quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Análise: A Dama Pé de Cabra

A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP

A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP
A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado

Se existe um clássico da literatura portuguesa em que o casting para a ilustração dessa mesma obra em banda desenhada é perfeito, essa obra é este A Dama Pé de Cabra, publicado recentemente pela Levoir, em parceria com a RTP,  na coleção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD.

De facto, e conhecendo o estilo de desenho do autor Manuel Morgado (que assume aqui a dupla função de argumentista e desenhador - contrariando, por isso, a tendência de todos os outros livros desta coleção que contam com um argumentista e um desenhador), este A Dama Pé de Cabra, baseado no conto de Alexandre Herculano, sendo das obras portuguesas mais fantasiosas e sobrenaturais, encaixa, portanto, que nem uma luva nas fortes apetências e qualidades de Manuel Morgado, que é especialmente hábil no desenho de histórias que envolvam criaturas fantásticas, cavaleiros e muitas lutas de espada na mão.

A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP
A narrativa combina elementos do folclore português com temas profundos como o amor, a traição e a moralidade. Na verdade, este conto até foi transmitido oralmente entre gerações de portugueses, bem antes de ser registado em obra por Alexandre Herculano. 

A história gira em torno de D. Diogo, Senhor de Biscaia que se apaixona instantânea e perdidamente por uma bela mulher: a "Dama". Mas para a conquistar, D. Diogo tem apenas de cumprir a única coisa que a jovem lhe pede: que este jamais se benza, fazendo o sinal da cruz. Parece um feito fácil de executar e D. Diogo aceita-o sem reservas. E embora esta mulher tenha uma perna que acaba como a de uma cabra - o animal -, o casal parece encontrar felicidade na sua vida a dois e até acaba por ter dois filhos: Inigo Guerra e Dona Sol. 

Porém, tudo se altera de um momento para o outro quando, no dia de uma caçada, D. Diogo se esquece da sua promessa e, num gesto por impulso e pouco pensado, se benze. Ora, de forma instantânea, este pequeno gesto irrefletido transforma a sua amada num autêntico monstro sobrenatural que desaparece do castelo onde a família vivia, raptando a filha do casal.

A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP
Este acontecimento transforma a vida de todos e D. Diogo acaba por partir para a frente de combate para lutar contra os mouros, deixando o seu filho a tomar conta das suas terras. Depois de ouvir uma história sobre uma lenda entre uma misteriosa mulher e um nobre, o rapaz sente-se compelido a ir procurar a sua mãe nas florestas e a salvar o seu pai que acabou prisioneiro de guerra. 

A partir daqui, a história vai-se afundando em desenvolvimentos cada vez mais rocambolescos que, quanto a mim, acabam por deixar cair a interessante premissa inicial. É uma daquelas histórias estruturalmente mal explanadas. Não será "culpa" de Manuel Morgado, que se limitou a adaptar a história, nem sequer de Alexandre Herculano, caso o mesmo tenha mantido fidelidade ao conto transmitido oralmente entre gerações, aquando da sua passagem para texto a ser publicado. Mas, enfim, é o que é: uma história que parece ter sido construída aos remendos, sem um encadeamento dos acontecimentos feito de forma coesa.

A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP
Centremo-nos, então, no que mais interessa enaltecer neste A Dama Pé de Cabra: a exuberante e bela arte ilustrativa de Manuel Morgado.

O trabalho do autor é, sem sombra de dúvidas, absolutamente formidável! Com um desenho muito expressivo, assente num traço moderno, comercial e confiante - semelhante ao que já pudemos ver na obra Dragomante - Manuel Morgado tem o dom de cativar o olhar do leitor da primeira à última vinheta da obra. A expressividade das personagens é particularmente bem conseguida, tal como as cenas de combate são muito dinâmicas e as cenas dos momentos mais românticos entre personagens são belas e impactantes. As criaturas monstruosas surgem-nos grandiosas e personalizadas. A planificação é muito airosa e diversificada, mantendo um ritmo de leitura e imersão bastante fortes e as cores, onde imperam os tons avermelhados, são um regalo para os olhos. Está tudo muito bem feito e podemos muito bem estar diante do melhor desenho em BD nacional do ano 2024.

A edição da Levoir mantém a qualidade a que já nos habituámos nesta coleção. O livro tem capa dura baça e papel brilhante de boa qualidade no miolo. A encadernação e impressão também apresentam boa qualidade e, no final do livro, há um dossier de extras em que nos é dada uma contextualização da obra original, do seu autor e da época em que a obra foi originalmente lançada. 

Em suma, não é bem pela história em si que este A Dama Pé de Cabra mais brilha, mas antes pelas magníficas ilustrações de Manuel Morgado que enchem verdadeiramente o olho do leitor e justificam, per se, a compra deles lindíssimo livro. Recomenda-se!


NOTA FINAL (1/10):
8.6




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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A Dama Pé de Cabra, de Manuel Morgado - Levoir e RTP

Ficha técnica
A Dama Pé de Cabra
Autor: Manuel Morgado
Adaptação a partir do clássico da literatura de: Alexandre Herculano
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Julho de 2024

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