segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Análise: Fojo


Fojo, de Osvaldo Medina

Depois de saber que Osvaldo Medina, um dos meus autores portugueses de banda desenhada preferidos, tinha um novo livro a solo, intitulado Fojo, dei pulos de alegria. Foi ainda no Maia BD do ano passado que, na apresentação feita por autor e editor, fiquei logo com um gosto do que poderia ser este novo livro. Sou confesso fã de Osvaldo Medina, especialmente, dos seus trabalhos a solo que, até à data, consistiam apenas em Kong The King, Volume 1 e Volume 2. Portanto, saber que Medina voltaria a lançar uma obra em que assume argumento e ilustração, foi para mim uma bela surpresa, que foi ainda mais aguçada pelo facto de, desta vez, o autor se aventurar na escrita de texto, já que Kong The King, relembro, não possuem diálogos.

Depois de finda a leitura deste Fojo, uma coisa é certa: não só estamos muito provavelmente perante a obra mais madura e conseguida de Osvaldo Medina como, além disso, estamos perante um clássico instantâneo da banda desenhada portuguesa. Daqui a cinco, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta, cinquenta, cem anos, Fojo continuará a ser uma obra marcante e emblemática da banda desenhada nacional. E é isso que define um clássico instantâneo.

O ambiente sombrio e opressivo de Fojo é um dos grandes trunfos da obra. Medina transporta o leitor para uma aldeia portuguesa isolada, perdida no tempo e num punhado de crenças e mitos. Se os elementos culturais afastam esta pequena aldeia da suposta modernidade urbana da(s) grande(s) cidade(s), também as condições climatéricas que a pequena localidade enfrenta, com rigorosos e gélidos invernos, onde a neve pinta o solo de brancura, deixam ainda mais isolada esta aldeia do restante Portugal.

E isso é fator determinante para o ambiente que circunda este Fojo, já que toda a inquietação, bem ao jeito de um thriller, e assente em rudes tempestades de neve, em uivos de lobos e na tensão palpável entre os habitantes desta aldeia, cria uma experiência sensorial rica e intensa. Ainda só tinha mergulhado nas primeiras páginas do livro, e já sentia o frio e o suspense a crescer dentro de mim. 

Osvaldo Medina é particularmente feliz na forma como doseia a história, levantando o véu com muito cuidado, de forma a manter viva a curiosidade do leitor. As personagens que vamos encontrando à medida que a leitura avança, são rudes, erodidas pelo peso das condições de vida na aldeia e bem crentes em mitos paranormais e bruxarias de algibeira. Até que o aparecimento de uma jovem assassinada, faz crescer a consternação local. Primeiro, ainda se julga que foram os lobos os responsáveis por aquela violenta morte, mas logo se percebe que a morte tem mão humana. Mas quem será, então, o ou a responsável que se mascara para cometer os crimes, protegendo a sua identidade dos demais? Os ânimos vão-se acalentando apesar do frio que rodeia a aldeia.

E é então que Osvaldo Medina vai mais longe, transportando o leitor para um outro tempo e uma outra época, a da Primeira Guerra Mundial, onde procura dar-nos a conhecer as causas que levaram a que esta pessoa mascarada voltasse à aldeia com sede de vingança. Mais não digo, para não estragar o prazer da leitura a ninguém. Digo apenas que a trama arquitetada por Osvaldo Medina está bem montada, caminhando para um final apoteótico que faz uma analogia direta com um "fojo" que, para quem não sabe, é uma armadilha para lobos. 

A narrativa ganha força ao explorar os recantos mais sombrios da condição humana, revelando traumas, segredos e medos que são universais, mas apresentados com uma autenticidade profundamente enraizada na cultura e nas crenças locais. A aldeia assume-se, pois, como um pano de fundo perfeito para o mistério e para a tensão que dominam a história.

A arte ilustrativa é, sem dúvida, um dos pontos altos de Fojo. Medina utiliza um esquema de cores reduzido – preto, branco e vermelho – para criar um efeito visual arrebatador. O vermelho, em particular, é usado de forma simbólica e impactante, destacando-se em momentos cruciais e acentuando a violência, o medo e a intensidade emocional da narrativa. Cada página é meticulosamente desenhada, com atenção aos detalhes que tornam a aldeia e os seus habitantes "vivos" e convincentes, enquanto o uso de sombras e contrastes reforça o tom sombrio e claustrofóbico da história. O trabalho de Medina deixa-me sempre agradado, sim, mas tenho que frisar que nas suas obras a solo, como Kong the King ou neste Fojo, os seus desenhos parecem feitos com mais inspiração e alma. Adoro-os!


A estreia de Medina com diálogos é outro aspeto a destacar. O texto não é apenas funcional, adiciona profundidade às personagens e ao enredo, revelando as suas motivações e os seus medos mais íntimos. A forma como os diálogos são integrados nas ilustrações demonstra um domínio completo da narrativa gráfica, equilibrando perfeitamente imagem e texto para criar uma história coesa e poderosa.

Em termos de edição, temos o esforço tripartido da Kingpin Books, d' A Seita e Comic Heart, que nos dá um belo trabalho, com o livro a apresentar capa dura baça, bom papel baço no miolo e um bom trabalho ao nível da encadernação, impressão e grafismo. Lamento que não tenham sido adicionadas algumas páginas de extras com esboços do autor, por exemplo, mas tirando esse detalhe, é uma boa edição. Nota ainda - mais que positiva! - para a belíssima ilustração de capa.

