O Ditador e o Dragão de Musgo, da dupla francesa Fabien Tillon e Fréwé, é um dos mais recentes lançamentos de banda desenhada da editora ASA. Este é um livro originalmente lançado em 2024 no mercado francófono, que desafia convenções ao apresentar uma história verídica com contornos tão improváveis que mais parecem saídos da ficção.
A história acontece nas Coreias, a partir do ano 1978, e conta-nos a história verídica do realizador e produtor de cinema Shin Sang-Ok - uma autêntica estrela da Coreia do Sul. A sua mulher, Choi Eun-hee, é atriz e outra estrela do cinema nacional. A vida destes dois artistas, cujo casamento parece estar à beira do fim, é profundamente alterada quando Choi Eun-hee desaparece sem deixar qualquer rasto. Isto motiva Shin Sang-Ok a procurar a sua esposa desenfreadamente. Até que ele mesmo acaba por ser raptado, tal como - vimos a descobrir entretanto - a sua mulher. Por quem? Bem... pelo regime totalitário da Coreia do Norte.
À semelhança do que aconteceu com outros artistas japoneses, chineses ou coreanos, o regime de Kim Jong-Il raptava alguns dos talentos mais proeminentes dos países vizinhos com o intuito de colocar esses mesmos artistas a trabalhar para o regime ditatorial. Assim, Shin Sang-Ok e Choi Eun-hee vêem-se cativos na Coreia do Norte com a tarefa de realizarem, em nome da ditadura, filmes que marcarão a história do cinema de Pyongyang, contribuindo para a propaganda política, alicerçada na propagação da ideia de que a Coreia do Norte é um país perfeito.
Ao casal é concedida uma boa vida, com muitas mordomias, e liberdade para que façam os seus filmes da maneira que bem entenderem, desde que, claro está, esses filmes tracem uma boa imagem da Coreia do Norte. Como seria fácil de prever, Shin Sang-Ok não fica propriamente satisfeito com esta vida. Mesmo que uma gaiola seja bela e dourada, não passa disso mesmo: de uma gaiola, de uma prisão. Portanto, enquanto Shin Sang-Ok realiza filmes que são um sucesso junto do público e da crítica da Coreia do Norte, o realizador começa a encetar planos para uma fuga. Até porque, esta prisão levou o casal a ter que estar longe - e sem qualquer contacto - dos seus filhos ou de outros familiares ou amigos. Não conto mais para não privar os leitores das surpresas que esta história vai revelando.
Custa a crer, mas aconteceu mesmo. A narrativa mergulha o leitor num enredo mirabolante, mas assente em factos reais, o que a torna não apenas envolvente, mas também profundamente reveladora. Esta dualidade entre o absurdo e o verídico é o que dá à obra a sua principal força e originalidade, provocando tanto a incredulidade como a reflexão.
O trabalho de Tillon no argumento é bem conseguido ao conseguir contar-nos uma história real com o ritmo de um thriller, fazendo com que uma das coisas mais fascinantes desta obra seja precisamente o facto de que, apesar de tudo parecer uma invenção absurda, se tratar de uma história real. A incredulidade que sentimos ao ler certos episódios é constantemente desafiada pela lembrança de que estes acontecimentos realmente tiveram lugar. Por essa razão, O Ditador e o Dragão de Musgo transcende o mero entretenimento, sendo uma obra com potencial educativo, que pode ser usada como porta de entrada para discussões sobre regimes autoritários, propaganda, resistência e até mesmo sobre o papel do absurdo na história política. A banda desenhada, muitas vezes subestimada como meio, revela-se aqui (e mais uma vez) como uma poderosa ferramenta de comunicação e crítica.
Os desenhos da autora Fréwé seguem um estilo rápido e simples, que à primeira vista pode parecer modesto, mas que revela uma eficiência narrativa surpreendente. As expressões faciais, os cenários e a linguagem corporal são transmitidos com clareza e fluidez, permitindo que o leitor acompanhe a história sem qualquer esforço. É um estilo que privilegia a funcionalidade narrativa em detrimento do virtuosismo gráfico, o que, neste caso, funciona muito bem.
No entanto, é inevitável pensar no potencial estético não totalmente explorado. Isso fica especialmente evidente nas ilustrações que marcam as divisões entre capítulos: nestes momentos, Fréwé abandona a simplicidade funcional para apresentar imagens verdadeiramente belíssimas, detalhadas e evocativas. São desenhos que nos mostram o que a artista é capaz de alcançar quando não está restrita ao ritmo da narrativa sequencial, e que nos fazem desejar mais momentos assim ao longo da obra. A diferença entre o estilo principal e estas ilustrações de separação dos capítulos sugere que a autora optou conscientemente por um traço mais leve e rápido para a narrativa. Ainda assim, essa escolha deixa a sensação de que a obra poderia ter alcançado um impacto visual ainda mais duradouro se houvesse uma maior integração do seu lado mais artístico ao longo de toda a história.
A edição da ASA é em capa mole, sem badanas. Bem, tecnicamente falando, o acabamento não é meramente em "capa mole", mas em "flexicover", sendo este um material mais maleável e resistente do que uma habitual "capa mole". Seja como for, e termos técnicos à parte, não se trata da "capa dura" a que os leitores portugueses de banda desenhada mais estão habituados. Para além disto, o livro apresenta bom papel baço no miolo, boa impressão e uma encadernação boa, embora um pouco frágil.
Em suma, O Ditador e o Dragão de Musgo é uma leitura que vale especialmente a pena por nos retratar uma história que, mesmo sendo inspirada em factos verídicos, é incrivelmente mirabolante. O seu relato extraordinário, aliado à eficácia do texto e ao charme visual, mesmo com as suas limitações, fazem desta uma obra que merece ser conhecida, debatida e, sobretudo, lida com espírito crítico.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
O Ditador e o Dragão de Musgo
Autores: Fabien Tillon e Fréwé
Editora: ASA
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 291 x 210 mm
Lançamento: Março de 2025
Sem comentários:
Enviar um comentário