A editora Minotauro, do Grupo Editorial Almedina, sem grande experiência no lançamento de banda desenhada, em boa hora apostou no lançamento das duas biografias do autor alemão Reinhard Kleist. Lançou este Johnny Cash: I See a Darkness e, também Nick Cave – Mercy On Me, que já aqui analisei há uns meses.
Qualquer um dos livros é absolutamente fantástico e totalmente recomendável. E havendo algumas diferenças entre ambos, posso dizer que os dois devem ser lidos.
A história da ascensão da música pop norte-americana passa, entre outros vultos de renome e importância, por Johnny Cash. Nascido em 1932 no Sul dos Estados Unidos, Cash cresceu numa família pobre, trabalhando nos campos de algodão. Começou a tocar guitarra durante o serviço militar na Alemanha e, já em casa, tratou de gravar as suas primeiras canções. O seu talento eventualmente foi descoberto e, a partir de 1955, passou a ser um artista de grande sucesso popular e artístico. Agradava às massas, mas também agradava aos seus pares e crítica musical. Mas, mesmo parecendo um homem simples, pelo menos se olharmos para as suas canções, Johnny Cash tinha uma aura pesada, triste e frágil. E a entrada no mundo do álcool e drogas foi apenas um pequeno passo, que foi revelando a sua natureza autodestrutiva e melancólica.
No entanto, parece que há sempre uma luz ao fim do túnel para cada alma atormentada. E June Carter pode muito bem ter sido essa luz na imensa escuridão que circundava Cash. Johnny apaixonou-se por June, que também era cantora, e que acabou mesmo por dizer “sim” ao pedido de Cash. Acabaram por casar. Daí, veio uma certa calmaria que voltou a dar estabilidade à vida de Johnny Cash.
De assinalar também, é o facto de o livro não seguir uma ordem cronológica rígida. Em vez disso, há vários saltos no tempo, onde se destaca os momentos-chave na vida de Cash e onde há espaço para vermos algumas das interações que o músico teve com outros nomes grandes do seu tempo, como Elvis Presley ou Bob Dylan.
Para além da história principal, o autor joga também com uma segunda narrativa, ao colocar o leitor próximo da história de vida de um dos presidiários de Folsom, que encontra redenção na obra de Johnny Cash e que sonha com o momento em que poderá vê-lo a atuar na prisão, diante de si.
Reinhard Kleist leva-nos por alguns dos momentos mais badalados na vida do músico, entre os quais se destaca a sua emblemática atuação na Prisão de Folsom, que viria a ser comentada um pouco por todo o mundo. Mas se Kleist nos oferece os momentos mais marcantes na vida de Johnny Cash, vai além disso e chega mesmo a dar-nos representações visuais de algumas das letras das músicas mais relevantes do cantautor. E, é especificamente nesse ponto, em que Kleist se permite interpretar certas músicas através do seu cunho pessoal, que este livro se torna fértil em momentos são belos, únicos e poéticos. Até porque, mesmo em termos de traço, o autor utiliza por diversas vezes, um estilo diferente quando está a interpretar as letras. O que atribui dinâmica e diversidade a toda a obra.
Aparentemente, Kleist sentiu-se tão bem nesta vertente que, mais tarde, quando fez a biografia dedicada a Nick Cave, até levou estas suas interpretações pessoais das letras das músicas a um extremo maior. Quanto a mim, ultrapassou alguns dos limites nessas interpretações, que me levaram a achá-las um pouco over the top, como dizem os ingleses. Neste I See a Darkness, ou porque Kleist não se sentia tão à vontade para o fazer, ou porque as próprias letras de Johnny Cash, sendo mais literais e simples que as de Nick Cave, assim o pediam, o autor da biografia parece ter, pelo menos quanto a mim, achado a dose certa para essa interpretação das músicas e respetivas letras. Portanto, na minha opinião, em termos de história, e embora também goste muito de Mercy On Me, este I See a Darkness consegue funcionar ainda melhor.
Já quanto às ilustrações, a minha opinião é diferente. Parece-me que, compreensivelmente, há uma evolução positiva e natural do livro dedicado a Cash para o livro sobre Cave. Até porque o livro de Cash foi feito anteriormente em relação ao outro. Mesmo assim, os desenhos do autor, num traço a preto e branco que, com as devidas distâncias, me lembra por vezes o desenho clássico de Will Eisner, são muito bem executados e encaixam muito bem na própria história que nos é dada sobre Cash.
Em termos de edição, o livro apresenta capa mole baça e um papel baço decente. No final do livro, ainda há uma generosa galeria de 12 páginas que nos oferece belas ilustrações e estudos de Reinhard Kleist. Infelizmente, em termos de tradução apercebi-me que certas expressões estavam mal-adaptadas para o português de Portugal. Um pequeno comentário: tendo em conta que o título do livro é em inglês, julgo que teria sido boa ideia que a editora portuguesa tivesse decidido incluir a informação “edição portuguesa” algures na capa. Deste modo, há o risco de muitos potenciais interessados no livro não lhe prestarem atenção por confundirem a edição portuguesa com a edição americana da obra.
Em suma, este é um livro altamente recomendado, não só para admiradores da lenda que foi (e é) Johnny Cash, como também para os que apreciam uma bela história salpicada por altos e baixos. De facto, Kleist revela-se um exímio contador das histórias de vida de grandes astros da música contemporânea. Sem "navegar tanto na maionese" como faz na biografia de Nick Cave, Kleist consegue contar grande parte da vida de Johnny Cash, enquanto interpreta com poesia visual as famosas letras das canções deste músico incontornável. Um livro espetacular e emocionante!
NOTA FINAL (1/10):
9.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Johnny Cash: I See a Darkness
Autor: Reinhard Kleist
Editora: Minotauro
Páginas: 224, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Setembro de 2022
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