Em suma, Fojo é muito mais do que uma história de mistério e suspense; é uma exploração crua e brutal da natureza humana, embalada numa narrativa visual de excelência. Osvaldo Medina, que volta a reafirmar-se como um dos maiores nomes da BD portuguesa, entrega-nos uma obra que é ao mesmo tempo perturbadora e fascinante, capaz de capturar a atenção do leitor do início ao fim. Trata-se de um marco significativo na banda desenhada portuguesa e uma leitura indispensável para os amantes do género. Do autor, espero apenas uma coisa: que nos continue a dar mais obras a solo deste gabarito!


NOTA FINAL (1/10):
9.3




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Ficha técnica
Fojo
Autor: Osvaldo Medina
Editoras: A Seita, Comic Heart e Kingpin Books
Legendagem e design: Mário Freitas
Páginas: 144, a preto e branco e vermelho
Encadernação: Capa dura
Formato: 19,50 x 27 cm
Lançamento: Novembro de 2024

Análise: Crónicas de Jerusalém

Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir

Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir
Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle

No passado mês de Outubro, por alturas do Amadora BD, a editora Devir fez-nos chegar o lançamento de Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle, autor de quem a editora já tinha publicado, há uns anos, Shenzhen - Uma Viagem à China, Crónicas da Birmânia e Pyongyang - Uma Viagem à Coreia do Norte. E tal como nessas obras, este Crónicas de Jerusalém assenta numa premissa semelhante. 

Trabalhando a esposa do autor na organização humanitária Médicos Sem Fronteiras, Guy Delisle acompanha a sua mulher, juntamente com os filhos de ambos, sempre que esta viaja para sítios do planeta onde costuma haver algum tipo de conflito político-militar. E, a partir daí, dessa experiência que o autor se vê forçado a fazer, vai-nos dando as suas crónicas, baseadas nas suas vivências e pareceres enquanto estrangeiro de um país de primeiro mundo num país onde toda a cultura e forma de estar são diferentes.

Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir
Crónicas de Jerusalém
não foge à regra e assume-se como (mais) uma obra singular que mistura o formato de diário gráfico com uma análise crítica e sensível sobre a vida quotidiana numa das cidades mais complexas e emblemáticas do mundo: Jerusalém. O livro acaba, pois, por combinar observações pessoais com comentários históricos, políticos e culturais sobre a realidade de Israel e da Palestina. Originalmente lançado em 2011, 14 anos depois o livro continua extremamente atual, pois este é um dos territórios do planeta onde, lamentavelmente, a concórdia entre as várias facções parece mais impossível.

Delisle apresenta Jerusalém como um mosaico de culturas, religiões e tensões sociais. A obra ilustra com maestria o choque entre judeus, muçulmanos e cristãos, evidenciando as camadas de significados e conflitos que atravessam a cidade. Delisle consegue captar os detalhes do quotidiano, desde os mercados e bairros até aos rituais religiosos, com uma sensibilidade que evita estereótipos simplistas. O autor demonstra como essas comunidades coexistem (ou não) dentro de um espaço geograficamente limitado, criando uma tensão palpável que permeia toda a narrativa.

Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir
O humor é outro elemento marcante do livro. Delisle usa a sua habilidade para tratar temas pesados com alguma ironia e leveza, transformando momentos tensos, como os longos procedimentos de segurança em checkpoints ou as conversas sobre política com os locais, por exemplo, em episódios que equilibram seriedade e comicidade. Essa abordagem não diminui a gravidade dos temas tratados, mas permite ao leitor enfrentar a complexidade da região sem se sentir sobrecarregado.

O que também é bastante notado na obra de Guy Delisle, é a perspetiva pessoal e pouco convencional do autor. Diferente em relação à forma como jornalistas ou historiadores analisam a região, o autor adota um ponto de vista de outsider, filtrando as suas observações pela ótica de um pai e marido que tenta levar uma vida comum e tão normal quanto possível num país onde a normalidade - pelo menos do ponto de vista de um ocidental - escasseia. 

Se esta abordagem humaniza a obra e convida o leitor a identificar-se com a perplexidade e com as descobertas do autor, também me traz a mim, enquanto leitor, uns certos "problemas". Não ponho em causa a relevância do trabalho de Delisle - que defendo, aliás, que todo o leitor de banda desenhada deve conhecer -, mas a verdade é que a postura demasiado neutra do autor acaba, quanto a mim, por tornar a leitura algo enfadonha e uma mera exposição de factos. O relato de Delisle não tem, por um lado, a força de um Joe Sacco que nos tira o chão perante aquilo que nos é relevado, nem, por outro lado, o humor ácido de um Zerocalcare que mesmo abordando coisas tristes, consegue fazer-nos gargalhar página sim, página não. Quanto a mim, Delisle acaba por se revelar algo "sem sal", demasiado morno. Mas, lá está, isto é apenas uma opinião muito pessoal. Reitero que os livros do autor são bons, originais e que saímos deles mais ricos... simplesmente, pelos motivos que aponto acima, o impacto não é tão grande como poderia ser, pois a a tentativa de Delisle em manter um tom neutro e despretensioso acaba por revelar uma certa apatia narrativa. 

Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir
A arte de Delisle é simples, mas bastante funcional e eficiente, capturando tanto a grandiosidade dos monumentos históricos, como os detalhes da vida quotidiana. Neste Crónicas de Jerusalém o autor utiliza mais cores do que o habitual noutras obras já por mim referidas, em que se manteve mais fiel a uma paleta de cores. E isso é uma mais valia neste livro e dá-lhe mais dinâmica visual. Não é um livro que procure ser belo do ponto de vista gráfico, mas acho que, mesmo assim, e especialmente na ilustração das paisagens locais ou dos monumentos mais emblemáticos da cidade, o autor faz um trabalho bastante convincente.

A edição da Devir é em capa dura baça, com bom papel baço no interior e uma boa encadernação e impressão. Acima de tudo, fico satisfeito por verificar que a editora manteve o seu compromisso para com a obra do autor, e seus fãs, lançando mais um livro do mesmo, já depois dos previamente editados Crónicas da BirmâniaShenzhen - Uma Viagem à China e Pyongyang - Uma Viagem à Coreia do Norte! Futuramente, espero que a editora nos possa continuar a dar mais obras do autor como Chroniques de Jeunesse ou  S'enfuir - récit d'un otage.

Em suma, Crónicas de Jerusalém é mais do que um simples relato de viagem; é um convite a um olhar atento a Jerusalém e às suas contradições sob uma nova perspectiva ocidental. Guy Delisle mantém-se fiel a si mesmo e, por esse motivo, decerto agradará a todos aqueles que já apreciaram as restantes obras do autor.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


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Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle - Devir

Ficha técnica
Crónicas de Jerusalém
Autor: Guy Delisle
Editora: Devir
Páginas: 336, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2024

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Análise: Aqui

Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House

Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House
Aqui, de Richard McGuire

Foi ainda no final do ano 2024 que o Grupo Penguin, desta vez através da sua chancela Cavalo de Ferro, publicou a banda desenhada multipremiada Aqui, de Richard McGuire, aproveitando o facto de ter chegado aos cinemas a adaptação da obra pelas mãos do realizador Robert Zemeckis e com Tom Hanks como protagonista. Ora, mesmo que tenha sido esse o engodo que fez a editora apostar no lançamento da obra original, considero positivo que a Cavalo de Ferro tenha apostado nesta obra. Quem ganha somos nós, fãs de banda desenhada.

O livro Aqui, de Richard McGuire, é uma obra notável que desafia as convenções narrativas tradicionais, não só da banda desenhada, como também de qualquer meio para contar uma história - como, aliás, também fica bem patente no filme de Zemeckis. Publicado originalmente em 2014, Aqui explora a passagem do tempo de maneira única, situando toda a narrativa num único ponto geográfico: a sala de uma casa. E sempre através do mesmo plano, como se houvesse uma câmara a filmar daquele mesmo ângulo desde o tempo dos indígenas - em que ainda nem sequer tinha ali sido erigida uma casa - até ao tempo atual. Para tal, o autor utiliza uma montagem temporal que vai saltando entre milhares de anos no passado e no futuro.

Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House
Como consequência, a estrutura do livro é inovadora, utilizando uma abordagem onde os diálogos são parcos e onde a narrativa não tem nada de convencional, nem tampouco de linear. Cada página contém fragmentos de diferentes momentos no tempo sobrepostos, através de vinhetas, que representam tempos diferentes. Exemplificando: encontro-me com o livro na secretária onde escrevo este texto e abri-o aleatoriamente. O que obtive foi o mesmo plano da sala constante nas mais de 300 páginas do livro, mas com duas cenas/vinhetas. Uma de 1989 em que numa reunião familiar um dos membros cai da poltrona e outra de 1960 em que uma mulher pergunta: "perdeu alguma coisa?".

Esta premissa livre da obra oferece-nos em cada duas páginas um conjunto de camadas temporais que  coexistem, permitindo ao leitor observar simultaneamente um momento no ano de 1600, por exemplo, uma cena doméstica no século XX e vislumbres de um futuro distante. Essa multiplicidade de tempos sobrepostos reforça a ideia de que o espaço é testemunha de incontáveis histórias e eventos, muitas vezes desconectados, mas interligados pela geografia comum. 

Se pensarmos bem, que histórias poderiam contar as nossas casas? Se são casas antigas, certamente já lá tiveram muitas outras histórias. Mas mesmo sendo casas novas, que estreámos quando para lá fomos viver, que histórias testemunhou aquele preciso lugar onde foram construídas as fundações da nossa casa? O pensamento é curioso e dá que pensar sendo nele que assenta toda a reflexão da obra. É claro que é um livro que, por isso mesmo, não deixa ninguém indiferente. E se o podemos amar, também o podemos detestar, já que o próprio livro se finda nas barreiras que ele mesmo se auto impõe. Se as milhentas subnarrativas que nos são dadas podem parecer aleatórias e, em muitos casos, desconexas entre si, ou se a leitura se torna um pouco repetitiva, isso são consequências diretas - e claramente assumidas - do autor ao apostar-se fazer um livro tão original. Mas, enfim, goste-se ou não, é inegável a maneira inteligente como a obra rompe padrões e estruturas, conseguindo ser singular.

Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House
Outro aspecto fascinante de Aqui é como a obra aborda a questão da memória e da conexão humana com o tempo e o espaço. Ao apresentar momentos do quotidiano lado a lado com eventos históricos ou naturais, McGuire questiona a importância relativa de cada um. Uma conversa trivial entre familiares pode compartilhar a mesma página com a paisagem devastada de um futuro pós-apocalíptico, desafiando o leitor a reconsiderar o significado e o impacto de eventos aparentemente pequenos. Esse contraste constante reforça uma sensação de humildade diante da vastidão do tempo.

