Hanuram: A Fúria, do autor português Ricardo Venâncio, foi editado pela G. Floy e pela Comic Heart em 2017. A mesma obra recebeu também uma versão em inglês, iniciativa que sempre merece destaque pela tentativa de chegar a um novo – e mais abrangente – público.
Para além da história principal, A Fúria, este livro também inclui uma curta história adicional, intitulada Maldito, que foi publicada originalmente no livro Kaboombox Volume One, uma coletânea de curtas e ilustrações do coletivo Brand New Nostalgia.
O argumento apresenta-nos a personagem de Hanuram, o Dourado, um guerreiro de armadura dourada que desafia sistematicamente os deuses e os seus interesses. Os deuses, esses, enfurecidos, vão colocando pedras no caminho de Hanuram. Perigos colossais e obstáculos impossíveis de ultrapassar, mas que, no final, o guerreiro dourado sempre parece ultrapassar. E, ainda por cima, para irritação dos deuses, com uma aparente facilidade e sem qualquer sombra de humildade.
Aonni, a Deusa da Guerra, pretende fazer de Hanuram um exemplo, de forma a que o mesmo pague pelo seu desmesurado orgulho, de modo a obter uma lição de humildade. E prepara, desta forma, um novo e difícil obstáculo. Estão a ver o videojogo God of War? Há algumas semelhanças no tema.
Em termos de história, devo dizer que fiquei um pouco dececionado com este Hanuram. E explico porquê: é que me parece que o argumento, de base mitológica, procura apenas criar um engodo, uma razão, um motivo para a existência da personagem. Sem construir, propriamente, uma verdadeira trama. E portanto, ao assentar a sua história nesta base mitológica, parece fazê-lo de uma maneira bastante superficial, que aparenta só estar a “cumprir calendário”. É certo que a obra desde cedo se preocupa em contextualizar o universo – e a sua origem – de forma a termos uma tela mitológica, um palco de teatro para que as aventura de Hanuram possam tomar lugar. Mas pareceu-me tudo muito forçado e pouco desenvolvido. A verdadeira razão da existência desta obra são as fantásticas cenas de ação. E aí, meus caros leitores, creio que é justo considerar Ricardo Venâncio como um dos grandes talentos nacionais.
É, pois, nos desenhos, na planificação, na escolha de enquadramentos, nas cores que Hanuram: A Fúria brilha. O argumento é demasiado mal regado, com ideias algo difusas. Mas o restante é muito, muito interessante!
E, aliás, uma prova de que toda a base do argumento parecer ser só um engodo para que o autor possa construir brilhantes cenas de ação, é o facto da batalha que Hanuram trava com a besta felpuda com que se depara, ocupe 12 das 37 páginas que compõem a história principal do livro. Um terço!
E é justamente nesse terço do livro, e nessa batalha, que os talentos de Ricardo Venâncio mais vêm ao de cima. A meu ver, é este o verdadeiro sumo da obra. Se este livro tivesse apenas 12 páginas, seria verdadeiramente fantástico. Focar-se-ia apenas na luta entre titãs e não teria aquelas camadas de conteúdo algo forçado.
De facto, a maneira como o autor coreografa esta luta, com momentos de muita ação e violência, quebrados por momentos de tensão e silêncio, fazem com que nos seja difícil perceber quem ganhará esta batalha de gigantes. E a própria resolução da história, com uma pitada de humor, é bem-vinda e oferece ao protagonista, já de si carismático, ainda mais carisma e atitude marcante. Muito bem feito, sem dúvida!
Quanto aos desenhos de Venâncio, esta é uma obra fantástica. A personagem de Hanuram é emblemática, assim como é a sua indumentária, as suas expressões faciais ou a sua linguagem corporal. O traço do autor é nervoso mas rigoroso e inspirado. E a utilização de bons planos de câmara faz com que estejamos constantemente imersos na ação, pressentindo o perigo que rodeia o protagonista da história. Outra coisa que me convenceu bastante foi a dinâmica e inteligente planificação da obra que nos oferece vinhetas de muitas formas e feitios, tornando a leitura escorreita e nunca repetitiva ou entediante. O autor sabe gerir muito bem os momentos da batalha em cada vinheta.
Uma curta nota negativa merece ser dada ao lettering escolhido para o título da obra que tem fraca legibilidade. Compreendo que seja o autor a querer dotar o design do título de uma componente algo mitológica mas acho que não resultou nada bem, sinceramente. E espanta-me que ninguém tenha aconselhado o autor sobre esta situação.
A edição da G. Floy tem uma ótima qualidade. Capa dura, boa encadernação e papel brilhante de excelente qualidade. Nota ainda para uma galeria de ilustrações da personagem de Hanuram por parte de alguns ilustres convidados como Jorge Coelho, Pedro Potier, André Caetano e David Lafuente. A inclusão da história curta Maldito é uma mais valia e permite até ver como o estilo de ilustração de Ricardo Vinâncio em relação a este Hanuram foi evoluindo e depurando.
Em suma, ainda que, em termos de argumento, Hanuram: A Fúria não seja muito inspirado, a verdade é que Ricardo Venâncio é um autor cheio de boas soluções narrativas para contar uma história em banda desenhada, bem como é dono de um belo traço que torna este livro muito interessante em termos visuais. A conhecer, sem dúvida.
NOTA FINAL (1/10):
7.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Ficha técnica
Hanuram: A Fúria
Autor: Ricardo Venâncio
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2017
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