quinta-feira, 9 de março de 2023

Análise: Saga – Volumes de 1 a 10

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples

Desde que esta série, da autoria de Brian K. Vaughan e Fiona Staples, foi originalmente publicada – estávamos no ano 2012 – que houve um consenso alargado entre crítica e leitores sobre a sua qualidade. Expressões como: “tens que ler, é maravilhosa”, “obrigatória!” ou “que série viciante!” inundaram as conversas que tive com alguns conhecidos sobre Saga. Claro que, face a essas exclamativas afirmações, a questão que se fazia era: “ok, já percebi que é bom. Mas do que se trata?”. E era aí que a porca torcia o rabo. Pelo menos, quanto a mim.

Saga tem, de facto, um nome muito apropriado, mas também poderia chamar-se “Stew” ou “guisado”. Isto porque congrega muitas e muitas e muitas e muitas e, mais uma vez, muitas coisas em si mesmo. É de ficção científica, é futurista, é uma distopia, é WOKE, tem fantasia, tem ação, tem comédia, tem crítica social, tem sexo, tem guerra, tem crítica social… tem tudo. Mas, lá está, dizer isto pode ser algo exacerbado quando se quer falar bem de algo. Pode soar a um certo pedantismo literário.

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
E, certamente por isso, apesar de ler críticas elogiosas à série e apesar de muitos amigos próximos me sugerirem que lesse Saga… passei os últimos 10 anos a "chutar a bola para canto" relativamente a esta obra. Porquê? Bem, porque talvez todas as críticas e todas as sugestões que li ou ouvi sobre a série simplesmente falharam – na minha opinião, atenção! – em dizer aquilo que é realmente magnífico em Saga. Não é a ficção, não é a fantasia, não é a ação, não é a guerra… O que é fantástico é a história e as personagens e, especialmente, a narrativa em que a série se apoia.

O que me remete para a série Game of Thrones. É uma série televisiva que é recomendável para todos os que gostam de uma boa história e de uma boa narrativa. Esse é o cerne da questão. Não será por ter dragões, cavaleiros, sexo, ação, guerra, aventura, comédia, etc. O que ali sobressai é a história e a forma como a mesma nos é dada (narrativa). É por isso que é uma série que se recomenda para todos os que apreciam uma boa história, mesmo que não gostem de dragões, cavaleiros, sexo, ação, guerra, aventura ou comédia. Não é bem “o quê” ou o “quem” que interessa, mas mais o “como”. Como a história é construída. A relevância do conteúdo ultrapassa a forma, pronto. Portanto, tal como a série Game of Thrones poder ser - e bem! - recomendada a pessoas que não gostam de cavaleiros, dragões, sexo ou ação... Saga também é recomendada a pessoas que não gostam de ficção científica, futurismo, fantasia ou ação.

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
E, se me tivessem dito isto desta maneira, eu teria mergulhado de cabeça nesta série há 10 anos, estou certo. Não o fiz porque não achei que os elementos que as pessoas/analistas destacavam como sendo bons, eram muito apetecíveis para mim. Mas foi uma pena que não tivesse conhecido esta bela série há mais tempo.

Isto porque vos posso dizer, mesmo com um atraso de uma década, que Saga é uma série de banda desenhada absolutamente bem construída, bem pensada e bem executada! E sim, é composta por um enorme “guisado” de tantas e tantas coisas, mas, mais importante que isso, é uma história genialmente pensada e escrita pelo seu argumentista, o famoso Brian K. Vaughan.

A série tem sido publicada em Portugal, desde 2014, pela editora G. Floy Studio e já vai em 10 volumes. Foi no final do ano passado, em Dezembro, que a editora publicou o 10º volume, depois de uma espera de 3 anos em que os autores demoraram mais do que o habitual a produzirem um novo volume. E isso foi o gatilho para eu dar, finalmente, uma oportunidade à série. Em boa hora o fiz.