A ausência de personagens centrais - ao contrário da recente adaptação para cinema da obra em que a história de Tom Hanks é a história principal de Aqui - é outra escolha ousada e significativa de Richard McGuire. Em vez de se focar numa narrativa baseada em indivíduos, o autor torna o espaço o verdadeiro protagonista. É como se a sala – e, por extensão, o mundo – fosse um arquivo que guarda as marcas de cada momento que testemunha. Essa abordagem universal torna o livro acessível a diferentes interpretações, permitindo que cada leitor projete as suas próprias experiências e reflexões sobre o fluxo do tempo.

Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House
Mesmo assim, a premissa é tão fértil que não consigo deixar de achar que poderia ter sido mais bem aproveitada e que as pontas soltas narrativas deixadas pelo autor poderiam ter sido mais bem atadas entre si. Mas como o tempo, que nem sempre ata os nós dos seus capítulos, há uma sensação de efemeridade. De inconstância.

Visualmente, McGuire utiliza um desenho limpo, com quadros que variam de tamanhos e formas, criando uma sensação de fluidez e desordem controlada. As ilustrações são minimalistas, mas bastante poéticas, transmitindo emoções e ideias complexas sem a necessidade de textos extensos. A paleta de cores também desempenha um papel fundamental, ajudando a distinguir os diferentes períodos temporais e a evocar sensações específicas, como a nostalgia, o progresso ou a decadência. Esta utilização imagética não captura apenas a atenção do leitor, mas também exige uma leitura ativa e contemplativa. É possível que fiquemos perdidos ao longo da leitura, muito embora cada vinheta tenha uma menção ao ano que representa. 

A edição da Cavalo de Ferro é bem conseguida, com o livro a apresentar capa dura baça, bom papel e bom trabalho ao nível de impressão e encadernação. Mais do que isso, é bom ver que a Penguin - embora de uma forma  demasiado(?) parcelada nas suas variadas chancelas, o que acaba por gerar uma certa confusão nos leitores - tem vindo a engordar o seu conjunto de bandas desenhadas de qualidade superior. Aqui é apenas mais uma dessas obras.

Em resumo, Aqui é uma obra que transcende rótulos e desafia o leitor a expandir a sua percepção de tempo, espaço e narrativa. A sua abordagem única, tanto visual quanto conceptual, faz do livro uma obra que continua a inspirar debates sobre os limites da literatura e da arte sequencial. McGuire oferece mais do que uma leitura; proporciona uma experiência sensorial sobre a efemeridade da vida e a permanência do espaço. É um livro que não apenas lemos, mas também sentimos e vivemos em cada página.


NOTA FINAL (1/10):
8.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Aqui, de Richard McGuire - Cavalo de Ferro - Penguin Random House

Ficha técnica
Aqui
Autor: Richard McGuire
Editora: Cavalo de Ferro (Penguin Random House)
Páginas: 304, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 170 x 240 mm
Lançamento: Novembro de 2024

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

As novidades da Gradiva para 2025!



Hoje trago-vos as novidades de banda desenhada que a editora Gradiva tem preparadas para este primeiro semestre de 2025!

Para já, ainda é bastante tímido este "levantar do véu", por parte da editora portuguesa, apresentando apenas quatro obras para os próximos meses. Três delas são a continuação de séries em andamento, mas há uma que pode surpreender por não ser uma obra tão expectável assim, tendo em conta o tipo de bandas desenhadas em que a Gradiva normalmente aposta.

Mas se a editora não anuncia agora muitas obras, relembro que já no passado mês de Junho de 2024, a editora revelou um bom número de novas apostas que, não tendo por agora prova de que não serão lançadas, mantenho-as mais abaixo para vosso conhecimento.

Sem mais demoras, aqui estão as novidades da Gradiva:

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

As novidades da Gorila Sentado para 2025!


Hoje trago-vos as novidades que a editora independente Gorila Sentado tem previstas para o primeiro semestre de 2025! E aviso-vos desde já que, se estão à espera de um plano pouco ambicioso, vão ficar bastante surpreendidos!

Sob o leme do dinâmico Daniel da Silva Lopes, responsável da editora, a Gorila Sentado tem vindo anualmente a incrementar o seu número de bandas desenhadas por cá lançadas. E este ano, isso não é exceção. Mas além de se preparar para lançar mais obras, a editora independente lançará também mais autores em 2025.

Convido-vos a ver, mais abaixo, cada uma das obras que deverão sair durante o primeiro semestre de 2025. Desta vez, para além da imagem e título das obras, partilho também uma breve sinopse das mesmas, que a editora teve a cortesia de me fazer chegar.

Ora vejam:

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

As novidades de banda desenhada da Penguin para 2025!



Hoje trago-vos as novidades de banda desenhada que o grupo editorial Penguin, através das suas várias chancelas que publicam BD, tem previstas para o primeiro semestre de 2025!

É um plano que, por agora, não desvenda muitas obras, mas que traz como principal surpresa a publicação da obra de Charles M. Schulz! Depois da editora, através da chancela Iguana, apostar na obra de Quino, através de Mafalda, traz-nos agora a célebre e clássica série Peanuts!

A par disto, é com bons olhos que vejo a Iguana a continuar a sua aposta na obra da coreana Keum Suk Gendry-Kim.

