sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Análise: Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer

A Ala dos Livros publicou recentemente o 8º e mais recente livro da série Undertaker, da autoria de Xavier Dorison e Ralph Meyer. Sendo uma série constituída por ciclos de dois volumes, este oitavo volume encerra, portanto, o quarto ciclo da série. Bem, o seu final em aberto, pressupõe que até pode haver um novo volume inserido dentro deste ciclo. Se bem que isso também pode não acontecer porque, embora os ciclos sejam separados entre si, tem havido, claro, uma continuidade narrativa indireta. 

O volume anterior, intitulado Mister Prairie, foi possivelmente o meu livro preferido da série, portanto, tenho que vos dizer que estava desejoso de mergulhar na leitura deste O Mundo Segundo Oz

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
A história retoma os acontecimentos deixados em Mister Prairie, em que, numa pequena vila texana continua marcada pela devastação moral e material deixada pela Guerra da Sucessão, ascende social e politicamente a figura da Irmã Oz, uma líder carismática e fanática da Liga da Virtude, que promete aos habitantes locais uma purificação espiritual através da imposição violenta dos dogmas da religião. Eleonr Winthorp, que pretende interromper a sua gravidez indesejada, transforma-se, pois, no alvo dessa cruzada pelos bons costumes da Irmã Oz e de todos aqueles que a seguem.

No meio de isto tudo, Jonas Crow ainda tenta lidar com o choque de ter encontrado Rose, a sua amada, como mulher casada e logo de Randolph Prairie, o médico da vila que se oferece para realizar o aborto.

A escalada dos crimes, humilhações e manipulações perpetrados pela Irmã Oz parece não ter fim e tudo aquilo que ela faz acaba sempre a ser justificado como uma expressão da vontade divina. Esta batalha moral que se desenrola na aldeia funciona, pois, como o motor dramático do álbum, à medida em que a história se vai encaminhando para uma apoteose final, num marcante confronto entre Jonas Crow e a Irmã Oz.

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
Um dos elementos mais marcantes deste oitavo volume é precisamente esse acerto de contas entre Jonas Crow e a Irmã Oz. A fanática religiosa, enquanto antagonista, destaca-se como uma das figuras mais perturbadoras da série: carismática, manipuladora e capaz de dobrar a moralidade alheia ao sabor das suas convicções absolutistas. Mais uma vez, e isso já tinha acontecido em ciclos anteriores da série, Xavier Dorison revela-se prodigioso na forma como constrói e desenvolve os vilões desta história. Todos eles são temíveis e esta Irmã Oz acaba por ser especialmente assustadora por, bem, por resultar de um reflexo de várias figuras da humanidade que, em nome de uma religião, perseguiram e assassinar os que pensavam ou agiam de forma diferente. Talvez por isso, seja uma história que também ecoa muito nos tempos atuais, em que temos cada vez mais pessoas absortas na sua maneira de ver o mundo, não permitindo espaço para a opinião divergente. Não me refiro a temas religiosos apenas, mas a todos os outros.

A atmosfera do álbum é exemplar. A tensão cresce de forma orgânica, quase imperceptível, até atingir um crescendo em que a violência, medo e desespero se acumulam como pólvora prestes a explodir. 

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
Um dos aspetos mais notáveis da série é a maturidade crescente que tem vindo a adquirir ciclo após ciclo. Undertaker começou como uma aventura western com um protagonista carismático e humor negro deliciosamente afiado, mas evoluiu para algo mais denso e adulto. Olhando para trás, percebe-se como Dorison foi semeando camadas de profundidade que agora florescem em personagens complexas e dilemas morais contundentes. Até mesmo as personagens secundárias, antes sobretudo funcionais, se têm tornado peças fundamentais. 

Embora temas como o aborto ou a homossexualidade sejam incomuns no western clássico, Dorison consegue introduzi-los com naturalidade e sem intenção (demasiadamente) panfletária. São temas universais, tratados como partes intrínsecas da vida e não como bandeiras ideológicas. O mérito está em não permitir que a obra se feche nos temas, antes colocando-os ao serviço da construção das personagens e da reflexão moral que emerge do enredo.

Se a história é muito bem escrita e imaginada, o desenho de Ralph Meyer volta a revelar-se soberbo! As expressões faciais capturam toda a complexidade emocional das personagens; as cenas de ação têm peso, dinâmica e brutalidade controlada; os cenários respiram autenticidade; até os animais e elementos naturais parecem ter personalidade. O uso da sombra por Meyer também merece nota por ser quase poético, mostrando ser um instrumento dramático tão importante quanto o próprio texto. 

Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
E, já agora, as cores de Caroline Delabie também complementam perfeitamente o traço do seu marido, Ralph Meyer. Os tons terra, castanhos, laranjas e amarelos dominam o álbum, conferindo uma estética árida e calorosa que reforça a atmosfera opressiva. Este casamento entre clássico e moderno, tanto no argumento quanto na componente visual, confirma Undertaker como um álbum de excecional qualidade e como um fecho digno de mais um ciclo que engrandece toda a série.

A única nota no desenho menos positiva no desenho, tem que ser para a ilustração da capa que, não sendo horrível, fica muito aquém de outras maravilhosas capas da série, como, por exemplo as dos tomos 3, 4 ou 6, por exemplo.

A edição da Ala dos Livros, cumpre os requisitos dos anteriores álbuns: capa dura brilhante, bom papel brilhante no miolo, e boa encadernação e impressão. 

Entre todas as bandas desenhadas western contemporâneas, Undertaker permanece no topo do género, rivalizando apenas, quanto a mim, com Bouncer em qualidade e impacto. E nesse sentido, O Mundo Segundo Oz reforça a capacidade da série de se manter moderna sem perder o espírito de ser do género western. Há violência, aventura, duelos, tragédia, poeira, honra e vingança, mas há também reflexão, ambiguidade, dilemas éticos e crítica social. O bom equilíbrio entre estes elementos torna Undertaker uma das mais ricas BD europeias do género que é tudo menos monótona. É uma obra que recomendo tanto a quem nunca leu um western em BD, como aos que dizem não gostar deste sucedâneo bedéfilo.


NOTA FINAL (1/10):
9.5


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Undertaker #8 – O Mundo Segundo Oz, de Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros

Ficha técnica
Undertaker #8 - O Mundo Segundo Oz
Autores: Xavier Dorison e Ralph Meyer
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
Lançamento: Outubro de 2025

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