a narrativa.

O relato é sensível e singelo, podendo ser lido por uma criança, claro, mas sendo claramente direcionado para um público maduro. Daí que a designação de "banda desenhada infanto-juvenil", que tenho lido em vários locais, talvez não seja a mais ajustada, quanto a mim.

De qualquer maneira, uma coisa é certa: este é um belo e emotivo livro que nos faz - a nós, adultos - sair do nosso mundo desprotegido para mergulhar na tão densa e artificialmente protegida bolha que criamos para as nossas crianças, onde as escudamos de tudo o que é nocivo ou de difícil digestão emocional. Quando sobrecarregamos as crianças de eufemismos e respostas latas, estaremos a protegê-las ou simplesmente a adiar o drama inevitável que sempre acaba por nos bater à porta?

A edição da ASA é em capa mole baça com badanas. No interior, o papel é espesso e baço, o que funciona bem no estilo de ilustração de Émile Bravo. A impressão e a encadernação são de boa qualidade, também.

Em suma, A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill é uma obra que se destaca pela sua sensibilidade ao tratar de temas difíceis através dos olhos de uma criança. A obra é capaz de envolver tanto crianças, quanto adultos - embora possivelmente impacte mais os adultos do que as crianças - oferecendo uma experiência de leitura que ressoa em diferentes níveis. Para as crianças, pode ser uma história sobre a saudade e a imaginação, enquanto que para os adultos, é uma lembrança do quão marcante e formativa pode ser a infância, especialmente diante da ausência e do luto.


NOTA FINAL (1/10)
8.4

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill, de Jean Regnaud e Émile Bravo - ASA - LeYa

Ficha técnica
A Minha Mamã está na América e encontrou o Buffalo Bill
Autores: Jean Regnaud e Émile Bravo
Editora: ASA
Páginas: 120 páginas, a cores
Encadernação: Capa mole com badanas
Formato: 172 x 244 cm
Lançamento: Junho de 2024



quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Análise: Kobane Calling

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir
Kobane Calling, de Zerocalcare

Foi há poucas semanas que a Levoir lançou Kobane Calling, do autor italiano Zerocalcare, um livro que estava incluído na minha lista de obras mais esperadas para este ano. E fazia parte dessa minha lista pelo simples facto de eu já ter visto as séries de animação do mesmo autor, presentes na Netflix e intituladas Destacar pelo Picotado e Este Mundo Não Me Vai Derrubar - e de as ter adorado! E mesmo sendo obras num outro meio que não a banda desenhada, percebi logo que Zerocalcare, pseudónimo de Michele Rech, era um autêntico mestre em contar uma boa história. 

E, sim, depois de lido, posso dizer-vos que este Kobane Calling não desilude e é, pelo menos até agora, o melhor livro do ano lançado pela Levoir e, estou certo, uma das melhores bandas desenhadas do ano! Um livro obrigatório!

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir
Kobane Calling
 foi originalmente publicado em 2016 e oferece-nos um relato pessoal e jornalístico sobre a experiência do autor na região de Rojava, no Curdistão Sírio, onde visitou as áreas de conflito armado envolvendo os curdos, o Estado Islâmico e as forças internacionais. O título da obra, brincando com o célebre tema da banda britânica The Clash, em London Calling, refere-se à cidade de Kobane, que se tornou um símbolo de resistência contra o ISIS e apresenta-nos este tema num registo semelhante a um diário de viagem, que passa pela Turquia, Síria e Iraque, para documentar a luta do povo curdo contra o Estado Islâmico. E contra o próprio regime Turco, diga-se.

Se o tema parece político - e é! - deixem-me dizer-vos que este é um livro extremamente acessível e que consegue a proeza de falar de assuntos sérios, de informar de uma forma geopolítica, de ser crítico face aos media internacionais, de levantar questões pertinentes e, ao mesmo tempo, ser extremamente divertido, bem disposto e inegavelmente hilariante!

A obra explora o contexto da Revolução de Rojava, numa tentativa de estabelecer uma sociedade baseada em princípios de democracia direta, igualdade de género e convivência pacífica entre as diferentes etnias e religiões que ali persistem, retratando as aspirações e dificuldades de criar uma nova ordem social no meio do caos de uma guerra.

