Foi há uns meses que saiu o segundo volume da mini-série portuguesa, constituída por três volumes, Umbigo do Mundo, da autoria de Carlos Silva e Penim Loureiro. O livro foi lançado no Maia BD, mas, neste momento em que vos escrevo, encontra-se indisponível devido a uma imperfeição na edição – já lá irei – que acabou por levar à sua retirada das lojas. Espera-se que este Regresso a Senabria volte a estar disponível no próximo Amadora BD.
Depois de ler este segundo volume da série, trago-vos boas notícias. O enredo e a história parecem agora menos anárquicos do que no primeiro volume e, quanto ao desenho de Penim Loureiro, continuamos perante um belíssimo trabalho. Umbigo do Mundo continua a ser uma série que, quanto a mim, complica desnecessariamente algumas questões na sua história, que a fazem ser menos fluída, mas, ainda assim, parece estar a caminhar na direção certa.
Para quem não leu o primeiro volume da série, faço aqui uma breve síntese da história, replicando o que já escrevi na análise que escrevi a esse primeiro volume: “estamos num mundo distópico futurista em que as cidades antigas – as da nossa atualidade – já não são uma realidade. Apareceram depois cidades sustentáveis que, entretanto, se desmoronaram e uma misteriosa praga causou a morte de muitas mulheres. (…) A bonita protagonista da história, Alma, surge como heroína que vai salvar(?) o mundo. E tem a particularidade de 1) não morrer. Ou 2) de ressuscitar depois de morrer. Ou 3) de controlar o tempo, de forma a que não morra. O livro não é claro o suficiente quanto a isso.”
E este segundo volume começa no exato momento em que o primeiro volume terminou. Alma foi raptada e caberá aos seus amigos tentar resgatá-la. Contudo, a nossa protagonista também tem os seus argumentos para uma luta e não será presa fácil para os poderosos nos Estratos Superiores que a aprisionam. No cerne de toda esta luta está um oráculo que prevê de forma inequívoca o futuro e, como pano de fundo, temos uma guerra entre o norte e o sul, que são separados por um grande muro intransponível.
Parece-me que, neste segundo volume, a história já não é tão difícil de acompanhar. Na verdade, no primeiro volume os leitores foram “lançados aos cães”, num enredo totalmente anárquico, com muitas coisas a acontecer em simultâneo e sem grande explanação das oportunidades criadas em termos narrativos. Portanto, em comparação, Umbigo do Mundo 2 é mais fácil de acompanhar, pois, se já lemos o primeiro volume, já temos algumas luzes sobre a história que, neste regresso da série, vão sendo incrementadas com alguns bons diálogos. A par disso, temos uma aventura de resgate, carregada de momentos de ação, que torna as coisas mais lineares para acompanhar.
Dito isto, continua a ser verdade que Umbigo do Mundo é demasiadamente complexo. Compreendo que uma distopia futurista seja algo que dê pano para mangas e que o argumentista, Carlos Silva, procure rentabilizar a premissa ao máximo. Não lhe nego a criatividade de imaginar um mundo já muito diferente(?) daquele em que vivemos, onde há aeronaves futuristas, androides, um vírus que dizimou (quase) todas as mulheres do mundo, conflitos militares, questões políticas latentes e um misterioso oráculo cujo poder é infindável, devido a prever com rigor o futuro. Juntem a isso uma equipa constituída por uma bela protagonista; um soldado que se aconselha através das opiniões de mortos, com quem costuma encetar diálogos; um outro soldado, mais jovem, que desertou do exército estatal e que alega ser filho de Alma; um divertido androide, que tem algumas boas tiradas, funcionando como comic relief; um homem que é o programador do próprio oráculo; e, ainda, um mabeco como animal doméstico; e temos belos ingredientes, admito, mas para uma série de 10 volumes, de 100 páginas cada um. Estou, aliás, a lembrar-me de Descender, de Jeff Lemire e Dustin Nguyen, onde estas personagens de Umbigo do Mundo poderiam encaixar bem.
No entanto, Umbigo do Mundo é uma série que está pensada para 3 volumes apenas e, por isso, a menos que o último volume conseguisse resolver convenientemente o que falta resolver, parece-me – e já o disse na análise que fiz ao volume anterior – que Carlos Silva acaba por dar um passo maior do que a perna nesta mini-série. Repito que as boas ideias estão cá, mas cinjo-me à conhecida expressão: “less is more”. Se houvesse menos questões levantadas, a história poderia fluir melhor. Se houvesse menos personagens, as que sobrassem poderiam ser mais bem desenvolvidas. Dou um exemplo: a personagem do Coronel tem um grande potencial para ser desenvolvida para percebermos as suas motivações e background, mas, lá está, apenas temos um vislumbre superficial da sua relevância na história. E o mesmo pode ser aplicado a muitas outras personagens. Até mesmo à protagonista, Alma. Se esta história fosse pensada para romance literário em prosa, imagino que haveria páginas suficientes para Carlos Silva dar azo à sua imaginação que, sem dúvidas, é muito fértil. Sendo uma banda desenhada, parece-me que a história beneficiaria se não tivesse tanta coisa para tão poucas páginas.
