Começando com uma pequena nota sobre a Relógio D' Água, é com satisfação que vejo que esta é mais uma editora portuguesa a apostar na banda desenhada!
A editora parece estar focada em adaptações para banda desenhada de alguns clássicos da literatura. Depois, do fantástico Mataram a Cotovia (adaptado por Fred Fordham, a partir da obra original de Harper Lee) - que considerei, na altura, um dos meus 10 livros preferidos de 2019 - e do mais recente A Quinta dos Animais (adaptado por Odyr, a partir da obra original de George Orwell), que ainda não tive oportunidade de ler, a Relógio D'Água apresenta-nos agora este Fahrenheit 451 - O Romance Gráfico. Há também já planos para que a editora lance 1984, com adaptação por parte de Xavier Coste, a partir da obra original de George Orwell. Assinale-se que, recentemente, já Fido Nesti, lançou pela Alfaguara a sua adaptação para bd da mesma obra 1984, que já tive oportunidade de ler e analisar aqui.
Mas, voltando a Fahrenheit 451 - O Romance Gráfico, esta é a adaptação do clássico da literatura com o mesmo nome, lançado em 1953 por Ray Bradbury que, curiosamente, não só autorizou pessoalmente esta adaptação para banda desenhada, levada a cabo por Tim Hamilton, como até lhe fez um prefácio que acompanha esta edição da Relógio D' Água.
A história desta obra, que me remete bastante para as distopias presentes em O Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; o já referido 1984, de George Orwell; ou Nós, de Zamiatine, revela-nos um mundo, igualmente distópico, onde os bombeiros constituem toda uma nova classe trabalhadora que, em vez de apagar fogos, tem, paradoxalmente, de incendiar os livros que são proibidos nesta sociedade de governo totalitário. Assim, se alguém ousar ler ou ser detentor de um livro, esta brigada de bombeiros visitará a casa desse alguém e, para além de destruir o dito livro através do fogo, também incendiará a casa do prevaricador.
Este é, pois, um mundo em que as pessoas têm uma felicidade superficial e fictícia e, não tendo livros, não têm um pensamento livre. Passam os dias a ver “telemuro” (uma versão um pouco mais futurista da televisão, como a conhecemos) e mantêm relações superficiais entre si. Onde é que já vimos isto, certo? É curioso verificar que atualmente, devido à forte influência, não só da televisão, como dos computadores e telemóveis que nunca largamos, também parece que o pensamento livre e independente acaba por ser aniquilado (ou, pelo menos influenciado) devido às constantes fontes de informações com que somos, diariamente, bombardeados. Há pois um sentido de veracidade na forma desencantada e pessimista como o autor original, Ray Bradbury, olha para a sociedade aqui descrita.
Acompanhamos a história de Guy Montag, um membro da tal brigada de bombeiros, que após travar conhecimento com uma jovem, com uma postura e uma forma de estar diferentes daquilo que é expetável – começa a refletir sobre as suas ações, sobre o trabalho que lhe é dado e sobre tudo aquilo que o rodeia.
As ilustrações de Tim Hamilton têm um aspeto vintage como se dessem a ideia de terem sido feitas exatamente na mesma altura (anos 50) em que a obra original foi lançada. Se isso dá uma certa harmonia ao conjunto que texto e desenhos formam entre si, também me pareceu que, por vezes, a arte era demasiado “claustrofóbica” em termos de planificação, espaço e ritmo, dando a entender que o desenho é apenas um enfeite, um plus, que acompanha o texto. Talvez por isso, são raras as vinhetas que não têm um balão de diálogo ou uma legenda de pensamento.
Os desenhos em si não são “bonitos” mas também não creio que fosse esse o objetivo do autor, ou sequer a melhor opção, tendo em conta o teor do romance original. Há todo um ambiente algo frio e sombrio que habita o livro, do princípio ao fim, e que só vai sendo alterado por cores muito quentes quando assistimos à queima de livros. No geral, julgo que é justo dizer que a arte de Hamilton encaixa bem na história de Bradbury.
E, nesse sentido, o que é certo é que, em termos de adaptação da história original, estamos perante um livro que convence, conseguindo abreviar os pontos mais importantes do texto original, de forma eficaz. Penso também que esta novela gráfica representa um modo alternativo de conseguirmos conhecer a obra de uma forma mais rápida, fácil e simples, sem termos que ler o texto original. Embora, convenhamos, acho sempre que os textos originais devem ser lidos para que melhor – e realmente – possamos conhecer as obras no seu todo.
Quanto à edição da Relógio D'Água, a editora mantém a sua aposta em edições de capa mole. Aqui o formato é pequeno, com o objeto-livro a fazer lembrar mais um romance de prosa do que um livro de banda desenhada. Seja como for, a edição tem uma qualidade interessante, com um papel brilhante de boa gramagem.
Uma nota negativa deve ser dada à capa da obra. Bem sei que considerar capas “bonitas” ou “feias” é uma questão claramente subjetiva mas julgo que este livro poderia ter uma capa bem mais apelativa. Há ilustrações do autor dentro do livro que comprovam esta minha afirmação. Assim, como nos é dado, acho extremamente pouco apetecível para uma pessoa que vagueia numa loja e dá de caras com esta capa. Ou já conhece a obra ou, em caso negativo, dificilmente se sentirá atraído pela beleza estética que da capa emana.
Em suma, posso dizer que estamos perante uma boa leitura, com uma – sempre pertinente – reflexão sobre o totalitarismo e a liberdade de pensamento e que aqui recebe uma adaptação para BD bastante competente, que sabe agarrar bem a história da obra original num relato impactante. Aconselha-se a leitura.
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Fahrenheit 451 - O Romance Gráfico
Autor: Tim Hamilton
Adaptado a partir da obra original de: Ray Bradbury
Editora: Relógio D' Água
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Maio de 2021
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