Com este quinto lançamento, a Arte de Autor encerrou a publicação da série de culto Druuna, da autoria do autor italiano Serpieri.
Esta é uma série que junta erotismo, ficção científica e terror e que, desde o seu lançamento original nos anos 80, conquistou muitos fãs em todo o mundo. É uma série onde a personagem principal, Druuna, aparece quase sempre desnudada, expondo uma forma física luxuriante, composta por curvas generosas. Mas, para além de uma mulher sensual que habita as páginas da série, os leitores também são presenteados por um bom guisado de outras coisas: como duendes, homens-máquina, índios, cavaleiros, monstros, entre outros, que habitam o universo pós-apocalítico de Druuna.
Neste quinto livro, intitulado Aquela que vem do Vento, Serpieri coloca-nos no encalço de Druuna, que parece pretender finalizar a sua jornada, com o intuito de encontrar questões às perguntas que lhe atormentam o espírito. Todavia, quer a heróina, quer os leitores, quer, até, o próprio autor Serpieri, parecem não encontrar as tais respostas – ou as perguntas certas? - que vão sendo colocadas ao longo da jornada.
O que mais salta à vista em Druuna é, sem qualquer margem para dúvidas, a fantástica arte visual de Serpieri. Dono de um traço virtuoso e preciso, o autor consegue criar um universo visual que dificilmente sai das mentes dos leitores, quando expostos a esta série. É fantástico a todos os níveis, com ilustrações portadoras de uma grande dose artística em tudo o que é desenhado, bem como na aplicação das cores.
A caracterização do corpo feminino recebe um cuidado especial do autor, havendo oportunidade para todo o tipo de poses da heroína Druuna, que irradia sensualidade por todos os poros do seu corpo. Seja nos longos cabelos pretos e selvagens, seja no olhar sedutor, seja nos lábios carnudos, seja nos seios perfeitos ou seja nas nádegas de glúteos perfeitos que, convenientemente, aparecem assiduamente ao longo das páginas de todo o livro. A arte é verdadeiramente incrível e o resultado de como o corpo de Druuna é retratado, acaba por ser vistoso e apetecível.
Em termos de arte, apenas tenho uma pequena “queixa” a fazer: é que, a partir da página 12 do livro, o estilo de ilustração do autor muda ligeiramente, apresentando uma arte final, menos detalhada, e com cores mais esbatidas do que nas primeiras páginas do livro. É lógico que o traço é o mesmo e que esta não é uma ruptura tão grande assim com as restantes páginas. Mas é algo que retira alguma fluidez à obra. Dá a sensação que, a partir desse ponto, o livro parece mais antigo em termos de aplicação de cores e arte final.
Quanto ao argumento e própria narrativa, devo confessar que, a meu ver, a série Druuna não está ao nível da sua fantástica arte visual. A ideia de juntar elementos do erostimo e da ficção científica, juntamente com uma pitada de terror e figuras do universo fantástico, até é de louvar, por ser extremamente original. No entanto, quer o argumento, quer a própria montagem do mesmo, através da construção dos diálogos, me parece muitas vezes forçado e lato no seu cerne. Não é, pois, de admirar que encontremos Druuna a refletir sobre coisas demasiado intangíveis. Por exemplo, balões como este, que seleciono aleatoriamente enquanto tenho o livro aberto à minha frente, são muito frequentes: “Eis a luz... a angústia é tão forte, terrível, dilacerante... isto dói... então, a morte é isto?”. Ora bem, isto até poderia ser um texto inspirado se não fosse tão vago. Que luz? Que angústia? Que dor é esta? Parece um texto que procura ser eloquente mas sem que os acontecimentos que vão sendo mostrados ao leitor sejam igualmente eloquentes.
Talvez por isto, muitas vezes eu tenha achado que, perante um arte ilustrativa tão maravilhosa, a única coisa que estava a mais era a própria existência de texto. Muitas vezes, foi o texto e os balões carregados de demasiadas palavras vagas, que me afastaram da beleza contemplativa de observar as fantásticas ilustrações de Serpieri. Neste sentido, não esqueçamos o spin-off que Serpieri fez desta mesma série, intitulado Anima, que ao ser em modo silencioso, acabou por resultar bem melhor, a meu ver. Nesse caso, o autor limitou-se a contar uma história sem o recurso a texto, o seu calcanhar de Aquiles. Funcionou melhor.
