sexta-feira, 30 de abril de 2021

TOP 10 – As minhas lojas de BD favoritas em Portugal

TOP 10 – As melhores lojas de BD em Portugal


TOP 10 – As minhas lojas de BD favoritas em Portugal

Antes de mais, permitam-me dizer que não estou aqui a julgar as lojas que são melhores ou piores. Para mim, todos os empresários – grandes ou pequenos – que têm a porta aberta com o intuito de vender banda desenhada são meus heróis. Comprar bd pela internet é uma realidade cada vez mais banal mas, ainda assim, valorizo a possibilidade de passear nestas lojas, de folhear os livros, de sentir o seu cheiro e a sua textura e, claro, de poder ter dois dedos de conversa com os funcionários destas lojas. A banda desenhada é sempre um bom tema de conversa para mim.

Portanto, escrevo este artigo para partilhar com os leitores que me seguem, quais são as lojas de bd onde gosto mais de fazer compras e onde me sinto melhor. E, por isso, (só por isso) são as minhas lojas favoritas. O meu TOP 10.

Permitam-me dizer também que tendo em conta a minha localização em Lisboa, a quase totalidade da minha lista inclui lojas situadas em Lisboa. Desculpem a enorme centralização do meu artigo mas só posso mesmo falar daquilo que conheço. Não obstante, é lógico que há duas lojas de BD que estão fora de Lisboa e que considero de relevância nacional. Leiam o artigo até ao fim e saberão quais.

Por último, e porque acredito que com este artigo (também) posso estar a fazer um serviço aos turistas estrangeiros que procuram boas lojas de BD em Portugal, publicarei nos próximos dias, uma versão deste artigo em inglês. Dei-me ao trabalho de pesquisar por “best comic book stores Portugal” ou “best comic book stores in Lisbon” e os resultados da pesquisa são bastante fracos. Os turistas que nos visitam, necessitam de informação relevante e, nesse sentido, farei a minha parte.

Sem mais demoras, avancemos então para o meu top 10.

Lançamento: Dylan Dog / Dampyr - O Detective e o Caçador





Já estão disponíveis os dois álbuns que correspondem ao crossover entre as personagens do fumetti, Dylan Dog e Dampyr, e que assinalam uma interessante aposta dupla da editora A Seita.

O primeiro tomo chama-se O Detective e o Caçador Vol. 1: A Noite do Dampyr e o segundo volume intitula-se O Detective e o Caçador Vol. 1: O Detective do Pesadelo. Uma coisa curiosa é que as equipas criativas mudam: no primeiro livro temos o argumento a cargo de Roberto Recchioni e Giulio Antonio Gualtieri, com desenho de Daniele Bigliardo; e no segundo livro o argumento é de Mauro Boselli e arte ilustrativa fica a cargo de Bruno Brindisi. 

Desde já, destaca-se a capa conjunta que os dois álbuns, alinhados um ao outro, completam entre si. Fantástica ideia.

Abaixo fiquem com a nota do editor e com algumas imagens promocionais.


Dylan Dog / Dampyr - O Detective e o Caçador, de Roberto Recchioni, Giulio Antonio Gualtieri, Daniele Bigliardo, Mauro Boselli e Bruno Brindisi 

Um vive em Londres e é um detective do pesadelo, investigador do paranormal, melancólico, introspectivo e sonhador. 

O outro é filho de uma humana e de um vampiro, e viaja pelo mundo para combater o mal, utilizando o seu sangue letal, capaz de queimar e matar os vampiros. 

Nunca se tinham cruzado, porque o mundo é demasiado grande e os seus mistérios infindáveis. Até ao Verão de 2017, quando a Sergio Bonelli Editore publicou o seu primeiro crossover, uma aventura que junta Dylan Dog e Dampyr numa luta lado a lado contra as criaturas do Mestre da Noite Lodbrok!

Harlan Draka, o Dampyr, e Dylan Dog, cruzam-se finalmente a tempo da chegada de um conjunto de visitantes estranhos – e perigosos! - a Craven Road, que irão mergulhar Londres no terror. E qual o papel do temível Lodbrok, um dos arqui-vampiros que Draka persegue incansavelmente? Dylan Dog acaba por fazer uma promessa que não pode quebrar à morta-viva Lagertha, inimiga jurada de Harlan Draka, o caçador de vampiros. Nas remotas ilhas Hébridas, para onde viajaram em busca de resolver o mistério de Lodbrok, o Senhor da Noite, os nossos dois heróis terão de sobreviver a uma multidão de personagens horrendas, dragões, vikings mortos-vivos, e outras criaturas sobrenaturais.

Esta história, que junta Dylan Dog e Dampyr, duas das mais emblemáticas personagens da Sergio Bonelli Editore, foi o primeiro crossover jamais criado pela editora (já tinham existido alguns team-ups, em que personagens diferentes tinham aparecido nas revistas umas das outras). Assim, esta aventura que junta o detective do pesadelo ao caçador de vampiros acabou por ser uma grande estreia, e o evento dos fumetti do Verão de 2017 em Itália, uma vez que a história foi dividida por duas revistas diferentes, iniciada em Dylan Dog #371 e concluída em Dampyr #209.

