Já são vários os livros que a editora Polvo publicou por cá de André Diniz, o autor brasileiro que, devido à sua proximidade física e emocional a Portugal, já quase podemos reclamar enquanto autor português. E este A Revolta da Vacina é mais um desses livros que acabou por ser lançado pela Polvo, juntamente com Matei o Meu Pai e Foi Estranho, há cerca de dois anos, em outubro de 2021, ainda durante o período mais crítico da pandemia de Covid 19, que durou entre 2020 e 2021.
Diria que foi um lançamento certeiro, com bom sentido de oportunidade, por parte da Polvo. E atenção que A Revolta da Vacina não está diretamente ligada ao Covid-19. Até porque, com rigor, o argumento do livro foi originalmente escrito uma década antes do mesmo ser lançado enquanto livro. Chegou mesmo a ser publicada, em 2013, a obra Z de Zelito que é, parcialmente, a mesma história. Não obstante, é óbvio que a obra ganhou fulgor para ver a luz do dia, com outro título, devido aos tempos pandémicos que vivemos recentemente. Acabou, portanto, por se repensada e rescrita por André Diniz.
A Revolta da Vacina versa, pois, sobre um motim popular que ocorreu no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1904, a propósito de uma lei que determinava a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Não só a população estava obrigada a vacinar-se, como via certos direitos serem-lhe vedados, caso não o fizesse. Assim, para que se pudesse efetivar uma matrícula numa escola, para se arranjar um trabalho, para se viajar ou mesmo para contrair casamento, era necessário um comprovativo de vacinação. Ora, como já podemos imaginar, isto causou uma grande revolta da população local e um sentimento que fez crescer o medo, a ignorância, o autoritarismo e a criação de notícias falsas. Será que já vimos isto em algum lado? Oh yes! Vimo-lo em tempos recentes, um pouco por todo o mundo. Portugal não foi exceção.
Com este pano de fundo, André Diniz dá-nos como protagonista a personagem de Zelito que, rumando à então capital do país, Rio de Janeiro, procura um emprego para se sustentar. Ao contrário da expetativa do seu pai, o sonho de Zelito é tornar-se ilustrador num jornal de referência. Mas, quando chega à cidade, o protagonista acaba por descobrir que talvez não seja tão fácil a realização do seu sonho e projeto pessoal, como ele inicialmente acharia. Zelito havia prometido ao seu pai que, em seis meses, se tornaria num artista famoso, mas tudo aquilo que acaba por conseguir é um trabalho enquanto ajudante na redação de um jornal.
Entretanto, acaba por se juntar, de uma forma bastante peculiar, à luta da população que se opõe à vacinação obrigatória. População essa que, à altura, é composta em grande parte por pessoas pobres e marginalizadas, que veem as medidas governamentais como uma violação das suas liberdades pessoais e como uma ação altamente autoritária do Estado. A revolta do povo acaba, então, por se fazer sentir e por resultar em confrontos violentos entre os manifestantes e as autoridades. Exeptavelmente, e como sempre, o Estado sobrepõe-se ao Indivíduo e, tal como muitos outros companheiros de protesto, Zelito terá que se conformar com os castigos inerentes à sua atitude contestatária.
Em termos de ilustração, André Diniz volta a ser igual a ele próprio, dando-nos desenhos onde as personagens são totalmente geométricas nas suas formas. É um estilo de ilustração a preto e branco que, decerto, não deixa ninguém indiferente: pode-se adorar ou pode-se odiar, consoante os nossos gostos pessoais. Mas se o gosto pelo estilo de ilustração do autor pode ser bastante subjetivo, pode-se afirmar com bastante objetividade que os desenhos de André Diniz são muito eficientes na narração da história.
Mantenho, pois, as palavras que já escrevi, noutra altura, a propósito das ilustrações de André Diniz: “o autor conseguiu criar um universo pictórico só dele. É bom? Sim, é! É para todos os amantes de banda desenhada? Provavelmente, não. Tem demasiada personalidade, reconheço. Mas, no meu caso, e sublinhando que esta é a parte subjetiva na minha análise, é uma arte ilustrativa que me convence e onde gosto de mergulhar.”
A edição da editora Polvo é em capa mole, com badanas, com papel decente, e uma boa encadernação e impressão. Compreende-se que o português utilizado seja o português brasileiro, uma vez que a história é fortemente ambientada e localizada no Brasil, pelo que se cria maior imersão no leitor ao utilizar o português falado no Brasil.
Em conclusão, posso dizer-vos que este A Revolta da Vacina, sendo sobre uma outra vacina, que não a vacina anti-covid, está mais que atual face aos dias que vivemos recentemente, com a sua inteligente e necessária abordagem a temas tão prementes como a luta pela liberdade individual, a desigualdade social, o papel do Estado na saúde pública e a violência policial. Esta é uma obra excelente para relançarmos o debate sobre a importância das campanhas de vacinação e, especialmente, sobre o equilíbrio que se quer entre as liberdades individuais e o bem comum.
NOTA FINAL (1/10):
8.0
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Revolta da Vacina
Autor: André Diniz
Editora: Polvo
Páginas: 120 a preto
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Outubro de 2021
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