Um dos livros da nova Coleção Angoulême, editada pela Devir, que, até agora, mais prazer me deu ler, foi este O Caderno Azul, de André Juillard! Embora conhecesse a obra de nome e reputação, este era um dos livros desta coleção que eu nunca tinha lido. Talvez por isso, esta obra tenha constituído uma surpresa muito agradável.
Publicada originalmente em 1994, esta história ambientada na cidade de Paris, é um jogo narrativo sofisticado que explora o amor, o voyeurismo e a percepção. Esta edição inclui uma outra história, intitulada Depois da Chuva, que, sendo independente de O Caderno Azul, tem alguns pontos em comum, nomeadamente com a presença de algumas das personagens do primeiro livro e, claro, por também nos trazer André Juillard enquanto autor completo que, além do desenho, também assegura o argumento de ambas as histórias.
E confirmar a capacidade de argumentista do autor, cujo trabalho enquanto ilustrador o fez bastante célebre - já nem referindo a sua popularidade por ser um dos desenhadores mais respeitados da série Blake e Mortimer - foi, possivelmente, a melhor surpresa que esta leitura me ofereceu.
A narrativa de O Caderno Azul inicia-se com uma avaria no metro de Paris, que deixa uma carruagem parada diante de uma janela sem cortinas. Nessa janela, Louise, que, depois de um banho quente, caminha nua pela sala, é vista por Armand, que se encontrava no metro parado em frente à janela da casa desta bela mulher. E o resultado é fulminante: Armand fica automaticamente apaixonado por Louise! Mas o que poderia parecer ser o mero início de uma história de amor convencional revela-se, na verdade, uma exploração profunda das diferentes perspectivas e interpretações dos mesmos eventos. E isso acontece porque surge depois uma terceira personagem, masculina, que se envolve com Louise e que complica, no bom sentido da palavra, a estrutura narrativa da história.
André Juillard utiliza a técnica de recontar a mesma história sob diferentes pontos de vista, uma abordagem mais comum no cinema, mas menos explorada com tanta profundidade na banda desenhada. Esta estrutura narrativa inovadora confere à obra, está claro, uma qualidade cinematográfica, mantendo o leitor constantemente envolvido e desafiado a reconsiderar as suas próprias percepções. E até a fazer uma nova leitura do livro já depois de chegar à última página, já que a complexidade da narrativa e a profundidade das personagens exigem uma segunda leitura para apreciar plenamente as nuances e detalhes que podem ter passado despercebidos na primeira vez. Esta qualidade de "leitura dupla" é um testemunho da riqueza da obra e da habilidade de Juillard como narrador.
Com efeito, embora Juillard seja amplamente celebrado pelo seu talento no desenho realista, foi na construção da narrativa deste O Caderno Azul que me surpreendeu positivamente. A habilidade de tecer uma história tão complexa e envolvente, utilizando uma estrutura narrativa menos linear, demonstra uma mestria que vai além do domínio do desenho.
Mas não ficamos por aqui. Conforme já referi, esta edição traz um segundo tomo, um segundo livro, denominado Depois da Chuva. Esta segunda narrativa, embora mais clássica na sua abordagem, mantém o interesse do leitor com uma trama envolvente de amor e de mistério, que despois se desenvolve para uma história de cunho policial, com alguma ação e violência.
Se O Caderno Azul é uma história mais sensorial, com camadas diversas que nos levam a refletir, Depois da Chuva é uma história mais expectável na estrutura e forma. Lê-se bem e acaba por ser um complemento muito bem-vindo à primeira parte do livro, mas não posso dizer que seja um trabalho tão singular, com o mesmo nível de elegância e profundidade, de O Caderno Azul. Não obstante, considero que Depois da Chuva oferece, ainda assim, uma leitura agradável, que mantém vivo o interesse do leitor, proporcionando uma visão mais ampla do universo criado por Juillard.
O estilo gráfico de André Juillard é, claro, outro dos ponto altos desta obra. Conhecido pelo seu desenho realista e detalhado, o autor traz Paris à vida com uma sensibilidade única, capturando a essência da cidade e das emoções humanas com precisão. As expressões faciais e os gestos das personagens comunicam sentimentos profundos, muitas vezes mais do que as palavras poderiam expressar. A paleta de cores suaves e as composições cuidadosas criam uma atmosfera intimista e sensual que convida o leitor a mergulhar na história. Isto já para não falar nas personagens femininas que são misteriosamente belas e que irradiam uma sensualidade muito própria.
A edição da Devir apresenta capa dura baça, bom papel baço no interior e um bom trabalho a nível de impressão e encadernação. No final, há um dossier de extras com generosas 16 páginas, onde nos são dados esboços, estudos de capa e ilustrações de Juillard, bem como textos do jornalista Thierry Bellefroid sobre O Caderno Azul e Depois da Chuva.
Neste caso concreto, em que o formato da obra se mantém nos 17 x 24 cms, parece-me que se torna uma dimensão algo curta para uma melhor imersão na obra e estética dos desenhos do autor. Não diria que não dê para absorver bem a obra, mas poderia funcionar melhor se a dimensão fosse um pouco superior, tenho que referir.
Em suma, O Caderno Azul é uma leitura aconselhada a qualquer apreciador de banda desenhada que procure uma narrativa profunda e bem construída, aliada a uma arte visual impressionante, num estilo gráfico refinado e sensual. A originalidade da estrutura narrativa e a riqueza das personagens fazem desta obra uma experiência literária e visual que merece ser explorada e apreciada.
NOTA FINAL (1/10):
9.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Caderno Azul | Depois da Chuva
Autor: André Juillard
Editora: Devir
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cms
Lançamento: Julho de 2025
Subscrevo totalmente a sua crítica com nota máxima, realmente o tamanho do livros ou seja da colecção toda perde um bocado da beleza, mas provavelmente o preço seria outro.
ResponderEliminarTamanho ridículo. Não compro. Não creio que a diferença de preço para uma edição tamanho "regular" fosse assim tão proibitiva para o público alvo desta colecção. Mas pronto, cada um edita o que quer... e como quer! :)
ResponderEliminarA Devir presta um péssimo serviço á BD em Portugal com esta insistência em reduzir tudo o que é franco-belga a um “formatinho” indigno das obras em questão. Pura perda de papel, tempo e dinheiro.
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