sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Análise: Segmentos

Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor

Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor
Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez

Quando, no passado mês de Junho, a Arte de Autor editou, num só volume integral, a mini-série Segmentos, foi uma surpresa que deixou muita gente admirada. A mim, especialmente, se tivermos em conta que o catálogo da editora, se excluirmos Bug, de Enki Bilal e, de certa forma, Druuna, de Serpieri, não tem obras de ficção científica.

Segmentos é uma space opera, de ficção científica pura e dura, da autoria de Richard Malka e de Juan Giménez. De Richard Malka, sou-vos sincero, sabia poucas ou nenhumas coisas. Mas de Juan Giménez, é impossível não ter presente a sua relevância para a banda desenhada, se pensarmos na série A Casta dos Metabarões, que assinou com Alejandro Jodorowsky, e que se tornou uma série de culto, apreciada por milhares (milhões?) de pessoas em todo o mundo.

De resto, o autor argentino sempre teve uma propensão clássica para ser ilustrador de histórias de ficção científica, ambientadas no futuro. E, com efeito, Segmentos encaixa nessa definição, tratando-se de um volume integral, que reúne os 3 tomos - denominados, respetivamente Lexipólis, Voluptino e Neo-Esparta - desta mini-série.

Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor
A história decorre na “União Galáctica das Funções Segmentadas”, que é dividida por sete planetas, denominados "setores", que estão segmentados e separados pela função que exercem em prol desse mesmo universo. Decidiu-se dividir os planetas desta forma para, supostamente, não se ter tantas guerras entre a humanidade. E, assim sendo, existe o Setor do Trabalho, para produção de bens e serviços; o Setor da Ordem, para questões jurídicas, administrativas e policiais; o Setor da Criatividade, para arte, cultura e ciência; o Setor da Espiritualidade, para temas religiosos e filosóficos, o Setor da Guerra, para questões de guerra e de conquistas exteriores à União; o Sector do Câmbio, para comércio, finanças e banca e, por fim, mas não menos importante, claro, existe o Setor do Prazer, para sexo, drogas e jogos. A parte divertida da coisa, vá. Devo começar por dizer que as guardas do livro nos apresentam um esquema para este universo, que acaba por ser muito útil, pois poupa-nos trabalho para perceber certas coisas da história, quando esta se torna mais complexa.

Mas, além desta divisão dos planetas por tema, cada um dos jovens habitantes deste universo tem forçosamente de ser inserido num programa de formação para, mais tarde, poder ingressar num planeta, com base nas suas características inerentes. Ou seja, os habitantes com propensão para as artes, vão para o Sector da Criatividade, os habitantes com vocação para a religião vão para o Sector da Espiritualidade, e por aí diante. Devo dizer que é um conceito um bocado lato e redutor demais, quanto a mim. Lá porque uma pessoa é administrativa numa biblioteca, também pode ser uma devassa na cama, que se entrega, louca e desesperadamente, a práticas sexuais voluptuosas. Se homens e mulheres são constituídos por tantas características e idiossincrasias, como decidir, então, a que planeta deverão ingressar? Apenas, e só, por terem aptidão ou apetência para uma coisa? É muito redutor! Mas avancemos.

Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor
Os protagonistas são o corajoso e audaz Loth e a sensual Jezréel. Ambos cruzam os seus caminhos quando se encontram num julgamento. Ele é acusado por chegar atrasado à partida para o planeta a que deve pertencer e por conduzir/pilotar em excesso de velocidade(!). Ela é acusada por se recusar entrar numa orgia e por não querer consumir drogas. Eventualmente, e unindo forças, Loth e Jezréel conseguem evadir-se da sua clausura. A partir daqui, estamos perante uma história de “gato e rato” em que o sistema persegue as duas personagens ao longo dos dois tomos seguintes. Pelo caminho, encontram algumas personagens marcantes, que contribuem para a sua fuga.

Para além desta questão, e é aqui que, na minha opinião, as coisas se começam a complicar em demasia, começa a aparecer uma epidemia de esterilidade que ameaça a sobrevivência da humanidade. Procura-se também traçar uma ligação entre o antigo e aparentemente abandonado planeta Terra, e a influência dos Sete Sábios que, não só controlam os desígnios da União Galáctica, como têm o poder da imortalidade. Estará esse poder associado à questão da esterilidade? Este acaba por ser o engodo narrativo que sustenta a história, enquanto a mesma nos vai dando esta perseguição desenfreada interplanetária das forças da união no encalço de Loth e Jezréel. Se a parte da perseguição, sendo básica e, possivelmente, um dejá vu para muitos, funciona bem e mantém o leitor imerso, a parte política e da conspiração parece construída um pouco às avessas, com muitas pontas soltas.

