terça-feira, 8 de outubro de 2024

Análise: Al Capone

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros
Al Capone, de Meralli e Radice

Um dos (vários) livros que a editora Ala dos Livros lançou recentemente foi Al Capone, dos autores Meralli e Radice, que, através do seu esforço criativo conjunto, procuram dar-nos uma biografia de um dos mais famosos gangsters de sempre: Alphonse Gabriel Capone.

E se o argumento arquitetado por Meralli, baseado numa conversa que decorre na célebre prisão de Alcatraz entre Al Capone e a sua mãe, é audaz e criativo o suficiente para nos prender ao enredo do princípio ao fim, não deixa de ser verdade que, mesmo com estas liberdades criativas, o livro consegue tecer uma bem montada biografia da vida do criminoso, já que nos conta alguns dos principais momentos da sua vida e como o mesmo subiu na hierarquia do contrabando nos Estados Unidos, tornando-se, à época, num dos homens mais ricos do mundo. Um verdadeiro empreendedor do submundo, portanto.

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros
A influência e ascensão de Al Capone deveu-se ao período conturbado em que viveu. Estava-se na década de 1920 e o crime organizado ganhava força nos Estados Unidos. A Lei Seca, que funcionou durante o período de 1920 a 1933, bania o fabrico, transporte e venda de bebidas alcóolicas. E isso, naturalmente, proporcionou que surgisse o tráfico de bebidas alcóolicas. Porque mesmo em tempos de Proibição, a sede pelo álcool não poderia parar. Se não era permitido vender e havia procura... traficava-se, está claro! E é essa oportunidade de negócio que Al Capone, com bom sentido de oportunidade, coragem e esperteza, não deixou de agarrar.

Mas o mundo do crime não é pera doce e, claro, Al Capone teve que fazer-se valer de violência, deixando muitos cadáveres após a sua passagem e subornando todas as altas instâncias que lhe permitiram pavimentar o seu caminho de ascensão financeira. Em Nova Iorque, a sua cidade original, as coisas até não lhe correram tão bem assim. Mas na cidade de Chicago, Al Capone, também conhecido por "Scarface" devido às cicatrizes que tinha na cara, acabou por prosperar.

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros
A forma como nos é contada a história de vida deste rei do crime é bastante peculiar. O livro começa com Al Capone, presidiário, a falar com a sua mãe e a contar-lhe a história da sua vida. Mas o que é extremamente divertido neste livro é que, ao invés de uma mera narração de factos e eventos, o leitor é brindado com dois elementos: por um lado, através do diálogo entre filho e mãe, recebemos a sua subjetiva versão dos factos, e, por outro, através das vinhetas vemos aquilo que realmente aconteceu. Al Capone até pode romancear os seus feitos, tentando levar a sua mãe a acreditar na nobreza dos seus atos, mas nós, os leitores, temos acesso à veracidade dos acontecimentos. É uma ferramenta narrativa muito interessante e criativa que enche de personalidade esta obra e que também serve para demonstrar o quão matreiro e mentiroso era Al Capone. Ate mesmo para a sua própria mãe.

O livro é estruturado em capítulos que abordam as diferentes fases da vida de Capone, desde a sua infância até à sua ascensão e eventual queda. Isso facilita a compreensão da evolução da sua figura, sendo exploradas as suas relações familiares, amizades e rivalidades, enquanto nos vai sendo revelado uma personalidade multifacetada e extremamente violenta.

Se a história é bem concebida e impactante, há uma coisa que salta ainda mais à vista neste livro, assim que lhe deitamos o olho: o tipo de ilustrações do autor Pf Radice. E este é um daqueles clássicos exemplos em que poderá haver leitores que amam e leitores que odeiam, tal não é personalizado e raro o estilo de desenho do autor francês. 

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros
O seu traço oferece-nos personagens de cabeças bem arredondadas, num estilo cartoonesco quase caricatural. Se esta abordagem traz para cima da mesa alguma frescura e muita originalidade, não deixa de ser factual que o desenho também apresente algumas fraquezas. Especialmente ao nível da expressividade que, por vezes, se nos apresenta de forma algo inócua. O desenho das feições das personagens chega a ser tão linear que mesmo olhando para um Al Capone criança, em início de vida, e para um Al Capone velho, e no final do seu ciclo, quase não vemos mudanças no desenho das suas expressões.

No entanto, há que dizer que também há muito de bom no trabalho de PF Radice. Especialmente nos desenhos que o autor nos oferece do ambiente citadino. Os edifícios, os veículos e, sobretudo, a aura urbana onde decorrem as aventuras e desventuras de Scarface, estão brilhantemente bem desenhadas. Assim, é inegável que o estilo visual do autor captura a atmosfera da era da Proibição, com detalhes que ajudam a estabelecer o contexto histórico. A paleta de cores que é aplicada de modo a fazer lembrar lápis de cor e lápis de cera, também complementa bem o tom da narrativa, frequentemente sombrio, refletindo a criminalidade e o clima tenso da época em que Al Capone viveu. Há aqui uma dicotomia interessante que também se estende à história (que é séria e divertida ao mesmo tempo): é que os desenhos parecem demasiadamente meiguinhos para o estilo de história, mas também é verdade que há cenas visuais extremamente violentas e sangrentas. Uma dualidade bem vinda e claramente assumida.

Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros
É, portanto, como vos digo: é um daqueles livros que só pela componente visual vai agradar a muitos leitores... mas também vai desagradar a outros tantos. Quanto a mim, devo dizer que, tirando a expressividade das personagens que considero insuficiente, agradou-me bastante em todos os outros cômputos do desenho.

Nota positiva para a bela capa que, não só é impactante como tem um brilhante jogo entre a luz e as sombras, o bom e o mau que associamos à personagem de Al Capone aquando da leitura que fazemos da obra. É a expressão máxima da dicotomia que referia mais acima.

Quanto à edição da Ala dos Livros, como seria de prever, estamos perante um belo trabalho. O livro tem capa dura baça, com detalhes a verniz e lombada arredondada, que aprecio. O papel, também baço, é de excelente qualidade, tal como também o é o trabalho ao nível de impressão e encadernação. Nada de errado a objetar, portanto.

Em suma, Al Capone é uma bela biografia em banda desenhada de um dos mais carismáticos e maléficos criminosos, que utiliza um estilo de ilustração verdadeiramente original, personalizado e até fraturante que dificilmente deixará alguém indiferente. Seja para o bom ou para o mau. Mais uma boa aposta da Ala dos Livros!


NOTA FINAL (1/10):
8.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Al Capone, de Meralli e Radice - Ala dos Livros

Ficha técnica
Al Capone
Autores: Meralli e Radice
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Setembro de 2024

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