segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Análise: Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento

Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor


Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri

Com este quinto lançamento, a Arte de Autor encerrou a publicação da série de culto Druuna, da autoria do autor italiano Serpieri. 

Esta é uma série que junta erotismo, ficção científica e terror e que, desde o seu lançamento original nos anos 80, conquistou muitos fãs em todo o mundo. É uma série onde a personagem principal, Druuna, aparece quase sempre desnudada, expondo uma forma física luxuriante, composta por curvas generosas. Mas, para além de uma mulher sensual que habita as páginas da série, os leitores também são presenteados por um bom guisado de outras coisas: como duendes, homens-máquina, índios, cavaleiros, monstros, entre outros, que habitam o universo pós-apocalítico de Druuna

Neste quinto livro, intitulado Aquela que vem do Vento, Serpieri coloca-nos no encalço de Druuna, que parece pretender finalizar a sua jornada, com o intuito de encontrar questões às perguntas que lhe atormentam o espírito. Todavia, quer a heróina, quer os leitores, quer, até, o próprio autor Serpieri, parecem não encontrar as tais respostas – ou as perguntas certas? - que vão sendo colocadas ao longo da jornada. 

Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
O que mais salta à vista em Druuna é, sem qualquer margem para dúvidas, a fantástica arte visual de Serpieri. Dono de um traço virtuoso e preciso, o autor consegue criar um universo visual que dificilmente sai das mentes dos leitores, quando expostos a esta série. É fantástico a todos os níveis, com ilustrações portadoras de uma grande dose artística em tudo o que é desenhado, bem como na aplicação das cores. 

A caracterização do corpo feminino recebe um cuidado especial do autor, havendo oportunidade para todo o tipo de poses da heroína Druuna, que irradia sensualidade por todos os poros do seu corpo. Seja nos longos cabelos pretos e selvagens, seja no olhar sedutor, seja nos lábios carnudos, seja nos seios perfeitos ou seja nas nádegas de glúteos perfeitos que, convenientemente, aparecem assiduamente ao longo das páginas de todo o livro. A arte é verdadeiramente incrível e o resultado de como o corpo de Druuna é retratado, acaba por ser vistoso e apetecível. 

Em termos de arte, apenas tenho uma pequena “queixa” a fazer: é que, a partir da página 12 do livro, o estilo de ilustração do autor muda ligeiramente, apresentando uma arte final, menos detalhada, e com cores mais esbatidas do que nas primeiras páginas do livro. É lógico que o traço é o mesmo e que esta não é uma ruptura tão grande assim com as restantes páginas. Mas é algo que retira alguma fluidez à obra. Dá a sensação que, a partir desse ponto, o livro parece mais antigo em termos de aplicação de cores e arte final. 

Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
Quanto ao argumento e própria narrativa, devo confessar que, a meu ver, a série Druuna não está ao nível da sua fantástica arte visual. A ideia de juntar elementos do erostimo e da ficção científica, juntamente com uma pitada de terror e figuras do universo fantástico, até é de louvar, por ser extremamente original. No entanto, quer o argumento, quer a própria montagem do mesmo, através da construção dos diálogos, me parece muitas vezes forçado e lato no seu cerne. Não é, pois, de admirar que encontremos Druuna a refletir sobre coisas demasiado intangíveis. Por exemplo, balões como este, que seleciono aleatoriamente enquanto tenho o livro aberto à minha frente, são muito frequentes: “Eis a luz... a angústia é tão forte, terrível, dilacerante... isto dói... então, a morte é isto?”. Ora bem, isto até poderia ser um texto inspirado se não fosse tão vago. Que luz? Que angústia? Que dor é esta? Parece um texto que procura ser eloquente mas sem que os acontecimentos que vão sendo mostrados ao leitor sejam igualmente eloquentes. 

Talvez por isto, muitas vezes eu tenha achado que, perante um arte ilustrativa tão maravilhosa, a única coisa que estava a mais era a própria existência de texto. Muitas vezes, foi o texto e os balões carregados de demasiadas palavras vagas, que me afastaram da beleza contemplativa de observar as fantásticas ilustrações de Serpieri. Neste sentido, não esqueçamos o spin-off que Serpieri fez desta mesma série, intitulado Anima, que ao ser em modo silencioso, acabou por resultar bem melhor, a meu ver. Nesse caso, o autor limitou-se a contar uma história sem o recurso a texto, o seu calcanhar de Aquiles. Funcionou melhor. 

Sendo a banda desenhada, não só, mas essencialmente constituída por dois grandes vectores – o argumento e os desenhos – há muitas obras de bd que me deixam totalmente satisfeito mas, infelizmente, apenas num destes vectores. E Druuna é uma dessas séries. Se é verdade que a arte é magnífica e merece nota máxima, sendo uma maravilha de observar o enorme talento do autor no desenho; relativamente à questão do argumento, já acho que é uma banda desenhada que não me enche as medidas. Claro que poderão dizer-me que isto é uma questão meramente pessoal. De gosto. No entanto, como já referi, há várias coisas ao nível do argumento, onde me parece que a série poderia ser muito melhor. 

Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
É que a própria demanda de Druuna, e as questões que a mesma se coloca, parecem-me, se não sempre, pelo menos muitas vezes, questões algo vazias e desinspiradas. E extremamente vagas. Chega-me a parecer que Serpieri, tendo o enorme talento que tem nos desenhos e gostando, especialmente, de desenhar mulheres desnudadas, índios, cavaleiros, figuras mitológicas e alguns monstros, se colocou a si mesmo a seguinte questão: “Ora bem, apetece-me fazer uma banda desenhada com todas estas figuras que me dão gosto desenhar. Quanto à história... bem, isso logo se vê, vou lançando umas perguntas vagas para o ar. Busca de si mesma, e tal. Com uns desenhos tão bons a acompanhar... o público há-de gostar.”. É claro que estou apenas a especular mas é mesmo esta a sensação com que fico quando leio Druuna. A arte é fabulosa. O argumento, nem tanto. 

