terça-feira, 29 de novembro de 2022

Análise: Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru é uma banda desenhada, de origem nacional, que chegou a álbum físico – numa audaz edição, diga-se – através de uma campanha de crowdfunding bem sucedida. O autor responsável deste grande livro, com 176 páginas, é Marco Fraga da Silva. Faz-se acompanhar pelos autores Matthieu Pereira, nos desenhos, e por Sofia Pereira, nas cores.

Este livro resultou da tese de doutoramento de Marco Fraga da Silva, que acabou por proporcionar que a obra Uluru chegasse primeiramente aos canais digitais, surgindo como webcomic em quatro línguas: (inglês, francês, mandarim e português). Mas, claro, é com a edição em papel que esta obra chegará, estou certo, a um mais alargado conjunto de leitores. Incluindo a minha pessoa.

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
A história deste primeiro livro de uma trilogia, coloca-nos num universo futurista de ficção científica, que nos convida a conhecer a jornada do jovem Uluru, que deve o seu nome ao monólito da Austrália com o mesmo nome.A jornada do protagonista vai desenrolando-se, pois, pela floresta do território australiano, enquanto, ao mesmo tempo, nos apresenta o passado da personagem. Nomeadamente, a sua convivência com as suas duas irmãs. O que há de especial nesta história de aventura, carregada de elementos de ficção científica, é que as três crianças têm dois pais artificiais: o robot Talus e uma entidade cibernética.

É um tema que acho muito interessante – esta em que a convivência do homem com a máquina molda a vida do primeiro de forma tão marcante – e que, de certo modo, também marcou presença numa das minhas recentes leituras, que foi Senciente, de Jeff Lemire e Gabriel H. Walta. Embora, claro está, cada autor aborde o tema da sua própria forma.

Eventualmente, Uluru acaba a receber um braço e uma perna cibernéticas que lhe conferem habilidades adicionais que o ajudarão na sua caminhada que surge, pois, como uma viagem iniciática para o protagonista que, viajando pelos confins florestais da Austrália, num mundo que parece carecer de vida humana, à exceção do próprio Uluru, tentará alcançar autoconhecimento. 

Pelo caminho, vai encontrando alguns animais, que assumem dimensões muito grandes, o que aumenta o perigo de confrontos físicos que, ainda por cima, se tornam inevitáveis. Nesta versão futurista do planeta Terra, são os animais e as máquinas(?) que parecem estar a tomar o controlo do planeta e Uluru terá que defrontar inúmeros animais maiores do que ele para poder manter-se vivo.

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
Em paralelo à viagem, o autor permite-nos vários vislumbres, através de flashbacks, à infância de Uluru, juntamente com as suas duas irmãs. Algo que, quanto a mim, funciona muito bem e permite duas coisas: por um lado, permite-nos aprofundar a personagem principal, bem como o seu background e motivações que agora sustenta; por outro lado, estes flashbacks também funcionam enquanto forma de tornar a leitura mais aprazível e mais diversificada, contribuindo para uma narrativa bem esgrimida pelo autor.

Nota ainda para a presença de um canguru, Pernas, que acompanha Uluru na sua jornada e que serve mais como ferramenta narrativa, para que Uluru possa falar para ele. Mesmo sem receber resposta por parte do canguru, isso permite ao leitor saber o que vai na cabeça do protagonista. Temos, portanto, mais um bom recurso narrativo por parte de Marco Fraga da Silva.

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
Relativamente à história, posso dizer que a achei bem arquitetada pelo autor e que apenas não fiquei muito convencido quando a mesma, lá mais para o meio, assume um cariz mais de fantasia isotérica. Mas, como a história não acaba aqui, devo dizer que teremos que esperar para ver, para saber como o autor irá solucionar a história. Por agora, estou bastante bem impressionado.

Relativamente aos desenhos, o trabalho do ilustrador de origem francesa, Matthieu Pereira, dá-nos muitos e belos desenhos. Sendo dono de um traço moderno e bastante eficiente, o autor mostra-se bastante inspirado, especialmente no início da história, e vai-nos criando um belo ambiente gráfico para que a história imaginada por Marco Fraga da Silva possa florescer convenientemente.