Com efeito, Richard Malka parece perder as rédeas à própria história que inventou. Nota ainda, menos positiva, para uma certa má gestão dos tempos narrativos que, ora nos coloca num diálogo, dentro de uma nave espacial, entre Loth e Jezréel como, na vinheta seguinte, nos apresenta uma cena com os sete sábios, sem que nada o antevisse. Claramente, seriam necessárias mais páginas – se calhar até mais um ou dois tomos – para melhor explanar as ideias de Malka.

Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor
Segmentos
não revoluciona, em nada, o género da ficção científica, mas, não obstante, consegue ser uma obra coesa. Tenho que dizer que o início – o primeiro dos três tomos – é, sem dúvida, o melhor de todos. Começa muito bem esta história e promete muito. Contudo, à medida que vai avançando, Malka parece perder-se na trama que congeminou. O segundo tomo é onde há mais humor, mas que também acaba por se perder à medida que vamos acompanhando a perseguição interplanetária. No terceiro tomo há uma grande e longa cena de combate, estilo arena com gladiadores que têm que lutar até à morte. Mas, mesmo que isso permita desenhos belos e dinâmicos a Giménez, pouco ou nada acrescenta à história. E, às tantas, esquecemo-nos de o porquê de Loth e Jezréel estarem a ser perseguidos.

Mesmo assim, reconheço que Segmentos tem o dom de despertar uma certa nostalgia em fãs daquela ficção científica que se consumia nos anos oitenta. A história é, pois, muito reminiscente dessa ficção mais clássica. E, para tal, também ajuda que o ilustrador seja, nada mais, nada menos, do que Juan Giménez.

É Giménez quem mais brilha neste Segmentos. O universo futurista e tecnológico que o autor tão bem capta, é aquilo que melhor sustenta este universo narrativo. As personagens também são carismáticas em termos visuais, com a figura feminina especialmente bem representada. Também as as naves espaciais e a noção de grandeza daquilo que rodeia as personagens, são impressionantes.

Segmentos é um daqueles álbuns que dá prazer só de folhear. As cores também são muito belas e trazem aquele ambiente, já referido, dos álbuns de ficção científica dos anos 80 e 90. Se esta série só começou a ser originalmente publicada no ano 2011, a verdade é que o seu aspeto parece remeter-nos para algumas décadas anteriores a isso. O que será nostálgico e agradável para os adeptos do estilo.

Não obstante o belíssimo trabalho de Giménez nas ilustrações, que é um luxo e um deleite para os olhos, também é verdade que certas expressões das personagens me pareceram, por vezes, algo plásticas e artificiais demais. A própria finalização dos traços das personagens, principalmente quando há cenas com mais do que uma personagem, também parece feita com algum maior descuido face ao que o autor nos havia habituado na célebre A Casta dos Metabarões. Tal também deverá estar ligado, presumo, com a idade mais avançada do autor aquando a feitura deste Segmentos. Mesmo assim, admito que talvez eu esteja a ser demasiado exigente. Mesmo podendo Giménez não estar no topo das suas capacidades, este é um dos livros mais belos do ano, em termos de ilustração. Preparem-se para ficar maravilhados.

A edição da Arte de Autor assume-se, quanto a mim, como uma das melhores edições do ano! Em primeiro lugar, porque acho que as edições integrais, que reúnem mais do que um volume, de séries pequenas em dimensão, são sempre uma aposta bem conseguida, pois permite ao leitor ter acesso a uma obra completa, num só volume. E, neste caso, não são dois, mais três tomos que esta edição comporta. E também em termos de materiais utilizados, estamos perante um objeto de luxo: o livro apresenta capa dura, com textura aveludada e suave ao toque, onde são ainda inseridos alguns detalhes a verniz no título da obra e na bela ilustração da capa. No miolo, o papel é brilhante e de excelente qualidade. A impressão e a encadernação também são muito boas. Como extra, há um prefácio assinado por Claude Lanzmann. É uma edição impecável, que muito agradará a colecionadores.

Em suma, concluo dizendo que se é verdade que Segmentos é um deleite para os olhos, com ilustrações de Juan Giménez que, embora possam não estar tão boas como as de A Casta dos Metabarões, nos remetem, ainda assim, para essa obra maior da banda desenhada, o argumento com que Richard Malka nos brinda, deixa muitas pontas soltas e perde-se a si mesmo em momentos-chave da narrativa. Uma boa aposta da Arte de Autor que se recomenda especialmente aos adeptos da ficção científica clássica.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Segmentos, de Richard Malka e Juan Giménez - Arte de Autor

Ficha técnica
Segmentos
Autores: Richard Malka e Juan Gimenez
Editora: Arte de Autor
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 312 mm
Lançamento: Junho de 2023

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