terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Análise: Dylan Dog - Picada Mortal

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli

Depois de um ano sem editar qualquer livro de Dylan Dog, a editora A Seita começou 2024 com o lançamento de mais um número para a sua coleção Aleph - dedicada à publicação de fumettis da Bonelli - que já conta com mais de uma dezena de livros publicados. Todos eles - ou quase todos – são dedicados a essa personagem carismática que dá pelo nome de Dylan Dog.

Dylan Dog é, aliás, uma série de culto. Nem toda a gente gosta de Dylan Dog… mas quem gosta, gosta muito. Daí apelidar-se de “série de culto”. E sim, considero-me como pertencente ao culto!

Conhecido como o Detetive do Pesadelo, Dylan Dog é um investigador do paranormal e as suas aventuras levam-nos a cenários, premissas e ideias bastante amplas. Havendo elementos em comum em todas as histórias, como o charme natural de Dylan, as tiradas hilariantes do seu assistente, Groucho, eventos do fantástico e belas mulheres, não deixa de ser verdade que cada história tem a sua própria singularidade. É uma daquelas séries em que é perfeitamente natural que se adore uma história e se odeie outra história.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Neste Picada Mortal, da autoria de Alberto Ostini e Francesco Ripoli, o conceito da história toca temas como a adição e a prostituição, enquanto assenta numa história de paixão, vivida a dois tempos: o tempo presente e os dias da adolescência de Dylan Dog.

A história arranca quando Dylan Dog, procurando um livro na sua biblioteca pessoal, acaba por dar de caras com uma noz que o remete para o passado. Aquela noz tem um significado especial, pois foi-lhe oferecida por Tiffany, uma bela rapariga com quem Dylan viveu um amor de verão na sua adolescência. Uma daquelas histórias que, sendo efémeras, com um princípio e um fim muito fechados em si mesmo, acabam por sempre nos deixar um sorriso na cara quando para elas somos remetidos através da memória. Mesmo que se passem anos ou décadas. E não acontece apenas com Dylan Dog, acontece com todos nós.

Depois de encontrar a tal noz entre os livros, e de um modo algo brusco - e aqui acho que o argumentista Ostini poderia ter imaginado uma forma mais orgânica e/ou credível - Dylan parte para Southeaven, uma pequena província onde conheceu Tiffany. Quando chega à cidade, encontra algo que, certamente, não estava à espera: não só Tiffany passou a ser uma prostituta, como a localidade se tornou num cenário para a prática de crimes hediondos. O assassino é conhecido como “River Man”, pois mata as suas vítimas, todas prostitutas, no rio que passa na localidade.

A presença de Dylan naquela terra faz com que o protagonista mergulhe nas suas memórias ali criadas com Tiffany, levando-nos também a nós, leitores, a esse passado doce, onde o romance era fácil e os planos eram complexos.

Mas, pelo menos pela parte de Tiffany, o passado sempre foi algo triste e pesado em demasia para carregar sozinha. A sua mãe era toxicodependente e prostituía-se com o único intento de amealhar algum dinheiro para a próxima dose. E, com um pano de fundo tão funesto como este, o aparecimento de Dylan Dog, com toda a sua doçura, cavalheirismo e bom trato, foi a lufada de ar fresco que a juventude de Tiffany precisava. Mas, como a vida é feita de encontros e desencontros, no final desse doce verão, Dylan Dog deixou aquela cidade para rumar a Londres. E isso acabou por levar Tiffany a percorrer as pisadas da sua mãe. Tornou-se prostituta e viciada em drogas.

Uma outra coisa interessante do ponto de vista narrativo, é que a história nos vai sendo contada pelo fantasma da própria Tiffany, o que deixa o leitor mais embrenhado em procurar os “porquês” e os “comos” daquilo que há de acontecer na história de Tiffany. Sabemos que a história vai acabar mal, mas não sabemos bem como. Mas será que acaba mesmo mal? Terão que ler o livro para o saber.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Esta é uma bela obra onde o passado e o presente de Dylan Dog e Tiffany são bem explorados, dando-nos uma versão agridoce da sua relação amorosa e uma clara reflexão de como, por vezes, é difícil contrariar o futuro que, teimosamente, a vida parece ter reservado para nós. É mais uma bela história que, quanto a mim, ganharia mais se certos elementos da narrativa fossem menos bruscos. Isto é, aliás, uma crítica que faço a muitos fumetti que já pude ler: as ideias e conceitos narrativos são bons, mas, por vezes, parece-me que, em vez de “bons”, seriam “excelentes” com um pouco de mais aprumo na conceção das histórias. Um exemplo claro disto, é a ida de Dylan Dog de Londres para Southeaven, que já referi acima, mas também poderia dizer que o próprio desenvolvimento da ação e desenlace final, pediam menos brusquidão e mais páginas. Fico sempre com a ideia que, com mais páginas, muitos fumetti seriam (muito) melhores. E Picada Mortal é mais um desses exemplos. A apoteose narrativa sabe a pouco.

Mas não me entendam mal: este é, ainda assim, um bom livro e mais uma boa escolha por parte d’ A Seita. Digo apenas, com pesar, que, por pouco, não é excelente.

Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita
Quanto às ilustrações de Ripoli, devo dizer que estamos perante um belo trabalho que faz jus à série. Com um eficaz traço a preto e branco, o autor sabe bem como nos mergulhar na imagética que associamos ao universo de Dylan Dog. Gostei especialmente do aspeto de Tiffany que é muito bela, mas sem ter aquela beleza esperada e já algo forçada da típica “loiraça boazona”. É bom variar, de vez em quando. E a personagem Tiffany é bonita, mas parece, ao mesmo tempo, muito real. Aquela mulher bonita que, de vez em quando, encontramos aqui e ali.

O autor muda o estilo de desenho e a forma das vinhetas quando nos oferece os flashbacks da juventude de Dylan e Tiffany. Algo semelhante ao que Carlo Ambrosini faz no magnífico O Imenso Adeus, que A Seita também já publicou. Aliás, agora que falo nisso, é bastante percetível a tentativa deste Picada Mortal em aproximar-se, quer em termos de ilustrações, quer em termos de argumento, de O Imenso Adeus. Mesmo assim, sendo este Picada Mortal um bom livro, não consegue ser tão bom como O Imenso Adeus, quanto a mim.

Relativamente à edição d’ A Seita, temos um bom trabalho. O livro apresenta capa dura baça, papel decente baço e boa encadernação e impressão. Nota positiva para o facto de, no final, o livro trazer um breve dossier de extras com 4 páginas com esboços e estudos para este livro.

Em suma, é bom verificar que a aposta d’A Seita na série Dylan Dog se mantém ativa. Picada Mortal é mais um bom pretexto para nos encontrarmos com essa personagem carismática, charmosa e romântica que dá pelo nome de Dylan Dog.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Dylan Dog - Picada Mortal, de Alberto Ostini e Francesco Ripoli - A Seita

Ficha técnica
Dylan Dog - Picada Mortal
Autores: Alberto Ostini e Francesco Ripoli
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 16,5 x 24 cm
Lançamento: Janeiro de 2024

2 comentários:

  1. Em parte, essas "falha" narrativa das edições de fumetti da Bonelli vem do facto de se tratar de livros que são publicados em formato de bolso, mensalmente, e que têm sempre como máximo 96 pgs. É uma fórmula fixa, e de modo geral a Bonelli evita histórias em mais que um volume.

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    1. Sim, sim. Eu sei, José. Mas a verdade é que, em muitos casos, isso impede as histórias de serem mais marcantes.

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