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir
E não é por ser extremamente cómico (já lá irei) que podemos dizer que Kobane Calling romantiza ou aligeira a guerra. Pelo contrário, a obra apresenta o sofrimento e a brutalidade do conflito, desde a destruição das cidades até às perdas humanas, trazendo à tona as histórias pessoais dos combatentes e civis com quem, à semelhança de um Joe Sacco, o autor se vai cruzando pelo seu caminho.

O tom da narrativa é, portanto, multifacetado: por um lado, há momentos de humor, que servem para aliviar o peso dos temas abordados, como a guerra, a perda e a resistência. Por outro, há um forte compromisso com a seriedade do tema, oferecendo uma visão profunda e respeitosa dos desafios enfrentados pelo povo curdo e dos ideais revolucionários que movem a luta em Rojava.

Assim, a obra acaba por ser um pouco de tudo: 1) é uma crónica de guerra em banda desenhada, que nos poderia fazer lembrar os belos trabalhos de Joe Sacco, Guy Delisle, Marjane Satrapi, Riad Sattouf e até de Taha Siddiqui - no seu Dissident Club, igualmente publicado pela Levoir; 2) é um livro de crítica social à maneira enviesada como o Ocidente olha para as narrativas bélicas da forma que mais lhe convém; 3) por último, é um autêntico livro de humor. 

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir
Os mais puristas poderão dizer-me: "Hum... isto trata sobre a guerra... como pode ser um livro humorístico?" Face a essa questão tenho que dizer que basta ler o livro para se mudar de opinião. Já não me ria assim com uma banda desenhada há longos anos. Zerocalcare é uma mente brilhante, de rápido raciocínio, que goza com tudo e todos - incluindo a sua pessoa - e tem uma visão curiosa, assente em exageros hilariantes nas analogias que faz, que tornam a sua obra viciante. Assim foi nas duas séries televisivas já mencionadas e também assim é em Kobane Calling. Como tal, só posso esperar que mais bandas desenhadas deste autor continuem a ser publicadas por cá. A última página deste livro faz, aliás, referência à futura publicação de um outro livro do autor, No Sleep Till Shengal, pela mesma editora Levoir, o que me deixa muito satisfeito! Não tenho dúvidas de que nós, portugueses, precisamos de mais livros de Zerocalcare.

Mas, voltando a Kobane Calling, há também toda uma genuinidade e franqueza no discurso do autor, que me agrada profundamente. Era fácil para Zerocalcare adoptar uma postura algo altiva e intelectual, pelo tema aqui tratado, mas a sua opção é gozar consigo mesmo e com toda uma geração de millennials, da qual também eu faço parte, sublinhando e pondo em perspetiva todos os seus "problemas do Primeiro Mundo" que, quando alinhados com as questões que realmente interessam, chegam a parecer ridículos e infinitamente fúteis. O humor de Zerocalcare é, pois, contagiante, com referências que pululam pela história que nos é dada. Quanto ao ritmo narrativo da obra, este desenrola-se diante dos nossos olhos a "100 à hora"! Inicialmente, isso até pode dar a ideia de que esta será uma obra difícil de acompanhar, mas isso é apenas ilusão porque, conforme já referi, o livro é muito acessível para todos. São muitos e rápidos os raciocínios que Zerocalcare oferece ao seu leitor, mas nunca deixa que o mesmo se perca, gerindo muito bem o tempo e o espaço gráfico para tal.

Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir
Quanto ao estilo de ilustração, Kobane Calling apresenta desenhos a preto e branco num tom "cartoonesco" e num traço rápido e extremamente eficiente em passar-nos uma boa expressividade das personagens, sendo caricatural quando é necessário, mas também conseguindo surpreender através de uma bela prancha, de tempos a tempos. Funciona muito bem. É uma daquelas situações em que argumento e ilustração têm um casamento perfeito. Admito que, quando comparado com a série televisiva, que é colorida, o livro a preto e branco não consegue ser tão vibrante. Mesmo assim, e comparações à parte, os desenhos de Zerocalcare agradam-me bastante.