Quanto à edição, para além da editora portuguesa ter fechado uma série inteira de banda desenhada – e isso merecer o meu respeito e agradecimento -, este é mais um trabalho de muita classe por parte da Arte de Autor. E a verdade é que o parágrafo que, normalmente, nas análises que faço, dedico à edição dos livros, no caso da Arte de Autor, já começa a ser algo redundante. É que todos os lançamentos da editora – repito, TODOS os lançamentos da editora – que me chegam às mãos, apresentam uma qualidade de topo. São objetos bonitos de se ter em qualquer coleção premium de banda desenhada. Relativamente à série Druuna, temos aquelas capas duras com uma textura aveludada, tão suave ao toque, que enriquece a qualidade do objeto. Sou confesso fã deste tipo de textura. O papel é de boa gramagem, a qualidade da encadernação é boa e a própria edição gráfica da obra é muito bem conseguida. Nada poderia ser melhorado, a meu ver. E não esqueçamos os muitos e fantásticos extras que este Aquela que vem do Vento nos traz. Porque, na verdade, quase metade do livro é dedicado a extras. Temos, portanto, uma boa seleção de ilustrações raras ou inéditas – incluindo capas das primeiras edições da série Druuna, bem como esboços do autor e uma compilação de páginas a preto e branco. Os fãs da série vão concerteza adorar. 

Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
Concluindo, este volume 5 que encerra a série Druuna – e a própria série, diga-se - apresenta um sabor agri-doce por ser uma banda desenhada que merece nota máxima na ilustração, demais maravilhosa, mas que, no final, deixa várias lacunas relativamente às próprias questões que levanta de forma vaga. Não deixa de ser uma proposta obrigatória para os fãs do género ou do aclamado autor, mas, quanto a mim, gostaria de ver este autor, tão majestoso no desenho, a fazer uma história mais unida em si mesma e menos lata nas questões que meramente contempla. Acaba por parecer um poema bonito para observar mas que, lá no fundo, é apenas um exercício estético, sem tanto significado assim. Se há significados relevantes em Druuna – e há-os seguramente – acabam um pouco embrulhados em si mesmos. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.0 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento, de Serpieri - Arte de Autor
Ficha técnica
 
Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento 
Autor: Paolo Eleuteri Serpieri 
Editora: Arte de Autor 
Páginas: 96, a cores 
Encadernação: capa dura 
Lançamento: Setembro de 2020

Lançamento: Pulp

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio



Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
E aqui está uma notícia excelente, para abrir bem esta semana! 

A G. Floy prepara-se para lançar Pulp, da autoria dos autores Ed Brubaker e Sean Phillips, responsáveis por obras incríveis como Criminal, Fatale ou The Fade Out!

Fiquem com a nota de imprensa da editora e respetivas imagens promocionais.

 
Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips

Pulp é um romance gráfico original da dupla de sucesso Ed Brubaker e Sean Phillips, que contam uma incrível história de um velho cowboy que vai à cidade e tem uma última oportunidade de ser o herói da sua própria história. Imperdível! 

O que fazer quando sabemos que devíamos ter morrido novos, mas isso não acontece? Max Winter tinha outro nome e outra vida, há muito tempo. 

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
Agora, na Nova Iorque nos anos trinta, Max sobrevive a escrever para revistas as histórias superficialmente disfarçadas sobre o homem que em tempos foi, histórias da fronteira esquecida e de um fora-da-lei do faroeste que fazia a justiça a tiro. 

Mas, quando a sua vida começa a desmoronar, e ele vê o mundo à beira de uma guerra, com os Nazis a marcharem pela Europa e pelas ruas de Nova Iorque, Max dá consigo a pensar novamente como um fora-da-ei... 

E, uma vez tendo seguido por esse caminho, pode não haver volta atrás. 

“Pulp, é um romance gráfico fantástico e original e que se eleva acima das restrições do género.” 
Comic Book Resources

Ficha técnica
Pulp
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips
Editora: G. Floy
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 13,00€


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

TOP 5 - As melhores novelas gráficas da última edição da Levoir e Público



TOP 5 - As melhores novelas gráficas da última edição da Levoir e Público 

Depois de, no passado sábado, ter chegado ao fim a 6ª edição da Coleção de Novelas Gráficas da Levoir e do jornal Público, é tempo de fazer uma pequena reflexão em relação a esta última edição, olhando para o seu conjunto, e definir quais foram as 5 melhores obras desta leva. 

Tal como todas as atividades de 2020, também a edição deste ano das Novelas Gráficas, sofreu com a pandemia de covid-19, tendo a coleção sido lançada apenas no final do mês de Agosto, cerca de dois meses mais tarde do que aquilo que aconteceu em edições anteriores. 

A série começou bastante mal, com a terceira e quarta obra, O Neto do Homem mais Sábio e Rever Paris, respetivamente, a serem lançadas com mais erros e falhas do que o aceitável, sendo de especial importância, o erro no ano do nascimento do autor José Saramago, em O Neto do Homem mais Sábio, que colocava o escritor português a nascer nos anos 90(!) e, a meu ver, ainda mais difícil de aceitar, a famigerada página 58 do álbum Rever Paris, que apresentou imagens impressas em baixa resolução, deixando-as "pixelizadas" e, consequentemente, arruinadas. Difícil de compreender também, foi a dualidade de critérios que a editora adotou face as erros destas duas obras. No caso de O Neto do Homem mais Sábio decidiu fazer uma nova edição da obra, recolhendo a primeira edição, sem custos adicionais para os leitores que a tinham adquirido. Algo que considero que foi responsável e bem feito, por parte da Levoir. Mas em Rever Paris, a editora nem sequer se pronunciou sobre os erros tão gritantes da obra. O que é lamentável. 

