quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Análise: Let’s Play - Volumes 1 e 2

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House
Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic

Sou daqueles que adora ser surpreendido em termos de banda desenhada. Claro que, quem leva muitos anos de leitura de BD, como é o meu caso, já não obtém tantas surpresas assim, pois só de se olhar para uma capa, ou por se folhear um livro durante alguns segundos, ficamos com uma ideia, mais ou menos concreta, do que podemos esperar. Assim sendo, é como que já saibamos que, em princípio, vamos gostar (ou não) de determinado trabalho. Mas, felizmente, as coisas não são tão lineares assim e, de vez em quando, há espaço para surpresas.

Let’s Play, série da autora Leeanne M. Krecic, da qual a Iguana já publicou dois volumes, é, de certa forma, uma surpresa agradável. E não digo isto por ser uma obra magnífica - não o é - mas sim por ter alguns trunfos que, pelo menos para mim, foram algo inesperados. Até porque, quando soube da aposta nesta série por parte da chancela do grupo Penguin Random House, não fiquei particularmente entusiasmado. Esta é uma série que começou por ser publicada em formato webcomic e que se destina a um público juvenil, quiçá mais feminino, e com um estilo visual que retira claras e fortes influências do estilo mangá.

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House
É, portanto, um bom mix que, compreensivelmente, é de fácil apelo para jovens. Mas, depois de feita a leitura dos dois volumes já lançados em Portugal, posso dizer que foi um pouco mais do que isso. Porque, especialmente em termos de desenvolvimento das personagens e da introdução de alguns temas raramente vistos em séries do género, Let’s Play consegue ser original e não ser “mais do mesmo”.

A história é claramente leve e centra-se na personagem de Sam Young, uma jovem adulta que tem como sonho ser programadora de videojogos. Sam é tímida, insegura e receosa de confrontos sociais com outras pessoas. Mais ainda, se estivermos a falar de relações românticas. Trabalhando nas horas vagas, consegue lançar o seu primeiro videojogo independente numa plataforma online destinada para tal. Mas depois de lançar o seu primeiro videojogo, aparece um youtuber (que em Let’s Play se chama “viewtuber”) e publica um vídeo em que arrasa negativamente o videojogo, levando a sua legião de seguidores a fazer comentários agressivos na página pessoal de Sam e fazendo baixar a reputação da programadora ao mais baixo nível do site. Entretanto, por coincidência, esse youtuber, de nome Marshall, muda-se para o prédio de Sam. E, embora esta se mantenha completamente deprimida e com raiva perante Marshall e o seu vídeo que deitou por terra as suas aspirações de criadora de videojogos, a verdade é que ambas as personagens começam a desenvolver um certo tipo de amizade em que é clara a tensão amorosa entre ambos - chamar-lhe tensão sexual talvez seja uma hipérbole.

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House
Assim contado, pode parecer uma história demasiado cor de rosa e demasiado levezinha, não é? E bem, é isso mesmo que Let’s Play é. No entanto, e foi aqui que fiquei agradavelmente surpreendido, a autora Leeanne M Krecic é bem sucedida ao introduzir na trama o tema dos videojogos, das celebridades da internet e da saúde mental. E, sem que o leitor dê conta disso, acaba a refletir sobre o peso que os influencers podem ter na vida dos outros. Quer naqueles que são influenciados por si, quer por aqueles que são diretamente afetados por uma crítica negativa. Como é o caso de Sam. Depois, também temos a questão da enorme ansiedade social que afeta a personagem principal, dado que esta experienciou um passado em que esteve isolada do “mundo real” e que agora, de um momento para o outro, se vê obrigada a coexistir num mundo adulto onde, mais cedo ou mais tarde, um romance poderá acontecer-lhe, sem que ela considere estar preparada para tal.

Nessa parte, confesso que a história já é, quanto a mim, menos bem urdida. De um momento para o outro, Sam vê-se rodeada por três rapazes que parecem estar apaixonados por si. E todos eles são diferentes: um é o já referido Marshall, por quem Sam tem uma relação de amor/ódio; outro é Charles, o galante chefe de Sam; e o terceiro é Link, que trabalha no café onde Sam sempre vai e que sempre representou apenas uma amizade para ela. Sim, eu sei. Aqui estamos perante uma premissa deliberadamente adolescente. Quase estilo novela ou série de TV para teenagers. Admito que gostaria que houvesse um maior envolvimento físico entre as personagens porque, embora na sinopse da obra seja anunciado que esta é uma história sexy, eu diria que essa sensualidade é sempre muito imberbe. Mas, lá está, se tivermos em conta que a série é para adolescentes, com primazia para o sexo feminino, ainda por cima, faz sentido(?) que as experiências amorosas das personagens não sejam graficamente demonstradas.

