Uma Chama Imensa, de Ricardo Venâncio
Um dos muitos livros que a editora
A Seita – neste caso, em parceria com a
Comic Heart – lançou no último
Amadora BD foi este
Uma Chama Imensa, da autoria de Ricardo Venâncio, que versa sobre a história de um jovem que procura fazer história enquanto jogador de futebol. E é no
Sport Lisboa e Benfica que persegue esse sonho.
Curiosamente, este livro até já tinha sido lançado em França, antes de chegar a Portugal. Foi a editora Dupuis que, em abril de 2022, e numa coleção dedicada a grandes clubes de futebol europeus, lançou este A Chama Imensa.
Estava muito curioso em ler este livro por vários motivos. Porque o trabalho de Venâncio me deixou muito bem impressionado, em matéria de ilustração, no seu
Hanuram: A Fúria; porque sou um grande adepto do futebol e porque também sou um grande admirador do Benfica, o meu clube desde sempre.
Mas, por agora, ponhamos de parte este preconceito (ou “pré-conceito”, se preferirem ir à raiz da palavra) que possa surgir por se tratar de um livro sobre um dos três grandes clubes de futebol em Portugal. E peço-vos isto porque
Uma Chama Imensa, mais do que ser um livro sobre o Benfica, é - acima de tudo! - um livro sobre a procura de um sonho, sobre as adversidades que se atravessam na demanda por esse sonho e, bem… no amor pelo desporto-rei. E não fosse a parte final do livro (já lá irei) onde me parece que, infelizmente, há ali alguma "clubite" a mais… e diria que o livro era adequado para todos os adeptos ou sócios do Sporting ou do Porto. Até mesmo os mais ferrenhos.
Porque, convenhamos, a história do protagonista, Yuri, podia passar-se em qualquer clube grande de futebol. Com 17 anos de idade, o jovem é considerado um trinco muito promissor e prepara-se para assinar o seu muito desejado primeiro contrato profissional com o Benfica, quando tem uma grave lesão que o retira dos relvados duante longos meses. Como "um mal nunca vem só", depois disso a sua mãe fica desempregada e Yuri ainda vê a sua namorada afastar-se de si. E, a juntar a tudo isto, o Benfica ainda contrata um novo jogador estrangeiro para a posição de Yuri.
O jovem futebolista entra então numa espiral negativa ao verificar que tudo aquilo que era bom e uma garantia na sua vida, subitamente desaparece. Mas como para singrar é necessária muita perseverança, Ricardo Venâncio vai-nos mostrar que a capacidade de trabalho, de dedicação e de crença permite dar a volta às situações mais negativas. Portanto, sim, é a história de um jogador de futebol do Benfica… mas poderia ser a história de um jogador de futebol do Sporting, do Porto, do Lokomotiv de Moscovo, do Corinthians ou da Fiorentina. Ou poderia até ser a história de um jogador de basquetebol, de andebol ou de hóquei.
E é nessa valência que o livro se assume como recomendável a um universo mais vasto do que os adeptos do Benfica (que não são nada poucos, assuma-se). Sabendo que o Clube apoiou a iniciativa, concedendo-lhe a chancela de “produto oficial”, até me leva a dizer, sem qualquer clubismo, que fez bem em dar liberdade ao autor para fazer a história que bem quisesse.
Só lá mais para o final do livro senti um certo "corporativismo" ou "propaganda" que, em certa medida, anula o que acabei de dizer. Não sei se foi ideia do autor ou do clube mas, quando os jogadores Pizzi, Jardel e Rúben Dias aparecem nesta história, dando um testemunho aos jogadores das camadas mais jovens, tenho que ser sincero e admitir que achei que havia uma certa “clubite” no ar e até mesmo uma certa "lengalenga" forçada e com várias frases-feitas sobre os sacrifícios que um jogador tem que fazer. Percebo que a introdução desta parte fez sentido para motivar os jogadores jovens e em especial o protagonista desta história, mas isso e o discurso final com o Rui Costa, foram os únicos dois momentos onde achei que se estava a enaltecer em demasia o Benfica.
Leitores benfiquistas, não me levem a mal. Eu nutro pelo Benfica uma enorme paixão desde sempre, costumo ir, sempre que posso, aos jogos do clube no seu estádio e, quando não vou ou quando o Benfica joga fora, não falho um jogo de futebol na televisão. Mas isso não quer dizer que não tenha achado que a história deste
Uma Chama Imensa – um título perfeito, já agora – poderia ter-se mantido apenas um pouco mais sem esta parte mais institucional, para ser ainda melhor.