Quanto à edição da Levoir, o livro apresenta capa dura baça, bom papel no interior e boa impressão e encadernação. Convém relembrar que a editora apostou em trazer-nos a edição aumentada da obra que, para além da história principal, contém ainda uma história adicional de 32 páginas sobre mais uma das vítimas italianas deste conflito na Síria e, ainda, um dossier de 7 páginas com apêndices à história, bem como, no início, um prefácio do autor que procura demonstrar-nos que, sendo esta uma situação política ativa, o livro não deverá ser retirado do contexto histórico em que foi escrito, sob pena de, se assim for, poder ser considerado obsoleto. Estamos perante, portanto, uma boa edição da Levoir que, além de tudo, ainda tem o mérito de ser pioneira na publicação de (mais) um autor estrangeiro em Portugal do qual já passei a ser fã. Nota ainda, positiva, para a tradução de Massimiliano Rossi. Nem sempre falo do tema das traduções nas minhas análises, mas, neste caso, e tendo em conta a maneira quiçá mais localizada com que Zerocalcare se expressa, com o recurso a muitas referências e calão, acho que o trabalho de tradução merece a minha nota de louvor pois não foi, certamente, muito linear para fazer.

Resumindo e concluindo, Kobane Calling é um belo registo autobiográfico, uma crónica de guerra alarmante, uma delação das mentiras que o Ocidente - e em especial o regime de Erdogan - propagam junto das suas populações no que ao conflito no Curdistão Sírio diz respeito. Se a obra tem toda esta carga política, também consegue ser, possivelmente, a banda desenhada mais cómica que li nos últimos anos. Como é que é possível fazer-se tantas coisas bem? Parece-me que teremos que perguntar a Zerocalcare como consegue este admirável equilíbrio. Mas, antes disso, comprem, leiam e ofereçam este Kobane Calling. É dos melhores livros do ano!


NOTA FINAL (1/10):
9.6




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Kobane Calling, de Zerocalcare - Levoir

Ficha técnica
Kobane Calling
Autor: Zerocalcare
Editora: Levoir
Páginas: 312, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 190 x 260 mm
Lançamento: Junho de 2024

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Análise: Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa
Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig

A editora ASA lançou há algumas semanas o livro Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, que é uma antologia de banda desenhada composta por cinco histórias sobre raparigas que, de algum modo, em contextos diferentes, mostraram ser capazes de enfrentar enormes desafios, sendo agentes ativos não só pela mudança no mundo, como na mudança de como olhamos para o papel que as mulheres podem desempenhar na atualidade.

As histórias versam sobre Malala Yousafzai, Greta Thunberg, Yusra Mardini, Emma González e as irmãs Melati e Isabel Wijsen. Destas seis raparigas, aquelas de quem houve mais eco - pelo menos nos media portugueses - foram as três primeiras raparigas que refiro. No entanto, todas elas desempenharam papéis importantes junto das suas respetivas comunidades que importa conhecer.

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa
Greta Thunberg, possivelmente a mais célebre de todas elas, tornou-se uma das figuras mais mediáticas na luta contra as alterações climáticas, tendo a sua influência começado localmente, na Suécia, numa primeira instância, mas tendo, posteriormente, sendo catapultada para o domínio internacional. Se a luta de Greta foi pela preservação do ambiente, a luta da paquistanesa Malala Yousafzai, foi pelo direito à educação. Não só para si própria, como para todas as meninas do seu país que, numa sociedade ultra paternalista e machista como a do Paquistão, veem o seu papel ser relegado para um segundo plano, com as aspirações de vida a serem única e exclusivamente tomar conta das crianças e não ousar auferir qualquer tipo de instrução escolar. Tendo já lido o seu livro, era uma história que conhecia bem. Yusra Mardini é a célebre nadadora olímpica da Síria que, em busca de uma melhor vida que lhe permitisse viver em segurança e sonhar com a competição profissional, se viu, juntamente com a sua irmã e com um primo, na situação de refugiada a atravessar o Mar Mediterrâneo em condições sub-humanas. Nessa perigosa jornada, ainda teve tempo de nadar de forma a salvar outros refugiados. Depois do sucesso desta travessia, Mardini haveria de integrar a equipa de Refugiados dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa
De Emma González e das irmãs Melati e Isabel Wijsen eu não sabia grande coisa, tenho que admitir. Mas fiquei bem impressionado com as suas histórias depois de ler este Nascidas Rebeldes. Especialmente com a de Emma González, que foi uma das crianças que sobreviveu a um massacre numa escola dos Estados Unidos da América. Depois disso, e consciente do disparate que é a liberalização do acesso às armas de fogo nos EUA, Emma González uniu-se a um grupo de outros jovens ativistas de forma a lutar contra um dos maiores lobbies do mundo: o das armas de fogo nos Estados Unidos. Por fim, as irmãs Wijsen tinham apenas 7 e 5 anos quando, na sua terra, Bali, na Indonésia, começaram a tomar consciência do problema do plástico e do lixo não reciclado, que assola o local em questão e, basicamente, todo o mundo. A partir daí, através de projetos escolares e da presença em conferências sobre o ambiente, as irmãs foram ganhando notoriedade e atenção  relativamente à importância da consciencialização da população para uma redução no consumo de plásticos, por um lado, e de um maior cuidado na reciclagem do mesmo, por outro.  