Dylan Dog e Dampyr são, no entanto, bem diferentes enquanto personagens e séries. Numa entrevista concedida há uns anos, Mauro Boselli sublinhou que no caçador de vampiros sobressai um lado algo realista, uma vez que as suas aventuras devem dar a ilusão de que acontecem no nosso mundo, na nossa realidade. Ao contrário do que acontece com Dylan Dog, onde o fantástico pode ser apresentado repetidas vezes com contornos menos realistas e onde tudo é possível. 
Por seu lado, Roberto Recchioni acrescenta que a maneira como os dois heróis lidam com o horror também é diferente: de um lado a dureza e intransigência de um Dampyr pragmático frente aos monstros, qual herói clássico, em contraponto com a visão mais irónica, romântica e empática de Dylan Dog, anti-herói por excelência ou herói por acaso, que diz que os verdadeiros monstros somos nós, os seres humanos.

Duas personagens com pouco em comum, mas com um importante ponto de ligação entre ambas: o horror dos ambientes em que se movem. Como tal, não é de estranhar que, mais tarde ou mais cedo, acabariam por aliar forças, o que só não tinha acontecido antes porque, a acreditar nas palavras de Dylan, “o mundo é demasiado grande”.

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Fichas técnicas
O Detective e o Caçador vol. 1: A Noite do Dampyr
Autores: Roberto Recchioni, Giulio Antonio Gualtieri e Daniele Bigliardo
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
PVP: 13,00€

O Detective e o Caçador vol. 2: O Detective do Pesadelo
Autores: Mauro Boselli e Bruno Brindisi
Editora: A Seita
Páginas: 104, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
PVP: 13,00€

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Lançamento: Peter Pan #2 - Opikanoba



Sai hoje com o Público o segundo tomo da série Peter Pan, de Régis Loisel, publicado pela editora ASA.

A título de curiosidade apenas, gosto tanto ou tão pouco desta fantástica série de banda desenhada que, em 2015, quando lancei um dos meus projetos musicais, |UGO|, a faixa de abertura do disco até se chamava "Opikanoba", numa clara homenagem à obra de Loisel.

É, portanto, e como já tive oportunidade de escrever várias vezes, uma das bandas desenhadas da minha vida.





Bem, mas depois desta partilha, fiquem com aquilo que pretendem mesmo conhecer. A sinopse deste tomo e as imagens promocionais.


Peter Pan #2 - Opikanoba, de Régis Loisel

Com a ajuda de Sininho e do seu pó de fada, Peter troca a sua Londres natal pelo país imaginário. 

Todavia, por um erro de cálculo, vai parar à cabina do capitão de um barco de piratas, ancorado numa enseada junto a uma ilha paradisíaca.

Obrigado a explicar a sua presença a bordo, Peter conta à tripulação que veio de Londres a voar, o que naturalmente deixa os piratas desconfiados. Não conseguindo fazer valer a sua história, Peter é atirado borda fora para servir de alimento a um crocodilo que há já várias semanas ronda insistentemente o barco. Sem outra alternativa, Sininho lança-se em socorro de Peter, acabando assim por provar que este consegue voar.

O Capitão propõe então a Peter que se torne pirata, o que vai manifestamente contra a missão de Sininho, enviada pelo povo da ilha para encontrar um salvador. Este povo é composto por diversas 3 criaturas mitológicas, entre as quais sereias, centauros e duendes. Pan, o seu chefe, explica a Peter que foi escolhido pelos seus pares para os ajudar a protegerem o seu tesouro do capitão.

Os nossos heróis terão de enfrentar terríveis desafios, o primeiro dos quais particularmente aterrorizador: Opikanoba, uma região deserta e nebulosa onde cada um se defronta com os seus próprios medos e é levado a agir segundo os seus instintos mais brutais…


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Ficha técnica

Peter Pan #2 - Opikanoba
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 10,90€

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Lançamento: Demon Slayer, a nova aposta da Devir



A editora Devir acaba de anunciar a aposta numa nova série! 

Trata-se de Demon Slayer, uma série shonen, da autoria de Koyoharu Gotouge, destinada a um público infanto-juvenil, que tem conquistado milhões de fãs em todo o mundo. 

O volume 1 chegará às livrarias no próximo dia 5 de Maio.

Abaixo, fiquem com a nota de imprensa da editora e de algumas imagens promocionais.

Demon Slayer, de Koyoharu Gotouge

A Editora Devir apresenta Demon Slayer em português, o shonen para a nova geração!

Uma série sensação em todo o mundo, com mais de 100 milhões de exemplares vendidos – vários números continuam no Top10 de vendas (EUA, França, Itália).

No Japão, Demon Slayer (Kimetsu no Yaiba) vendeu mais de 82 milhões de cópias em 2020, ultrapassando o bestseller One Piece.

As características muito próprias da narrativa, podem justificar este sucesso. Os personagens são tratados de forma complexa, com perfis psicológicos pouco lineares, a ilustração denota um tratamento mais moderno (apesar da época histórica retratada), original em relação ao shonen tradicional.

A História
A família de Tanjirou é dizimada e a sua irmã, Nezuko, transformada em demónio.

Tanjirou parte em busca do causador da situação e para tentar encontrar uma forma de Nezuko voltar a ser humana.

Criado por Koyoharu Gotouge, a série começou a ser publicada em 2016, e inspira-se no seu primeiro trabalho como mangáka “Kagarigari”, cujo tema era também uma caça a um demónio.

Um mangá para jovens, que vai também interessar aos pais que leram mangas clássicos como Dragon Ball e Naruto.

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Ficha técnica
Demon Slayer #1
Autor: Koyoharu Gotouge
Editora: Devir
Páginas: 192, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
PVP: 9,99€

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Análise: Spaghetti Bros – Vol. 2

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor


Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina

A família mais disfuncional de sempre da banda desenhada está de volta! E é um regresso em grande! Ao nível daquilo a que os felizardos leitores do Volume 1 já puderam experenciar.

