Foi com satisfação que soube recentemente que a Porto Editora iria publicar a adaptação, no formato de banda desenhada, do livro História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar, de Luis Sepúlveda. Essa adaptação ficou a cargo do autor franco-suiço Cever que, com carinho pela obra original, nos oferece, pela primeira vez em banda desenhada, uma das mais belas e simbólicas fábulas da literatura contemporânea. 
A história decorre no porto de Hamburgo, em que temos Zorbas, um gato preto, como protagonista. O gato vive feliz na sua casa mas, de um momento para o outro, é confrontado com a visita de uma gaivota que, às portas da morte, pede ao gato um último desejo: que este cuide do seu ovo e que ensine a pequena gaivota, Ditosa, que daí há de nascer, a voar. Parece uma tarefa impossível para um gato, ensinar uma cria de gaivota a voar, certo? E é a partir dessa promessa que se desenrola uma narrativa terna e profunda sobre amizade, coragem e aceitação da diferença.
Conheço bem a obra original e posso dizer-vos que a adaptação de Cever consegue captar com grande sensibilidade o espírito do texto de Sepúlveda. O autor recria a atmosfera de humanidade e empatia que atravessa a obra original do escritor chileno, mantendo o equilíbrio entre a simplicidade da linguagem e a profundidade dos temas. É um daqueles livros que crianças leem bem, mas que os adultos conseguem capturar uma segunda linha narrativa na história descrita. 
Esta adaptação tem o mérito de condensar a história sem a empobrecer, preservando as suas passagens mais simbólicas. Zorbas e os restantes gatos do porto tornam-se símbolos da solidariedade e da capacidade de cuidar do outro, mesmo quando esse “outro” pertence a um mundo diferente, como é o caso da gaivota no mundo dos gatos. Do ponto de vista narrativo, a história mantém o seu tom de fábula intemporal e o resultado é uma história universal, capaz de emocionar leitores de todas as idades, e que, apesar de simples na forma, é profunda no seu conteúdo.
Podemos então referir que a linguagem acessível da obra e as suas mensagens de amizade, coragem e solidariedade tornam-na uma leitura educativa e inspiradora. Contudo, a profundidade simbólica e o tom poético também a tornam apelativa para os adultos, que encontram nela uma reflexão sobre o amor, a perda e o poder da promessa. É um livro que, em cada leitura, revela novas camadas de significado. Já o tinha lido, mais do que uma vez, há uns anos e voltei a sair mais rico depois desta leitura da obra em banda desenhada.
A fábula de Zorbas e Ditosa é, acima de tudo, uma lição sobre a liberdade. A frase “só voa quem se atreve a fazê-lo” sintetiza de forma magistral o coração da obra. Encoraja-nos a enfrentar o medo, a acreditar nas nossas capacidades e a confiar no apoio dos outros. Esta mensagem, universal e intemporal, é aquilo que faz de História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar um clássico moderno.
A adaptação de Cever honra o legado de Sepúlveda, traduzindo-o num formato visual e narrativo acessível, mas sem perder a sua força simbólica. O equilíbrio entre humor, ternura e fantasia é bem conseguido, e o livro transmite uma sensação reconfortante de esperança. E a própria presença de Luis Sepúlveda enquanto personagem, permite uma homenagem ao autor chileno que nos deixou em 2020, vítima de complicações ligadas ao covid-19.
Os desenhos de Cever funcionam bastante bem. O traço é limpo, elegante e expressivo, transmitindo emoção através da simplicidade. O gato Zorbas é retratado com particular mestria por Cever, apresentando um olhar sábio, um corpo pesado mas protetor, e uma ternura que emana da sua presença. Há também belos desenhos de dupla página, da zona portuária em que a história se desenrola, que oferecem ao conjunto diversidade e força.
No entanto, é possível sentir, em alguns momentos, que o traço excessivamente limpo deixa os cenários, especialmente os domésticos, um pouco despidos. Mesmo assim, reconheço que foco do autor recai intencionalmente sobre os animais e as suas expressões, o que acaba por servir bem o propósito da narrativa.
Quanto à edição, o livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz, e um papel ligeiramente brilhante no miolo. A encadernação e impressão são de boa qualidade, também. Acima de tudo, é bom ver que a Porto Editora vá lançando algumas obras de banda desenhada, mesmo que sejam em pouco número.
Em suma, História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar é um livro que aquece o coração. A adaptação de Cever mantém intacto o espírito poético e humano do texto original, e os seus desenhos respiram beleza e emoção. É uma obra que continua a lembrar-nos de que o amor e a coragem podem vencer qualquer diferença e que, no fundo, todos podemos aprender a voar, se tivermos alguém que acredite em nós.
NOTA FINAL (1/10):
7.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar
Autor: Cever
Adaptado a partir da obra original de: Luis Sepúlveda
Editora: Porto Editora
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 220 x 292 mm
Lançamento: Setembro de 2025
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