Uma das coisas em que este ano 2022 será marcante para a banda desenhada nacional, é que foram lançados vários livros SOBRE banda desenhada. Não serão casos únicos na história da edição em Portugal, mas acho que podemos dizer que já há algum tempo que não eram lançados livros que falem sobre banda desenhada.
É claro que todos nós gostamos, em primeira análise, diria, de livros DE banda desenhada. Mas, não deixa de ser verdade que, em qualquer tema ou arte, os livros sobre essa mesma disciplina ajudam a compreendê-la melhor. Desta forma, se um amante de cinema poderá aprofundar os seus conhecimentos com um livro sobre cinema; ou se um amante de futebol poderá aumentar os seus conhecimentos com um livro sobre esse desporto; também aqui a proposta será que um amante de banda desenhada possa aumentar os seus conhecimentos em banda desenhada. E que bom isso é, não?
Aceito que me digam que este tipo de livros talvez não seja para todos. Talvez não seja para o leitor mais casual de banda desenhada. Mas também não considero isso um mandamento. Ou, por outras palavras, considero que, mesmo que este tipo de livros não traga mais leitores para a banda desenhada, tem – o potencial, pelo menos – para fazer uma coisa tão ou mais relevante do isso: a de aumentar o interesse do leitor na própria banda desenhada. Porque – e isto será uma lei de La Palice – se o interesse em banda desenhada aumenta, certamente também aumenta o interesse em ler (e comprar) mais livros de BD.
Portanto, todas estas palavras iniciais para, numa primeira abordagem, congratular a editora A Seita por esta aposta. Que me parece pertinente e meritória!
Olhando para a múltipla aposta da editora em livros SOBRE banda desenhada, venho aqui falar-vos desses quatro livros: Conversas de Banda Desenhada, de Carina Correia e João Miguel Lameiras, Imagens de Uma Revolução – 25 de Abril e a Banda Desenhada, de João Miguel Lameiras, João Paulo Paiva Boléo e João Ramalho Santos; Variantes – Uma Homenagem à BD Portuguesa, de vários autores; e Tex – Mais que um Herói, de Mário João Marques. Convém relembrar que, se há algo que também justifica que os livros tenham um lançamento muito próximo em termos temporais entre si, é que estes quatro projetos tenham beneficiado dos apoios do Compete 2020.
O que me surpreendeu pela positiva nestes quatro livros é que todos eles, mesmo tendo sido lançados praticamente na mesma altura, conseguem encontrar o seu espaço e a sua pertinência, sem que se "atropelem" uns aos outros. Quando soube que todos estes livros iriam ser lançados, embora tivesse ficado satisfeito, pensei: “hmmm, não será que são demasiados livros SOBRE bd de uma só vez? Não estará a editora a canibalizar-se a si mesmo?”. Agora, depois de os conhecer a fundo, digo-vos que não considero que exista aqui qualquer tipo de sobreposição, e que todos estes quatro livros têm intentos diferentes.
E é mesmo por isso que senti necessidade de criar este artigo em que vos falo e explico o conceito por detrás de cada um destes livros. Depois disso, a escolha pela compra de um ou outro livro dependerá, certamente, pelos gostos de cada um – mas não é assim em qualquer produto ou escolha que fazemos na vida?
Começando por Conversas de Banda Desenhada, de Carina Correia e João Miguel Lameiras, posso dizer-vos que adorei o livro. O projeto não poderia ser mais despretensioso e sincero, pois tudo aquilo que os autores nos querem dar são meras conversas entre eles e alguns dos autores mais relevantes da banda desenhada nacional. São eles: Filipe Melo, que é acompanhado por Juan Cavia na entrevista; Nuno Saraiva; Marco Mendes; Osvaldo Medina; Luís Louro; Jorge Coelho; Paulo Monteiro; e Joana Afonso. Que fantástica seleção de autores portugueses! Tenho a certeza de que o Mister Fernando Santos, se gostasse de banda desenhada, não faria melhor trabalho na convocatória.
Este é, portanto, um livro de entrevistas muito bem conduzidas por Carina Correia e João Miguel Lameiras, e que nos procura dar a conhecer um pouco mais sobre os autores acima referidos: que projetos futuros têm, como foram desenvolvidos os projetos já lançados, e muitas e muitas informações e curiosidades. Algumas delas os leitores mais atentos já conhecerão, mas asseguro-vos que há muita informação que acaba desvendada depois de finda a leitura deste Conversas de Banda Desenhada. Nota positiva para o facto de os autores terem feito estas entrevistas na base de conversas presenciais. O que tornou todo o diálogo muito mais fluído e natural.
O grafismo do livro e a paginação estão bem conseguidas para o tipo de obra em questão. Acho apenas que os textos das entrevistas talvez pudessem ter recebido um maior número de imagens/pranchas/ilustrações feitas pelos autores em entrevista. Atenção que houve um esforço dos autores para que isto acontecesse. Mesmo assim, parece-me que talvez pudessem ter sido colocadas mais imagens ainda, para que se evitasse termos duas páginas apenas de texto, que aparecem de quando a quando. Não obstante, nota muito positiva para a ilustração dos entrevistadores que cada autor foi convidado a fazer e que permite à obra ter imagens inéditas de todos estes artistas.