Se há papel importante que as editoras de banda desenhada (também) fazem, é o de curadoria em relação ao lançamento de obras menos badaladas. Isso permite que os leitores possam descobrir – ou redescobrir – boas séries de banda desenhada. Quando no ano passado a Arte de Autor, oportuna, foi buscar este Spaghetti Bros, apanhou muita gente desprevenida. Os que já conheciam, rejubilaram com o lançamento desta fantástica série em Portugal. Os que não conheciam, tiveram, certamente, uma das melhores surpresas do ano editorial do ano passado.

Portanto, é uma alegria ver que Spaghetti Bros, composto por 4 volumes, já tem metade da sua série publicada em Portugal.

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Spaghetti Bros
é, de uma forma avassaladora, politicamente incorreto, subvertendo as regras do certo e do errado, sem escrúpulos e sem qualquer contenção. Numa altura em que, de forma geral, o entretenimento me entristece cada vez mais, ao ter posturas falsamente moralistas e (apenas e só) corretas aos olhos da opinião pública – recordo a série Os Simpsons, da qual sempre fui fã, que recentemente decidiu substituir o ator, que sempre fez o papel da personagem Apu, por um ator indiano (só para não ferir suscetibilidades) e que colocou um ator homossexual a dar voz a uma personagem homossexual (mais uma vez, com o único propósito de não ferir suscetibilidades) – é bom olhar para a banda desenhada e verificar que é uma forma de arte (ainda) bastante livre, havendo espaço para todo e qualquer estilo de histórias. Muitas vezes, politicamente incorretas nos valores que contêm. Mas, lá está, isso é, a meu ver, uma coisa boa porque a criação artística não deve ser sintética e falsamente moralista (nem sequer tem que ser moralista, sinceramente). A criação artística deve ser uma expressão, uma ideia, um output criativo. Acredito que se houvesse uma adaptação de Spaghetti Bros para uma série da Netflix, haveria um autêntico reboliço e, possivelmente, petições públicas e manifestações para que os responsáveis da série e, em última análise, os criadores originais Trillo e Mandrafina, fossem veemente criticados e marginalizados (e quão irónico é marginalizar os que, supostamente, marginalizam, não?).

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
E porque é que falo sobre estes temas? Bem, como já referi acima, Spaghetti Bros é verdadeiramente incorreto. Entre aquilo que esta fantástica série nos oferece nas suas histórias, temos violentos criminosos, temos adultério, temos machismo, temos violações, temos padres criminosos, homens criminosos, mulheres criminosas, uma atriz que subiu na carreira cinematográfica após favores de foro sexual. Temos tudo aquilo que é tido como errado. Mas, ainda assim, Spaghetti Bros não poderia ser uma série mais deliciosa! E ponham nas vossas cabeças a ideia de que abordar estes temas não quer dizer promovê-los. Pode até querer dizer que são errados. Chamar a atenção para tal. Embora também não me pareça que seja esse o caso nesta série.

Portanto, serei eu ou os muitos amantes de Spaghetti Bros uns autênticos párias e vermes da sociedade? Ou esta série é apenas - e só - um conjunto de histórias divertidas, empolgantes, com personagens inesquecíveis e que serve, em primeiríssimo lugar, para entreter? Eu julgo que se trata desta segunda hipótese! E, acreditem, é uma série quenos deixa entretidos de forma deliciosa.

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
O fantástico conjunto de 5 irmãos, emigrantes italianos, que constituem a família Centobucchi, e que procuram sobreviver das mais diversas formas nos Estados Unidos da América, inclui um gangster, Amerigo, que mata sem quaisquer escrúpulos; o padre Frank, cheio de atitude e de “telhados de vidro”; o polícia Tony, que procura levar uma vida de retidão; a estrela de cinema Catarina; e Carmela que, embora pareça normal e correta, com dois filhos à sua guarda, de noite é uma prostituta assasina dos seus amantes. Tudo isto parece um bocadinho over the top? Sim, é mesmo! Mas duma forma viciante.

O livro está dividido em 24 curtas histórias, de 8 páginas cada uma, cada uma delas com um título que é normalmente alusivo a um clássico do cinema. No entanto, estas histórias devem ser vistas mais como capítulos do que como histórias isoladas entre si, visto que, todas juntas, contam uma história maior. E isso até se sente mais neste segundo volume do que no primeiro. Em Spaghetti Bros – Vol. 1, como os autores estavam ainda a dar-nos a conhecer as várias personagens, algumas histórias pareciam mais isoladas entre si.

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Neste segundo volume, embora alguns capítulos se foquem em aspetos mais concretos e relativamente independentes da história principal, a grande soma dos capítulos foca-se no romance do irmão mais velho, Amerigo, que parece finalmente encontrar uma mulher “a sério”, digna de ser sua esposa. Porém, nada é límpido nesta família e o que Amerigo ainda não sabe é que esta mulher mantinha uma relação com o irmão mais novo de Amerigo, o polícia Tony.