Contudo, e não querendo contradizer-me, a verdade é que em quase toda a totalidade do livro, não há qualquer apologia do Benfica. É apenas um clube de futebol grande (acho que todos os sportinguistas e portistas concordarão com isso, mesmo que não gostem do Benfica) onde se desenrola a história. Portanto, simplificando o tema, para "produto oficial" este livro, criado curiosamente por um sportinguista, que é Ricardo Venâncio, até está bastante leve de "clubismo". No entanto, pensando no livro de forma mais independente, também não deveremos esquecer que há ali uma pequena dose de "clubismo".
Assim sendo, acho, pois, que, desde que haja uma certa abertura para aceitar as partes em que os jogadores reais do Benfica aparecem para profetizar um pouco a história em prol do Benfica, este livro pode e deve ser lido por qualquer adepto de futebol. Eu tê-lo-ia lido, de bom grado, se o protagonista fosse jogador do Sporting ou do Porto. E, neste ponto, acho que deve ser dado mérito ao autor, Ricardo Venâncio.
Se a história, não sendo propriamente algo "fora do baralho" ou que consiga surpreender propriamente, se lê bastante bem, as ilustrações de Ricardo Venâncio oferecem-nos um belo trabalho.
E começo por realçar o ponto mais alto nos desenhos deste livro que são as partes mais oníricas, fruto da imaginação de Yuri, em que Ricardo Venâncio se presta a dar-nos belas imagens, bastante estilizadas e profundas, que certamente satisfarão os adeptos de futebol. A magia de ter um estádio cheio de gente a torcer pelo clube para o qual jogamos, a sensação de raça, de ultrapassar os adversários, de triunfar, de vencer... está lá tudo nos desenhos que Ricardo nos dá! E que jovem português é que, algures na sua infância, não sonhou com isto? Diria que serão mais os que sonharam do que os que não sonharam. É esse sonho resgatado da glória de um futebol imaginado, que Ricardo Venâncio ilustra com uma beleza e um sentido estético magnífico, que muito me agradaram.
Depois, em relação à restante história, o autor apresenta um traço fino, moderno e com bastante realismo, especialmente nos cenários, que me cativou. Por vezes, uma expressão facial ou um posicionamento físico de uma personagem pareceu-me algo estranho, mas isso foi a exceção à regra. Afinal de contas, é um álbum muito bem ilustrado onde a especial ênfase que é dada aos momentos em que assistimos a pedaços de jogos de futebol é bastante gratificante e bem executada, pois parece mesmo que estamos a visualizar na televisão, ou ao vivo, várias jogadas de futebol que compõem o livro.
A planificação é bastante diversificada e orgânica, e o trabalho de cores também me deixou bem impressionado. Tendo em conta o aspeto cheio de carisma de Yuri, o protagonista, que lembra Renato Sanches, não sei até que ponto foi boa ideia substituir o
look da personagem a meio do livro. Até porque ficou menos distinguível de outras personagens. Mas aceita-se.
O que me pareceu mais difícil de aceitar foi o excesso de texto em algumas páginas. Não são muitas, mas há 5 ou 6 páginas deste livro que têm muito texto que, acredito, poderia ter sido facilmente reduzido sem que se perdesse muito em termos de enredo ou de argumento.
Sobre a edição d’A Seita e da Comic Heart, estamos perante um bom trabalho. Em primeiro lugar, pelo sentido de oportunidade que ambas as editoras demonstraram, ao não deixar ficar no esquecimento uma obra de um português que até já tinha sido publicada no mercado franco-belga. Em segundo lugar, porque, conseguindo fazer com que o livro se tornasse um Produto Oficial do SL Benfica, as editoras certamente conseguiram (ou conseguirão) abrir algumas portas para que o livro consiga chegar a um público mais alargado. E isso é sempre de louvar.
Olhando para a edição física da obra, o livro apresenta capa dura baça e papel brilhante de boa qualidade. A encadernação e a impressão também estão bem conseguidas. Destaque para o facto da edição portuguesa ter mais 8 páginas do que a edição original. Coisa que merece os meus louvores. No final do livro, há uma breve entrevista entre o editor João Miguel Lameiras e o autor, bem como duas páginas em que vemos vários estudos para a capa que Ricardo Venâncio encetou.
Em suma, este foi mais um dos bons livros da banda desenhada nacional que saíram no ano 2022. A história de Uma Chama Imensa pode parecer clichet a vários níveis, mas não deixa de ser uma narrativa que nos prende do primeiro ao último momento e onde Ricardo Venâncio consegue mostrar bem as suas belas qualidades enquanto ilustrador de BD. Recomendado para adeptos de BD ou de futebol. Quanto aos que são adeptos do Benfica – quer gostem de bd ou não – parece-me que Uma Chama Imensa é absolutamente obrigatório.
NOTA FINAL (1/10):
8.4
-/-
Uma Chama Imensa
Autor: Ricardo Venâncio
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 26 cm
Lançamento: Julho de 2022