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa
Todas estas crianças são, está claro, um exemplo e uma fonte de inspiração para todos nós, pois revelam-nos que, independentemente da idade ou do género, cada pessoa pode ser ativista por um mundo melhor. Cada história dá-nos um relato biográfico sobre cada uma destas raparigas, de um modo informativo, que procura ser factual e sintético. As histórias são assinadas por Fabien Morin, Julien Derain e Laurent Hopman (este último, autor de As Guerras de Lucas, editado por cá pela Ala dos Livros). Achei curioso o facto de o livro não especificar, por história, quem foi o argumentista da mesma, ficando no ar, por omissão de informação mais concreta, a ideia de que os três trabalharam nas cinco histórias.

Já os ilustradores, recebem mais destaque, incluindo uma breve biografia de cada um, e todos nos dão um trabalho extremamente bem feito. São cinco géneros diferentes de ilustração, mas todos me agradaram bastante. Pela experiência que tenho neste tipo de leituras de BD com cariz mais informativo e em forma de antologia, até vos digo que não é muito frequente que encontremos um trabalho tão bem executado e aprimorado ao nível de ilustrações. Mas em Nascidas Rebeldes as ilustrações são de topo. 

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa
Os desenhos "cartoonescos" de Vittoria Macioci na história de Malala e os de Jocelyn Joret na história de Joret, conquistaram-me pela sua eficiência narrativa e modernidade. Os desenhos expressivos de Rebecca Traunig, com belas cores, na história dedicada às irmãs Wijsen também me agradaram muito. Mas foram os desenhos de Brett Parson em Emma & The Parkland Kids, num registo muito oriundo dos comics americanos, e, especialmente, as magníficas ilustrações, super estilizadas, com personagens carregadas de expressividade e com uma paleta de cores lindíssima, de Gijé, na história dedicada a Greta, que me deixaram mais rendido! Não há, de facto, aqui um ilustrador que não nos apresente um belíssimo trabalho!

As histórias alteram entre as 22 e as 28 pranchas, o que é suficiente para não estarmos perante histórias demasiado curtas, embora também não sejam muito longas, o que atesta o cariz documental e didático desta publicação, tornando-a um bom livro para crianças e jovens. Quanto a mim, leitor adulto, admito que teria desejado que estas histórias fossem mais longas para que as individualidades retratadas pudessem ser mais bem explanadas e para que o registo visual pudesse respirar melhor. Não é que haja uma sensação de claustrofobia visual, nem nada que se pareça, mas com ilustrações tão belas, talvez tivesse sido benéfico se essa componente fosse mais e melhor explorada.

Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa

Ainda assim, este Nascidas Rebeldes é uma boa aposta da ASA e que cumpre bem os seus vários pressupostos: é de leitura fácil, é apelativo, é informativo sem ser sensaborão, é indicado para uma franja de mercada alargada - até mesmo aquela que não tem por hábito a leitura de banda desenhada - e, em cima disso tudo, ainda tem um fantástico conjunto de ilustradores que dificilmente não agradará ao mais intransigente leitor.