Ora, Trillo sabe utilizar muito bem todo o tipo de situações tensas e hilariantes que esta condição traz à trama, envolvendo também as outras personagens. O padre Frank, que neste volume, com alguma pena minha, parece estar mais sereno e menos agressivo, serve como pendor de retidão e tenta colocar juízo na sua família. Uma personagem nova e que ganha bastante importância neste segundo volume é James, o filho mais velho de Carmela, que acaba a servir como pombo correio entre Tony e Filomena. Não querendo adiantar mais sobre o argumento, com o receio de poder estragar algumas surpresas aos leitores que, inteligentemente, optarem por comprar este livro, digo apenas que a trama é muito divertida e pecaminosa de uma ponta à outra. Estão a ver Os Maias, de Eça de Queiroz, misturados com O Padrinho, de Mario Puzo? É mais ou menos nesse quadrante narrativo, que situo a família Centobucchi deste Spaghetti Bros.

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
O trabalho de Mandrafina é de enorme qualidade e continua em linha com aquilo já feito no volume 1. Tal como escrevi na minha análise a esse primeiro volume da série, o traço do autor é “ágil, habilidoso e permite-lhe uma caracterização fiel e extremamente bem executada, quer dos locais, quer das personagens. A sua capacidade para caracterizar as expressões faciais dos irmãos Centobucchi e das restantes personagens, é de um talento raro e maravilhoso. O seu traço é elegante e clássico, fazendo lembrar as ilustrações de Will Eisner, com as devidas diferenças, claro. Visualmente é uma obra incrível que dificilmente não agrada a um amante de banda desenhada.”

Para mim, é um autor que apenas peca um pouco na execução das capas. Não são feias mas poderiam ser muito mais apelativas. Abrindo aleatoriamente o livro encontramos facilmente uma ilustração mais marcante e impactante do que olhando para a capa e isso faz-me concluir que a arte visual da banda desenhada em si é fantástica e que as ilustrações das capas é que são um pouco mais “fraquinhas”.

A planificação das histórias é bastante clássica e rígida. As páginas têm quase sempre 6 vinhetas quadradas por página. E é muito raro que o autor fuja a isto. Mas mesmo que isto possa parecer algo repetitivo, posso garantir que se há coisas que Spaghetti Bros não é, é uma série repetitiva e entediante. Na verdade, a leitura da obra acaba por ser viciante. A pessoa lê um capítulo de oito páginas e quando o acaba diz para si mesma: “só mais uma história”. E, quando dá por si, já leu o livro todo!

Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor
Relativamente à edição, a Arte de Autor coloca no mercado mais um livro bem conseguido. Capa dura e com textura aveludada, tão agradável ao toque, e detalhes a verniz que embelezam o aspeto da capa. O papel é baço e de uma boa gramagem. Uma pequena nota menos positiva, apenas: embora a capa seja dura, parece-me um pouco fina demais, tendo em conta a grossura do volume, e isso faz com que o livro seja um pouco frágil, se não manuseado com cuidado.

Uma nota de louvor merece ser dada à editora. São muitas as séries fantásticas, de alta qualidade, em que a Arte de Autor aposta. Daí eu ter referido que o papel de uma editora também pode (deve?) ser de curadoria em relação à banda desenhada de qualidade. Na verdade, e digo-o da forma mais sincera possível, a Arte de Autor não tem uma única série que eu considere “má” ou que não valha a pena conhecer. Mesmo assim, realço que séries como Spaghetti Bros, Verões Felizes, Armazém Central, O Castelo dos Animais, Bouncer, entre outras, não são apenas maravilhosas, como obrigatórias numa boa coleção de banda desenhada. Já não falando na série clássica de Corto Maltese ou de fantásticos álbuns one shot que a editora lançou como O Azul é uma Cor Quente, Como Viaja a Água ou Shanghai Dream. O catálogo da editora melhora de mês para mês. De ano para ano.

Em suma, não me canso de recomendar Spaghetti Bros a todos os amantes de banda desenhada. Sejam os que gostam de histórias de gangsters, sejam os que gostam de uma boa comédia de situação, sejam os que apreciem uma excelente arte ilustrativa a preto e branco. Ou mesmo aqueles que, num mundo cada vez mais composto por uma moral sintética de dizer e fazer aquilo que parece unanimente correto, procuram algo verdadeiramente disruptivo, pecaminoso e eticamente incorreto. Spaghetti Bros é todas estas coisas e muito mais! Um must!


NOTA FINAL (1/10):
9.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Spaghetti Bros – Vol. 2, de Trillo e Mandrafina - Arte de Autor

Ficha técnica
Spaghetti Bros – Vol. 2
Autores: Trillo e Mandrafina
Editora: Arte de Autor
Páginas: 196, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2021

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Não, este artigo não procura ser uma análise à fantástica obra Peter Pan, de Loisel. A seu tempo, quando a edição da ASA, composta por 6 volumes, chegar ao seu término, é certo que farei uma análise completa a toda a obra. Por agora, olho apenas para as diferenças visíveis entre a nova edição da ASA e as antigas, da Bertrand e da Booktree.

Claro que, por agora, não deixo de sublinhar que o relançamento desta obra é uma fantástica aposta da ASA e que é uma série que eu recomendo totalmente. 

Uma verdadeira obra sublime, quer na adaptação do argumento original de J.M. Barrie, quer na arte inconfundível do mestre Régis Loisel. Meste este que também assina - em parceria com Tripp - uma das minhas séries de banda desenhada preferidas de sempre: a magnífica Armazém Central, publicado pela Arte de Autor.

