A Penguin Random House parece não ter descanso no que ao lançamento de banda desenhada concerne. Se é verdade que, devido a possuir muitas chancelas, os lançamentos de bd deste grupo editorial possam ter a tendência de aparecerem de forma algo esparsa e com pouco critério editorial – e mesmo ao nível do branding -, a verdade é que já são várias as bandas desenhadas lançadas pela Penguin no último par de anos.
A Topseller, mais uma das chancelas do grupo Penguin, lançou há umas semanas a sua primeira banda desenhada – ou “novela gráfica”, como muitos gostam de chamar – que dá pelo nome de Bloom e cujos autores são os americanos Kevin Panetta e Savanna Ganucheau.
Não deixa de ser verdade que as semelhanças (por vezes, gritantes) com o bestseller Heartstopper estão bem patentes, porém, e não obstante, Bloom consegue ter a sua própria individualidade enquanto obra e traçar o seu próprio caminho. Que nos levará até a um destino mais profundo e mais adulto do que Heartstopper. Mas já lá irei.
Bloom conta-nos a história de dois jovens que acabam por se apaixonar. Dito assim, parece do mais básico e mundano que haverá. A questão é que estamos a falar de dois jovens do mesmo sexo. E, mesmo que assim o seja, nunca me pareceu que a obra tente profetizar ou sensibilizar, sequer, para a questão homossexual. Pelo contrário, e à semelhança de Heartstopper, apresenta-nos uma história de amor entre duas pessoas do mesmo sexo como sendo aquilo que ela é: normal. Ou, se os meus leitores preferirem outro vocábulo em vez de “normal”, diria que Bloom nos mostra uma relação homossexual como sendo algo mundano. Que simplesmente acontece no mundo em que vivemos. Não pretende dizer se é correto ou errado. Se calhar até o faz com mais naturalidade do que a série Heartstopper.
Ari é um jovem adolescente que, depois da escola ter terminado, pensa em mudar-se para a cidade, juntamente com a sua banda de indie rock. Mas os seus pais vivem duma padaria local e, face às dificuldades financeiras que enfrentam, bem como a ausência da filha mais velha, que acaba de se casar, contam com a ajuda de Ari na gestão da padaria. Mesmo assim, e mesmo tendo uma ótima relação com os pais, Ari não se imagina a trabalhar na padaria para o resto da sua vida. E decide procurar alguém que o possa substituir quando este se mudar para a cidade. E é então que encontra Hector, um rapaz apaixonado por cozinhar. Começam a trabalhar juntos na padaria e logo uma relação próxima se começa a estabelecer entre ambos. Eventualmente – e sem surpresas, diga-se – esse relacionamento transforma-se em algo do foro amoroso.
Devo dizer que o início do livro me estava a parecer “fofinho” em demasia, devido a ser uma história com um enredo talvez leve e suave em excesso. Contudo, à medida que o enredo se vai desenrolando, começam a surgir alguns problemas com a personagem de Ari que, mesmo sendo ligeiros, são relevantes e tornam a narrativa mais profunda, levando-nos a compreender algumas das questões que suscitam dúvidas na vida de Ari.
Com efeito, o que muito me agradou neste livro é o facto de ser uma obra coming of age em que qualquer jovem se debate com a pessoa que quer ser na vida adulta. Que profissão ter, onde morar, com quem partilhar a vida, etc. E, nesse ponto, acho que Kevin Panetta criou uma personagem muito humana, com quem é fácil o leitor estabelecer uma relação de empatia. Muitos jovens leitores identificar-se-ão com a personagem e até os leitores mais maduros que lerem este livro, lembrar-se-ão das "dores de crescimento" da sua juventude e da procura por um caminho a trilhar neste mundo.
Os desenhos com que Savanna Ganucheau ilustra a história e personagens criadas por Panetta são muito belos. Em termos de traço, diria que a autora revela influências dos comics americanos, do mangá e, também, de alguma banda desenhada europeia. O resultado é um conjunto de personagens muito expressivas, que nos ficam na memória. Nota ainda para algumas liberdades da autora, em termos de planificação, que trazem dinamismo e mudança de ritmo ao longo da leitura. São várias as ilustrações que nos revelam os momentos em que se cozinha e que, sendo silenciosos, emanam uma bela poesia.
Tudo isto num traço moderno, simples, mas com algum detalhe, numa paleta de tons em azul que me fez recordar o belíssimo livro das autoras Jillian e Mariko Tamaki, Finalmente o Verão. Por vezes, o traço é mais rápido e em esboço, especialmente nos momentos de diálogos mais divertidos. Noutros casos, há um ótimo equilíbrio entre o detalhe e a simplicidade, que culmina em desenhos muito bonitos. São esses os momentos que mais apreciei.
O que me chateou um pouco em Bloom foi a conceção das personagens que, em termos visuais, se aproxima desavergonhadamente das personagens de Heartstopper. Se podíamos achar que ambas as séries já partilham algumas semelhanças ao nível do conteúdo e forma da história, devo dizer que a colagem visual que as personagens principais, Ari e Hector, têm em relação a Charlie e Nick, é quase anedótica. Se o protagonista de Heartstopper é magro, baixo e tem cabelo semi-comprido e desgrenhado, de cor preta, o mesmo acontece com o protagonista de Bloom. Como se não bastasse, até mesmo os rapazes pelos quais os protagonistas se apaixonam apresentam exatamente as mesmas características físicas: são altos, fortes, de cabelo curto e claro. Caramba! Uma coisa é prestar homenagem, fazer uma referência ou mesmo retirar algumas ideias… outra coisa é fazer igual de forma descarada. É pena.
E, repito, olhando para a beleza dos desenhos de Savanna Ganucheau que, quanto a mim, são bem melhores e mais detalhados do que os de Alice Oseman, acho que não havia necessidade para esta situação. Percebo que, comercialmente falando, a aproximação a Heartstopper tenha sido tida em conta pelos autores, mas acho que, pelo menos do ponto de vista do desenho das personagens principais, não seria necessário fazê-las tão parecidas com as personagens de Heartstopper.
Uma nota para a belíssima capa deste livro. Um belo exemplo de como fazer uma capa bonita e elegante, que "mostra algo sem mostrar tudo" e que ainda consegue ter um belo grafismo na composição dos vários elementos. Daquelas capas que quase já vende o livro mesmo antes de se saber do que trata a obra.
De resto, a edição da Topseller é em capa mole com um papel de qualidade decente e boa encadernação e impressão. Há ainda, no final do livro, um caderno de extras, onde aparece uma receita culinária, bem como um conjunto de estudos de personagem e de planificação, em belas ilustrações, e uma playlist de músicas que, para os autores, encaixa bem no ambiente do livro.
Uma nota final ainda para dizer que embora este livro se leia como um one shot, com a história auto-conclusiva, a verdade é que já foi publicado um segundo volume que espero que venha a ser publicado por cá.
Resumindo e concluindo, Bloom acaba por ser uma boa surpresa a vários níveis. A história é simples e inocente, em jeito de slice of life, mas consegue impactar o leitor, ao mesmo tempo que as belas ilustrações de Savanna Ganucheau conseguem elevar a qualidade do livro que, sem sombra de dúvidas, supera facilmente, em qualidade, o enorme sucesso de vendas que é Heartstopper. É uma das primeiras boas surpresas de bd do ano e recomenda-se!
NOTA FINAL (1/10):
8.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Bloom - O Verão em Que o Amor Cresceu
Autores: Kevin Panetta e Savanna Ganucheau
Editora: Penguin Random House (Topseller)
Páginas: 368, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 150 x 230 mm
Lançamento: Março de 2023
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