Por vezes, os desenhos apresentam algumas insuficiências ao nível da ação, dando-nos sensações de movimento algo estáticas, mas tenho que destacar algumas ilustrações de maior dimensão, onde o trabalho do autor se nos apresenta como bastante impressionante.

Infelizmente, Matthieu Pereira não é constante na sua qualidade e, à medida que o livro se aproxima do fim, começam a aparecer alguns desenhos que carecem de detalhe e de aprimoramento, quando comparados com as primeiras páginas do livro. Talvez a justificação para isto seja uma certa falta de tempo que, possivelmente, o autor teve e que o levou a apressar as suas ilustrações. Não é nada que estrague a leitura ou que revele incapacidades do autor. Pelo contrário, revela que o mesmo seria capaz de fazer melhor.

Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
Quanto à edição, e tendo em conta que estamos perante uma edição de autor, acho que o livro está muito bem conseguido. Com capa mole, com badanas, o livro apresenta um belo papel brilhante com uma generosa espessura. Tão generosa que talvez nem fosse preciso, digo eu, um papel tão bom. É que um papel pesado numa lombada em capa mole, até a deixa mais facilmente vulnerável, o que acaba por acontecer nesta edição. Mesmo assim, é positivo verificar que, mesmo em edições de autor, é possível fazer um trabalho de edição bastante bem conseguido. O livro inclui ainda, no seu final, uma galeria com 12 ilustrações elaboradas por vários autores. Um acrescento que dignifica, ainda mais, esta edição.

Em suma, Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru traz-nos uma bela e relevante trama, onde Marco Fraga da Silva convence enquanto argumentista e onde Matthieu Pereira revela ter potencial para a ilustração em banda desenhada. Não é um livro isento de alguns erros ou imperfeições, mas é uma obra que, em termos da banda desenhada nacional, se assume como uma das revelações do ano.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru, de Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira

Ficha técnica
Crónicas do Tempo e do Espaço – Uluru
Autores: Marco Fraga da Silva, Matthieu Pereira e Sofia Pereira
Editora: Independente
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Agosto de 2022
Contacto para compra: marcoffs@sapo.pt

5 comentários:

  1. Achei o livro fraco, de modo geral, principalmente pela inconsistência.

    Como mencionas, a arte não é consistente e vai decaindo em qualidade.
    Embora o argumento até seja interessante, a narrativa escrita - por vezes - não harmoniza com a narrativa visual.
    Para um "primeiro grande livro", ainda por cima com origem GRAÇAS a "crowdfunding", seria de esperar um pouco mais.

    Não apoiei a campanha porque não me agradou o que vi, logo a priori.
    Mas, se o tivesse feito, provavelmente sentir-me-ia "crowdfraudado"...

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    1. É verdade que há a tal inconsistência, que não permite que o livro aspire a "voos maiores". Mas considero um bom livro, ainda assim. Uma surpresa positiva.

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    2. Obrigado pela sua opinião à cerca do livro! Vou continuar o trabalho para melhorar o meu desenho!

      Enquanto ao crowdfunding, o livro está disponível por completo em sites de webcomics, como o Webtoon ou o Tapas..
      Era possível ter uma ideia do livro e da qualidade do mesmo antes de apoiar a campanha.




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  2. Obrigado pela crítica! Foi interessante e ajuda sempre para a evolução pessoal.

    A inconsistência ao nível do desenho não foi por falta de tempo, foi por vontade de mudar o meu estilo de desenho ao trazer mais preto e simplificar elementos.
    Vou continuar a trabalhar para melhorar esse novo estilo!
    Fico contente por ter gostado no geral do livro!

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    1. Caro Matthieu, muito obrigado pelo seu comentário que muito honra o Vinheta 2020. Continuação de bom trabalho é o meu desejo mais sincero!

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