A edição é em capa mole, com badanas. Quase sempre considero que a opção pela edição em capa dura é preferível, mas, no caso em questão, e tendo em conta a franja de público mais vasta que o livro almeja conquistar, talvez esta opção em capa mole seja adequada, uma vez que confere mais portabilidade ao livro. De resto, a edição dá-nos bom papel brilhante no miolo do livro e um bom trabalho ao nível da encadernação e da impressão. Depois de cada história, há sempre uma página com os links para os websites e redes sociais das raparigas ativistas e, também, uma breve biografia sobre o desenhador de cada história.

Em suma, Nascidas Rebeldes é mais uma prova da boa forma editorial da ASA que parece estar, cada vez mais, a acertar nas suas escolhas. Com um claro objetivo de informar sobre as vidas e exemplos destas jovens ativistas, esta é uma banda desenhada extremamente bem ilustrada e, ainda que as histórias curtam possam, de algum modo, limitar a profundidade com que os temas são explorados, a verdade é que cada uma destas cinco histórias consegue transmitir poderosas mensagens em poucas páginas.  


NOTA FINAL (1/10):
8.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido, de Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig - ASA - LeYa

Ficha técnica
Nascidas Rebeldes - Miúdas de Punho Erguido
Autores: Morin, Hopman, Derain, Gijé, Parson, Joret, Macioci e Traunig
Editora: ASA
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 268 x 204 mm
Lançamento: Julho de 2024

A Seita lança segundo volume de Made in Abyss!



Já está disponível para encomendas através da editora o segundo volume da série Made in Abyss, da autoria de Akihito Tsukushi!

O segundo livro deste mangá publicado pela editora A Seita e inserido no seu selo Ikigai, deverá chegar às livrarias nos próximos dias.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Made in Abyss #2, de Akihito Tsukushi

O segundo volume de um dos mangás de culto dos últimos anos!

O Abismo – uma cratera imensa que mergulha nas profundezas da Terra, e oculta criaturas enigmáticas e relíquias de um passado longínquo. Qual a sua origem? Que mistérios se ocultam nas suas profundezas? Muitos exploradores foram engolidos pelas trevas, na tentativa de decifrar os seus segredos. Os seus exploradores mais corajosos, os Apitos Brancos, são considerados lendários pelos habitantes da superfície, e diz-se que quanto mais fundo um explorador descer, mais improvável é ele alguma vez conseguir regressar, porque misteriosos efeitos secundários atormentam todos os que iniciam a sua ascensão de volta à superfície.

Neste segundo volume da série, os nossos protagonistas vão atravessar os dois primeiros níveis do Abismo, enfrentando os seus perigos, e começaremos a entender melhor a estrutura deste universo estranho e bizarro, bem como dos seus perigos.
Um universo cruel, que contrasta terrivelmente com os desenhos fofinhos de Akihito Tsukushi, e que faz de Made in Abyss um mangá seinen, em que a arte que retrata os protagonistas, na maioria crianças, contrasta profundamente com muitas das cenas mais violentas e terríveis deste mundo inumano, negro e, ao mesmo tempo, estranhamente natural. É o encontro entre a inocência e uma Natureza sem filtros, e sem as proteções da civilização.

Made in Abyss (ou MiA) venceu o Prémio de Excelência do Mangá em 2023, atribuído pela Japan Cartoonists Association Award (Nihon Mangaka Kyōkai Shō), e tinha sido nomeado em 2018 para o Prémio da Crítica Francesa ACBD para a BD asiática. 

Foi também adaptado num anime de grande sucesso, que conta já com duas temporadas, e que venceu os prémios nas categorias de Melhor Anime do Ano e Melhor Banda Sonora nos Crunchyroll Anime Awards do ano de 2017.

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Ficha técnica
Made in Abyss #2
Autor: Akihito Tsukushi
Editora: A Seita
Páginas: 168, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 12,5 x 19 cms
PVP: 9,99€

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Magazine BD Independente - Análise a 10 BDs Independentes Nacionais


Hoje trago-vos um especial sobre as últimas bandas desenhadas de cariz mais independente que andei a ler nos últimos tempos.

Desde fanzines, a edições de autor e a edições que, mesmo apoiadas por dinheiros públicos ou pertencentes a "editoras", têm uma distribuição independente.

