Macho-Alfa #2 é o segundo volume de uma série da autoria de Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina, que foi pensada para ter quatro volumes. Deixando-nos a meio do percurso deste herói português, de força imensa e de enorme desespero perante o mundo que o rodeia, este segundo volume volta a trazer-nos algumas ideias pertinentes, mas continua a não resolver certos problemas do primeiro volume. Na verdade, até fica ligeiramente aquém desse primeiro assalto.
O livro prossegue a história levantada pelo primeiro tomo, que nos apresentou David, o "Macho-Alfa", um super-herói lusitano que, munido de uma imensa força sobre-humana, acaba por testemunhar o lado negro de ter mais poderes do que aquilo que, eventualmente, desejaria. Ou, por outras palavras, o lado negro de se ser super-herói.
Quando não veste a sua capa de herói, David é desempregado, devedor ao fisco, não tem amigos e viu a sua vida amorosa a despedaçar-se completamente. Triste e só, é agora que David se apercebe de que a sociedade, mesmo quando parecia estar a estender-lhe a mão, apenas se aproveitou da sua existência. David está, pois, mergulhado numa profunda depressão com tudo o que o rodeia.
Este segundo volume arranca com o julgamento do protagonista, que é acusado de ser um perigo para a sociedade. Quer ao nível de perdas humanas, quer ao nível de perdas materiais. E levanta-se a questão: mesmo que Macho-Alfa seja movido por boas intenções, não será que a pegada de destruição que deixa atrás de si é mais problemática do que, propriamente, a ajuda que tenta dar a todos, de forma a tornar o mundo num lugar melhor? Será que os fins justificam os meios?
O julgamento vai avançando e David vai-se sentido cada vez mais agastado e criticado por toda a sociedade e opinião pública que, pura e simplesmente, parece não perceber as boas intenções do herói português que, levado a uma atitude extrema, acaba depois por raptar a equipa de filmagem que fazia o reality show baseado na sua vida, transportando-a até ao conflito armado da Síria para aí poder fazer, em direto e sem interrupções, um statement para todo o mundo.
E é desta forma que a personagem “toca na ferida”, tecendo críticas de um foro político bastante abrangente, que fazem o leitor parar um pouco para pensar. Ainda que tudo seja feito numa base bastante leve e superficial, Filipe Duarte Pina tem o condão de abordar um assunto mais sério e de inúmeras ramificações políticas num “mero” livro de super-heróis que, inicialmente, até parecia não se levar muito a sério. E isso é refrescante e bem-vindo.
Embora também seja verdade que, em boa parte da narrativa, o livro se perca em diálogos bastante olvidáveis. Vendo bem, se espremêssemos a primeira parte deste volume, não teríamos grande conteúdo, pois a história parece enrolar-se em demasia em grande parte do livro. O final é melhor e mais impactante, deixando-nos em suspense, mas parece-me que, até chegar a esse ponto nevrálgico, o enredo poderia ter sido melhor tecido por Filipe Duarte Pina.
Quanto aos desenhos de Osvaldo Medina, do qual sou um confesso admirador, voltam, quanto a mim, a não ser o melhor trabalho do autor, mas, ainda assim, cumprem bem a sua função de contar a história pensada por Filipe Duarte Pina num registo mais próximo dos comics americanos a quem a série parece procurar homenagear. Como tal, vejo-me forçado a resgatar algumas das palavras que fiz na minha análise ao primeiro volume da série, já que o trabalho de Osvaldo se mantém em harmonia entre os dois volumes: “o protagonista tem bastante personalidade, do ponto de vista conceptual (...) Na variedade de planos de câmara e nos enquadramentos, o autor também demonstra ser um especialista. Como crítica menos positiva, diria que, de uma forma global, já vi trabalhos mais impressionantes de Osvaldo Medina. Embora reconheça que haverá, certamente, uma possível tentativa de adoção de um traço mais dinâmico e cru, pareceu-me que certas expressões faciais das personagens e linguagem corporal das mesmas, poderiam ter recebido mais aprumo na conceção. Ou que as mesmas foram feitas com uma certa “pressa”. “
Mas, se o argumento e as ilustrações poderiam estar mais bem esculpidos pelos autores, tenho que admitir que acabam por funcionar de forma conveniente. Não posso é dizer o mesmo das cores desta obra.
Em termos de cores, quem acompanha assiduamente o Vinheta 2020 sabe que não é um assunto em que eu fale muito nas minhas análises. A não ser, claro está, que as cores se destaquem pela positiva ou pela negativa. Infelizmente, em Macho-Alfa, as cores pioram a experiência da leitura, tornando a arte pior do que aquilo que realmente é. O mais grave nem será bem a escolha das cores aplicadas, mas o ineficaz uso que as mesmas fazem da luz. A luz é um problema nas cores de Macho-Alfa, fazendo com que os próprios tons de pele das mesmas personagens variem de formas pouco naturais e credíveis. O resultado fica muito plástico, na minha opinião. E Macho-Alfa acaba por ser um daqueles exemplos em que se diz: “esta série seria muito melhor se fosse lançada a preto e branco”. Podemos não ter o Osvaldo Medina no topo das suas capacidades de desenho, mas, mesmo assim, a experiência seria significativamente melhor a preto e branco.
De resto, a edição d’A Seita e da Comic Heart é em capa dura, com bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. No final do livro, há um teaser de duas páginas, a preto e branco, que mostra algumas das cenas que poderemos encontrar no terceiro volume – e que, já agora, dá ainda mais força ao facto dos desenhos de Osvaldo Medina nesta série funcionarem melhor a preto e branco.
Em suma, apesar de levantar boas questões políticas e de um final que nos deixa em suspense, a trama construída por Filipe Duarte Pina para este segundo volume, parece embrulhar-se algo em si mesma. Não obstante, há que assumir que estamos ainda a meio caminho de uma aventura projetada para quatro volumes, que resgata um tipo de banda desenhada – inspirada nos comics americanos – que não temos visto muito por paragens lusas. E que isso já é algo digno de ser assinalado nesta série a acompanhar, enquanto se espera que possa haver melhorias nos próximos dois volumes.
NOTA FINAL (1/10):
6.9
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Macho-Alfa #2
Autores: Filipe Duarte Pina e Osvaldo Medina
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 200 x 280 mm
Lançamento: Outubro de 2022
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