Não sendo, portanto, uma análise à totalidade da obra, este é um pequeno artigo, a que dei o nome de "comparativo", e em que comparo as edições de Peter Pan publicadas em Portugal. No caso do primeiro tomo da obra, intitulado Londres, o mesmo havia sido primeiramente editado em Portugal pela editora Bertrand. Estávamos em Julho de 1993. O segundo tomo ainda foi publicado pela mesma editora que, depois disso, abandonou a série. Nessa altura, a Booktree lançou o terceiro e quarto álbuns e a série ficou-se por aí. Quase 20 anos depois do lançamento de Londres pela Bertrand, a ASA publicou, já neste mês, esse mesmo volume inaugural desta obra-prima da banda desenhada mundial!

Assim, tendo os dois livros lado a lado há várias coisas que saltam logo à vista. 

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA
A primeira é que as dimensões do livro da ASA são maiores do que as do livro da Bertrand. Não é uma grande diferença. Assim, a olho nu, diria que não é superior a meio centímetro. Quer em altura, quer em largura. E quanto a mim, é sempre preferível que o formato seja maior. Permite um mergulho maior na arte visual do livro. Portanto, boa escolha, ASA. 

Depois, ainda olhando para a capa, há outra coisa que salta à vista: o arranjo gráfico - o design, vá - da capa. A edição da ASA é mais bonita, quanto a mim. Saíram aquelas barras a verde que eram desnecessárias e a ilustração do autor passou a ocupar a capa toda. Boa opção. Além disso, o próprio arranjo do nome do autor, da série e do volume ficaram arrumados de forma mais orgânica, com uma estética mais atual e mais agradável. Como se passaram quase 20 anos é normal que tenha havido esta evolução. Mas não deixa de ser pertinente assinalar isso. Acho que a ASA esteve bem pois manteve fidelidade ao original melhorando apenas o aspecto de forma subtil.

Mas há mais algumas diferenças quando abrimos os dois livros. 

As primeiras duas páginas de guarda do livro da ASA passaram a ser em azul, perdendo-se aquela ilustração de Loisel que a edição da Bertrand tinha. Aqui, acho que não foi tão acertado. Preferia a versão anterior.

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Depois de avançarmos uma página, o título e créditos também são diferentes. Ambos são bastante bonitos. Neste caso, volto a preferir a versão da ASA, mais moderna, embora a da Bertrand também esteja bem conseguida.

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Na versão da Bertrand há uma fotografia do autor Loisel e uma dedicatória que o mesmo faz ao autor da obra original e à Disney. Infelizmente isso perdeu-se na edição da ASA. Contudo, em contrapartida, a versão da ASA recebe uma biografia de uma página de Régis Loisel que é uma boa adição para que os leitores mais incautos saibam algo mais sobre o autor.

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA



As contracapas também são diferentes. Neste caso torna-se óbvio para mim que a versão da ASA é mais atual e mais bem conseguida do que a "velhinha" edição da Bertrand.

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Finalmente, e se tenho estado a falar sobre pequenas diferenças entre as duas edições, considero que há uma diferença de maior importância. Que versa sobre as cores da obra. 

Na versão da Bertrand as cores estão bem mais escuras, o que faz com que as ilustrações numa Londres sombria fiquem por vezes demasiado escuras e imperceptíveis. Na versão da ASA, as cores estão bem mais claras. Isso parece dar uma maior consistência entre a saturação das imagens. Se bem que também reconheço que em algumas vinhetas, como há um maior detalhe percepcionado, a versão da ASA perde um certo dramatismo na luz e sombras que a primeira edição continha e que também são importantes para a história que nos é contada. E isto deixa-me um bocado dividido: por vezes certas ilustrações ganham com as cores mais escuras da edição da Bertrand; noutras vezes, as ilustrações ficam mais legíveis e agradáveis na versão mais luminosa da ASA.

E isto também poderá ter que ver com o tipo de papel que varia entre ambas as edições. Na edição da Bertrand o papel era baço e na edição da ASA o papel é brilhante.

Abaixo coloco algumas imagens que tentam demonstrar esta diferença.

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Comparativo: Peter Pan,de Loisel, pela Bertrand e pela ASA

Em suma, compreendo que existam alguns leitores que já tendo os primeiros quatro volumes da Bertrand e da Booktree, optem por comprar apenas os volumes 5 e 6 da ASA. Não obstante, e tendo em conta as diferenças e harmonia que a edição da ASA traz consigo, parece-me que fará sentido que se compre a coleção completa da ASA. Se a carteira o permitir, claro.



quinta-feira, 22 de abril de 2021

Análise: Michel Vaillant – Duelos

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA



Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil

Aliar a competição automóvel à banda desenhada parece-me uma ótima ideia na sua génese. Uma ideia que tem – ou teria – tudo para singrar. E, de facto, se olharmos para o passado, há que admitir que a série Michel Vaillant conseguiu ser um marco na banda desenhada franco-belga. E até mesmo nos desenhos animados - a música do genérico de animação ainda me vem à memória quando pronuncio o nome do piloto mais conhecido da banda desenhada. E há ainda algo nesta série que merece as minhas vénias: é que conseguiu trazer algumas pessoas para a bd que nem sequer eram leitores habituais de banda desenhada, mas que, pura e simplesmente, gostavam de automóveis e do universo destes – conheço vários exemplos onde isto aconteceu.

Quando, há uns anos, a série original de Jean Graton foi relançada com novas aventuras, adaptadas aos tempos mais recentes e com um especial enfoque nas personagens do universo Michel Vaillant foi, não duvido, uma grande notícia para os fãs da série. No entanto, e no meu caso concreto, esta nova abordagem da série pertence àquele conjunto de bandas desenhadas franco-belgas que são interessantes, mas que não são excecionais. E que talvez não tenha envelhecido tão bem, por muitos e bons esforços que a nova equipa criativa leve a cabo. Equipa essa que neste Duelos é constituída por Denis Lapière, no argumento, e Benjamin Benéteau e Vincent Dutreuil, nas ilustrações.

