Que Jorge Pinto era (e é) um argumentista com bastante potencial para a banda desenhada, já não era uma dúvida para mim desde que li Amadeo - A Vida e Obra Entre Amarante e Paris. Embora essa obra se trate de uma biografia de Amadeo de Souza-Cardoso, e, portanto, esteja, à partida, presa a condicionalismos comuns que qualquer biografia acarreta, ficou para mim presente, quando li esse livro, a clara apetência para a escrita de Jorge Pinto, bem como a boa gestão dos tempos narrativos por parte do autor.
E, portanto, saber que Jorge Pinto tinha um novo livro de banda desenhada, deixou-me bastante interessado em lê-lo! E em boa altura o fiz já que Jorge Pinto nos dá aqui um belo livro, com uma profunda e madura reflexão sobre o tempo, essa unidade abstrata que, concretamente, tanto interfere na forma como vivemos, pensamos e projetamos as nossas vidas.
A história de Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida anda, pois, à volta do tema do tempo, fazendo uma ótima reflexão de como o mesmo é efémero e de como tudo o que vivemos, como a escrita (ou a leitura) deste mesmo texto que vos trago, já faz parte do passado assim que nela depositamos um pouco do nosso tempo. É, portanto, algo que já não temos. De uma vivência, é certo, mas de algo que já não é mais do que uma mera memória. E o tempo que dispensamos a cada uma das coisas que fazemos, é um tempo gasto. Não vou dizer “perdido”, porque pode ser um tempo bem empregue, mas sim, um tempo gasto. Que já não temos e que, portanto, deixou de ser nosso. Restam as memórias. Porque, de facto, mesmo que alguns de nós tenhamos a sorte de viver mais tempo do que outros, nada há mais certo que a morte e, nesse sentido, e de uma forma ou de outra, o tempo acaba por ser o bem mais precioso que temos.
A partir daqui, acompanhamos a história de um homem que vive preso ao seu próprio passado, tentando conter dentro de si esses tempos idos em que se sentiu verdadeiramente feliz. Mas certas escolhas e erros que fez, levaram-no a uma rutura com esse passado feliz, restando depois uma imensa mágoa por isso. Com efeito, às vezes “somos felizes e não sabemos que o somos”. Mas, claro, a vida é uma caminhada que não abranda e, às tantas, se vivemos aprisionados a um passado feliz, também estamos a invalidar que o presente, ou mesmo o futuro, possam ser felizes. Até porque há muitas formas de felicidade.
A escrita de Jorge Pinto é inspirada, bem conjugada e carregada por uma poesia que não é assim tão frequente de encontrar na banda desenhada nacional. Saibamos nós, os leitores, sorver com decoro as belas palavras do autor que, qual vinho velho, merecem ser apreciadas com calma. Já na parte final da obra, pareceu-me algo brusca a forma como o autor resolveu a história. Talvez fossem necessárias mais páginas para um melhor desenlace, a meu ver.
Desta vez, e à semelhança de outros autores nacionais, Jorge Pinto faz-se acompanhar por autores brasileiros para ilustrar a sua história. E, neste caso, são dois os ilustradores: Evandro Renan e Talita Nozomi. Em termos de ilustração, o livro apresenta, pois, dois géneros completamente distintos e antagónicos.
Por um lado, temos uma parte mais clássica, no estilo, em que temos uma planificação tradicional de banda desenhada. Os desenhos são de traço rápido, num estilo esboçado que não é especialmente detalhado. Mesmo assim, são desenhos bastante eficientes na forma como conseguem ilustrar a história, muito embora as expressões de algumas personagens sejam algo cruas. Mas acabam por funcionar bem, reconheço. E a paleta de cores suaves - que me remeteu, com as devidas distâncias, para a obra de Paco Roca - tornam a experiência visual apelativa.
No entanto, não fiquei tão bem impressionado com as ilustrações abstratas e algo difusas que pululam ao longo da narrativa. Até porque é nesses momentos que o texto de Jorge Pinto se torna (ainda) mais vibrante e profundo.
Percebo a ideia, de ser um corte drástico visual com as outras ilustrações, mas para mim estas ilustrações tornaram-se demasiado vagas. São desenhos cheios de cores e carregados de elementos que estão ligados, de forma ténue, às imagens acústicas que nos são dadas pelas palavras de Jorge Pinto. E não é que sejam desenhos mal conseguidos. Longe disso. Mas, pelo menos quanto a mim, são desenhos que parecem demasiado forçados para o livro que temos em mãos. Não estragam a experiência do livro, mas representam um ponto fraco no lugar de serem uma valência para melhorar a obra.
Quanto à edição da Iguana - chancela editorial do grupo Penguin Random House - o livro é em capa mole, com badanas e com pormenores a verniz. No miolo, o papel é baço e de boa qualidade. Nota ainda para o prefácio, bastante esclarecedor e eloquente, de Jorge Pinto. Sobre a capa, devo dizer que Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida poderia ser mais apelativo, pois, quer em termos de conceito, de ilustração ou do grafismo utilizado, parece-me que a capa do livro poderia ter mais appeal comercial. Acho que a bela premissa da obra, bem como a sua história, o mereciam.
Em suma, Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida é, acima de tudo, a confirmação de Jorge Pinto como um dos argumentistas da banda desenhada nacional que vale a pena acompanhar. A premissa do livro é bela e a escrita é muito boa. Este livro tem potencial para ser um dos melhores argumentos da banda desenhada nacional do ano, na verdade. E ainda só vamos no início de 2024. Vale bem a pena ser conhecido!
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida
Autores: Jorge Pinto, Evandro Renan e Talita Nozomi
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Fevereiro de 2024
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