São BDs que, por isso, nem sempre são muito fáceis de encontrar à venda, embora, claro, hoje em dia, com o advento da internet e das redes sociais, quem estiver interessado em adquirir uma destas bandas desenhadas, apenas tem de contactar os responsáveis por estas publicações. Em alternativa, é frequente que esta BD mais independente seja encontrada à venda em eventos e festivais de banda desenhada.

Bem sei que poderia fazer um artigo para cada uma das propostas de leitura que hoje vos trago, mas diz-me a experiência - e também as estatísticas de visitas do blog - que cada uma destas bandas desenhadas independentes conseguirá chegar a mais gente se o artigo em que falo delas for mais global, com os leitores do blog a poderem, através de um estilo mais sintético de análise, em género de "magazine", tomar conhecimento das várias propostas que vos trago.

Sem mais demoras vos deixo, portanto, com as minhas breves análise a 10 Bandas Desenhadas independentes que li recentemente.

Ora vejam:

Ala dos Livros lança adaptação para BD de O Combate de Henry Fleming!


Já se encontra em pré-venda o novo livro da editora Ala dos Livros que dá pelo nome de O Combate de Henry Fleming!

Da autoria de Steve Cuzor - de quem a mesma editora já publicou o belíssimo Uma Estrela de Algodão Branco - este novo livro adapta para banda desenhada o romance original de Stephen Crane. 

Conhecendo a celebridade da obra original, é um livro que ainda não tive oportunidade de conhecer e que, portanto, me deixa muito curioso para esta BD que tem recebido críticas muito positivas!

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora e deverá chegar às livrarias a partir do próximo dia 27 de Agosto.

Para já, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

O Combate de Henry Fleming, de Steve Cuzor

«E vocês? Que tipo de gente são vocês para se lançarem assim às cegas no vosso próprio túmulo?»

Virgínia, Primavera de 1863. 
190 000 soldados americanos defrontam-se no caos mortífero de uma guerra civil fratricida. Uns envergam o uniforme cinzento, os outros vestem o uniforme azul. 

Entre estes últimos, o jovem Henry Fleming vai pela primeira vez para a linha da frente. Doravante, a fronteira entre a vida e a morte dependerá apenas da trajectória de uma bala de espingarda ou de um estilhaço de obus. 

Na multidão anónima de homens transformados em combatentes de ocasião, Henry saberá realmente por que motivo deve lutar? Contra quem? Por quem? E o primeiro dos seus combates não será aquele que deve empreender contra o seu próprio inimigo interior? Entre o som do canhão e o canto do colibri, entre a loucura dos homens e a sensatez da natureza, entre a exaltação e o terror, entre a coragem e a cobardia, Henry terá de encontrar o seu lugar no terreno. E travar a sua própria guerra interior.

Em O Combate de Henry Fleming, Steve Cuzor baseia-se no romance fundador da literatura americana moderna, The Red Badge of Courage, escrito em 1894 por Stephen Crane. Com força e sensibilidade, a arte narrativa de Steve Cuzor reinterpreta esta história de aprendizagem num ambiente apocalíptico onde se misturam o pó e o sangue, a raiva e o medo.

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Ficha técnica
O Combate de Henry Fleming
Autor: Steve Cuzor
Baseado na obra original de Stephen Crane
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
PVP: 33,00€


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Análise: O Jogo da Morte

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público
O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche

Todos os verões são marcados por uma silly season, algo que, não tendo tanta relevância assim para a vida das pessoas, acaba por ser tema constantemente presente e sobreexplorado por muitos. Creio que, no que toca à banda desenhada em Portugal, este ano o tema da silly season foi o lançamento da segunda novela gráfica da Levoir e do jornal Público, O Jogo da Morte, da autoria dos espanhóis Pepe Gálvez e Guillem Escriche.

Assim que este livro chegou às bancas, logo se seguiu uma chuva de críticas, quer nas redes sociais, quer em blogs/sites sobre banda desenhada acerca do formato do livro, que é pequeno. Pois bem, é verdade que a Levoir lançou o livro num formato de 17 x 22 cms. E isso é um tamanho demasiado pequeno. Mais ainda, é um formato um pouco "estranho", pois o livro parece mais quadrado do que o habitual em banda desenhada. E se tivermos em conta que uma das valências da Coleção de Novelas Gráficas é a de respeitar os tamanhos das edições originais, realmente estamos perante uma incongruência editorial, já que, tanto nas edições desta obra em Espanha como em França, o formato era maior. É um facto e não há como negá-lo.

