Este ano, o Amadora BD trouxe uma certa avalanche de lançamentos por parte da editora A Seita que lançou 8(!) obras durante o evento! E entre esses vários livros, encontra-se este Macho-Alfa, da autoria de Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina – um dos meus ilustradores favoritos em Portugal.
Este é o primeiro de quatro volumes. Dizendo assim, o apelo comercial dos que me lêem pode ficar algo refreado, mas deixem-me dizer-vos que, segundo os editores, o volume 2 já está concluído e os autores até já estão a trabalhar no terceiro volume da série. Não tenham, portanto, “medo” que a série fique a meio como, infelizmente, já aconteceu em tantas ocasiões como, aliás, na fantástica série BRK, por exemplo, que também é da autoria de Filipe Duarte Pina, e que ficou “pendurada”.
Faço ainda uma nota ao facto de Macho-Alfa ter recebido bastante aclamação por parte da crítica nacional ou não figuraria entre os nomeados para as categorias de Melhor Álbum de Autor Português ou Melhor Argumento de Autor Português nos prémios VINHETAS D’OURO 2021.
Macho-Alfa conta-nos a história de um super-herói português que, munido de uma imensa força sobre-humana, acaba por testemunhar o lado negro de ter mais poderes do que aquilo que, eventualmente, desejaríamos. Ou, por outras palavras, o lado negro de se ser super-herói. E embora a história, pelo menos com base neste primeiro volume, pudesse ser ambientada em qualquer outro ponto do planeta, os autores foram felizes na perspetiva que adotaram para causar uma reflexão em relação à existência de um super-herói na sociedade atual.
É certo que já vários autores suscitaram reflexões semelhantes noutras obras relevantes. Estou a pensar em Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, ou Kick-Ass, de Mark Millar e John Romita Jr., ou mesmo, O Corvo, de Luís Louro. Ainda assim, Macho-Alfa tem a sua própria singularidade e as reflexões que levanta trazem uma boa dose de frescura ao tema. Se em crianças sonhámos ser super-heróis, para lutar contra o mal e recolher a admiração dos outros, será que a experiência seria assim tão abonatória para todos, caso existisse mesmo, entre nós, uma pessoa com superpoderes?
Filipe Duarte Pina, o argumentista, parece, pelo menos com base naquilo que nos dá a conhecer neste primeiro tomo, discordar desse lado romântico de se ser super-herói. O protagonista David Ferreira, que pesa 980kgs e é 100 vezes mais forte do que o normal, está à beira de uma depressão. A sua força é tanta que ele até já evita dar apertos de mão ou abraços, com o medo de magoar ou destruir aqueles que o rodeiam. E, além disso, é desempregado e a sua situação amorosa encontra-se em crise, também. Já para não falar nos processos judiciais que lhe começam a ser impostos devido à destruição e violência que, embora levadas pela vontade de fazer o bem, as suas ações têm causado.
Entretanto, e esta talvez seja a coisa de que mais gostei no argumento, o autor serve-se bem da sociedade atual e da forma como a mesma cultiva o mediatismo fácil, através dos reality shows e das redes sociais, em que se procura dar destaque ao imediato e ao chocante, sem grandes pudores ou noções éticas. Muito bem lembrado, Filipe Duarte Pina. Isto vai fazer com que a trama ganhe uma boa dose de verosimilhança e que torne a tal reflexão, já levantada com a existência de um super-herói na sociedade em que vivemos, ainda mais profunda a um segundo nível de interpretação.
O argumento está, pois, muito bem pensado e mantém o leitor colado à história da primeira à última página. Aprecio especialmente o facto de ser uma narrativa que se disfarça de leve e fácil, mas que, lá bem no fundo, é muito mais pesada e trágica do que aquilo que parece. Pelo menos, neste primeiro livro, claro. Estou a falar sem saber qual o rumo que, entretanto, os autores darão aos volumes vindouros.
Quanto às ilustrações, o trabalho de Osvaldo Medina – um dos meus ilustradores preferidos nacionais, não me canso de dizer – traz consigo uma certa garantia de qualidade, originalidade e dinamismo. O protagonista tem bastante personalidade, do ponto de vista conceptual, e as cenas de ação, violentas e gory, são um mimo para os olhos. Na variedade de planos de câmara e nos enquadramentos, o autor também demonstra ser um especialista.
Como crítica menos positiva, diria que, de uma forma global, já vi trabalhos mais impressionantes de Osvaldo Medina. Embora reconheça que haverá, certamente, uma possível tentativa de adoção de um traço mais dinâmico e cru, pareceu-me que certas expressões faciais das personagens e linguagem corporal das mesmas, poderiam ter recebido mais aprumo na conceção. Ou que as mesmas foram feitas com uma certa “pressa”. Posso estar a ser um bocado injusto pois, ainda assim, é um livro muito bem ilustrado e cheio de personalidade. Mas, lá está, de autores muito competentes “exigimos”, por vezes, e de forma algo injusta, reconheço, mais. Não obstante, a qualidade de Osvaldo Medina está lá, mas num registo mais cru, diria.
E penso também que a colorização da obra não ajuda a mesma a ser mais marcante e apelativa. As cores parecem-me demasiado digitais (if you know what I mean), com as luzes e sombras a apresentarem-se pouco orgânicas e muito de "plástico". É certo que é uma escolha dos autores e que, pelo menos, é um estilo que se se nos oferece coerente da primeira à última página. Ainda assim, parece-me que as cores tornam o desenho menos bonito e apetecível.
Sei que se traça de uma afirmação bastante subjetiva mas é curioso que, olhando para a arte final de Osvaldo Medina a preto e branco - que é partilhada nos extras do livro -, faz-me desejar que o livro fosse a preto e branco. Afinal de contas, já todos vimos as maravilhas visuais de que Osvaldo Medina é capaz, a preto e branco, em Kong The King, por exemplo. Todavia, também compreendo que este tipo de histórias – de super-heróis – a piscar o olho aos comics americanos receba cores vivas por uma questão de identidade.
Em termos de edição, o trabalho d’A Seita e da Comic Heart continua muito bom. O livro é em capa dura, com bom papel, adequado à arte e ao tipo de história, e uma boa encadernação e impressão. Traz ainda um caderno de extras, muito pertinentes, em que nos é mostrado o processo de composição de três vinhetas, em quatro fases, desde o esboço inicial até à arte final. Há ainda espaço para esboços que funcionaram como estudos de personagens e duas páginas –a preto e branco - que servem como teaser para o tomo 2.
Concluindo, Macho-Alfa surpreende pelo argumento refrescante e desenho dinâmico que nos oferece e deixa-nos com água na boca para o que aí pode vir nos próximos 3 volumes da obra. Os alicerces para que esta seja uma das (mini) séries mais interessantes da banda desenhada nacional estão bem assentes. Agora resta apenas que haja uma boa cadência temporal no lançamento dos próximos 3 álbuns e que a história e os desenhos dos mesmos façam justiça a tudo o que foi (bastante bem feito) neste primeiro volume. Recomenda-se.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Macho-Alfa Vol. 1
Autores: Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina
Editora: A Seita e Comic Heart
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2021
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