Há, no entanto, que ser justo e afirmar que, olhando para o todo, a edição das obras foi bastante satisfatória e sem mais problemas de aí em diante. É de assinalar que esta 6ª Coleção de Novelas Gráficas – que continuo a considerar O ACONTECIMENTO da edição de banda desenhada em Portugal – apresentou, em termos gerais, uma boa seleção de livros, todos inéditos em Portugal (à exceção de As Paredes Têm Ouvidos), e a um preço extremamente competitivo (10,90€). Por este preço apetecível, é quase "serviço público" aquilo que a editora faz. E, por esse motivo, todos os amantes de banda desenhada deverão estar gratos por esta fantástica coleção. 

Uma pequena nota que faço, meramente pessoal, é que me parece que o alinhamento das obras poderia ser mais bem dividido entre si. Neste ano, a grande maioria das melhores obras ficaram para o fim. Tendo em conta que interessa "agarrar" o leitor, desde o primeiro momento, será que as melhores obras não deveriam ser lançadas logo no início da coleção? Fica a questão no ar. 

A inclusão de três obras que, mesmo não sendo criadas por autores portugueses, tratam de assuntos do interesse geral dos portugueses, tais como a biografia de José Saramago, em O Neto do Homem mais Sábio, e o período do Estado Novo em Portugal, que é retratado em As Paredes Têm Ouvidos e Ao Som do Fado, merece uma vénia da minha parte. 

Deixo-vos então com a lista daqueles que considero os 5 melhores livros desta 6º edição da coleção  de Novelas Gráficas que, para os leitores mais atentos que seguem o Vinheta 2020, não deverá apresentar grandes surpresas:

Lançamento: Crónicas da Birmânia



Surgem excelentes notícias da Devir

A editora portuguesa prepara-se para editar em dezembro a obra Crónicas da Birmânia, da autoria do consagrado Guy Delisle!

Abaixo, fiquem com a nota de imprensa da editora e respetivas páginas promocionais.


Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle

Um relato esclarecedor e perspicaz sobre a Birmânia, no momento da passagem do autor pelo país, como acompanhante da sua mulher, numa comissão dos Médicos sem Fronteiras.

Autorretrato genial cativante e bem-humorado de um país e das pessoas que conhece durante esta estadia.


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Ficha técnica
Crónicas da Birmânia
Autor: Guy Delisle
Editora: Devir
Páginas: 268, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
 PVP: 24,99€

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Análise: Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão

Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão


Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão
Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão, de Achdé e Jul 

Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão é o mais recente álbum de Lucky Luke. É o 9º volume da série As Aventuras de Lucky Luke segundo Morris, em que Achdé passou a desenhar a série. Relativamente ao argumentista, Jul, este é o terceiro álbum (consecutivo) que o autor assina. 

Um Cowboy no Negócio do Algodão foi um álbum que desde logo suscitou o meu interesse – e, possivelmente, do mercado em geral – por abordar a temática da escravatura nos Estados Unidos da América. E ainda que considere o humor de Lucky Luke divertido e ligeiro – não comprometendo em demasia o(s) seu(s) autor(es) – devo dizer que quando soube desta nova obra, que a mesma se moveria questões demasiado sensíveis para muitos. A coisa poderia ter corrido mal, vá. 

Não é que eu seja uma pessoa que se melindre quando se goza ou brinca com qualquer tema que seja. Nessa matéria, considero-me, até, 100% liberal. Sou daqueles que não se incomodam por qualquer que seja o tema abordado numa qualquer rábula humorística. Mas, claro, isso também não quer dizer que ache piada só porque é uma graçola ousada. Quero, pois, com isto dizer, que temi que o tema escolhido para esta história do cowboy mais conhecido do mundo, fosse um tiro no pé por parte dos autores. Por se tornar seco e apenas provocador. E que pudesse ofender as pessoas mais sensíveis por se tratar, afinal, de um tema pouco divertido e bastante sério. 

Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão
Todavia, e felizmente, nem as pessoas mais sensíveis poderão sentir-se ofendidas com esta obra, estou certo. Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão é um livro divertido que se lê muito bem. Tem o seu leve humor característico, enquanto que procura ensinar – ou relembrar - algo aos leitores. Sempre foi assim nos livros de Lucky Luke e aqui também não é exceção. Acho por isso que a escolha do tema foi corajosa mas muito bem executada. 

A história começa quando Lucky Luke herda uma das maiores plantações de algodão no Luisiana. O nosso herói, sendo o cowboy solitário que todos conhecemos, não fica muito atraído por tantas riquezas e decide redistribuir a sua herança pelos escravos negros que, até então, trabalhavam de sol a sol, sendo totalmente explorados nesta plantação. Lucky Luke é então atenciosamente acolhido pelos plantadores brancos que são extremamente racistas e pertencem até ao KKK (Ku Klux Klan). 

E, claro, depressa Lucky Luke se demarca destas personagens detestáveis e, nos dias de hoje, risíveis. E é mesmo fazendo um retrato da classe alta e branca que explorava os escravos negros na altura, que Jul faz um bom trabalho. Nem é preciso exagerar muito os comportamentos das personagens para que o seu dicurso e atitudes sejam racistas e absurdos, baseados em ideias obtusas, sem qualquer fundamento legítimo. Ao fazer uma narração de como eram os brancos desta altura, o autor consegue expô-los ao ridículo. Os vilões acabam por ser os brancos racistas desta história. E servindo-se da personagem de Lucky Luke, os autores conseguem, eles próprios, condenar o tempo do racismo e da exploração dos negros. E, dessa forma, os pressupostos desta narrativa podem ser passados para a atual sociedade onde, frequentemente, (ainda) assistimos a comportamentos racistas. Acredito, pois, que a obra chega a ter um propósito lúdico e social. E isso é muito bem-vindo, especialmente dado o público infanto-juvenil para o qual a obra (mais) se destina.

Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão
Voltando à história, nesta obra também somos brindados com o aparecimento dos irmãos Dalton que, continuam iguais a eles próprios, e que nos oferecem várias pérolasm com as tiradas ingénuas de Averell ou com a raiva crescente de Joe por Lucky Luke. A personagem real que aparece é o herói Bass Reeves, que entrou para a história como o primeiro Marshall adjunto negro nomeado a oeste do Mississipi e que, nesta aventura, presta um importante auxílio a Lucky Luke. As personagens de Mark Twain, Tom Sawyer e Huckberry Finn, também chegam a aparecer na história. Mas, neste caso, pareceu-me algo mais forçado e que pouco ou nada contribuiu para o desenvolvimento da narrativa. 

Quanto ao trabalho de Achdé, só posso dizer que é impecável. Sem uma única falha que lhe possa apontar. Mesmo que os mais puristas considerem que Achdé se limita a emular o autor original da série, Morris, a verdade é que o faz de forma perfeita e permite a milhões de leitores em todo o mundo, a oportunidade de continuar a ler novas histórias de Lucky Luke. Portanto, todos aqueles que são fãs da arte de Lucky Luke, dos desenhos tão característicos desta série, certamente ficarão muito satisfeitos com esta obra. Há até espaço para algumas pranchas algo diferentes, em termos de planificação e dimensão das vinhetas mas, lá está, sempre respeitando o legado do mestre Morris. O álbum não é desenhado por Morris mas poderia sê-lo perfeitamente. 

Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão
Faço ainda o destaque para a magnífica capa da obra. O efeito da plantação de algodão está muito bem conseguido, bem como a aproximação de elementos do KKK atribui um certo dramatismo à capa. E, se havia dúvidas sobre de que lado estaria o cowboy nesta questão racial, a própria capa, ao mostrar Lucky Luke junto do Xerife negro Bass Reeves, a preparar-se para atacar os elementos do KKK, torna a questão clarividente. 

A edição da editora ASA faz bem o seu trabalho, sem quaisquer percalços. Capa dura, papel baço de qualidade. O lançamento da obra foi feito em simultâneo com o lançamento mundial e isso é algo que sempre aplaudo, pois há aqui um comprometimento da editora em assegurar que os leitores portugueses não ficam à espera da edição portuguesa. E isso é excelente. 

Em conclusão, este não será o melhor álbum de Lucky Luke, mas está longe de ser o pior. É-nos dada uma narrativa bem ritmada e entusiasmante, servida pela arte perfeita de Achdé, enquanto é abordado o tema do racismo. Tema esse que, infelizmente, teima em continuar atual. Os fãs de Lucky Luke têm aqui (mais) um excelente álbum do cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra, e que vale bem a pena conhecer. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.7 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 


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Lucky Luke – Um Cowboy no Negócio do Algodão
Ficha técnica 
Lucky Luke - Um Cowboy no Negócio do Algodão 
Autores: Jul e Achdé 
Editora: ASA 
Páginas: 48, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

Lançamento: RIO é a nova coleção de BD da ASA e do Público

Lançamento: RIO, de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Público


Lançamento: RIO, de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Público

Lançamento: RIO, de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Público
Mais uma boa notícia para os amantes de banda desenhada em Portugal! A ASA e o jornal Público trazem-nos uma nova coleção de banda desenhada.

Trata-se de RIO, que é composta por 4 volumes, em capa dura, e o primeiro livro chegará às bancas no próximo dia 10 de Dezembro. A periodicidade será quinzenal, pelo que as respetivas datas de lançamento que se seguirão são: 24 de Dezembro, 7 e 21 de Janeiro.

A série é assinada por Louise Garcia (argumento) e Corentin Rouge (ilustração) e coloca-nos no meio dos conflitos existentes nas favelas do Rio de Janeiro, enquanto acompanhamos a vida de dois irmão: Rubeus e Nina. O ambiente idêntico ao dos filmes Cidade de Deus ou Tropa de Elite é a primeira coisa que salta à vista.

Fiquem com a nota da imprensa e as imagens promocionais.


Lançamento: RIO, de Louise Garcia e Corentin Rouge - ASA e Público
RIO, de Louise Garcia e Corentin Rouge

RIO, uma saga urbana que percorre impiedosamente as intrincadas ruas do Rio de Janeiro, pondo a nu uma realidade brutal que mais não é do que um retrato acutilante da sociedade brasileira contemporânea.

Rubeus e Nina nasceram numa das maiores favelas do Rio de Janeiro. 

Os dois irmãos ficam por sua conta no dia em que a sua mãe é assassinada por Jonas, um polícia corrupto do qual ela era informante e amante.

Apanhados por Bakar, juntam-se a um grupo de crianças de rua. Entre pobreza e violência, pequenos truques parecem ser a única forma de sobrevivência. 

No entanto, outra alternativa surge: a da adopção por uma família rica. 

Assombrado pelo assassinato da sua mãe e agora responsável pela sua irmã mais nova, Rubeus passa assim da pobreza das favelas e das ruas para a classe média alta brasileira e ficando a conhecer os diferentes lados de uma sociedade mista, brutal e desigual. 


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Ficha técnica
RIO
Autores: Louise Garcia e Corentin Rouge
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores nos tomos 1 e 2; e 80, a cores, nos tomos 3 e 4
Encadernação: Capa dura
PVP: 10,90 € (cada volume)
Tomo 1: Deus para Todos
Tomo 2: Os Olhos da Favela
Tomo 3: Carnaval Selvagem
Tomo 4: Salve-se Quem Puder

 

RIO - Tomo 1: Deus para Todos

RIO - Tomo 3: Carnaval Selvagem

 

RIO - Tomo 2: Os Olhos da Favela

RIO - Tomo 4: Salve-se Quem Puder

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Análise: Alice - Edição Especial 25 Anos



Alice – Edição Especial 25 Anos, de Luís Louro
 

Se há coisas bem feitas, do primeiro ao último momento, este Alice – Edição Especial 25 Anos é um desses casos. Olho para esta edição, até, como uma masterclass editorial de como fazer as coisas como devem ser. 

Mas já lá irei. Primeiro, a obra em si. 

