Hoje falo-vos dos mais recentes volumes de Batman lançados pela Devir, editora que, convém relembrar, tem estado com um impressionante ritmo de lançamentos nas suas mais variadas séries. Algo que merece os meus aplausos, pois é forma de manter os leitores fiéis e satisfeitos.
Em termos de super-heróis da DC Comics, a Devir tem estado investida no lançamento de Batman de Grant Morrison, em que os leitores são convidados a mergulhar num dos períodos mais complexos e fascinantes da carreira do Cavaleiro das Trevas.
Vamos por partes.
No Volume Dois, as histórias aí presentes levam Bruce Wayne a confrontar-se com um conjunto de desafios psicológicos e físicos que testam o seu limite e o conceito que tem de si próprio enquanto herói. Morrison introduz figuras que representam diferentes facetas do medo e da loucura, refletindo a ideia de que o próprio Batman é uma sombra multifacetada da cidade que protege.
Morrison desenvolve também a ideia de que existem histórias esquecidas, memórias reprimidas e experiências quase míticas no passado de Batman, brincando com a noção de continuidade e com a própria história editorial da personagem, resgatando elementos dos anos 50 e 60 e recontextualizando-os dentro de um universo moderno e psicológico. Esta abordagem dá ao leitor a sensação de que tudo o que aconteceu com Batman, em qualquer época, pode ser real dentro da sua mente fragmentada.
Morrison expõe o herói à solidão e ao desespero, mas sem nunca o afastar da sua determinação quase sobrenatural. O arco da Ressurreição de Ra’s Al Ghul envolve outras personagens do universo Batman, e mostra-nos um herói dividido entre o dever e a mortalidade, entre o legado e o sacrifício, preparando o terreno para a fase mais épica e simbólica do autor, ao conduzir o Cavaleiro das Trevas por um caminho espiritual e existencial, onde o confronto com o lendário vilão não é apenas físico, mas também uma luta entre a vida e a morte, entre o corpo e a alma. O retorno de Ra’s é, pois, tratado como um mito renascido e a relação entre mestre e inimigo atinge um pico de tensão. A ideia de herança e de continuidade - tão presente em toda a mitologia de Batman - ganha aqui um novo peso, mostrando que Morrison escreve a personagem de Batman mais como símbolo do que como simples homem.
No entanto, é no Volume 3 que, a meu ver, o enredo pensado por Grant Morrison se começa a solidificar de forma mais coesa e envolvente. As histórias deste volume mergulham na mente de Bruce Wayne e revisitam o trauma da perda dos pais, mas agora de uma perspetiva quase metafísica. Morrison faz Batman confrontar o próprio criador do seu trauma e, ao fazê-lo, liberta o herói - e, lá está, o leitor - de uma narrativa repetida ao longo de décadas. A história torna-se, pois, mais intensa e surreal, com o autor a explorar as fronteiras entre sanidade e insanidade, realidade e ilusão. O mistério, as personagens secundárias bem desenvolvidas e o vilão carismático tornam este arco particularmente memorável.
Faço ainda um destaque para as histórias reunidas sob o arco Batman R.I.P., em que o autor atinge o clímax da sua visão, com a desintegração mental de Bruce Wayne a ser retratada de modo quase poético. Morrison cria um ambiente de paranoia e desconstrução, em que cada símbolo e cada frase escondem camadas de sentido. O vilão Doutor Hurt surge como uma das criações mais intrigantes do autor, representando não apenas um inimigo físico, mas a própria corrupção espiritual que ameaça consumir o herói. Gostei bastante.
À medida que estes volumes avançam, o universo criado pelo argumentista parece ganhar mais credibilidade e força. E o que, à partida, poderia parecer uma coleção de histórias independentes revela-se, na verdade, uma teia cuidadosamente entrelaçada. Cada arco dialoga com o anterior e prepara o seguinte, formando um verdadeiro épico sobre a identidade e a mitologia de Batman.
É verdade que nem sempre as histórias imaginadas por Morrison são lineares. A sua escrita densa, repleta de simbolismo e referências à história editorial de Batman, pode confundir o leitor menos familiarizado com a personagem. Por vezes, especialmente nas histórias desenhadas por J.H. Williams III contidas no segundo volume, a experimentação narrativa e visual torna-se, quanto a mim, excessiva, e certas sequências parecem mais preocupadas em desafiar o leitor do que em contar uma história clara. Ainda assim, essa ousadia faz parte da identidade do autor e do projeto maior que ele constrói.
E há que reconhecer que Morrison mostra que compreende Batman como poucos: não apenas o vigilante, mas o homem que sobrevive à própria morte, que transcende a loucura e o trauma para se tornar um símbolo de resiliência.
Em termos visuais, o destaque vai claramente para o trabalho de Andy Kubert, cujo traço dinâmico, detalhado e expressivo confere às histórias uma energia cinematográfica, que adoro. Kubert domina tanto a ação frenética como os momentos de introspeção, tornando cada página visualmente impactante. No entanto, também merecem menção ilustradores como Tony Daniel e J.H. Williams III que contribuem com estilos distintos, acrescentando diversidade visual ao universo de Morrison.
A edição da Devir mantém-se muito apelativa e bonita. Cada livro apresenta capa dura baça, com belos detalhes a verniz. No miolo, o papel utilizado é brilhante e de boa qualidade, sendo que a encadernação e impressão também são excelentes. O terceiro volume inclui ainda quatro capas alternativas.
Em síntese, Batman - Grant Morrison - Volumes 2 e 3 parecem caminhar no sentido de tornar a visão que Grant Morrison tem para Batman mais clara e coesa, revelando um autor que domina o caos para transformá-lo em narrativa e mito. Ainda assim, é inegável que, por vezes, essa complexidade pode ser um pouco densa e desafiante para alguns fãs mais “soft” de Batman. Mesmo assim, trata-se de uma excelente aposta da Devir, que continua a trazer ao público português algumas das histórias mais ambiciosas e intelectualmente estimulantes já escritas sobre o herói de Gotham.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Batman - Grant Morrison - Volume 2
Autores: Grant Morrison, Andy Kubert, J.H. Williams III
Editora: Devir
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27 cms
Lançamento: Julho de 2025
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