Duelos abre o terceiro ciclo da Nova Temporada da série, que já conta com 9 volumes, e traz Michel Vaillant de volta ao rali. Daniel Farid, um jovem prodígio piloto francês, é escolhido para pilotar o segundo Vaillante Cervin no WRC, o Campeonato Mundial de Ralis. Embora, à partida, ter um bom piloto a fazer equipa com Michel Vaillant anteveria facilidades para a equipa de ambos, a verdade é que a rivalidade entre os dois pilotos começa a ser muito grande. E o desejo cego do jovem Farid é bater Vaillant, mandando-o “para a reforma” a qualquer custo. Uma trama algo clássica, diria, em que o novato quer triunfar sobre o veterano, mas que continua a fazer sentido, pois, muitas vezes, no desporto de alta competição as rivalidades maiores são, curiosamente (ou não), dentro das próprias equipas. A história deste Duelos acompanha, portanto, a competição entre Michel Vaillant e Daniel Farid, que decorrerá até ao final da prova com uma agradável e didática lição que todos deveriam retirar.

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
A opção pelos ralis em detrimento da fórmula 1, ou de quaisquer outros tipos de corridas, até pode ter a vantagem de nos proporcionar cenários interessantes – incluindo os portugueses – mas tem a clara desvantagem de tornar muito menos emocionante a questão das corridas. É que como nos ralis a competição é cronometrada perdem-se, quanto a mim, inúmeras situações de duelos empolgantes, com ultrapassagens no limite que teríamos se a competição fosse com os automóveis a competir em simultâneo. Assim, com o rali, a emoção da corrida assenta muito nas legendas dos comentadores televisivos que vão dizendo os tempos de corrida das várias personagens. E a constante classificação na tabela de construtores e na de pilotos. Não muito emocionante, para ser sincero. E acaba, até, por ser algo entediante. E acho que isso será por ventura o que mais crucifica o intento nuclear da série que é – ou deveria ser – as corridas espetaculares entre as personagens.

Há que dar nota do esforço dos autores em tornar este livro – bem como todos os outros da Nova Temporada – em linha com a atualidade em que vivemos. Assim, não é de estranhar que o rival de Michel Vaillant, Daniel Farid, sendo um jovem, apresente as características que seriam de esperar dos jovens, onde se destaca a forte presença nas redes sociais. Quando a equipa Vaillante se apresenta na conferência de imprensa, Farid utiliza o telemóvel para, provavelmente, fazer um direto nas redes sociais. E numa outra ocasião, também o vemos a pedir a Michel para fazer uma story para o seu instagram. São alguns exemplos de uma tentativa de aproximar a série à atualidade e às camadas mais jovens. Se bem que, na minha opinião, até é bem capaz de ser um esforço algo em vão pois parece-me que o público que mais lê e compra Michel Vaillant continua a ser um público mais maduro que cresceu com a série.

Uma das etapas do campeonato de rali passa por Portugal, havendo a referência à cidade de Amarante. Outra coisa interessante e que, aos meus olhos, é bem pensado na série, é que embora as personagens principais, a equipa Vaillante e os seus carros sejam fictícios, depois há todo um conjunto de pilotos reais como Neuville, Ogier, Tänak ou Evans, bem como uma representação fiel dos seus carros e dos logótipos dos patrocinadores. Isso aproxima a série dos admiradores das corridas de carros na vida real. O que é positivo, claro.

Michel Vaillant – Duelos, de Lapière, Benéteau e Dutreuil - ASA
Em termos de ilustração, este álbum continua aquilo que tem vindo a ser traçado nos álbuns anteriores com a procura de um maior realismo na caracterização das personagens em comparação com a série clássica. O desenho dos carros também está fiel embora mais nuns casos do que noutros. Admitindo que os desenhos são agradáveis para a vista, considero que lhes falta algo para serem verdadeiramente gratificantes para observarmos. 

Os cenários têm poucos detalhes e as expressões das personagens são medianamente tratadas. A planificação da história tenta ter alguma dinâmica, com a introdução de vinhetas de vários tamanhos e formas, o que possibilita especialmente que tenhamos a sensação de velocidade e urgência durante as corridas. Em suma, em termos gráficos, é um álbum que cumpre mas sem distinção. Está longe de ser mau, mas também lhe falta várias coisas para, a meu ver, ser verdadeiramente especial.

Quanto à edição, temos a clássica edição da ASA com capa dura brilhante e papel brilhante de boa qualidade. Uma nota menos positiva deverá ser dada ao tipo de letra escolhido que nas palavras em que a letra A tem acentuação aguda, como por exemplo “há”, o resultado fique estranho e com leitura difícil. Fica mais a parecer “h’a” do que “há”.

Em conclusão, este Michel Vaillant – Duelos está em consonância com aquilo que a nova abordagem à série Michel Vaillant nos tem dado nos últimos anos. Histórias e desenhos que cumprem apenas os seus propósitos básicos de fazer justiça à série clássica. São livros que se lêem bem mas que não conseguem ser verdadeiramente marcantes ou inesquecíveis. Havendo competência nestas obras, julgo que lhes faltam uma abordagem mais artística que os pudesse fazer ir mais longe em termos qualitativos. Não são totalmente “frios” mas também não conseguem deixar de ser “mornos”. Pedia-se mais para que esta fosse uma série totalmente recomendável. Não obstante, julgo que os fãs da série clássica e das corridas de carros de forma genérica – especialmente se forem adeptos do rali – poderão gostar desta obra.


