Quando se cria um protagonista cheio de carisma, com uma premissa original e única, com humor negro de sobra e com as características comuns a um Jack Sparrow, em Piratas das Caraíbas, que parece, por um lado, desajeitado e sortudo nos confrontos que enfrenta e, por outro lado, extremamente aventureiro e com sentido ético, estamos perante uma personagem que ultrapassa o teste do tempo. Daqui a 10, 20 ou 30 anos… quem ler Undertaker vai continuar a recordar o seu protagonista, Jonas Crow.
Isso já é algo fantástico e que os dois primeiros álbuns da série – que constituem um díptico – já conquistaram. Contudo, estava longe de achar que, para além desse fantástico protagonista, os autores de Undertaker nos conseguissem dar um vilão magnífico, infinitamente cruel, que, estou certo, também irá superar o teste do tempo.
Falo de Jeronimus Quint, o malvado médico, que se assume como um vilão impiedoso e maquiavélico, e que, por muito que eu adore Jonas Crow, tenho que considerar como a peça chave deste segundo díptico da série, composto pelo terceiro volume, O Monstro de Sutter Camp, e por este quatro volume, A Sombra de Hipócrates.
A história deste quarto volume começa no exato ponto onde acabou a história do volume anterior.
Depois de Quint virar a posição a seu favor, passa a viajar em fuga, na companhia de Rose. Tudo porque o psicopata médico a feriu de tal forma que só mesmo ele próprio a poderá salvar. Entretanto, Jonas Crow, acompanhado de Lin, passa a perseguir Rose e Quint com o objetivo de salvar a bela mulher e parar o maldoso médico.
A história aparenta ser simples e básica quando contada desta forma, reconheço. Mas é na maneira como o enredo é pensado pelo argumentista Xavier Dorison, que este livro volta a ser fantástico de ler, pois parece que nós, leitores, estamos sempre atrás dos intuitos nefastos de Jeronimus Quint. E ver como Xavier bem doseia uma mente tão retorcida como a deste médico é, por si só, um excelente exercício de observação de um fantástico story telling, permitam-me o estrangeirismo.
É claro que há muita ação à mistura, que as personagens vão correr muito perigo de vida em inúmeras circunstâncias, como havia de ser esperado num western, mas creio que o facto de Undertaker ser um western é mais ao nível da forma do que do conteúdo. Esta história poderia passar-se numa outra época e mesmo assim seria fantástica de ler. Até porque tem elementos de thriller e de policial muito presentes no seu enredo.
Já agora, permitam-me o desabado: adoraria ver um filme ou série, em imagem real ou em animação – mas, preferencialmente, em animação – de Undertaker.
Se o argumento, o ritmo da narrativa e as personagens revelam um argumentista cuja inspiração não parece cessar neste quarto volume da série, em termos de desenho e cor, o desenho da autoria de Ralph Meyer e a cor da autoria da sua esposa, Caroline Delabie, Undertaker é uma série que roça a perfeição e que insiste em não baixar – pelo contrário, até! – a qualidade visual da obra.
Assim, e rebuscando algumas das palavras que escrevi em relação ao álbum anterior, “falando da arte ilustrativa, Undertaker consegue ser magnífico em todos os vetores que nos lembremos de considerar. O traço de Ralph Meyer é elegante, dinâmico, moderno, eficiente e multifacetado. Se as cenas de ação são muito bem representadas, com todo o drama que lhes é suposto, as cenas mais calmas, os sentimentos das personagens ou meras imagens de Jonas a cavalgar pelas trevas da floresta, também estão eximiamente bem representados. Os ambientes são muito belos, com muito detalhe a perder de vista. A planificação é diversificada e os planos escolhidos revelam bastante sensibilidade cinematográfica. E isto já para não falar das cores, da autoria de Caroline Delabie, a esposa de Ralph Meyer, que também são magníficas. O próprio jogos de sombra e luz, do claro e do escuro, é tão bom que até admito que também gostaria de ver estes livros publicados numa versão a preto e branco, como existe em França, e como a Ala dos Livros fez com a série Comanche. Não obstante, as cores são lindas e oferecem ao conjunto uma boa dose de modernidade.”
Tudo está bem feito em Undertaker! Até mesmo na vertente das capas, a série se revela acima da média. Todas elas são muito belas, com um sentido estético e de meta-comunicação visual muito elevado. Este quarto volume também não é exceção.
A edição da Ala dos Livros mantém-se em linha com o que a editora já fez nos três álbuns anteriores. Boa capa brilhante, bom papel brilhante e uma encadernação e impressão de excelente qualidade. Nota positiva para o facto da editora ter lançado este livro no passado mês de Novembro, apenas três meses depois de lançar o volume anterior. Isso é positivo para os leitores que, desta forma, podem ler de forma mais seguida, com pouco espaçamento temporal, os dois tomos que se complementam e contam uma só história.
Concluindo, da mesma forma que, na música, há superbands, que consistem numa banda formada por músicos muito conceituados e/ou virtuosos, a equipa por detrás de Undertaker parece-me, sinceramente, uma “Super Equipa de autores de BD": o argumento é bom, as personagens são fantásticas, a narrativa e ação é boa, as ilustrações são lindíssimas, as cores são perfeitas. Sinceramente, é difícil arranjar defeitos nesta série.
Há quem diga que poderia ser mais profunda em termos de história. Aceito, mas considero que nunca foi esse o objetivo duma série deste âmbito. Portanto, nem sei se isso pode - ou deve - ser considerado como um defeito ou uma fraqueza. Com efeito, olhando para aquilo que a série procura ser, pode-se dizer que é uma obra de excelência.
Tenho dito: não é preciso gostar-se do estilo western para que nos deleitemos com esta fantástica série. Basta que se aprecie uma excelente experiência de leitura, carregada de aventura, com um cheirinho de thriller, e onde as personagens são memoráveis, para que se goste de Undertaker. Série obrigatória para toda a gente! Bem, diria que só não é obrigatória para um público infantil pois apresenta inúmeras cenas violentas.
NOTA FINAL (1/10):
9.6
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Undertaker #4 - A Sombra de Hipócrates
Autores: Xavier Dorison e Ralph Meyer
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Novembro de 2022
Curiosamente comprei este tomo esta mês semana. Tenho lido tanta maravilha disto que estou um bocado ansioso por ler os 4 de seguida.
ResponderEliminarBoa escolha, Pedro! Vale bem a pena! Acho que vai ser uma leitura muito proveitosa! Um abraço
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