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House
No entanto, até admitindo que não me enquadro propriamente no público desta série, tenho que reconhecer que apreciei que a autora gerisse bem os tempos narrativos. As personagens vão sendo bem desenvolvidas, sendo dadas a conhecer ao leitor a seu tempo e de uma forma que permite uma certa profundidade. Além de que, e felizmente, não me pareceu que a autora estivesse a fazer “render o peixe” em demasia como, infelizmente, acontece em muitas séries do género e, em especial nos mangás. A ação não é rápida e pode parecer que “enrola” um bocadinho, mas, quanto a mim, pareceu-me que a autora utilizou isso para bem desenvolver as personagens. Não são "personagens de uma vida”, que não mais esqueceremos, mas são suficientemente bem edificadas. Lá está, se calhar tudo isto tem a ver com expectativas. Como a minha expectativa para Let’s Play não era muito alta, a surpresa foi positiva e agradável.

Não obstante, olhando para a parte visual da obra, surgem alguns problemas. Por um lado, o aspeto das personagens, de estilo claramente influenciado pelo mangá, é bem conseguido. As personagens apresentam caras empáticas, com expressões bem delineadas. Por vezes, nas situações de mais humor (que também aparece bem presente na obra), há desenhos mais "cartoonizados" onde as personagens apresentam expressões mais ridiculamente exageradas. Tudo em linha com o mangá, mais uma vez.

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House
Mas se o desenho das personagens é bem conseguido, a parte cénica das ilustrações é francamente má. A autora utiliza cenários feitos com ferramentas 3D que pessoalmente me lembram alguns dos videojogos do início dos anos 2000. Nos tempos atuais, estes cenários acabam por se revelar francamente pobres e artificiais, carecendo da vivacidade que a história precisa. Há exemplos em que a utilização destes cenários resulta razoavelmente bem, mas há (demasiados) exemplos francamente maus. Além de que, independentemente de serem mais belos ou mais feios - e isso poderá ser algo sempre subjetivo, concedo -, o grande problema, quanto a mim, é que os desenhos de personagens e os desenhos de cenários “casam” bastante mal entre si.

Por último, e ainda na componente do desenho, em termos de planificação, a obra também apresenta alguns problemas. O espaço de cada prancha não é utilizado da forma mais eficiente, fazendo com que haja várias vinhetas cuja dimensão é tão ínfima que se tornam difíceis de decifrar. Sei que isto é algo bastante comum em obras originalmente concebidas para webcomics. Sou um leitor com pouca experiência em ler através do computador/telemóvel/tablet e, portanto, admito que este tipo de planificação pode até funcionar melhor desta forma, em webcomic. Mas quando a obra nos é dada em formato livro, como é o caso, estes problemas saltam à vista. Mas já em Lore Olympus, também lançada pela Iguana, senti o mesmo tipo de problema com a planificação.

Quanto à edição da Iguana, os livros apresentam capa mole brilhante. No miolo, o papel tem uma boa espessura, embora me pareça brilhante demais. De resto, a encadernação e a impressão são boas. O primeiro dos livros tem como bónus uma entrevista à autora e uma história adicional onde nos é contado como é que Sam acabou por adotar o seu cão Bowser.

Em suma, Let’s Play é uma saga direcionada para um público mais jovem e feminino que, tendo uma história leve, consegue tocar alguns temas relevantes e menos batidos na banda desenhada, enquanto nos dá ilustrações de inspiração claramente mangá. Surpreendeu-me pela positiva, tendo em conta que não tinha grandes aspirações para a leitura desta obra, embora tenha encontrado mais problemas na parte visual do que gostaria.


NOTA FINAL (1/10):
6.7


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House

Fichas técnicas
Let's Play #1
Autora: Leeanne M. Krecic
Editora: Iguana
Páginas: 208, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 145 x 208 mm
Lançamento: Maio de 2023

Let’s Play - Volumes 1 e 2, de Leeanne M. Krecic - Iguana - Penguin Random House

Let's Play #2
Autora: Leeanne M. Krecic
Editora: Iguana
Páginas: 192, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 145 x 208 mm
Lançamento: Setembro de 2023

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