Alice foi originalmente lançada em 1995, pela editora ASA e é da autoria do autor Luís Louro. Já na época, com as séries Jim del Mónaco e O Corvo, era um dos autores mais importantes do universo nacional da banda desenhada. Porquê? Porque era único, independente, audaz e muito criativo. Características que ainda hoje detém e que estão, até, mais aprimoradas. 

Como escrevi há umas semanas quando lancei o, para alguns, polémico TOP 15 – As Melhores BD’s portuguesas de sempre, Alice - Na Cidade das Maravilhas figurará sempre na minha “lista de melhores bandas desenhadas portuguesas de sempre”. Foi como que o meu início a autores portugueses de banda desenhada. E que início esse! Trata-se da maior obra de Louro – e esta afirmação é forte porque o autor tem muitas outras obras de sobeja importância – e é um marco na banda desenhada portuguesa. Foi-no na altura do lançamento original. É-o, hoje, 25 anos depois. Sê-lo-á-o amanhã, daqui a outros 25, 50 ou 100 anos. Está escrito na história da banda desenhada nacional. 

Alice
é uma reinterpretação bastante livre do clássico de Lewis Caroll, Alice no País das Maravilhas, e foi, também, um clássico instantâneo da banda desenhada portuguesa. Conta-nos a história de uma prostituta, Alice, que deambulando pela cidade de Lisboa, tenta escapar da sua triste realidade e procurar guarida no embalo dos seus próprios sonhos. E é nesses sonhos, que Lisboa lhe aparece como que numa versão aquática, onde baleias, peixes coloridos e outras criaturas marinhas percorrem as ruas desta cidade submersa . O que é real e o que é onírico? Será possível viver em prole dos nossos sonhos e simplesmente sobreviver amargamente à vida real? São questões que esta obra levanta. Um fantástico livro, com um argumento seco, maduro, cómico, mas com um certa melancolia inerente, por detrás de tantas ancas e mamas voluptuosas. 

Luís Louro consegue neste trabalho uma maturidade e uma poesia que (lhe) são raras. Sou da opinião que esta obra deve ser deixada como está, pois não necessita de ser remexida ou aumentada. Mas, ainda assim, pelo menos em termos de narrativas com um teor mais sério e mais poético, confesso que gostaria muito de ver Luís Louro regressar a algo semelhante a Alice. E isto não é dizer que não gosto, ou que não sou fã, dos outros trabalhos que o autor nos tem dado. Só acho que ele é/seria capaz de fazer um livro mais sério e, consequentemente, mais marcante. Se este Alice é uma obra-prima da bd nacional é porque o autor soube arriscar. 

Voltando ao assunto que levantei no primeiro parágrafo deste texto, o trabalho que a editora Ala dos Livros, que agora publica Alice, encetou, juntamente com Luís Louro, é fantástico e digno de figurar nos manuais, para referências futuras. Então, vamos lá por partes. 

Em primeiro lugar, há que dar o devido reconhecimento à forma como a editora, com excelente sentido de oportunidade, aproveitou o 25º aniversário de Alice. A obra estava totalmente esgotada, não podendo ser encontrada no mercado de bd nacional. Ora, se é considerada uma obra de culto pelos leitores de banda desenhada e se está extinta dos mercados, o que é que se tem que fazer? Lançá-la, pois está claro, provendo a procura da desejada oferta. E fazê-lo pelo 25º aniversário da obra, permite assinalar simbolicamente o relançamento e chegar a mais pessoas. Hoje há leitores com 25 anos que certamente - e a menos que tenham herdado a obra original de algum irmão mais velho ou que a tenham adquirido num qualquer mercado de segunda mão ou sites para o efeito - não tiveram contacto com esta obra obrigatória. Ora, isso acabou. Alice passa a estar disponível para uma nova geração. 

Depois, ainda há outra coisa. A forma como a editora lançou a obra. Tenho a edição original e posso dizer que sempre achei que a obra merecia um objeto físico mais competente e mais nobre. A Ala dos Livros em vez de voltar a fazer impressões iguais às da coleção Estórias de Lisboa, em capa mole, preparou uma versão – aquela que seguramente será a mais presente no mercado nacional – que é impressa em grande formato e que exibe uma capa dura, com uma nova ilustração de capa e excelentes acabamentos a verniz dos peixes que, caprichosamente circundam a figura curvilínea de Alice. Maravilhosa capa. A ilustração da capa original era boa mas prefiro esta. Mais atual e mais vendável. Até a própria contracapa é excelente e aparece executada com charme. A edição apresenta um papel com uma boa gramagem e uma boa qualidade de impressão, em linha com os restantes lançamentos da editora. O novo livro é ainda complementado com um novo prefácio e um posfácio do editor. Ambos, dois textos sentidos que melhoram ainda mais o produto final. Nada parece estar deixado ao acaso. Tudo bem feito. 

E se ficássemos por aqui, eu já estaria satisfeito. A Ala dos Livros, oportuna, lança um livro mítico que estava fora do mercado há uns anos e fá-lo com a qualidade merecida. Excelente! 

Mas não! A editora e o autor foram mais longe! 

E, para além da edição dita “normal”, da qual acabei de falar acima, foi lançada uma edição comemorativa, carregada de muitos mais extras. Esta versão especial apresenta uma nobre capa em tecido azul, com título, nome do autor e ilustrações dos peixes em prateado. Há também uma sobrecapa, com bandanas e um grafismo diferente, que envolve o livro. 

Para além desta apresentação arrojada, o livro em si, abre com um caderno adicional de 16 páginas que são um autêntico tesouro. Em primeiro lugar, temos as 25 perguntas que foram feitas pelos leitores a Luís Louro. Devo confessar que quando vi esta iniciativa a arrancar nas redes sociais, fiquei um pouco cético com ela, pois temi que fosse uma iniciativa que poderia “descambar” se as perguntas (e consequentes respostas do autor) perdessem a seriedade. Mas devo dizer que não havia razão para a minha desconfiança e que fiquei muito surpreendido pela positiva. As 25 perguntas são pertinentes e interessantes e as respostas que Luís Louro lhes dá, são muito esclarecedoras e bem estruturadas. Portanto, considero esta ideia um sucesso. Foi uma boa forma de manter o público engaged e, ao mesmo tempo, dotar esta edição especial de conteúdo muito interessante. 