Relativamente às séries mangá, é naturalmente expectável que a chancela Distrito Manga continue a publicar as séries em andamento. Além disso, também já anunciou duas novas séries.

Nota: A editora apresentou ao Vinheta 2020 algumas obras ilustradas que, por cortesia, mantenho no artigo, mas que são isso mesmo: "livros ilustrados" e não "banda desenhada". Mas dou conta disso, junto a cada livro, para que o leitor mais incauto que aceda a este artigo não fique confundido.

Ora vejam, mais abaixo, quais são as obras que a Penguin tem preparadas para este primeiro semestre:

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

As novidades da Devir para 2025!


Hoje falo-vos das novidades que a editora Devir tem preparadas para 2025! E, meus caros, podemos estar perante um dos melhores ano de sempre da editora!

E isto tudo porque a Devir preparou uma estratégia editorial para 2025, da qual já aqui falei, que procura ser abrangente, fazendo com que a oferta da editora esteja presente nos três grandes submercados de banda desenhada mundial: o mangá, no qual a editora já é líder consumado há vários anos; os comics americanos (com a editora a passar a ter os direitos da DC Comics para Portugal) e a banda desenhada europeia. Se de há uns anos para cá a editora só estava presente no submercado mangá, em 2025, passará a estar presente em termos de comics e de banda desenhada dita mais clássica.

É claro que, por agora, o principal enfoque da editora se manterá no mangá, mas é inegável que a Devir tem procurado alargar o seu público. Até mesmo no mangá, tem havido uma aposta em títulos para um público mais maduro. O que muito valorizo.

Deixo-vos portanto, mais abaixo, e separado por ordem de publicação, as obras que a Devir prepara para o primeiro semestre de 2025:

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

As novidades d' A Seita para 2025!


Hoje trago-vos as novidades que a cooperativa editorial A Seita espera fazer chegar aos leitores portugueses de banda desenhada no primeiro semestre de 2025!

Contrariamente ao que é apanágio da editora, desta vez A Seita manteve-se mais contida na informação fornecida ao Vinheta 2020 - apresentando apenas duas obras ainda não anunciadas no último artigo que fiz aqui no blog sobre o tema - e confirmando outras que já haviam sido anunciadas ou o lançamento expectável de séries em continuação.

De qualquer maneira, parece-me um primeiro semestre com muita coisa boa e estou ansioso para ler alguns destes livros!

Sem mais demoras, deixo-vos, mais abaixo, com as novidades d' A Seita para o primeiro semestre de 2025.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

The Walking Dead está de volta!




A Devir prepara-se para nos trazer o quinto volume (de um total de 8) da célebre série The Walking Dead, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn!

Em pouco tempo, a editora Devir deixa assim os muitos adeptos portugueses desta série com mais de metade da mesma publicada por cá. Relembro que, no total, serão oito livros, com cada um deles a reunir 4 volumes da série, que soma 32 volumes. Por agora, ficarão publicados 20 volumes, divididos pelas 5 coletâneas já editadas.

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora, mas deverá chegar às livrarias apenas a partir do próximo dia 6 de Fevereiro.

Por agora, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

The Walking Dead – Coletânea 5, de Robert Kirkman, Charlie Adlard e Cliff Rathburn

O mundo tal como o conhecíamos desapareceu.

Uma epidemia de proporções apocalípticas varreu o globo, fazendo com que os mortos se animem e se comecem a alimentar dos vivos.

Numa questão de meses, a sociedade esboroou-se, deixou de haver governo, deixaram de haver lojas de mantimentos, deixou de haver correio, já não há televisão por cabo.

Num mundo governado pelos mortos, somos forçados a finalmente começar a viver.

Coletânea dos volumes 17, 18, 19 e 20.

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Ficha técnica
The Walking Dead – Coletânea 5
Autores: Robert Kirkman, Chrlie Adlard e Cliff Rathburn
Editora: Devir
Páginas: 538, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 26 cm
PVP: 39.99€

Devir lança mangá sobre Adolf Hitler!



A partir de hoje, já se encontra em pré-venda no site da Devir, uma das suas novas apostas editoriais que dá pelo nome de Hitler, da autoria de Shigeru Mizuki, de quem a editora portuguesa já lançou os livros Marcha para a Morte e Nonnonba.

Desta feita, estamos perante uma biografia em mangá sobre Adolf Hitler, uma das mais infames personalidades que já habitou o planeta Terra.

O livro deverá chegar às livrarias a partir do próximo dia 6 de Fevereiro, embora já se encontre em pré-venda.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Hitler, de Shigeru Mizuki

Quem era Adolf Hitler?

Um jovem megalomaníaco e obsessivo, frustrado nas suas aspirações artísticas que se torna um ditador com a ambição de dominar o mundo.

A história é um relato próximo da realidade sobre a vida e ambição de um homem – desde os seus tempos de juventude, durante a sua improvável carreira militar, o seu papel na II Grande Guerra, até à sua morte – que marcou a História da Alemanha e do mundo.

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Ficha técnica
Hitler
Autor: Shigeru Mizuki
Editora: Devir
Páginas: 288, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 22,00€

Análise: Murena #12 - Morte de um Sábio

Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo - ASA - LeYa

Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo - ASA - LeYa
Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo

O mais recente volume da série Murena, uma banda desenhada histórica que explora a Roma Antiga com assinalável precisão histórica e profundidade narrativa, foi lançado pela editora ASA no último trimestre de 2024. Este novo volume da série, intitulado Morte de um Sábio, mantém Dufaux enquanto argumentista, mas, à semelhança do que aconteceu nos últimos dois tomos da série, designadamente O Banquete e Lemúria, tem Theo a substituir o falecido Delaby no papel de ilustrador.