Sendo a banda desenhada, não só, mas essencialmente constituída por dois grandes vectores – o argumento e os desenhos – há muitas obras de bd que me deixam totalmente satisfeito mas, infelizmente, apenas num destes vectores. E Druuna é uma dessas séries. Se é verdade que a arte é magnífica e merece nota máxima, sendo uma maravilha de observar o enorme talento do autor no desenho; relativamente à questão do argumento, já acho que é uma banda desenhada que não me enche as medidas. Claro que poderão dizer-me que isto é uma questão meramente pessoal. De gosto. No entanto, como já referi, há várias coisas ao nível do argumento, onde me parece que a série poderia ser muito melhor.
É que a própria demanda de Druuna, e as questões que a mesma se coloca, parecem-me, se não sempre, pelo menos muitas vezes, questões algo vazias e desinspiradas. E extremamente vagas. Chega-me a parecer que Serpieri, tendo o enorme talento que tem nos desenhos e gostando, especialmente, de desenhar mulheres desnudadas, índios, cavaleiros, figuras mitológicas e alguns monstros, se colocou a si mesmo a seguinte questão: “Ora bem, apetece-me fazer uma banda desenhada com todas estas figuras que me dão gosto desenhar. Quanto à história... bem, isso logo se vê, vou lançando umas perguntas vagas para o ar. Busca de si mesma, e tal. Com uns desenhos tão bons a acompanhar... o público há-de gostar.”. É claro que estou apenas a especular mas é mesmo esta a sensação com que fico quando leio Druuna. A arte é fabulosa. O argumento, nem tanto.
Quanto à edição, para além da editora portuguesa ter fechado uma série inteira de banda desenhada – e isso merecer o meu respeito e agradecimento -, este é mais um trabalho de muita classe por parte da Arte de Autor. E a verdade é que o parágrafo que, normalmente, nas análises que faço, dedico à edição dos livros, no caso da Arte de Autor, já começa a ser algo redundante. É que todos os lançamentos da editora – repito, TODOS os lançamentos da editora – que me chegam às mãos, apresentam uma qualidade de topo. São objetos bonitos de se ter em qualquer coleção premium de banda desenhada. Relativamente à série Druuna, temos aquelas capas duras com uma textura aveludada, tão suave ao toque, que enriquece a qualidade do objeto. Sou confesso fã deste tipo de textura. O papel é de boa gramagem, a qualidade da encadernação é boa e a própria edição gráfica da obra é muito bem conseguida. Nada poderia ser melhorado, a meu ver. E não esqueçamos os muitos e fantásticos extras que este Aquela que vem do Vento nos traz. Porque, na verdade, quase metade do livro é dedicado a extras. Temos, portanto, uma boa seleção de ilustrações raras ou inéditas – incluindo capas das primeiras edições da série Druuna, bem como esboços do autor e uma compilação de páginas a preto e branco. Os fãs da série vão concerteza adorar.
Concluindo, este volume 5 que encerra a série Druuna – e a própria série, diga-se - apresenta um sabor agri-doce por ser uma banda desenhada que merece nota máxima na ilustração, demais maravilhosa, mas que, no final, deixa várias lacunas relativamente às próprias questões que levanta de forma vaga. Não deixa de ser uma proposta obrigatória para os fãs do género ou do aclamado autor, mas, quanto a mim, gostaria de ver este autor, tão majestoso no desenho, a fazer uma história mais unida em si mesma e menos lata nas questões que meramente contempla. Acaba por parecer um poema bonito para observar mas que, lá no fundo, é apenas um exercício estético, sem tanto significado assim. Se há significados relevantes em Druuna – e há-os seguramente – acabam um pouco embrulhados em si mesmos.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Druuna – Vol. 5 - Aquela que vem do Vento
Autor: Paolo Eleuteri Serpieri
Editora: Arte de Autor
Páginas: 96, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Setembro de 2020