Mas há mais! Depois desta secção das 25 perguntas, somos contemplados por um conjunto de páginas que nos dão esboços do autor, ideias para organização de páginas e diálogos, anotações, comentários de Luís Louro sobre o processo de fazer a obra. Só ajuda a que o interesse dos leitores seja ainda mais aguçado. Depois há ainda uma página com quatro ilustrações fantásticas. Confesso que não percebi se estas quatro ilustrações eram capas alternativas para a obra ou se eram apenas imagens promocionais. Penso que uma pequena nota explicativa, uma legenda, poderia ter sido útil nesta página. 

Mas ainda há mais uma surpresa! Como se isto tudo não fosse já fantástico, a editora ainda decidiu (pasmem-se!) incluir duas páginas desdobráveis que reproduzem a capa da edição original de 1995 naquela ilustração panorâmica tão marcante! E, por fim, esta edição é ainda numerada, assinada pelo autor e tem o selo branco da editora. Very well done!, como diriam os ingleses. 

Finalmente, e porque, dizem, não há duas sem três, a editora ainda presenteou os interessados com uma terceira hipótese de compra, exclusiva através do website da Ala dos Livros, que consistia num pack de colecionador, composto por um exemplar de cada uma das edições, por uma capa arquivadora que envolve os dois livros e por um fotolito (a uma cor) que deu origem à primeira edição da obra, e que vem acompanhado por um certificado de autenticidade, com reprodução da página à qual esse fotolito corresponde. Felizmente, tive a oportunidade de ter esta edição super-especial e posso dizer que é incrível! 

Apresentadas que estão as várias edições e diferentes formas de adquirir esta obra obrigatória na biblioteca de qualquer amante português de banda desenhada, há uma reflexão que merece ser feita. A forma bem pensada, bem estruturada, bem analisada, bem promovida – com um trabalho de teasing muito bem conseguido nas redes sociais – como esta edição foi preparada pela Ala dos Livros, merece, não só o meu aplauso como, também, que olhemos para esta iniciativa como um exemplo para o futuro. 

Permitam-me que faça uma ponte em relação ao mercado da música, que conheço bastante bem e que é, por vezes, em alguns pontos, semelhante ao mercado da banda desenhada. Quando no final da década de 90 surgiram os primeiros gravadores de cds domésticos, que permitiam que as pessoas fizessem as suas próprias cópias a baixo preço em relação à compra de cds originais, o mercado da música entrou em histeria, achando que iria colapsar abruptamente. Não aconteceu. Passados uns anos, quando as pessoas passaram a fazer downloads grátis, embora ilegais, das músicas das suas bandas favoritas na internet, o mercado voltou a ficar histérico, achando que o seu ganha-pão iria morrer. Não aconteceu. Finalmente, quando surgiram as plataformas de streaming de música, foi publicamente anunciada a morte do lançamento dos cds em formato físico. Também não aconteceu. O que fizeram então as editoras? Simples. Estudaram o mercado, recolheram informações para detetar aquilo que os fãs de música queriam e reuniram esforços no sentido de dar à Procura, a tal Oferta desejada. E foi assim que começaram a surgir versões especiais dos discos. Capas em cartão, versões digipack, cds de bonus tracks, dvd's bónus com entrevistas das bandas, selos de autenticidade, posters dentro dos booklets, que reuniam as letras das músicas e fotos dos músicos nunca antes vistas, etc, etc. Aqui e ali, surgiam ideias novas com base na criatividade de cada editora musical. E, lá está, as editoras começaram a vender muitos discos novamente. Na verdade, talvez os números fossem mais pequenos – por causa da enorme quantidade de fãs que aderiu às plataformas de streaming ou à pirataria – mas o que é certo é que uma franja de mercado foi bem e inteligentemente agarrada pelas editoras, através das chamadas "edições especiais". E mesmo vendendo menos em quantidade, começaram a vender produtos mais caros, com um maior retorno do investimento. O que o mercado soube fazer foi adaptar-se devido a um estudo cuidado do seu público. Perceber o que o público queria e provê-lo com os produtos adequados às suas necessidades e desejos. Os mercados estão cada vez mais partidos, com submercados aqui e ali, e é necessário ser-se inteligente para lhes responder. Um exemplo concreto: os Guns N' Roses, como qualquer outra banda de sucesso, passaram a ter a maioria do seu público nas plataformas digitais de música. Mas isso não quer dizer que uma versão especialíssima comemorativa do seu disco de estreia, Appetite for Destruction, que custava uns incríveis 1.000€(!) não tenha sido vendida e esgotada em tempo record. Porquê? Porque o produto era apelativo e há público predisposto a adquiri-lo. E a Editora soube detetar essa oportunidade. 

E isto tudo para dizer o quê? Que a Ala dos Livros, com este Alice, parece estar a fazer isso. E felizmente não está sozinha. As editoras portuguesas estão, cada vez mais, a oferecer edições de luxo ao mercado português que, mesmo tendo livros com um preço ligeiramente superior a um lançamento em capa mole e sem extras, acabam por ser uma proposta mais apelativa. Já repararam na qualidade da impressão de Roughneck, da G. Floy? Já repararam na qualidade de topo de todas as edições, sem exceção, da Arte de Autor? Já repararam na qualidade de edição dos Lucky Luke que a editora A Seita lançou? Já repararam na qualidade de edição do recente Balada para Sophie, da Tinta da China? Ou mesmo na coleção de novelas gráficas da Levoir que, compreensivelmente, não estando ao nível das edições supramencionadas tem, pelo menos, uma edição de muita qualidade, face ao preço dos seus livros? É por aqui, meus amigos. É por aqui que temos que ir. É este o caminho. 