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público
No entanto, pareceu-me excessiva, a soar o absurdo, a reação que se fez sentir nas redes sociais. Foram várias as vozes que se ergueram para dizer que esta edição era "ridícula", que era um "roubo", que era um "ultraje", que "depois disto, nunca mais comprariam uma novela gráfica da Levoir", que "não se admitia", que o "livro era ilegível neste formato"... calma, juventude. Não é, quanto a mim, tão grave como parece.

Repito que sou a favor que as edições portuguesas respeitem ao máximo a forma como as obras estrangeiras são lançadas lá fora. Isso é ponto assente. E não considero propriamente esta edição como "boa". No entanto, e apelando ao bom senso e racionalidade dos que me leem, o lançamento deste O Jogo da Morte também não me parece tão "mau" ou tão "grave" como isso.

Ou, dito por outras palavras, já vi erros mais crassos serem feitos pela Levoir - e por outras editoras - noutros lançamentos. Mais do que o formato ser maior ou menor, a mim incomodam-me muito mais as más impressões, as más encadernações, os erros de tradução, os erros de revisão, os erros ortográficos ou de sintaxe, as páginas repetidas, a ausência de páginas, a ausência de balões, a má legibilidade... e por aí diante. E nada disso acontece neste O Jogo da Morte. Deparei-me com várias pessoas a dizerem que o livro, neste formato mais pequeno, não dava para ser lido devido a ficar ilegível e isso, meus caros, não é verdade. Talvez até tenha sido sorte da editora, mas o que é certo é que, em termos de legibilidade da legendagem, o livro se lê perfeitamente. Há apenas uma exceção, que é a página 34 do livro em que, como as legendas são utilizadas a branco em fundo preto, essa legibilidade sai afetada. Mas usar um exemplo, em 96 possíveis, para acusar o livro de ser ilegível, como vi a ser feito por essas redes sociais, é desonestidade intelectual.

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público
Coisa que não encontrarão aqui no Vinheta 2020. Aqui, opina-se aquilo que se sente. Não há aqui caça às bruxas, nem defesa cega das editoras, só porque sim. E sinto que a Levoir tem sido mais escrutinada do que outras editoras. Com efeito, ainda recentemente vi dois livros de uma outra editora a apresentarem claros problemas de legibilidade - maiores do que os deste O Jogo da Morte -  e não vi ninguém a apontar isso por essa web fora. Tirando a minha pessoa, claro. Portanto, ou bem que escrutinamos tudo e todos, ou bem que somos mais congruentes connosco próprios. 

Repito, e deixando bem claro para o caso de alguém poder considerar que estou a tomar o partido da Levoir, que: "sim, considero que esta edição tem um tamanho pequeno, que deveria ser maior e que, portanto, não está na qualidade pretendida". No entanto, também acrescento: "não é, nem de perto nem de longe, o erro maior que vi a Levoir fazer, nem tampouco a leitura do livro sai negativamente afetada por esta menor dimensão da obra". E, já agora, convém não esquecer que o preço das edições francesa e espanhola também são superiores ao preço da edição portuguesa. Portanto, já que "o tamanho", afinal, interessa tanto... se nos centramos no tamanho da edição, também não devemos esquecer o tamanho do preço. Vamos lá ser sérios.

Ora, posto isto, e avançando para aquilo que, realmente, mais deveria contar - mas, enfim, estamos na silly season - falemos da obra em si. 

O Jogo da Morte é um livro que nos conta, com base em factos verídicos, um dos jogos de futebol mais famosos de sempre. Infelizmente, pelas más razões.

Estamos em plena Segunda Guerra Mundial, mais concretamente a 9 de Agosto de 1942, na cidade de Kiev, na Ucrânia, que se encontra ocupada pelo regime nazi. Nesse dia fatídico, ocorreu um jogo de futebol que opôs jogadores ucranianos a jogadores alemães. E mesmo sendo 11 contra 11, a equipa ucraniana deu um autêntico "baile de futebol" à equipa alemã, ganhando por um expressivo resultado.