A edição do livro é em capa mole e num formato que me lembra o de um livro de literatura em prosa/romance. Acho que encaixa bem no tom descomprometido da obra. Quanto a mim, tudo funcionou muito bem neste livro. E gostava que os autores não se ficassem por aqui e, futuramente, pudessem fazer outros volumes do Conversas de Banda Desenhada, entrevistando outros autores.
O Imagens de Uma Revolução – 25 de Abril e a Banda Desenhada resultou de uma parceria editorial entre A Seita e a Levoir e até chegou às bancas há vários meses.
Este é, de todos, o livro mais académico, abordando o tema do 25 de Abril, a Guerra Colonial e o Estado Novo, em torno da banda desenhada. Ou, melhor dizendo, a banda desenhada em torno de todas essas temáticas.
É daqueles livros que - espero! - facilmente chegará a livrarias, a instituições públicas e a bibliotecas de escolas e estabelecimentos de ensino superior.
O trabalho que aqui nos é dado revela-se completamente meritório e acho que os três autores, de primeiro nome João, deverão estar orgulhosos do profundo e estudioso trabalho que lhes rendeu a feitura deste livro.No entanto e, pelo cariz demasiadamente académico, sublinho, será de todos estes quatro livros aquele que, para os meus gostos pessoais, é mais maçudo de ler. Mesmo o próprio grafismo e paginação da obra – que é bastante bem feita, admita-se – me fez lembrar um manual escolar ou um livro técnico. Não obstante, e como disse mais acima, também este livro encontra facilmente o seu público e a sua legítima razão de ser.
A edição é em capa dura, com um bom papel brilhante, o que confere à obra uma possível categorização de “coffee table book”. Isto é, um livro de coleção que também é bonito de se mostrar.
Avançando para Variantes, devo dizer que este livro tem uma premissa muito interessante e sui generis, que reside na intenção de tentar ser um livro de homenagem à banda desenhada nacional. Aliás, convenhamos que até o próprio subtítulo da obra assim o diz.
O conceito base da obra é ser um catálogo com algumas das bandas desenhadas mais marcantes da história do género em Portugal. Desde aquela que é conhecida como a primeira de todas, A Picaresca Viagem do Imperador Rasilb pela Europa, de Raphael Bordallo Pinheiro; Quim e Manecas, de Stuart de Carvalhais; O Espião Acácio, de Fernando Relvas; Jim del Monaco, de Luís Louro e Tózé Simões; A Pior Banda do Mundo, de José Carlos Fernandes; ou Tu és a Mulher da Minha Vida, Ela a mulher dos Meus Sonhos, de João Fazenda e Pedro Brito. Isto entre muitas obras que aqui são relembradas. São 25 clássicos da banda desenhada nacional, no total.
Mas, mais do que ser um catálogo da bd nacional marcante e de ter um texto que contextualiza a obra, a grande característica diferenciadora de Variantes é que, para cada obra homenageada, foi escolhida uma prancha desse livro, para ser, depois, redesenhada e interpretada por um autor atual. Como se fossem versões atuais de músicas clássicas. Um conjunto de covers, vá. É um exercício muito giro e que funciona muito bem, contando com autores relevantes como André Caetano, Fábio Veras, Jorge Coelho, Marco Mendes, Marta Teives, Rita Alfaiate, entre outros ilustres.
Sinto que este livro é uma autêntica celebração da banda desenhada em vários quadrantes: dos autores que já não estão entre nós, mas cujas obras passarão o teste do tempo; dos autores atuais que aqui deram o seu talento e coração à iniciativa, presenteando-nos com a sua arte; dos autores dos textos (alguns deles muito sentidos) que fazem uma boa introdução informativa à obra dos autores homenageados… enfim, está aqui muito bem representada uma boa parte do setor da banda desenhada nacional, atrevo-me a dizer.
Acho só que há algo em que o livro peca e que lamento que ninguém tenha chamado à atenção. Pelo seu cariz de livro de caráter consultivo, lamenta-se a inexistência de um índice com as obras que aqui são homenageadas. Num livro assim, era algo obrigatório e fácil de fazer, uma vez que só pressuporia uma mísera página. Para alguns, isto pode parecer um pequeno erro sem importância mas, para mim, e olhando para o cariz de prontuário da banda desenhada nacional que o livro parece reclamar para si mesmo, acho um erro lamentável.
Creio também que, em termos de arranjo gráfico e paginação, o livro poderia ter recebido um melhor tratamento. Não obstante, tenho que destacar a muito inspirada ilustração de capa, do autor Pedro Morais, que está muito bela e que consegue prestar homenagens várias e esconder easter eggs deliciosos de descodificar. Muitas vezes digo que uma capa pode - e deve! – vender um livro. E esta capa, com uma ilustração assim, fá-lo muitíssimo bem.
Meus amigos, quanto a mim, este é dos lançamentos mais impressionantes do ano! Estamos a falar de um livro com quase 500(!) páginas, que nos conta, com um detalhe impressionante, tudo e mais alguma coisa sobre Tex, o famoso cowboy da Sergio Bonelli Editore.
