A Ala dos Livros acabou de lançar o novo álbum da série O Corvo, da autoria de Luís Louro. Antes de qualquer coisa mais, é fantástico poder assistir a este “período dourado” do autor português ao serviço da banda desenhada. Senão vejamos: se a série d' O Corvo já tem seis álbuns, verificamos que os primeiros três volumes da mesma foram feitos num espaço temporal de 13 anos, enquanto que a segunda metade da série, já com o autor a lançar através da Ala dos Livros, foi feita em apenas 3 anos. O que é louvável e que nos mostra duas coisas: por um lado, que Luís Louro está numa fase muito produtiva. Como nunca esteve, diria. Por outro lado, que a sua “nova” editora consegue acompanhar a criação do autor, dando-lhe as ferramentas editoriais necessárias para que Luís Louro se mantenha ativo e relevante ao serviço da banda desenhada nacional. E isto já para não falar que, além destes três Corvos em três anos, ainda foi reeditada a edição comemorativa dos 25 anos da sua Alice, foi lançada a série de tiras humorísticas Covidiotas e Dante, uma das obras mais relevantes do autor, também foi lançada durante esta janela temporal. Verdadeiramente impressionante!
Neste sexto volume que agora nos chega, intitulado O Silêncio dos Indecentes, numa analogia ao clássico do cinema O Silêncio dos Inocentes, temos o super-herói mais famoso da cidade de Lisboa – e de Portugal? - às avessas com a sua própria consciência. Melhor dizendo, até é Vicente, o homem por debaixo da “capa” de Corvo que parece estar à beira de uma depressão, pondo em causa a sua razão de ser e parecendo estar numa redoma de prostração anímica onde, nem o seu próprio alter-ego, Corvo, parece conseguir entrar. Aprecio que, aliado a todo o humor louco e silly do autor, haja espaço para dar mais profundidade e seriedade à personagem. Luís Louro já o tinha feito no anterior volume Inimigos Íntimos.
Essas reflexões que parecem não dar tréguas a Vicente, são-nos dadas através dos diálogos – ou monólogos? – da personagem com o Corvo. Nesses diálogos também entra, por vezes, a própria voz do narrador Luís Louro. Qual Inception de Chris Nolan! À medida que Vicente vai lutando contra toda a negatividade que parece rodeá-lo surge, entretanto, “Chefes” e o seu bando de freiras. Como não poderia deixar de ser, as freiras são bem guarnecidas em termos de protuberâncias mamárias, o que, não tenho dúvidas, será do agrado dos fãs d’ O Corvo. Como diz o funcionário de um restaurante de rodízio aonde costumo ir: “quando chega a parte de levar a maminha às mesas, ninguém recusa. Ninguém diz não a uma boa maminha”. Ora, quem sou eu para discordar disso.
Mas, adiante, o que não será tanto do agrado do Corvo, é que Chefes e o seu bando se queiram ver livres do nosso herói. Embora, dentro dessas freiras, talvez haja uma aliada secreta do nosso herói. Mas não digo mais nada para não estragar surpresas a ninguém. Há ainda algumas revelações que permitem dar-nos um vislumbre mais claro acerca do passado do Corvo embora Louro – e bem – deixe, por agora, o jogo em aberto em relação a algumas dessas revelações.
Embora, à custa de Chefes, as ameaças ao bem-estar do protagonista sejam muitas, parece ser dentro de si mesmo, nas profundezas do seu ser, que há o maior perigo. De resto, surgem algumas personagens que já conhecemos, como a Mulher do Capitão e outras que fazem aqueles cameos bem ao jeito de Luís Louro e que tornam mais rica a nossa leitura, por motivarem que andemos ali "à pesca" de referências. Essa é uma das coisas que mais aprecio nos livros de Louro: que haja tantas referências espalhadas pelos desenhos e que as mesmas surjam de forma natural, sem serem forçadas.
Em termos de história, O Silêncio dos Indecentes fica um pouco aquém de Inimigos Íntimos, quanto a mim. Tal como no anterior volume da série, também há esta legítima tentativa de trazer mais maturidade à história, mas pareceu-me um esforço menos inspirado ou que, pelo menos, a depressão de Vicente merecia ter sido mais aprofundada. Além de que a opção por monólogos em detrimento da conversa com a psiquiatra do álbum anterior, não me pareceu tão bem conseguida.
Embora, mesmo abordando assuntos sérios, tenhamos sempre a leveza do humor de Luís Louro, encontramos neste sexto volume da série um certo tipo de reciclagem de piadas, ao nível das chamuças (e da difícil digestão das mesmas), sobre o Ucal, e sobre outros assuntos que vão sendo recorrentes. São piadas que continuam a funcionar bem e a deixar os leitores com um sorriso na face, e que fazem parte da personalidade de Corvo, bem sei, mas é inegável uma certa sensação de repetição.
