segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Análise: Fojo


Fojo, de Osvaldo Medina

Depois de saber que Osvaldo Medina, um dos meus autores portugueses de banda desenhada preferidos, tinha um novo livro a solo, intitulado Fojo, dei pulos de alegria. Foi ainda no Maia BD do ano passado que, na apresentação feita por autor e editor, fiquei logo com um gosto do que poderia ser este novo livro. Sou confesso fã de Osvaldo Medina, especialmente, dos seus trabalhos a solo que, até à data, consistiam apenas em Kong The King, Volume 1 e Volume 2. Portanto, saber que Medina voltaria a lançar uma obra em que assume argumento e ilustração, foi para mim uma bela surpresa, que foi ainda mais aguçada pelo facto de, desta vez, o autor se aventurar na escrita de texto, já que Kong The King, relembro, não possuem diálogos.

Depois de finda a leitura deste Fojo, uma coisa é certa: não só estamos muito provavelmente perante a obra mais madura e conseguida de Osvaldo Medina como, além disso, estamos perante um clássico instantâneo da banda desenhada portuguesa. Daqui a cinco, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta, cinquenta, cem anos, Fojo continuará a ser uma obra marcante e emblemática da banda desenhada nacional. E é isso que define um clássico instantâneo.

O ambiente sombrio e opressivo de Fojo é um dos grandes trunfos da obra. Medina transporta o leitor para uma aldeia portuguesa isolada, perdida no tempo e num punhado de crenças e mitos. Se os elementos culturais afastam esta pequena aldeia da suposta modernidade urbana da(s) grande(s) cidade(s), também as condições climatéricas que a pequena localidade enfrenta, com rigorosos e gélidos invernos, onde a neve pinta o solo de brancura, deixam ainda mais isolada esta aldeia do restante Portugal.

E isso é fator determinante para o ambiente que circunda este Fojo, já que toda a inquietação, bem ao jeito de um thriller, e assente em rudes tempestades de neve, em uivos de lobos e na tensão palpável entre os habitantes desta aldeia, cria uma experiência sensorial rica e intensa. Ainda só tinha mergulhado nas primeiras páginas do livro, e já sentia o frio e o suspense a crescer dentro de mim. 

Osvaldo Medina é particularmente feliz na forma como doseia a história, levantando o véu com muito cuidado, de forma a manter viva a curiosidade do leitor. As personagens que vamos encontrando à medida que a leitura avança, são rudes, erodidas pelo peso das condições de vida na aldeia e bem crentes em mitos paranormais e bruxarias de algibeira. Até que o aparecimento de uma jovem assassinada, faz crescer a consternação local. Primeiro, ainda se julga que foram os lobos os responsáveis por aquela violenta morte, mas logo se percebe que a morte tem mão humana. Mas quem será, então, o ou a responsável que se mascara para cometer os crimes, protegendo a sua identidade dos demais? Os ânimos vão-se acalentando apesar do frio que rodeia a aldeia.

E é então que Osvaldo Medina vai mais longe, transportando o leitor para um outro tempo e uma outra época, a da Primeira Guerra Mundial, onde procura dar-nos a conhecer as causas que levaram a que esta pessoa mascarada voltasse à aldeia com sede de vingança. Mais não digo, para não estragar o prazer da leitura a ninguém. Digo apenas que a trama arquitetada por Osvaldo Medina está bem montada, caminhando para um final apoteótico que faz uma analogia direta com um "fojo" que, para quem não sabe, é uma armadilha para lobos. 

A narrativa ganha força ao explorar os recantos mais sombrios da condição humana, revelando traumas, segredos e medos que são universais, mas apresentados com uma autenticidade profundamente enraizada na cultura e nas crenças locais. A aldeia assume-se, pois, como um pano de fundo perfeito para o mistério e para a tensão que dominam a história.

A arte ilustrativa é, sem dúvida, um dos pontos altos de Fojo. Medina utiliza um esquema de cores reduzido – preto, branco e vermelho – para criar um efeito visual arrebatador. O vermelho, em particular, é usado de forma simbólica e impactante, destacando-se em momentos cruciais e acentuando a violência, o medo e a intensidade emocional da narrativa. Cada página é meticulosamente desenhada, com atenção aos detalhes que tornam a aldeia e os seus habitantes "vivos" e convincentes, enquanto o uso de sombras e contrastes reforça o tom sombrio e claustrofóbico da história. O trabalho de Medina deixa-me sempre agradado, sim, mas tenho que frisar que nas suas obras a solo, como Kong the King ou neste Fojo, os seus desenhos parecem feitos com mais inspiração e alma. Adoro-os!


A estreia de Medina com diálogos é outro aspeto a destacar. O texto não é apenas funcional, adiciona profundidade às personagens e ao enredo, revelando as suas motivações e os seus medos mais íntimos. A forma como os diálogos são integrados nas ilustrações demonstra um domínio completo da narrativa gráfica, equilibrando perfeitamente imagem e texto para criar uma história coesa e poderosa.

Em termos de edição, temos o esforço tripartido da Kingpin Books, d' A Seita e Comic Heart, que nos dá um belo trabalho, com o livro a apresentar capa dura baça, bom papel baço no miolo e um bom trabalho ao nível da encadernação, impressão e grafismo. Lamento que não tenham sido adicionadas algumas páginas de extras com esboços do autor, por exemplo, mas tirando esse detalhe, é uma boa edição. Nota ainda - mais que positiva! - para a belíssima ilustração de capa.

Em suma, Fojo é muito mais do que uma história de mistério e suspense; é uma exploração crua e brutal da natureza humana, embalada numa narrativa visual de excelência. Osvaldo Medina, que volta a reafirmar-se como um dos maiores nomes da BD portuguesa, entrega-nos uma obra que é ao mesmo tempo perturbadora e fascinante, capaz de capturar a atenção do leitor do início ao fim. Trata-se de um marco significativo na banda desenhada portuguesa e uma leitura indispensável para os amantes do género. Do autor, espero apenas uma coisa: que nos continue a dar mais obras a solo deste gabarito!


NOTA FINAL (1/10):
9.3




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


-/-



Ficha técnica
Fojo
Autor: Osvaldo Medina
Editoras: A Seita, Comic Heart e Kingpin Books
Legendagem e design: Mário Freitas
Páginas: 144, a preto e branco e vermelho
Encadernação: Capa dura
Formato: 19,50 x 27 cm
Lançamento: Novembro de 2024

Sem comentários:

Enviar um comentário