NOTA FINAL (1/10):
7.9




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Michel Vaillant - Duelos
Autores: Lapière, Benéteai e Dutreuil
Editora: ASA
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Janeiro de 2021

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Análise: El Ángelus

El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial


El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial
El Ángelus, de Giroud e Homs

El Ángelus é uma obra da autoria de Frank Giroud (O Decálogo) e de José Homs (Shi) que foi originalmente publicada no ano de 2010 e 2011, em dois tomos, com o título Secrets – L'Angélus. A versão que li e na qual baseio a minha análise é a versão integral (e ampliada) espanhola, publicada pela Norma Editorial, com o título El Ángelus. Agradeço ao meu amigo Mário Freitas, da Kingpin, pelo incentivo nesta leitura. E que fantástica leitura é! Arte e argumento trabalham em simbiose para nos oferecer uma maravilhosa e marcante banda desenhada. Que merece receber publicação em português. Sendo um álbum em dois tomos, acho que faria sentido a publicação num integral. Algo parecido com o que, em Portugal, a Arte de Autor tem vindo a fazer nas suas coleções.

A história do livro assenta na caminhada pessoal da personagem de Clóvis Chaumel. Clóvis tinha uma vida aparentemente pacata. Casado e com dois filhos, levava a vida que tantos milhões de pessoas por esse mundo fora levam. Rotineira, normal, expectável. Era uma vida calma e serena. Porém, e de forma bastante súbita, a sua vida sofre um abalo que o vai fazer ver toda a sua existência com outros olhos. E mudá-lo profundamente, fazendo com que não mais seja a mesma pessoa. E tudo isso é iniciado quando no Musée d'Orsay, em Paris, Clóvis dá de caras com o quadro L'Angelus da autoria do pintor francês Jean-François Millet. A visão deste quadro perturba profundamente o protagonista que decide investigar mais acerca da obra de Millet.

El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial
E é quando se apercebe que também Salvador Dali tinha uma profunda obssessão pelo mesmo quadro de Millet, tendo feito variadíssimas interpretações do mesmo em seus conhecidos trabalhos, que Clóvis começa uma investigação ainda mais profunda sobre o que há por detrás do quadro de Millet e as suas implicações em Salvador Dali. E é depois dessa demanda que leva a cabo, que o protagonista consegue conhecer mais sobre o quadro e, consequentemente, conhecer-se a si próprio, embarcando numa viagem emocional ao centro de si mesmo: às suas memórias reprimidas, a segredos bem guardados, a um passado que parecia normal mas que tinha muitas sombras e verdades escondidas. Como se Clóvis não vivesse num repentino turbilhão ainda conhece Evelyne, a bonita professora de artes visuais do filho, que o ajudará na sua pesquisa inicial. Será ainda confrontado por todos os que o rodeiam, que não parecem estar a compreender esta nova pessoa em que Clóvis se transforma. Mas isso não o impedirá de continuar o seu próprio caminho. Custe o que custar.

Como é um livro que tem bastantes plot twists, ficar-me-ei por aqui, para não estragar o prazer de leitura aos que seguem o Vinheta 2020. De qualquer maneira, posso dizer que, relativamente ao argumento, aquilo que mais me agradou nesta obra fantástica foi a forma como a narrativa nos leva por uma viagem bastante profunda quando, à primeira vista, parecia “apenas” um argumento que incidiria sobre a procura de significados ocultos numa obra de arte. Isso já seria suficientemente interessante, na verdade. Mas parece-me que o grande trunfo, do ponto de vista do trabalho do argumentista Giroud, é pois a viagem, por si só, que o autor nos obriga a fazer sem que possamos prevê-la no início do livro.

El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial
À medida que vamos avançando na história vamos sendo surpreendidos várias vezes. Nuns casos parece que a história vai por um caminho e, depois, vai por outro. E noutros casos, a história até acaba por nos dar algo que nem sequer tínhamos presente como alternativa possível. E claro, no fundo, quer o quadro original de Millet que despoleta toda esta procura, quer o próprio trabalho de Dali em relação à obra original, acabam por ser meros pretextos para a real e verdadeira demanda do protagonista da história. Assim sendo, o que desencandeia esta viagem ao fundo de si mesmo é um quadro mas poderia ser uma canção, um filme, um livro, qualquer coisa.

Mas, claro, como há significados ocultos na obra de Millet, o argumentista serve-se bem disso para, especialmente no primeiro tomo, andar a brincar um pouco com o leitor numa espécie de jogo de rato e gato. E, verdade seja dita, parece-me que o primeiro tomo deste álbum aponta para vários caminhos deixando, por vezes, a trama algo desprendida em si mesma. No entanto, é no segundo tomo que a história se torna mais profunda e começamos a mergulhar verdadeiramente no passado de Chaumel e no seu novo eu, que parece virar costas à sua vida antiga, e que começa a procurar novos caminhos e interesses para a sua existência.

Talvez eu tivesse gostado de um final mais fechado do que aquele que nos é dado mas não posso deixar de afirmar que a jornada da personagem é magnificamente bem construída pelo autor.