Saga é uma história de amor, nas suas mais diversas formas, mas com especial ênfase no amor de família. A narrativa é ambientada por essas galáxias fora, em planetas de perder de vista, e centra a sua ação no romance que sucede entre dois jovens soldados que se encontram nos lados opostos de uma guerra intergaláctica infindável. Assim um bocado como a história de Romeu e Julieta, ou de Pocahontas ou de Avatar. Bem, talvez mais próxima de Avatar por ser igualmente ambientada no espaço, com figuras meio humanas, meio alienígenas, meio animalescas. 

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
Seja como for, isto é apenas o ponto de partida. Porque assim que Marko e Alana - oriundos de raças, espécies e de planetas diferentes - concebem, contra todas as regras do universo, uma vida… que o caos está instalado. O casal tudo fará para proteger a sua filha, Hazel, mas o universo tudo fará para perseguir, estudar(?) e aniquilar esta família. Dito assim, não parece muito excitante, bem sei, mas asseguro-vos que a história tem reviravoltas e detalhes que fazem o leitor ficar ligado à mesma.

Depois, junta-se ao enredo uma enorme quantidade de criaturas – algumas delas, bem estranhas – que se querem aproximar de Marko, Alana e Hazel. Há um príncipe Robot, com cabeça de écran – sim, leram bem – que quer perseguir e assassinar a família. Mas também há um conjunto de assassinos profissionais mandatados para a aniquilação da improvável família. E há a ex-noiva de Marko que também o quer perseguir. Surgem ainda fantasmas, uma gata que funciona como máquina da verdade e revela logo se uma personagem está a mentir ou não e muitas outras personagens com aspeto de animal. Visualmente falando, há personagens muito originais e com aspetos rocambolescos, dignas da criação de uma mente quer retorcida, quer infinitamente criativa e original. Lembro-me, por exemplo, de uma enorme aranha, com busto de mulher sem braços, entre várias outras personagens que, à primeira vista, e devido à sua estranheza visual, parecem não criar empatia com o leitor, mas que, depois – por consequência do enredo e da narrativa, lá está –, acabam por nos conquistar.

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
Já para não falar que personagens que, em primeira mão, são más, podem alterar os seus comportamentos ao longo da série e, desta forma, mudarem de "equipa", passando a conquistar os leitores. As personagens estão muito bem tratadas e desenvolvidas pelo autor.

E, lá está, como a história é contada em voz off pela filha do casal, Hazel, isso faz com que Brian K. Vaughan utilize muitas ferramentas narrativas para bem unir o relato e, ao mesmo tempo, conseguir deixar em suspense, com um certo grau de incerteza, o leitor. Além de que - e isto foi uma coisa que muito me impressionou – até na própria construção de um texto que seja quotable e marcante, Vaughan parece mais inspirado do que nunca. Não tenho dúvidas de que Saga é a melhor história, com o melhor texto, que o autor escreveu até hoje.

Mas Saga também é crítica social. Afinal de contas, tudo aquilo que aqui nos é dado tem, de uma forma ou de outra, reflexo no universo real e atual que habitamos. Questões como o racismo, a luta entre povos, a política, a vida social, a sexualidade, os meios de comunicação e, basicamente, toda a forma de vivência humana, estão aqui bem refletidos. Sendo povoada por um número gritante de criaturas não humanas, Saga está cheia de humanismo na forma como espelha o mundo em que vivemos. Saibamos nós detetar isso. E, também por isso, é uma obra especial e megalómana nos seus intuitos.

O que também apreciei bastante é que, mesmo havendo alguns episódios secundários – que nos levam a conhecer melhor a caminhada de algumas personagens de segundo plano – nunca me pareceu que Brian K. Vaughan perdesse as rédeas da sua própria história como, infelizmente, tantas vezes acontece a outros autores no universo da banda desenhada. Com efeito, e mesmo depois de ler mais de 1000 páginas, não senti que o autor estivesse a dar “palha” aos leitores. A história é grande e vai-se expandindo, mas sempre de forma natural e fluída. O equilíbrio narrativo está, pois, assegurado.