Por falar na parte cómica, até é em certas situações onde não há diálogo e onde é feita a chamada “comédia de situação” que, na minha opinião, Luís Louro mais brilha. Exemplos disso é quando o Corvo se faz valer, com resultados drásticos, do seu novo drone ou quando interage com o manequim cheio de explosivos. É um tipo de humor simples, clássico, mas verdadeiramente apetecível. Relembra alguns dos heróis que já consideramos clássicos, como por exemplo, Jack Sparrow em Os Piratas das Caraíbas, que embora seja um herói que acaba por vence os perigos e os vilões, parece fazê-lo mais com sorte do que com real talento. E quão divertido isso é! Ainda dentro do humor deste O Silêncio dos Indecentes, dou especial destaque à passagem com a “gaivota intelectual”, pois considero um dos melhores momentos do livro. Tenho, aliás, pena que a gaivota tenha tido um fim tão trágico. Gostaria de ver esta personagem novamente no futuro.
Quanto ao desenho, considero que Luís Louro se mantém no topo das suas capacidades. Se os seus desenhos angulosos estão mais confiantes do que nunca, é nas cores que o trabalho de Louro mais me deixa boquiaberto. Esse que até costuma ser o calcanhar de Aquiles em tanta da banda desenhada nacional – não se diz muito isto, mas é a mais pura das verdades – acaba por ser uma das principais qualidades nos álbuns mais recentes de Luís Louro. As cores são lindas e flashy, fazendo com que sejam um deleite para os olhos. Os desenhos são belos, claro, com boas cenas de ação e um traço muito característico, sim. Mas estas cores também têm uma importante quota parte no facto de os livros de Luís Louro terem um aspeto tão moderno, tão bem executado e, arrisco mesmo, tão “exportável” para outros mercados estrangeiros.
Nota ainda para as brilhantes ilustrações que ocupam uma ou duas páginas, onde o autor revela um dinamismo visual muito acima da média. Por exemplo, a ilustração que coloca Corvo em cima de um candeeiro de rua, debaixo de uma chuva torrencial, numa clara alusão à pose de Homem-Aranha, é uma autêntica obra de arte. Daria um belo poster promocional da série O Corvo ou mesmo uma bela capa. Por falar em capa, também nesse cômputo Luís Louro se apresenta em grande forma. Esta é uma das melhores capas da série. Por ventura, a minha preferida, embora também tenha gostado muito da nova capa de Laços de Família, que a Ala dos Livros reeditou recentemente.
Em termos de edição, a Ala dos Livros volta a não comprometer, dando-nos um belo trabalho a esse nível. O livro apresenta capa dura brilhante, com bom papel brilhante e uma boa execução ao nível de impressão e encadernação. Logo no início do livro, há um dossier de extras, com esboços, curiosidades e informações sobre o Corvo, que tornam mais apetecível esta edição. A meu ver, este conjunto de extras deveria aparecer no final do livro já que, mesmo por esse motivo de serem “extras”, não devem aparecer antes da obra propriamente dita, pois é ela o mais relevante. Mas, claro, admito que é uma questão meramente pessoal e de escolha. E prefiro estes extras no início do livro do que não os ter. Mas deixo a nota.
Outra coisa que também merece nota, é a inclusão, como bónus, de um livro de passatempos, com 12 páginas, para os primeiros 150 compradores do álbum. Mais uma vez, temos Luís Louro e a Ala dos Livros a surpreenderem-nos. Já o disse – e direi novamente, as vezes que forem necessárias – que acho extremamente relevante que as editoras nacionais saibam “mexer-se” de forma a fazer chegar os livros ao maior número possível de leitores. Há muitas formas de o fazer, certamente. Basta puxar pela criatividade. E a Ala dos Livros parece apostada em tentar fazê-lo. Como costumo dizer, fazer um livro de banda desenhada, escrever um romance, gravar um disco de música, filmar e editar um filme… é apenas metade do caminho percorrido. É claro que a conclusão da obra é algo muito bom, mas representa apenas que se chegou a “meio da ponte”. Depois, falta promover essa criação artística e fazê-la chegar ao (maior) público certo (possível). Essa é a segunda parte da “ponte”. Portanto, acho que estas iniciativas que Luís Louro e a Ala dos Livros têm feito, no sentido promocional dos seus lançamentos, são bons exemplos, pois colocam as pessoas a falar dos livros. E este livro de passatempos sobre o universo d’ O Corvo, recheado de jogos das diferenças, palavras cruzadas, sopa de letras, labirintos, entre outros, é um bom extra. Não só porque é original ou algo que até nos pode entreter, desafiando-nos a constatar se somos tão conhecedores da série como achamos ser, mas também porque aumenta o interesse na obra e torna-se, per se, um objeto de colecionismo. Um inglês diria quanto a isto: well done!
Em suma, este O Silêncio dos Indecentes continua a dar aos fãs d’ O Corvo tudo aquilo que eles querem: uma história divertida e desprendida – apesar da bem conseguida introdução de alguma maior seriedade no argumento – soberbamente ilustrada e com belíssimas cores, por um dos nomes mais relevantes da banda desenhada nacional! Recomenda-se, claro.
NOTA FINAL (1/10):
8.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Corvo VI - O Silêncio dos Indecentes
Autor: Luís Louro
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Setembro de 2023
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