A editora Devir lançou há poucos dias o primeiro volume da série Monster, de Naoki Urasawa, e já é seguro dizer que estamos, possivelmente, perante o melhor mangá alguma vez lançado em Portugal. Em Monster, tudo é bem feito, tudo é bem equilibrado e, não tenho dúvidas, esta é a obra adequada para iniciar leitores no género mangá. Se, até agora, tu que me lês, sempre torceste o nariz ao mangá, vai por mim e experimenta ler Monster. De nada!
O lançamento desta série foi um parto difícil para a Devir se tivermos em conta que a obra começou por ser anunciada ainda no mês de Fevereiro de 2022. Porém, só passado mais de um ano é que o primeiro volume desta série chega até nós.
Mesmo depois de já serem várias as editoras portuguesas a apostar no mangá, a Devir continua hegemónica no lançamento de banda de desenhada proveniente do oriente asiático. E essa hegemonia tem vindo a ser incrementada com a aposta em títulos direcionados a um outro tipo de público. É verdade que já eram muitas as franquias da editora porgueusa com um enorme público: One Piece, Demon Slayer, Naruto, My Hero Academia, Death Note, Spy X Family, entre muitas outras). Mas estas séries são, não obstante a qualidade que têm (umas mais do que outras), direcionadas para um público mais infanto-juvenil. Fazia, portanto, falta a aposta da Devir num mangá mais maduro porque a verdade é que existe mangá para um público mais adulto. O problema é que, durante anos, nada disso era lançado em Portugal. Mas isso está a mudar. Aliás, sobre este mesmo assunto, até escrevi há umas semanas. Da parte da Devir, essa nova aposta num mangá mais direcionado a um público mais adulto está bem patente nos livros de Junji Ito, que abriram a porta ao terror, e na bela e coesa série Sunny, de Taiyo Matsumoto. Contudo, é Monster a nova joia da coroa da editora.
E quando digo isto, é claro que me baseio numa opinião pessoal que, logicamente, é subjetiva. Contudo, há uma forte razão objetiva para que Monster seja uma banda desenhada recomendável àqueles que leram pouco ou nenhum mangá: é que, contrariamente aos mangás que por cá proliferam, Monster dá-nos um enredo extremamente bem montado e complexo, mas que, ao mesmo tempo, se lê de forma muito escorreita, tal não é a fluidez da narrativa. E, claro, é uma obra que levanta muitas questões morais. Daquelas que nos deixam a refletir - como as obras adultas conseguem fazer. Se séries há - não só no mangá como, também, nos comics americanos - que estão cheias de palha para manter agarrado o leitor, Monster não é assim. É certo que estamos ainda no primeiro de nove volumes (e, curiosamente, só tinha lido previamente este e o segundo volume da série) mas, de qualquer maneira, todas as derivações narrativas criadas por Urasawa, parecem ter um aproveitamento para a história. Se o autor nos dá “palha”, é “palha” da boa e que nos prende, e não um mero filler para fazer render o peixe.
Originalmente publicada entre 1994 e 2001, esta série traz-nos um thriller psicológico, à volta do protagonista Dr. Kenzo Tenma, que é um brilhante cirurgião a viver e a trabalhar na Alemanha dos anos 80 (ainda separada pelo Muro de Berlim, não esqueçamos). Sendo um cirurgião altamente genial, o seu destino parece ser o do sucesso. O Diretor do Hospital já lhe prometeu um novo cargo de topo e a noiva de Tenma, que é a filha do mesmo Diretor, também parece estar encantada com o nosso protagonista.
Contudo, Kenzo começa a perceber que talvez não passe de um simples fantoche nas mãos dos verdadeiros poderosos. E quando opta por desobedecer ao que lhe é pedido pela sua chefia, escolhendo salvar uma criança – de seu nome Johan Liebert - com pouca hipótese de sobrevivência, que chegou às urgências do hospital antes do proeminente Presidente da Câmara, a vida do médico rapidamente dá uma volta de 180 graus. Não só em termos profissionais, como amorosos. Mas não só.
Entretanto, passam-se nove anos e a vida de Tenma volta a ser abalada pela criança, Johan Liebert, que o médico escolheu salvar e que agora já é um jovem adulto. E isto não esquecendo que uma onda de crimes hediondos parece estar, de algum modo, relacionada com Johan. A trama torna-se ainda mais intrincada com a presença – ou ausência – da irmã gémea de Johan, Anna.