El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial
Mas se o argumento é emocionante e muito bem construído, o que dizer da arte do espanhol José Homs? A arte é verdadeiramente soberba e original em todos os vetores possíveis! O desenho tem uma personalidade muito própria, sendo os cenários bastante realistas e as personagens semi-realistas, que apresentam uma beleza na concepção à qual é difícil ficar indiferente. O protagonista desta bd não muda apenas em termos de maneira de ser, ao longo do livro. Também vai mudando em termos de roupas e de aspeto. E acho que essa conceção da personagem também está muito bem conseguida por parte de Homs. E a professora de artes visuais, Evelyne, tem igualmente uma conceção fantástica, com o seu aspeto original e apelativo, que fica na nossa memória já depois de terminarmos a leitura da obra. Quer na composição das vinhetas, nas perspectivas e ângulos utilizados, na profundidade das ilustrações, o detalhe das personagens e dos objetos, e a expressividade artística que irradia das páginas de El Ángelus, tudo é feito ao mais alto nível por parte do autor.

El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial
Em termos de luz e cor, esta também é uma verdadeira obra de arte. A paleta de cores que o autor utiliza embeleza cada cena, cada momento, cada gesto das personagens. E sabe também ser variada. Se é verdade que os tons amarelados são dos mais constantes ao longo do álbum, também é verdade que, a espaços, são utilizadas outras paletas de cores que encaixam que nem uma luva para sublinhar e reter a força dramática de uma cena.

Quanto à planificação até é verdade que esta é bastante clássica. Ainda assim, há alguns momentos sublimes em que o autor nos surpreende por arriscar mais. Em termos de dimensão de vinhetas, também há bastante diversidade, o que permite a utilização de planos de câmara mais cinematográficos, que enfatizam os sentimentos que, indubitavelmente, passam para o leitor. Na verdade, acho que se esta obra fosse adaptada ao cinema daria um excelente filme.

Olhando para a edição da Norma Editorial, há que reconhecer que estamos perante uma edição fantástica: capa dura e papel de boa qualidade e um dossier de extras espetacular, que nos mostra o making of da obra, com comentários do ilustrador Homs, que nos convida a conhecer como foi o processo da capa, os esboços das personagens, as capas das versões francesas, as técnicas utilizadas – quer no primeiro, quer no segundo tomo – e, no final, ainda temos como extra uma ilustração em anexo (vem dentro de um invólucro de plástico que é colado à parte de dentro da contracapa do livro). Um álbum duplo com inúmeros extras e ainda esta ilustração e com um preço de cerca de 25€, parece-me uma proposta irrecusável!

Em conclusão, El Ángelus é uma obra maravilhosa que nos serve tudo com um elevado grau de qualidade e profissionalismo: uma história comovente, profunda e surpreendente; uma arte visual verdadeiramente impressionante e soberba; e uma edição da Norma Editorial muito bem conseguida que gostaria de ver publicada por alguma das editoras portuguesas. Altamente recomendado e um dos melhores livros que lerei em 2021, estou certo.


NOTA FINAL (1/10):
9.7


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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El Ángelus, de Giroud e Homs - Norma Editorial

Ficha técnica
El Ángelus, Nueva Edición Ampliada
Autores: Frank Giroud e José Homs
Editora: Norma Editorial
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Dezembro de 2020

Lançamento: Stumptown Vol. 3 - O Caso do Rei de Paus




Chega hoje às bancas o novo volume de Stumptown, intitulado O Caso do Rei de Paus e editado em Portugal pela G. Floy Studio.

Este é o primeiro volume em que Justin Greewood passa a assumir o papel de ilustrador da série, substituindo o anterior artista Matthew Southworth. O argumento continua a ser da autoria de Greg Rucka.

Abaixo fiquem com a nota da editora e com algumas imagens promocionais.

Stumptown Vol. 3 - O Caso do Rei de Paus, de Greg Rucka e Justin Greenwood

Uma série escrita por um dos nomes grandes do policial, Greg Rucka, e que, depois de ter sido nomeada para um Eisner para Melhor Nova Série, serviu de base à série de TV Stumptown da ABC, com Cobie Smulders no papel de Dex.

O Caso do Rei de Paus reúne o terceiro número de Stumptown, a série aclamada pela crítica, de Greg Rucka, vencedor do Prémio Eisner, e do novo artista da série Justin Greenwood (Image The Fuse, Image Comics).

Dex Parios, detective privada e proprietária da Stumptown Investigations está de volta à acção - mas desta vez, é pessoal. 

Quando um dos seus amigos mais próximos é espancado depois de um jogo dos Portland Timbers, Dex está determinada a encontrar os responsáveis pelo ataque, não importa quem se intrometa no seu caminho. 

Com a ajuda de CK Banes, uma detective privada de Seattle, Dex pode ter apenas uma oportunidade de apanhar os agressores sem infringir demasiadas leis e regras pessoais.

"Greg Rucka e o novo artista Justin Greenwood dão vida às personagens e aos ambientes e criam uma história espantosa para os fãs e leitores de Stumptown." 
- Geeked OutNation

"Eu conheço o Greg Rucka, mas não o conheço bem. Temos muitos amigos em comum e já estivemos juntos algumas vezes. Mas, depois de ler Stumptown, sinto que ele deve ter algum acesso secreto ao meu cérebro. Que outra explicação pode haver para a forma como ele e a equipa criativa de Stumptown parecem estar a criar uma série de comics mesmo ao meu gosto?" - Jay Faerber, da Introdução

Ficha técnica
Stumptown Vol. 3 - O Caso do Rei de Paus
Autores: Greg Rucka e Justin Greenwood
Editora: G. Floy
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 16,00€