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
Depois, também há a componente de provocação. E essa parte, quanto a mim, será por ventura a menos relevante ou o ponto mais fraco da obra. Bem, o ponto menos forte, vá. São várias as cenas de sexo ou de nudez que nos são dadas, mas pareceu-me sempre, sem exceção, que estas cenas só estão ali para chocar ou para tornar falsamente madura a narrativa. Não há qualquer erotismo ou relevância para a história. Não digo que sejam cenas que eu não tenha apreciado. Apenas digo que achei demasiado forçadas e óbvias com o intuito primordial de corar os leitores. Pode funcionar com adolescentes ou pré-adultos, mas não creio que funcione assim tanto com leitores mais adultos. Funciona mais como capricho dos autores do que como cenas de relevância para o todo.

Não quero alongar-me muito mais sobre a história de Saga, pois precisaria de muitos mais parágrafos e, certamente, estragaria o prazer da leitura àqueles que forem ler esta série depois disto. Mas termino dizendo que o autor está de parabéns por aquilo que conseguiu com esta série.

Em termos de ilustração, há que enaltecer o trabalho da autora Fiona Staples. Confesso que não adorei logo o estilo de ilustração da autora – e talvez isso também me tenha demovido inicialmente de querer ler a série. Mas, à medida que vamos entrando no universo, começamos a ambientar-nos aos desenhos da autora. E não esqueçamos que os próprios desenhos sofreram uma mudança gradual – e para melhor – entre o primeiro e o décimo volume. Quando se lê tudo de uma só vez, como eu fiz, isso ainda é mais notório. 

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio
A expressividade dos desenhos da autora é muito bem executada, o que ajuda a que haja uma relevante empatia entre as personagens e o leitor. Em termos cénicos ou paisagísticos, não me parece que a autora seja tão forte, com os cenários a aparecerem, quase sempre, demasiado despidos e simplistas, mas acho que, mesmo assim, o conjunto de todos os seus elementos acaba por funcionar bem.

Isto não esquecendo que a autora se mostra hábil a desenhar os mais variados tipos de cenas que acontecem na série, como as partes mais marcantes ou tristes, as partes mais cómicas, as partes mais sexuais ou as cenas de ação que pressupõem um claro sentido de ritmo e dinâmica.

E não posso deixar de referir que as capas dos diversos volumes são maravilhosas e refrescantes, no estilo e na abordagem que assumem. Poderia nomear outras, mas vou apenas dizer que a capa do volume 3 é das capas mais bonitas e bem conseguidas que me lembro de ter observado nos últimos tempos. Uma absoluta obra de arte do ponto de vista de grafismo e execução.

A qualidade do trabalho de edição com que a G. Floy Studio tem vindo a dotar esta série é bastante boa e em linha com aquilo a que a editora nos tem habituado noutras séries. Os livros apresentam capa dura, bom papel brilhante, bom grafismo e boa encadernação e impressão.

Concluindo, até agora Saga tem sido uma autêntica "saga", uma space opera, onde um conjunto muito alargado de personagens sui generis enfrentam as grandes questões mundanas que a humanidade tem enfrentado desde que existe. Saga revela-nos um Brian K. Vaughan na sua plena capacidade de criar uma bela história, com excelente narrativa e enredo, que permanece na memória do leitor muitos anos após o término da leitura. Indispensável!


NOTA FINAL (1/10):
9.7


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas
Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #1
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2014

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #2
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2015

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #3
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2015

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #4
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Maio de 2016

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #5
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2016

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #6
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2017

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #7
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Dezembro de 2017

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #8
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Setembro de 2018

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #9
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Novembro de 2019

Saga – Volumes de 1 a 10, Brian K. Vaughan e Fiona Staples - G. Floy Studio

Saga #10
Autores: Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Dezembro de 2022

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