Mudança essa que, convenhamos, até tem sido para melhor. Sei que o trabalho que Delaby fez por esta série ao nível dos desenhos, desde o seu começo, sempre foi digno de todos os louvores. Não obstante, antes de ler este Morte de um Sábio dei comigo a ir ler os primeiros volumes da série e até considero que as ilustrações estão agora mais impressionantes e belos do que as de Delaby. Sem desprimor para este último que, obviamente, também teve um trabalho fantástico em Murena. E, claro, foi ele a pensar e a criar a série de raiz, do modo que a conhecemos, e que Theo tem vindo a respeitar.

Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo - ASA - LeYa
Assim, e começando pela parte de ilustração, Theo parece estar cada vez mais à vontade no papel de ilustrador de Murena. A primeira vinheta que abre este álbum, por exemplo, é uma autêntica obra prima da ilustração! Daqueles desenhos que poderiam figurar num museu! E a excelência do trabalho do autor não se fica por aí. Ao invés, espraia-se por todas as 52 páginas do livro, brindando o leitor com fantásticos desenhos de cenários e com um alargado naipe de personagens, rigorosamente personalizadas em termos visuais, e que apresentam uma expressividade e uma linguagem corporal magníficas. As belas cores da autoria de Lorenzo Pieri também são ponto essencial para a beleza que emana de cada uma das páginas deste livro.

O cuidado extremo com os trajes, armas, arquitetura e cenários de Roma mantém-se, então, presente, com as ruas movimentadas, as luxuosas vilas e os decadentes palácios imperiais a serem apresentados com grande realismo, transportando o leitor diretamente para o coração do Império Romano. A meticulosa atenção ao detalhe ajuda a evocar a atmosfera opulenta, mas também decadente, que marca este período da história.

Neste volume, Lucius Murena retorna ao palácio imperial após um período de ausência. A sua memória, ainda afetada pelas drogas administradas por Lemúria, começa a recuperar, enquanto as suspeitas de Nero sobre a sua participação numa conspiração diminuem. No entanto, a identidade misteriosa de Hidra intriga o imperador, que enfrenta delírios cada vez mais intensos, que parecem aproximá-lo da loucura. De resto, a crescente conspiração em Roma e a ascensão de Tigelino, a quem Nero concede plenos poderes, intensificam a tensão. Murena encontra-se numa posição delicada, algures dividido entre uma mulher possessiva e um imperador instável, vendo-se forçado a questionar as decisões que deve tomar.

Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo - ASA - LeYa
A narrativa deste volume é, pois, marcada por uma combinação de ação intensa e intriga entre personagens. Por vezes, fica no ar a ideia de que o argumentista oferece bons elementos e subnarrativas que, depois, acabam por não ser aproveitados. E essa talvez seja a minha principal crítica a esta bela série, e a este Morte de um Sábio em particular, mesmo sendo verdade que a representação da decadência de Roma e a complexidade das intrigas políticas são apresentadas de forma envolvente, mantendo a qualidade que caracteriza a série. 

Aprecio especialmente em Murena o facto desta obra equilibrar rigor histórico com uma narrativa envolvente, proporcionando uma leitura enriquecedora para os fãs de banda desenhada histórica. Todavia, Murena é uma daquelas séries em que é difícil "cair de paraquedas", já que a trama é bastante complexa. Mas isso também faz com que eu tenha que dar os devidos louvores à ASA por ter reeditado os primeiros quatro volumes da série que há muito se encontravam extintos do mercado nacional. Esta é uma daquelas séries para ler a partir do primeiro volume.

A edição da ASA é em capa dura brilhante, com bom papel brilhante no interior. A encadernação e impressão também apresentam a qualidade a que estamos habituados por parte da editora portuguesa. Na parte final do livro, há um glossário para que o leitor possa compreender melhor os factos históricos reais que envolvem as personagens e os eventos que aparecem no livro. Depois disso, ainda há uma nota final de Jean Dufaux sobre este volume.

Em resumo, Morte de Um Sábio mantém a excelência da série Murena, oferecendo uma narrativa rica em intriga e profundidade psicológica, acompanhada por uma arte impressionante que transporta o leitor para o coração da Roma Antiga e que reafirma a reputação de Murena como uma das séries de banda desenhada histórica mais visualmente impressionantes.

NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Murena #12 - Morte de um Sábio, de Dufaux e Theo - ASA - LeYa

Ficha técnica
Murena #12 - Morte de um Sábio
Autores: Dufaux e Theo
Editora: ASA
Páginas: 52, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 225 x 296 mm
Lançamento: Setembro de 2024


As novidades da Arte de Autor para 2025!


Agora que entrámos há poucos dias no novo ano de 2025, tentarei dar-vos aqui algumas novidades de BD que as editoras portuguesas têm pensadas para o primeiro semestre do ano.

E começo pela Arte de Autor, que se prepara para lançar, durante a primeira metade do ano seis novos álbuns de banda desenhada! Tudo propostas muito apetecíveis, diria.

Entre as obras que a editora portuguesa apresentou em primeira mão ao Vinheta 2020, há a continuação de séries que a Arte de Autor havia iniciado em 2024, a conclusão de alguns dípticos e uma nova aposta premiada de uma autora nunca antes publicada em Portugal!