Mesmo assim, devo dizer que Carlos Silva tece aqui um belo texto, com várias frases e reflexões memoráveis e onde os diálogos são bastante verossímeis. Gostei bastante da revelação que o autor nos dá na última página, que aguça o interesse do leitor para o terceiro e último volume da série que, em princípio, nos chegará no Amadora BD de 2024. Daqui a um ano, mais ou menos.
Relativamente às ilustrações de Penim Loureiro, o autor continua em boa forma, oferecendo-nos um universo visual moderno, com personalidade própria e onde os desenhos são cativantes e apresentam um cunho muito característico do autor. O seu traço fino, limpo e refrescante, oferece-nos personagens expressivas – onde as semelhanças visuais com alguns atores parecem óbvias – e uma boa linguagem corporal das mesmas.
A forma como Penim planifica a sua história é especialmente arrojada e dinâmica, fazendo com que o leitor não se canse na leitura e esteja sempre bem imerso na história. Parece-me que, desta forma, Penim sustenta muito bem a narrativa, por vezes dispersa, da história.
Devo dizer também que considero que o autor foi especialmente bem sucedido na criação da personagem de Alma. Mesmo sendo Umbigo do Mundo uma série recente, acho que não é descabido que consideremos Alma como uma das personagens mais impactantes – daquelas que ficam na retina – da banda desenhada nacional. De sempre. Alma é bela, é sexy, é ruiva e tem um penteado emblemático. Se juntarmos a isso uma personalidade de guerreira, excelente lutadora, com belos momentos de luta e alguns poderes especiais, ainda fica com mais força esta ideia de Alma ser um dos ícones das personagens femininas da banda desenhada nacional. Não é algo fácil de se conseguir, acreditem.
Olhando para a edição d’A Seita e da Comic Heart, tenho que começar por apontar algo que já muitos saberão. A página 63 do livro, apresenta um desenho cuja escala ficou maior do que a do formato do livro, resultando em que algum do texto de dois balões da referida página não tenha ficado legível. É um erro clamoroso, que afeta a continuidade na leitura, e que, naturalmente, se lamenta. No entanto, há que dar aqui uma palavra de apreço aos editores d’A Seita e da Comic Heart, que decidiram retirar os livros do mercado e fazer uma reimpressão do mesmo. Preocupando-se com os leitores que compraram a versão com erro da obra, as editoras anunciaram ainda que irão oferecer um exemplar da nova edição a todos aqueles que, num dos eventos de banda desenhada, se façam acompanhar do exemplar com erro. Uma bela atitude da editora que revela comprometimento com a qualidade com que quer munir os seus livros.
Fora este erro, a edição da obra até é bastante bem conseguida. O livro apresenta capa dura baça e, no miolo, oferece bom papel, com a devida quantidade de brilho. No final, há um dossier de extras, com belíssimos esboços de Penim Loureiro, que são acompanhados por textos explicativos sobre os estudos efetuados pelo autor para chegar a várias soluções gráficas. São extras muito interessantes e que revelam o cariz didático na forma de estar na banda desenhada de Penim Loureiro, que muito aprecio e valorizo.
Faço ainda uma pequena nota, menos positiva, para a capa do livro que, embora apresente uma bela ilustração da protagonista Alma, por parte de Penim Loureiro, tem um grafismo ao nível do lettering que, quanto a mim, poderia ser melhor e mais bem enquadrado na capa. O facto da própria font do título não ser a mesma do título do primeiro volume, poderia ter sido mais bem acautelado por parte dos autores/editores.
Em suma, o segundo volume de Umbigo do Mundo consegue ser melhor do que o anterior, procurando unir algumas das pontas soltas do primeiro livro, enquanto, como não podia deixar de ser, nos dá um belo trabalho de desenho por parte de Penim Loureiro. É uma série de motor diesel, que aquece mais lentamente, mas que parece ter rodas para rolar à medida que os álbuns se vão sucedendo. Mas, para atestarmos esta minha afirmação, teremos que aguardar pela conclusão da série, no terceiro e último volume.
NOTA FINAL (1/10):
7.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
-/-
Umbigo do Mundo #2 Regresso a Senabria
Autores: Penim Loureiro e Carlos Silva
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 70, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 200 x 280 mm
Lançamento: Abril de 2023
Boas, já procurei diversas vezes, mas não encontrei o livro a venda.
ResponderEliminarOlá. Como explico na análise acima, o livro foi retirado do mercado pelos editores. No entanto, é expetável que, até ou durante o Amadora BD, o livro volte a ser disponibilizado para compra.
Eliminar