Ora, estão então lançados os dados para uma história complexa, que nos intriga, que nos impacta, que nos faz ficar viciados na mesma. É fácil começar a ler Monster, mas é difícil mesmo é parar de ler, tal não é forte a dose de suspense e mistério que nos é dada. Porque sendo uma série cujo tempo narrativo é bem mais lento do que aquilo que é natural encontrar em mangás, é o tempo certo para nos deixar vidrados perante a história.
As decisões morais são um dos temas que Monster nos traz para a mesa das reflexões político-sociais. Mas as questões de responsabilidade, de redenção, de natureza humana ou de como certas ações – mesmo as boas – podem ter consequências adversas no futuro são temas profundos que o brilhante autor Naoki Urasawa aborda.
Outra coisa fantástica em na obra são as personagens, que são muito bem desenvolvidas pelo autor. Até mesmo certas personagens mais secundárias recebem um devido tratamento, fazendo o leitor apegar-se às mesmas e à sua complexidade. Por falar em complexidade, o vilão Johan Liebert é verdadeiramente obscuro e incompreensível, fazendo o leitor nutrir por si sentimentos são díspares como raiva ou compaixão.
A própria narrativa, isto é, a forma como a história nos é dada por Urasawa, é muito boa, pois consegue dosear bem os momentos, mantendo o leitor agarrado à trama através dos elementos que vão sendo relevados gradualmente. É especialmente cativante a forma como Liebert consegue atrair a atenção do leitor para tentar desvendar as reais intenções das personagens.
Em termos visuais, o trabalho de Urasawa também é muito bem conseguido. Com desenhos típicos do estilo mangá, especialmente se tivermos em conta várias séries do género que foram saindo nos anos 90, o autor dá ainda espaço para que algumas das personagens – especialmente as mais secundárias – não pareçam tanto “mangá”, mas que assumam um estilo mais realista e europeu na caracterização. Algo que remete, por exemplo, para os desenhos mais realistas de Jiro Taniguchi. As expressões das personagens são muitíssimo bem desenhadas pelo autor.
Não aprecio especialmente que, em alguns dos cenários, seja notória a cópia, por sobreposição, de imagens reais, mas digamos que é uma técnica frequentemente utilizada no mangá e que é aqui feita com meticuloso detalhe. A edição da Devir traz algumas imagens a cores que, infelizmente, têm o especial condão de me fazer desejar que toda a série fosse colorida. Embora o preto e branco, neste caso, também tenha a sua beleza, claro. Mas, mais uma vez, esta opção de se ter apenas algumas páginas a cores, também é uma coisa que acontece várias vezes no género mangá.
Quanto à edição da Devir, o formato de 17 x 24 cm, que é superior ao formato mais habitual dos livros mangá, permite que o leitor mergulhe melhor na arte do autor. De resto, o livro apresenta capa mole, com sobrecapa, bom papel (que, no entanto, poderia ser um pouco mais espesso) e boa qualidade ao nível de impressão, encadernação e acabamentos.
Em suma, Monster é um dos livros do ano em Portugal e prova que o que mais interessa num livro é (e será sempre) a história. Se a mesma for cativante, bem pensada, com personagens impactantes e uma narrativa sólida, é difícil que não gostemos dela. Os desenhos adornam a experiência, claro, mas é no bom argumento que está o segredo. Imprescindível para quem lê mangá, para quem lê pouca mangá e para quem nunca leu mangá. Imprescindível para todos, portanto!
NOTA FINAL (1/10):
9.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Monster #01
Autor: Naoki Urasawa
Editora: Devir
Páginas: 422, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa mole com sobrecapa
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Setembro de 2023
Estive com 1 na mão na Fnac e a gráfica guida ou lá o que voltou a fazer uma edição super mole.
ResponderEliminarComo o livro ainda tem alguma grossura, eu até acho que é positivo que o objeto fique mais maleável. Dessa forma, ficará menos danificado aquando e após a leitura.
EliminarQualquer livro dessa é super mole havia n mangas dessa editora de outras gráficas e nenhum era igual
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