Hoje trago-vos um breve artigo em que, ao invés de vos dar mais uma análise a uma das várias bandas desenhadas editadas em Portugal, procuro fazer um elogio à pertinência sócio-política que uma obra de BD e, consequentemente, uma editora que a publica, pode ter junto da sociedade.
Portanto, em vez de vos dizer se considero as obras de que falarei boas ou más, focar-me-ei na relevância que as mesmas têm para elucidar, para consciencializar e para educar o público-alvo a que se destinam.
Isto tudo porque hoje chega às bancas Uma Metamorfose Iraniana, de Mana Neyestani, tal como já aqui dei nota. E, não esqueçamos, foi lançado o livro Assombrada, de Shaghayegh Moazzami. Ambas as obras fazem parte da mais recente coleção de Novelas Gráficas que a Levoir tem vindo a publicar com o jornal Público.
Porque falo nisto? Bem, porque estes dois livros têm em comum o facto de os seus autores procurarem demonstrar - e, com isso, denunciar - ao mundo ocidental o que é a realidade iraniana em pleno século XXI. Onde os direitos básicos como o acesso à informação, à criação de opinião própria ou ao livre arbítrio da população, são meras miragens. Além disso, as mulheres iranianas são especialmente afetadas por este conjunto de regras político-religiosas que lhes vedam os mais básicos direitos humanos. Qualquer ato que não obedeça às ridículas e infundamentadas regras do Regime, é fortemente reprimido, anulado e castigado. Esses castigos podem ser chicotadas ou outros modos de tortura que levam, muitas vezes, à morte de quem lhes é visado. Mais grave do que isso - e o livro de Shaghayegh Moazzami bem o mostra - a lavagem cerebral feita pelo Governo do Irão é tanta que grande parte da população - a mais pobre, a menos instruída - parece resignar-se, aceitar e defender(!) os disparates que o Governo Iraniano decreta. É triste verificar que esta ainda é a realidade de milhões de mulheres e homens.
Ora, no mês em que se comemora um ano da morte de Mahsa Amini, parece-me louvável o espírito de missão da editora Levoir que, aproveitando o mês simbólico em que vivemos, publica não uma, mas duas obras que procuram denunciar os delitos perpetrados pelos iranianos contra os próprios iranianos.
A jovem Mahsa Amini, relembro, foi (mais) uma vítima do Regime. Com 22 anos de idade, foi detida apenas e só por causa de estar a usar o famigerado véu mas de "forma errada" - whatever that means. Ou seja, mesmo estando a usar o véu, tinha parte do seu cabelo à vista. Acabou por morrer três dias após ser presa pela polícia de Teerão. Isto fez com que o povo iraniano saísse à rua, manifestando-se contra esta violenta morte. Obviamente, essa revolta foi fortemente reprimida, tendo resultado em centenas de mortes e milhares de detenções.
Urge, portanto, que se fale do tema, que se coloque o mundo ocidental a discutir o assunto. Que se ponha o dedo na ferida. A mudança só surge dessa forma. Posto isto, parece-me realmente de um grande sentido de oportunidade, por um lado, mas, também, de um sentido de missão ativista que a Levoir lance, no mês do aniversário de Mahsa Amini, estas duas obras. É que, independentemente de serem melhores ou piores obras de banda desenhada, são testemunhos na primeira pessoa para uma triste realidade que ainda impacta tantos homens e mulheres. E que merece - tem de! - ser conhecida pelo povo ocidental.
Não se findando aqui a tentativa próativa da Levoir, terá hoje lugar, na livraria Tinta nos Nervos, em Lisboa, às 18h30, um colóquio organizado pela editora com o nome Os Desafios no Irão. Nele, para além de serem lançados os livros Assombrada e Uma Metamorfose Iraniana, será dada a palavra a Fernando Camacho, Professor da Universidade Autónoma de Madrid e Universidade Nova de Lisboa e investigador da Universidade de Teerão; a Sepideh Radfar, Diretora do Centro de Iranologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e professora universitária de História e Cultura Persas; e a Ana Gonçalves, ex-Embaixadora no Afeganistão e no Iraque.
Não perderei a oportunidade de estar presente neste evento e acho que todos os que tiverem disponibilidade, deveriam comparecer.
Tudo começa com o gesto básico de querermos conhecer melhor outras realidades e as injustiças que aí são cometidas.
Fica o convite. Até logo.
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