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público
Durante a ocupação nazi, convém não esquecer, o futebol era usado pelos ocupantes como uma forma de propaganda, e o jogo contra os ucranianos foi planeado pelos alemães como uma demonstração da superioridade ariana. Contudo, os jogadores ucranianos, apesar das ameaças, decidiram jogar a sério e golear a equipa alemã.

É claro que os alemães, defensores desse non sense que era a raça ariana, não gostaram nada e decidiram retaliar. Não só dentro do campo, com o recurso à violência à frente de todos os que assistiam ao jogo, inclusive do árbitro, como também, mais tarde, com o assassínio de alguns dos jogadores da equipa ucraniana. A questão que os alemães não podiam suportar era que tivessem sido derrotados por uma "raça" que consideravam ser inferior e que, com essa vitória, punha em causa toda a sua ladainha propagandista da raça superior ariana. Por seu turno, para a população residente em território ocupado, esta foi uma vitória moral importante para fazer face a uma vida privada de liberdade e carregada de injustiça. Quando se diz que o futebol é mais do que um jogo, podemos começar por referir este jogo de futebol em concreto.

Se este acontecimento histórico é de extrema relevância, não devendo nunca ser esquecido - mais que não seja para espetar na cara de todos os que defendem o nacionalismo, etnocentrismo ou racismo - não fiquei especialmente convencido com o argumento tecido por Pepe Gálvez. O autor tenta introduzir-nos ao antes e ao depois deste famoso jogo de futebol, mas acaba por fazê-lo com um encadeamento deficiente dos vários momentos da narrativa. O argumentista centra-se em várias personagens, mas sem realmente nos mergulhar nessas mesmas personagens. E, às tantas, parece que estão a ser despejados factos com alguns dos mesmos a nem sequer serem especialmente relevantes para a trama. Valia mais, está bom de ver, que o argumentista tivesse optado por se centrar numa só personagem, desenvolvendo-a, depois, de forma mais profunda. Assim, o argumento torna-se algo arrastado, impedindo o livro de almejar voos mais altos - sim, é disto que deveríamos estar a falar e não se o tamanho da edição é maior ou menor.

O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público
As ilustrações de Guillem Escriche, sem deslumbrarem, são agradáveis à vista, adoptando um estilo realista que cumpre bem os intentos narrativos. Se olharmos com atenção, veremos que o desenho não é tão detalhado como poderia ser e que há alguma rigidez nos movimentos das personagens, especialmente nas partes em que assistimos aos jogos de futebol. E isto até acaba por ser curioso, pois estou certo de que se o livro fosse lançado em formato maior, esta rigidez no desenho ou a nudez dos cenários seriam mais visíveis. Mas, claro, foi um golpe de curiosa sorte da editora, neste caso.

Quanto à edição da Levoir, tirando o supramencionado e lamentável - mas não tão chocante assim - formato pequeno da edição, o livro apresenta capa dura baça, bom papel baço no miolo e uma boa encadernação e impressão. Há um prólogo escrito pelo emblemático Mario Kempes, um jogador histórico da seleção argentina, e dois textos introdutórios onde, de forma algo exaustiva, diria, Pablo Herranz, aborda as várias versões cinematográficas que já adaptaram para a 7ª arte este O Jogo da Morte, antes desta versão em banda desenhada. A mais famosa dessas versões cinematográficas - e, também, a única que eu conhecia - é Fuga para a Vitória, com Sylvester Stallone e Pelé.

Em suma, O Jogo da Morte é uma BD que narra os acontecimentos por detrás daquele que será, e pelos maus motivos, o jogo de futebol mais emblemático e chocante de sempre. Uma leitura especialmente interessante para adeptos de história e de futebol que, pese embora o argumento pudesse ser mais aprimorado, oferece uma meditação sobre a coragem e a resistência em tempos de opressão. A corajosa decisão dos jogadores de futebol de não cederem às pressões dos ocupantes nazis simboliza uma vitória do espírito humano sobre a opressão, mesmo diante das piores circunstâncias.


NOTA FINAL (1/10):
7.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Jogo da Morte, de Pepe Gálvez e Guillem Escriche - Levoir e Público

Ficha técnica
O Jogo da Morte
Autores: Pepe Gálvez e Guillem Escriche
Editora: Levoir
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 170 x 220mm
Lançamento: Julho de 2024