E a Ala dos Livros que, verdade seja dita, é uma editora que tem primado por uma grande qualidade nas suas edições, com este Alice consegue aumentar e definir (ainda mais) um novo standard de qualidade na edição de banda desenhada em Portugal. E isso merece todo o meu respeito, apoio e admiração. 

Poderão dizer-me: “Então, mas de que vale uma edição luxuosa, com extras e em capa dura, se a obra não prestar?” Ora, isso é óbvio. O que será sempre mais importante é a obra. Isso é o fundamental. Mas a qualidade da edição, do “objeto-livro”, é cada vez mais importante. Não apenas para mim mas para o mercado em geral. É como uma mulher. O mais importante e fundamental é o que está lá dentro, sim. Mas a beleza física exterior também é importante, sejamos sinceros. Ou o mais importante num automóvel é que ande bem e tenha bom motor. Mas também é importante a estética do carro e extras, certo? Na banda desenhada, o mais importante será sempre a qualidade da história e das ilustrações mas, os extras, a edição, a preparação gráfica, tudo isso também conta. 

Alice é uma obra-prima. Mas o tratamento que a obra recebe também é uma obra-prima em termos de edição. Alice é fantástica em qualquer uma das suas versões, sendo demonstrado um grande carinho da Ala dos Livros perante a obra e, talvez ainda mais importante do que isso, um cuidado especial em perceber o que é que os leitores querem, procuram e valorizam. Algo semelhante àquilo que as editoras discográficas têm vindo a fazer no mercado musical, portanto. 

Em conclusão, este é um livro obrigatório. Se já tinhas a edição original, vais querer ter esta nova versão. Se não conheces esta obra fundamental do Luís Louro – e da banda desenhada portuguesa – podes agora remediar essa tua “falha”. A dificuldade maior será mesmo escolher a versão que melhor se adequa a ti. Bendita seja a diversidade de escolha!


NOTA FINAL (1/10): 
9.6 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas 
Alice - Na Cidade das Maravilhas - Edição Especial 25 Anos 
Autor: Luís Louro 
Editora: Ala dos Livros 
Lançamento: Novembro de 2020 

Edição normal: 
Páginas: 64, a cores 
Encadernação: Capa dura 


Edição Especial: 
Páginas: 80 páginas, a cores 
Encadernação: Capa em tecido. Sobrecapa

Lançamento: Bruno Brazil - Black Program - Vol. 2


Já está disponível há alguns dias o novo volume de Bruno Brazil, Black Program - Volume Dois, que fecha este primeiro ciclo d'As Novas Aventuras de Bruno Brazil, da autoria de Philippe Aymond e Laurent-Frédéric Bollée. 

A Gradiva completa assim o díptico num curto espaço de tempo e, desta vez, com uma legendagem corrigida, sem os N's invertidos e os I's serifados.

O primeiro tomo já foi analisado no Vinheta 2020.

Fiquem com a sinopse da editora e imagens promocionais.


Bruno Brazil - Black Program - Vol. 2, de Bollée e Aymond

Um thriller por autores com provas dadas na BD de aventura. 
A ler por toda a família, para descobrir ou redescobrir! 

Os agentes da Brigada Caimão, do WSIO, têm em mãos um caso sério de ameaça à segurança nacional. 

Pelo meio, todas as componentes que criam um imperdível livro cheio de suspense: crimes sofisticados, acção, pesquisa avançada.

Sem esquecer o excelente desenho, essencial numa BD de referência.

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Ficha técnica
Bruno Brazil - Black Program - Vol. 2
Autores: Laurent-Frédéric Bollée e Philippe Aymond
Editora: Gradiva
Páginas: 60, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 16,50€

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Análise: Ao Som do Fado



Ao Som do Fado, de Nicolas Barral

Ao Som do Fado é o 14º livro da coleção Novelas Gráficas da Levoir e do jornal Público, e fecha com chave de ouro a edição deste ano. É uma obra magnífica e verdadeiramente obrigatória para todo e qualquer fã de banda desenhada. E não só! A Levoir fez jackpot com esta aposta!

Por vezes, há situações na vida ou nas artes em que tudo parece correr bem. Parece que todos os astros estão alinhados entre si, de forma a dar-nos algo maior e melhor, por causa desse mesmo alinhamento. É o caso de Ao Som do Fado. Nas pequenas e grandes coisas, nesta obra tudo parece funcionar bem e com uma fantástica harmonia. 

Como primeiro ponto positivo é sempre de assinalar que a Levoir tenha conseguido lançar a nível mundial uma obra. E, ainda por cima, sendo uma obra sobre Portugal e o período do Estado Novo, ainda melhor isso é. É claro que isto, por si só, não seria garantia de um livro espetacular. Mesmo com lançamento mundial e tratando uma questão que interessa - ou devia interessar – aos leitores portugueses poderia, mesmo assim, ser uma obra mal conseguida. Felizmente, não é o caso. 

Avançando para a história, esta decorre em Portugal, durante a década de 1960, período em que Salazar ainda detinha os desígnios de Portugal nas suas mãos. O protagonista é Fernando Pais, um médico bon vivant, que mantém uma vida tranquila, embora pareça estar sempre perto do perigo, devido às relações que vai criando com pessoas que põem em causa o Estado Português. Curiosamente, e ainda mais se tivermos em conta esses tais relacionamentos que tinha, Fernando acaba depois por ser contratado para trabalhar na sede da PIDE. A obra vai responder o porquê desta situação mas isso caberá aos leitores desvendarem por si, para não criar spoilers. Ao mesmo tempo que vamos acompanhando a história de Fernando no tempo presente, vamos tendo flashbacks até ao seu tempo de estudante universitário, quando conhece alguns elementos da resistência portuguesa e se apaixona por uma militante, Marisa. Eventualmente, e passados 10 anos em que um acontecimento importante muda a sua vida, e a dos que o rodeavam na juventude, volta a aproximar-se de um grupo de inconformados com o regime vigente em Portugal. 

