sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Análise: Ardalén

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya
Ardalén, de Miguelanxo Prado

Fazendo já mais de 10 anos desde que esta obra da autoria de Miguelanxo Prado foi originalmente publicada, voltei a pegar nela para uma nova leitura atenta, passados vários anos desde que a li pela última vez. Lançada em Portugal pela editora ASA no ano de 2013, esta é uma obra de enorme fulgor. Possivelmente uma das melhores obras do autor – ou, por ventura, a melhor!

Sendo Miguelanxo Prado um autor bastante multifacetado, as suas histórias têm apresentado vários estilos diferentes. E neste Ardalén, tal como já tinha acontecido no igualmente brilhante Traço de Giz, o autor volta a uma história mais íntima e pessoal, que nos convida a uma profunda reflexão sobre aquilo que nos faz humanos e sobre a forma como a memória representa para todos nós o limite do nosso próprio ser.

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya
Esta é, aliás, uma história que assenta no tema da memória, pois é ela que nos diz quem somos, o que vivemos e o que sentimos. Além de que a memória não é algo que seja objetivo. Pelo contrário, a própria vai sendo alterada ao longo do tempo, reconstruindo a nossa própria noção do mundo e daquilo que vivemos. Ou que achamos ter vivido. Afinal de contas, quantas vezes não verificámos, em conversas com outras pessoas, que nos lembramos de formas diferentes dos mesmos acontecimentos que experienciámos em conjunto com alguém?

Em Ardalén, acompanhamos a procura da personagem de Sabela que, chegada a uma pequena localidade na Galícia, procura reconstruir parte da história do seu avô – e, por conseguinte, da sua própria história - que, de algum modo, parece destinada a um vazio. E é através de Fidel, um antigo companheiro do seu avô, e das ténues (?) memórias que o mesmo guarda, que Sabela procurará acrescentar peças perdidas ao puzzle da sua vida.

Mas a memória de Fidel já é fraca e os seus relatos parecem, por vezes, desconexos e inverosímeis. E, às tantas, surge, quer em Sabela, quer no leitor, a dúvida se Fidel ainda estará dono das suas plenas capacidades. Mas, como já disse acima, serão as memórias factos frios e imutáveis ou um conjunto de vivências e perceções que temos de algo que experienciámos em tempos? E não será a própria experiência humana algo subjetivo e que muda de pessoa para pessoa? Onde está a verdade nas nossas memórias?

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya
A trama é permeada por elementos de fantasia e realismo mágico, criando uma atmosfera única e cativante. As personagens são habilmente desenvolvidas, cada uma contribuindo para a complexidade da trama e para a atmosfera enigmática da narrativa.

E o que é espantoso é a quantidade de camadas de interpretação que Miguelanxo Prado consegue colocar no enredo. A primeira linha de história – a procura pela história do avô por parte da protagonista – até pode ser uma premissa simples, mas, à medida que vamos avançando na leitura, percebemos o alcance longo e pleno de maturidade da obra que, delicadamente, Prado constrói. Em certa medida, a história de Ardalén lembra-me a do filme Big Fish, de Tim Burton, um dos meus filmes preferidos de sempre!

E essa densidade da história também é facilmente visível nos inúmeros artigos científicos, em prosa, que aparecem entre capítulos e que permitem que olhemos com maior perspetiva e preparação para a forma como a história vai sendo desenvolvida.

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya
A história também tem vários elementos de fantasia que nos são dados. E se, por vezes, sou algo crítico em certas obras com histórias mais “fantasiosas”, em Ardalén a fantasia é mais do que bem-vinda, se tivermos em conta o tema central da memória humana. E é essa fantasia que resulta em lindíssimas pinceladas de poesia que tornam o relato ainda melhor. Estou a lembrar-me especialmente da ligação que Fidel tem com o mar e com as suas criaturas. Essas imagens são belas, poéticas e inspiradas (e inspiradoras!), mas não representam uma rutura abrupta com o que nos é dado porque estamos, exatamente, no campo das memórias e nas partidas que a mesma nos pega. Maravilhoso!

Quanto ao desenho, também temos Miguelanxo Prado especialmente inspirado. As suas ilustrações neste Ardalén são verdadeiras obras de arte, capturando a beleza da paisagem galega e transmitindo emoções e atmosferas de forma visualmente impactante.

O seu “signature style” é, pois, prontamente reconhecível e, portanto, para todos os que, como eu, apreciam o estilo de desenho do autor, é esperado que fiquem muito satisfeitos com este seu trabalho. O traço é detalhado e semi-realista, havendo espaço para belíssimas expressões faciais das personagens, por vezes um pouco mais caricaturais, que sublinham o cunho humano de toda a história.

Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya
Se os desenhos são belos, o que dizer das cores? São belíssimas e causam verdadeiro impacto visual. É sempre curioso verificar que as técnicas utilizadas pelo autor para colorir as suas ilustrações são vastas e originais, face àquilo que é mais habitual de ver noutros grandes artistas da banda desenhada europeia. Prado utiliza lápis de cor, lápis de cera e giz para dar uma tónica muito especial, em tons pastel, à parte visual da sua obra.

Em termos de edição, devo dizer que esta é das melhores edições (de sempre!) feitas pela ASA. Há um cuidado muito especial na edição deste livro que apresenta capa dura baça, com papel brilhante e excelente encadernação e impressão. Já para não falar que até tem uma belae requintada fita marcadora de páginas e que, no cômputo do design gráfico, está muito belo. Por isso, também na edição este é um livro muito especial. E já que falo na bela edição que este livro é, tendo em conta que é uma obra lançada há mais de 10 e que é cada vez mais difícil de encontrar à venda, parece-me que não seria mal pensado se a ASA voltasse a reeditá-la, de forma a que a obra pudesse estar disponível para todos os que ainda não a conhecem. Bem, se calhar nem seria necessária uma reedição… tendo em conta a qualidade desta primeira edição, penso que uma reimpressão já seria o suficiente. Há obras especiais que merecem estar sempre disponíveis em loja. E esta é uma delas.

Em resumo, Ardalén é uma obra-prima que combina narrativa envolvente, elementos de fantasia e ilustrações deslumbrantes para criar uma experiência de leitura única e memorável. É uma história que fascina e cativa o leitor, ao mesmo tempo que tem o condão de o transportar para um mundo de mistério e magia. Para mim, é mesmo o melhor livro que já li de Miguelanxo Prado! Sou fã de todo o seu trabalho, mas Ardalén ousa mais em termos de história e a sua mensagem e profundidade conseguem tornar a obra em algo que não mais esquecemos. Lindo e obrigatório!


NOTA FINAL (1/10):
10.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ardalén, de Miguelanxo Prado - ASA - Leya

Ficha técnica
Ardalén
Autor: Miguelanxo Prado
Editora: ASA
Páginas: 256, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 195 x 265 mm
Lançamento: Dezembro de 2013

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