Este livro é uma autêntica "bíblia", uma autêntica "enciclopédia", um autêntico "manual de A a Z", um autêntico tour de force. Passei horas de volta dele e sinto que ainda há tanto e tanto por saber e aprender com este livro. Sei que Mário João Marques demorou mais do que 10 anos a conceber este “monstro”, no bom sentido da palavra. E digo-vos que, olhando para a quantidade e qualidade do conteúdo, para a atenção ao detalhe, até me parece que o fluxo de trabalho do autor para 10 anos… foi bastante rápido.
Mário Marques analisou até ao mais ínfimo detalhe histórico-técnico, tudo aquilo que compõe a célebre personagem: o mito, o herói, as personagens, os vilões, as mulheres, a evolução da série, os autores que nela participaram, as capas, os ambientes, a história e toda e qualquer coisa que envolva Tex. Aplausos perante um trabalho deste gabarito não serão suficientes. Digo mais: se a minha vida fosse interessante e relevante como a de Tex, gostaria que Mário João Marques fosse o meu biógrafo. Está cá tudo o que precisa de estar!
Gostaria que o livro fosse a cores, mas compreendo que, dada a sua dimensão, isso seria impensável ou encareceria muito o livro. A edição está muito boa e a paginação da obra, feita por João Marin, outro admirador de Tex, está bastante bem conseguida.
Mas, adorando o trabalho feito neste livro, não posso deixar de falar no “elefante na sala”: a capa deste livro. Que fica muito aquém daquilo que um projeto destes mereceria. E aqui aponto armas à própria editora Bonelli, que não autorizou Mário João Marques a utilizar uma imagem, digamos, "oficial" de Tex. Como é que é possível que e editora – conhecendo de antemão os intentos, a responsabilidade e a seriedade do autor – não tenha dado luz verde para que tal acontecesse? Que disparate por parte da casa-mãe de Tex, digo-vos eu! O resultado acabou por ficar muito “fraquinho”, tenho de dizer. Isto porque o autor se viu forçado a utilizar uma sombra de Tex, em vez do desenho da personagem, como deveria ser. Essa sombra está bastante mal-amanhada, quer ao nível do layering do sombreado na paisagem natural, quer ao nível do tratamento da própria sombra. Imagino que talvez não tenha havido tempo suficiente para desenhar, convenientemente, uma sombra de Tex, sob o solo árido da paisagem do oeste americano. Ainda assim, é de lamentar que a capa – que é tão relevante, apesar de tudo – tenha ficado tão amadora, num trabalho tão pleno de comprometimento e profissionalismo.
Portanto, sim, não se deixem enganar pela capa! Este é um trabalho de amor e acredito que todos nós devemos saber valorizar os trabalhos que resultam de amor. Haverá coisa mais bela do que isso? O amor que Mário João Marques tem à personagem de Tex e como a mesma mudou para sempre a sua vida. E a de tantos e tantos admiradores que Tex tem por esse mundo fora. Alguns deles, pelo menos os lusófonos, terão neste livro um produto que não é apenas recomendado… é absolutamente obrigatório.
-/-
Portanto, concluindo o meu artigo, não atribuo NOTAS FINAIS a estes livros mas finalizo com a certeza de que são 4 excelentes propostas de livros SOBRE banda desenhada em que a A Seita aposta e que merecem ser acarinhados.
Faço votos para que mais destes livros possam surgir no futuro.
-/-
Conversas de Banda Desenhada
Autores: Carina Correia e João Miguel Lameiras
Editora: A Seita
Páginas: 184, a cores
Encadernação: Capa mole com badanas
Formato: 15 x 23 cm
PVP: 17,90€
Autores: João Miguel Lameiras, João Paulo Paiva Boléo e João Ramalho-Santos
Editoras: A Seita e Levoir
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 26,5 x 19,3 cm
PVP:17,90€
Autores: Vários
Editora: A Seita
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 23 x32 cm
PVP: 17,00€
Autor: Mário João Marques
Editora: A Seita
Páginas: 488, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 28,50 x 28,50 cm
PVP: 40,00€
Viva Hugo, como já tinha comentado, obras desta natureza fazem parte de um mercado saudável de BD e aplaudo as iniciativas, no entanto mereciam melhor atenção no que diz respeito ao projecto gráfico (paginação, design). Pelo pouco que consigo observar "Imagens de Uma Revolução" será o que o que melhor funciona, "Variantes" com uma boa imagem de capa mas péssimo design e este, mais "Conversas de Banda Desenhada", parecem (mal) paginados sobre a mesma base. O projecto interior de "Tex" parece bem interessante mas com uma capa inconcebível. Nem todos os editores têm que ser designers, mas reconhecer o papel essencial do/a designer numa obra, esse sim é um dos papéis do editor. Melhores editores/as, precisam-se...
ResponderEliminarOlá, António. Compreendo e aceito o que diz. A paginação e o design de um livro são, sem dúvida, muito importantes e não devem ser descuradas.
Eliminar