O 9º volume da coleção Clássicos da Literatura em BD, que a Levoir tem vindo a publicar em parceria com a RTP, traz-nos, desta vez, o clássico Notre-Dame de Paris, de Victor Hugo, com a adaptação para banda desenhada a cargo de Claude Carré – no argumento - e Jean-Marie Michaud – nas ilustrações.
Para quem não leu a obra original, esta famosíssima obra do autor francês foi adaptada para cinema de animação pela Disney, mais ou menos a meio dos anos 90, com o título O Corcunda de Notre Dame.
E, ao contrário do filme, esta adaptação para bd até tenta ser mais densa em termos narrativos, de forma a aproximar-se mais do texto original contido no livro de Victor Hugo.
O enredo é, pois, bem intrincado, dando-nos uma história não tão focada no corcunda Quasimodo mas sim, de forma mais ou menos igualitária, centrada no amor que três homens nutrem pela cigana Esmeralda. Quasimodo, o homem deformado, ama-a de forma devota mas, devido à sua fisionomia, que assusta a cigana, o seu amor não será correspondido. E também o Arquidiácono Frollo, não terá hipóteses com Esmeralda pois esta considera-o um autêntico monstro. E, depois, ainda há o Capitão Phoebus. Este, sim, recebe a paixão de Esmeralda embora a sua relação também não possa ser consumada pelo facto de Phoebus já estar comprometido com outra mulher. Há, portanto, um triângulo amoroso de relações impossíveis, consubstanciado no facto de cada uma das personagens ter alguma característica intrínseca que faz com que não seja a pessoa ideal para o alvo do seu interesse e paixão. Como peças de puzzle que não encaixam, digamos assim.
E depois ainda existe Gringoire, com quem Esmeralda se chega mesmo a casar e que aqui funciona como um dínamo entre as várias personagens. Gringoire não é especialmente importante para os desenvolvimentos diretos da história, mas acaba, ainda assim, por estar quase sempre indiretamente ligado aos momentos mais importantes da narrativa. Além de toda esta trama mirabolante, ainda nos é dado um pequeno background de cada uma das personagens principais da história.
Parece muita coisa para uma banda desenhada de apenas 48 páginas? De facto, é! E mesmo que seja verdade que, se tivessem sido retirados alguns episódios que aqui são tratados, talvez pudéssemos ter uma história menos imediata, com a ação a decorrer menos rapidamente, não menos verdade e admirável é o facto do argumentista Claude Carré ter conseguido colocar tanta coisa em tão poucas páginas!
É claro que isto traz o problema de esta ser uma bd com demasiado texto para o gosto de muitos leitores. Não obstante, não achei que o texto enrolasse ou que fosse redundante. Pelo contrário! O texto é escorreito, com cada balão ou legenda a ser bem aproveitado para nos dar algo mais da obra original de Victor Hugo e, nesse sentido, até considero que Carré faz um bom trabalho em sintetizar, da melhor forma possível, tantos acontecimentos e voltas e reviravoltas na trama. E, finalmente, até acabo por ter que considerar um feito notável o resultado desta adaptação.
Este será até, um dos livros desta coleção da Levoir que mais e melhor consegue resumir os eventos da obra original. Claro que, mesmo assim, ficam a faltar muitas informações do original, mas, neste Notre-Dame de Paris, não tanto assim.
Quanto à arte ilustrativa, e não alterando muito em relação àquilo que a coleção Clássicos da Literatura em BD nos tem dado, estamos perante um conjunto de ilustrações que cumprem os pressupostos mínimos de qualidade para assegurar que nos é dada uma história aos quadradinhos minimamente eficiente. Como (quase) todos os outros álbuns da coleção, este Notre-Dame de Paris cumpre, sem deslumbrar.
O desenho do autor Jean-Marie Michaud está, por isso, longe de ser belo ou detalhado. E, na verdade, talvez até seja a ausência de detalhe a maior falta nas ilustrações deste livro. Por vezes, em determinadas vinhetas, até encontramos um desenho que tinha o potencial para ser um desenho muito inspirado e bonito. Mas, lá está, como os detalhes das ilustrações não foram devidamente desenvolvidos, até mesmo esses desenhos mais bonitos ficam a saber a pouco. Como se o potencial original não tivesse sido verdadeiramente aproveitado pelo desenhador.
As personagens também têm, todas elas, um conjunto de expressões algo pobre, que acaba por apresentar um estilo várias vezes heterogéneo entre si. Até é verdade que a personagem de Esmeralda aparece, aqui e ali, bastante bem representada – na primeira vinheta da página 32 até fui remetido, acreditem ou não, para uma das maravilhosas mulheres de Milo Manara! – mas, a sensação é sempre de que os desenhos não foram devidamente maturados e que o conjunto do trabalho foi feito um pouco à pressa. Uns desenhos saíram mal, outros saíram bem. Outros tinham potencial para mais. Mas nada parece ter sido revisto. O resultado é, pois por isso, muito aleatório. No final, a sensação com que fico é que, possivelmente, Michaud, até será um desenhador muito melhor do que aquilo que o seu trabalho neste Notre-Dame de Paris deixa antever. As cores tentam dar alguma beleza e harmonia adicional aos desenhos, mas também não me parece que o resultado seja muito glorioso.
Seja como for, e apesar destes pontos menos conseguidos que assinalo, parece-me que este livro até fará parte da metade dos melhores que foram lançados até agora nesta coleção da Levoir e da RTP. A história, tendo muitos elementos, até resume de forma interessante a obra original e a arte ilustrativa que nos é dada, sendo algo “fraquinha”, ainda consegue ter alguns momentos interessantes e boas ideias, mesmo que a ausência de detalhes tenha tido um custo negativo para esta banda desenhada.
Notre-Dame de Paris é uma obra muito interessante do fantástico escritor Victor Hugo – também autor da obra incontornável d’ Os Miseráveis – que traça um bem conseguido retrato da sociedade parisiense do século XV, enquanto nos oferece uma história trágica de vários amores impossíveis e das vicissitudes que as regras e barreiras criadas pelo sistema reinante na sociedade causam aos seus cidadãos, ficando os próprios amputados dos seus desejos e aspirações. No final, quem ganha é o sistema em detrimento da vontade do indivíduo.
Em termos de edição, a Levoir mantém o que tem vindo a fazer até agora nesta coleção. Boa encadernação em capa dura, bom papel e mais um dossier de extras que, não sendo - felizmente! - demasiadamente exaustivo, nos permite aprofundar os nossos conhecimentos sobre o autor, a sua obra e o contexto histórico de ambos.
Sumariamente, Notre-Dame de Paris poderia ser bem melhor se os desenhos tivessem recebido mais aprumo por parte do autor. Todavia, também é justo dizer que, no seu todo, é um livro que cumpre bem os seus pressupostos na forma como consegue ser um resumo eficaz e um convite adjacente para que, aqueles que não conhecem a obra original de Victor Hugo, sintam a necessidade de o fazer.
NOTA FINAL (1/10):
7.1
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Notre Dame de Paris
Autores: Claude Carré e Jean-Marie Michaud
Adaptado a partir da obra original de: Victor Hugo
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2021
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