A história permite várias reflexões, mostrando-nos a tristeza (ainda) latente de um regime repressivo perante a liberdade de expressão e de associação, com acontecimentos algo chocantes ao longo da história, mas com um final algo positivo. Ou será negativo? Julgo que esta conclusão deverá ser feita por cada um dos leitores. Mas uma coisa é certa: a obra também sabe não tomar demasiado partido sobre os acontecimentos retratados. E mesmo se nos revela uma atuação da PIDE vergonhosa para a história de Portugal, também aponta num sentido mais positivo – um silver lining? – para que, passadas várias décadas do período do Estado Novo, saibamos aprender e ter uma visão panorâmica sobre os acontecimentos. E isto revela, que esta é uma obra profundamente adulta. Quanto mais maduros formos, melhor e mais profundamente compreenderemos Ao Som do Fado. Um jovem com 15 anos compreenderá certamente os significados deste livro. Mas um homem de 55 – ou de 75 anos, quiçá – conseguirá certamente mergulhar mais profundamente nela. Mas não há problema, se tudo correr bem, o jovem de 15 anos voltará a esta leitura anos mais tarde, descobrindo novos e/ou renovados significados. Portanto, isto também me leva a dizer que é um livro que deve ser lido por todos. E se eu fosse professor de História, na altura do estudo do período do Estado Novo, recomendaria certamente a leitura desta obra.

O argumento é muito interessante, fazendo com que o livro não seja apenas um livro histórico, pois pode ser lido em qualquer outra parte do mundo, mesmo por alguém que nunca tenha ouvido falar do Estado Novo em Portugal e, ainda assim, ser uma boa história. O ritmo não é rápido mas, nem por sombras, é demasiado lento. É o ritmo adequado e adulto, que permite criar pausas e reflexões, mantendo o nosso interesse em desvendar a história. Todas as personagens estão muito bem desenvolvidas parecendo-nos reais e que deixam a sua marca em nós, leitores.

Ainda não falei do autor deste livro magnífico. Nicolas Barral é francês mas aparenta ter uma forte ligação a Portugal. É verdade que casou com uma mulher cujo país de origem é Portugal e que, segundo o autor, muito contribuiu para lhe apresentar a cultura e história portuguesa. Este autor já é conhecido do público português devido à série As Aventuras de Philip e Francis – uma paródia à série Blake e Mortimer – que, em Portugal, está editado pela Arte de Autor.

Em termos gráficos, temos um livro com uma arte elegante que retrata Lisboa à época com muito cuidado e graciosidade. O trabalho de fundo do autor foi muito bem conseguido porque graficamente consegue recriar uma vida, uma presença e uma forma de estar das personagens que é, em tudo, muito lisboeta. Muito portuguesa. E a obra também se torna apetecível por ter tantos pontos emblemáticos da cidade como a zona de Alfama, o Cais do Sodré, a Praça do Comércio, o Chiado, o Rossio, a Cidade Universitária, a Rua Augusta, a Avenida da Liberdade, os cafés A Brasileira ou o Martinho da Arcada, entre outros.

O traço é elegante e bem desenvolvido, com personalidade própria e com uma boa capacidade de ilustrar as várias emoções das personagens. Se posso fazer uma única crítica a esta obra soberba é que o facto de várias vezes, o autor mudar a espessura do seu traço, alternando entre um traço mais fino e um traço mais grosso, não me deixou tão maravilhado porque prefiro de longe as ilustrações do autor com o referido traço fino. Mas não é nada que belisque a qualidade gráfica do álbum. É mais uma questão minuciosa e, francamente, oriunda do meu gosto pessoal, a falar.

Em termos de cores, o autor também acertou em cheio, captando muito bem a luz de Portugal. Tenho vários amigos e conhecidos estrangeiros que me dizem que a luz de Portugal – o próprio tom azul do nosso céu, assim parece – é diferente dos outros sítios. Dos outros países. Ao início achava que estes eram comentários resultantes do estado maravilhado de se passar umas férias ou umas temporadas em Portugal. Mas já vão sendo tantas as pessoas que, sem se conhecerem entre si, me dizem isto, que começo a achar que efetivamente têm razão e que, de facto, Portugal tem uma luz natural e um azul no céu únicos. Seja como for, Nicolas Barral percebeu issoe e transpô-lo para a obra. Quando folheio este álbum tenho a exata sensação de estar em Lisboa. Os flashbacks que vão acontecendo ao protagonista Fernando ao longo da obra, apresentam uma paleta a sépia que também funciona bem, e que permite ajudar à distinção entre tempo passado e presente, dando um charme adequado às lembranças da personagem.

Quanto à edição da Levoir, está em linha com a qualidade da maioria dos livros da coleção. Capa dura, papel fino de qualidade. Lamento que não haja prefácio a esta obra – bem o merecia! - mas sei que possivelmente isso se deve à gestão dos cadernos para impressão e da ausência de espaço livre para o fazer – sem ter que aumentar o livro, entenda-se. 

Portanto, e finalizando, tudo parece funcionar bem neste livro. O argumento é excelente, as ilustrações são bonitas, as imagens de locais portugueses são fiéis, é um documento histórico, tem personagens bem desenvolvidas, uma fantástica capa e até tem a elegância de um título muito inspirado. A isto ainda se junta o tal merecido lançamento mundial. Se tudo o que envolve esta obra não é perfeito, anda lá perto.

É uma proposta obrigatória, mais que recomendada, e assume-se como um dos melhores livros do ano. Daqueles livros que, daqui a 50 anos, continuará a ser um fantástico romance, uma magnífica ode a Portugal - e à cidade de Lisboa, em particular -, e um valioso testemunho histórico sobre o Estado Novo que tão profundamente marcou a história do nosso país. Se ainda não o compraram, não percam mais tempo.


NOTA FINAL (1/10):
9.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica
Ao Som do Fado
Autor: Nicolas Barral
Editora: Levoir
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2020