Ora vejam: 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Análise: Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão


Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão, de Achdé e Jul - ASA - LeYa
Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão, de Achdé e Jul

Sou dos poucos leitores de Lucky Luke, creio, que não tem estado "zangado" com aquilo que os autores Achdé e Jul têm feito pela série há quase uma dúzia de álbuns. Concordo que a qualidade e inspiração dos mesmos, em termos de argumento, tem sido algo incerta, com altos e baixos, mas, de um modo geral, sou adepto (e agradecido até!) pelo trabalho de Achdé e Jul ao continuarem a dar vida a uma das séries mais emblemáticas da banda desenhada europeia, que é Lucky Luke. Originalmente criada por Morris e, numa segunda fase, muito bem desenvolvida por Goscinny, esta é uma série que moldou a minha vida e o meu gosto por banda desenhada desde a minha tenra infância. E podendo ser uma afirmação algo polémica, quiçá, até diria que coloco Lucky Luke à frente de séries tão célebres como Astérix ou Tintin (embora também as adore, claro está!).

Mas, como dizia, desde que Achdé e Jul se lançaram na nova série do "cowboy que dispara mais rápido do que a própria sombra", em As Aventuras de Lucky Luke Segundo Morris, o seu trabalho me tem deixado satisfeito. Não apaixonado, concedo, mas satisfeito.

E isso acontece porque me parece haver uma grande fidelidade de Achdé, nos desenhos, ao melhor momento de Morris; e de Jul aos mirabolantes e infinitamente criativos argumentos de Goscinny. Nem sempre Jul tem chegado ao nível de Goscinny, mas é provável que o seu melhor momento de aproximação seja mesmo neste Um Cowboy Sob Pressão. Se eu já estava satisfeito com os últimos álbuns, especialmente com Um Cowboy no Negócio do Algodão, fiquei extremamente bem impressionado com o mais recente álbum da série, lançado em Novembro último.

Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão, de Achdé e Jul - ASA - LeYa
Começando pelos desenhos, o trabalho de Achdé volta a encantar-me, pois consegue o melhor de dois mundos: por um lado, é totalmente fiel ao trabalho de Morris, fazendo com que haja uma impressionante continuidade visual dentro da série clássica. Por outro lado, Achdé permite-se algumas modernidades visuais - chamar-lhe ia mesmo "melhorias" - que permitem que a planificação seja mais airosa e bela, com algumas ilustrações que fogem ao expectável e onde vislumbramos dinâmica e uma certa dose de poesia - como aquela constante na página 11 do livro, por exemplo. Em termos de desenho, só mesmo na componente da capa é que o livro ficou um pouco aquém do seu potencial, a meu ver. Não é que seja uma má capa, mas não tem o brio de outras com que Achdé já nos brindou.

Mas se o trabalho de Achdé convence desde o início da sua entrada na série, é Jul quem mais me deixou satisfeito com este que é o seu melhor argumento para Lucky Luke e que tem uma premissa divertida e original. 

A história arranca em Nova Munique, uma pequena vila em Dakota fundada por alemães, o que faz com que, tal como acontece em boa parte das cidades e localidades dos Estados Unidos, haja uma forte presença da cultura e costumes da nacionalidade do povo estrangeiro que colonizou as referidas terras. E se falamos de alemães, é quase impossível não falar de cerveja. E é essa a fonte de problemas com que Lucky Luke se vê confrontado assim que chega a Nova Munique.

Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão, de Achdé e Jul - ASA - LeYa
A apreciada cerveja, que é produzida em grande quantidade naquela cidade, e que abastece a insaciável sede de muitos cowboys, está a parar de ser produzida devido à greve geral convocada pelos sindicalistas que, por arrasto, paralisa todas as unidades cervejeiras do país. Para resolver o problema, Lucky Luke ruma ao Milwaukee, a capital americana da cerveja. A ele juntam-se várias personagens novas divertidas e algumas por todos nós conhecidas, como os infames irmãos Dalton ou o "cão mais estúpido do que a própria sombra", Rantanplan.  

A premissa é divertida, mas é na forma como Jul consegue construir a narrativa, de um modo muito orgânico, com momentos cómicos não forçados que nos fazem sorrir, ao mesmo tempo que são tecidas algumas críticas sociais e paralelismos com a sociedade atual, que está o segredo para que este Um Cowboy Sob Pressão funcione tão bem e nos remeta para os melhores álbuns de Lucky Luke assinados por Goscinny. Não é que Jul tente algo de especialmente diferente. Pelo contrário, diria, o autor conseguiu repescar tudo aquilo que nos fez adorar as histórias mais clássicas de Lucky Luke - como o ritmo, o humor, as personagens impactantes, os bons jogos de palavras, a crítica social e a base histórica - de um modo pleno de graciosidade. Não é uma cópia do trabalho de Goscinny, é uma justa inspiração.

A edição da ASA acompanha o cânone da série: capa dura brilhante, com bom papel baço no interior do livro e um bom trabalho ao nível da impressão e da encadernação.

Em suma, este é provavelmente o melhor Lucky Luke feito por Achdé e Jul, com uma história interessante, divertida e sólida, em que encontramos ambos os autores a demonstrarem-se muito inspirados. Se há um bom livro, mais contemporâneo, capaz de introduzir os mais jovens à série Lucky Luke ou, paralelamente, se há um livro que pode (re)conquistar aquele público mais "zangado" com estas novas aventuras que procuram dar nova vida ao Lucky Luke de Morris e Goscinny, esse livro é mesmo este Um Cowboy Sob Pressão. Recomenda-se totalmente!


