quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Análise: A Bela Casa do Lago #2

A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire - Devir

A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire - Devir
A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire

O segundo e último(?) volume da mini-série A Bela Casa do Lago, editado recentemente pela Devir, retoma a história do primeiro volume que nos tinha apresentado uma casa luxuosa que funcionava como último reduto da humanidade, contendo mais de uma dezena de convidados a estar ali por um misterioso anfitrião. Neste segundo volume, o grupo de amigos, isolado na tal luxuosa e inquietante casa junto ao lago, começa a perceber que o seu anfitrião, Walter, não é exatamente quem aparentava ser. A aparente segurança que inicialmente lhes tinha sido concedida rapidamente se transformou numa prisão de luxo, e a linha entre proteção e manipulação torna-se cada vez mais ténue. O leitor é colocado, pois, e desde o início, perante uma atmosfera de incerteza e de desconfiança.

À medida que a narrativa avança, o argumentista James Tynion IV conduz-nos por um jogo psicológico intenso. As personagens questionam não apenas o que aconteceu ao mundo exterior, mas também a própria natureza da realidade em que vivem. E porque é que estão ali. O tempo parece distorcido, os laços de amizade são postos à prova e as revelações sobre Walter levantam dúvidas éticas e existenciais profundas. Este segundo volume foca-se, portanto, menos na catástrofe global e mais na dimensão humana - e inumana - da experiência, num crescendo de tensão e de paranoia.

A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire - Devir
O enredo, apesar de fascinante e vertiginoso, peca por uma execução que nem sempre acompanha a força da premissa. A ideia de um apocalipse filtrado através de uma experiência controlada e artificial é incrivelmente promissora, mas Tynion parece hesitar entre desenvolver o mistério ou resolvê-lo. Essa indecisão faz com que a narrativa deste segundo volume oscile ainda mais do que no primeiro, perdendo por vezes o ritmo e a coerência emocional que o primeiro volume havia estabelecido com mais solidez. Lembro-me que, quando acabei a leitura do primeiro tomo ter achado que esta seria uma obra que poderia afirmar-se como "excelente" com este segundo volume, já que os dados estavam lançados. Todavia, tenho que dizer que fiquei algo desiludido.

De facto, parte do encanto do primeiro tomo residia no suspense, no mistério e na sensação de descoberta constante. Neste segundo livro, a história parece mais preocupada em dar respostas, mas acaba por fazê-lo de uma forma incompleta. As revelações chegam, sim, mas nunca na proporção do que foi prometido, fazendo com que o leitor termine a leitura com a impressão de que o autor preferiu manter o mistério vivo a oferecer um verdadeiro clímax narrativo. Por um lado, compreende-se isso, pois fica óbvio que embora este ciclo da narrativa acabe fechado, a série continuará com A Bela Casa da Praia. Por outro lado, o desenvolvimento deste A Bela Casa do Lago #2 apresenta-se curto.

A confusão narrativa é outro dos problemas do livro. As múltiplas subtramas, aliadas ao elevado número de personagens (algumas delas visualmente semelhantes, o que é outro problema, não obstante a beleza do desenho de Bueno), tornam difícil acompanhar todos os desenvolvimentos. Mesmo um leitor atento pode perder o fio condutor. Tynion IV joga com o caos e com a fragmentação, mas por vezes parece perder-se, ele mesmo, nesse mesmo labirinto por si criado. A complexidade, que poderia ser uma virtude, transforma-se em obstáculo.

Ainda assim, é impossível negar que o livro se mantém como um thriller empolgante. A estrutura fragmentada e o ambiente opressivo mantêm o leitor preso à leitura. E mesmo quando a história se torna confusa, há uma tensão constante que sustenta o interesse. James Tynion IV é perito em criar atmosferas de desconforto e em explorar as fragilidades humanas sob circunstâncias extremas.

A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire - Devir
Além do suspense da obra, outro dos seus trunfos é, sem dúvida, o trabalho gráfico de Álvaro Martínez Bueno. O seu traço é impressionante: realista, detalhado e simultaneamente estilizado, capaz de fundir o quotidiano com o sobrenatural de forma harmoniosa. As expressões faciais, os interiores e até o desenho da própria casa - que funciona quase como se de uma personagem se tratasse - são tratados com um rigor e uma sensibilidade raros.

E, claro, as cores de Jordie Bellaire complementam perfeitamente essa visão. Vibrantes e contrastantes, ajudam a sublinhar tanto a beleza ilusória da casa como a tensão latente que permeia cada cena. As tonalidades saturadas e luminosas tornam o ambiente simultaneamente atraente e inquietante, intensificando a sensação de irrealidade que a história pede. Visualmente, o livro é uma autêntica obra de arte que muito me atrai, devo admitir.

Nota ainda, positiva, para a planificação das pranchas, que embora seja um pouco mais clássica neste volume, contribui para um maior controlo narrativo do suspense por parte dos autores. Esta planificação e utilização de planos de câmara fechados transmite claustrofobia, refletindo o aprisionamento psicológico a que as personagens estão sujeitas. 

A edição da Devir apresenta capa dura baça, bom papel brilhante no miolo e um bom trabalho ao nível da impressão e da encadernação. Como conteúdo extra, temos um texto, aparentemente direcionado a Chris Conroy, em que James Tynion IV explica o conceito da série. Há ainda uma página que serve como "Guia das Personagens". 

Em suma, a premissa de A Bela Casa do Lago prometia mais do que aquilo que acabou por oferecer. A ideia de uma casa como refúgio e prisão, construída por um ser enigmático num mundo em colapso, é riquíssima em potencial simbólico e filosófico. Contudo, Tynion prefere sugerir do que explorar. É o retrato de um criador de conceitos brilhantes, mas que nem sempre consegue traduzi-los em histórias inteiramente satisfatórias. No fim, ficamos divididos entre o fascínio pelo universo criado e a frustração de perceber que ele talvez não tenha tanto para dizer quanto, inicialmente, parecia.


NOTA FINAL (1/10):
7.0

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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A Bela Casa do Lago #2, de James Tynion IV, Álvaro Martínex Bueno e Jordie Bellaire - Devir

Ficha técnica
A Bela Casa do Lago #2
Autores: James Tynion IV, Álvaro Martínez Bueno e Jordi Bellaire
Editora: Devir
Páginas: 184, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Agosto de 2025



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