NOTA FINAL (1/10):
9.0


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Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão, de Achdé e Jul - ASA - LeYa

Ficha técnica
Lucky Luke - Um Cowboy Sob Pressão
Autores: Jul e Achdé
Editora: ASA
Páginas: 48, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 298 x 228 mm
Lançamento: Novembro de 2024

Análise: Zodíaco - Memórias Gráficas de Ai Weiwei

Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini - Objectiva - Penguin Random House

Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini - Objectiva - Penguin Random House
Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini

Através da chancela Objectiva, o Grupo Penguin lançou no ano passado a obra Zodíaco - Memórias Gráficas, da autoria de Ai Weiwei, em colaboração com os italianos Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini. O que mais salta à vista neste livro é a dicotomia entre a profundidade das memórias do artista chinês Ai Weiwei e a expressividade visual - e bastante original - do ilustrador italiano Gianluca Costantini, que atribui à obra uma grande singularidade gráfica.

Ai Weiwei é um célebre artista, arquiteto, cineasta e ativista chinês, conhecido pelas suas obras de arte conceptuais que abordam temas como os direitos humanos, a liberdade de expressão e a crítica ao autoritarismo. Especialmente àquele que continua a ser perpetrado pelo governo chinês. 

Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini - Objectiva - Penguin Random House
Nascido em Pequim, Ai Weiwei enfrentou perseguições políticas desde jovem, nomeadamente durante a Revolução Cultural, quando a sua família foi exilada. Weiwei foi ganhando, depois, reconhecimento internacional por projetos como o Estádio Olímpico de Pequim e instalações artísticas como a "Sunflower Seeds" na Tate Modern. Como seria de esperar, a sua postura crítica em relação ao governo chinês levou-o à prisão em 2011 e a uma vigilância constante, fazendo com que este se visse forçado a viver fora da China tendo encontrado, inclusive, refúgio em Portugal, no Alentejo, onde reside atualmente.

A narrativa deste Zodíaco - Memórias Gráficas, embora tente ser uma autobiografia de Ai Weiwei, assenta numa estrutura em torno dos doze signos do zodíaco chinês, cada um servindo como ponto de partida para reflexões que entrelaçam o folclore ancestral com episódios da vida pessoal e profissional de Ai Weiwei. Esta abordagem permite uma exploração não linear do tempo, refletindo a natureza fragmentada da memória humana. O leitor é convidado a uma viagem que abrange desde a infância de Weiwei, marcada pelo exílio durante a Revolução Cultural Chinesa, até às suas experiências mais recentes como artista e ativista.

Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini - Objectiva - Penguin Random House
A personalidade de Weiwei e o tema deste livro são muito interessantes, embora esta bengala narrativa de utilizar o zodíaco para contar a história pessoal do artista-ativista me pareça um pouco periclitante e forçada, levando a que o relato seja algo aleatório e cheio de fragmentos. Mas, enfim, foi a escolha dos autores. E o que é mais relevante neste livro - e até no contributo de vida de Weiwei, diria - é a sua reflexão profunda sobre a condição humana, a importância da memória e o papel do artista na sociedade contemporânea. 

Já quanto às ilustrações de Gianluca Costantini, diria que as mesmas desempenham um papel crucial na obra, conferindo uma dimensão visual muito original ao livro. Com um finíssimo traço realista, onde as sombras são conseguidas através de detalhadas tramas, o resultado impressiona em vários momentos, embora também seja verdade que, do ponto de vista da narrativa sequencial, leia-se "banda desenhada", por vezes as personagens que aparecem na história de Weiwei possam parecer estáticas e pouco dinâmicas. A meu ver, Costantini tem um estilo de desenho muito bom e que funciona bem para ilustrações avulsas, mas que para a banda desenhada nem sempre consegue a fluidez necessária. Mas, lá está, é um daqueles casos em que ou se "adora" ou se "odeia". Mas, independentemente disso, o que também é belo nos desenhos de Costantini, é que o seu estilo evoque a estética do design chinês, homenageando deste modo a cultura chinesa.

A edição da Objetiva (Penguin Livros) apresenta capa dura, com um tratamento brilhante a dourado que capta a atenção do leitor. No miolo, o livro enverga bom papel baço, boa impressão e boa encadernação, não havendo espaço para extras.

Em suma, Zodíaco - Memórias Gráficas é um livro bastante sui generis, com um grafismo muito próprio e original nas ilustrações que apresenta, com potencial para agradar a muita gente - mesmo que haja a mesma soma de potencial para que o mesmo livro também possa desagradar a outros tantos leitores. É no que dá ter um estilo tão vincado, diria. De resto, a forma como a história nos é dada, recorrendo aos doze signos do zodíaco chinês, é que convence menos e torna mais distante o relato de um homem como Ai Weiwei que se quer bem próximo e presente na nossa sociedade.


NOTA FINAL (1/10):
6.7



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Zodíaco - Memórias Gráficas, de Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini - Objectiva - Penguin Random House

Ficha técnica
Zodíaco: Memórias Gráficas de Ai Weiwei
Autores: Ai Weiwei, Elettra Stamboulis e Gianluca Costantini
Editora: Objectiva (Grupo Penguin Random House)
Páginas: 184, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 174 x 246 mm
Lançamento: Março de 2024