No final do ano passado, as editoras A Seita e Arte de Autor lançaram, em parceria, e de uma só vez, três álbuns: Noir Burlesco, de Marini, Nautilus #1 - O Teatro das Sombras, de Mathieu Mariolle e Guénaël Grabowski e este O Cavaleiro do Unicórnio, de Stéphane Piatzszek e Guillermo González Escalada, que hoje vos trago.
Trata-se de um álbum de aventura e fantasia, que combina elementos de história, e nos conta o percurso de Juan de la Heredia, cavaleiro da Ordem dos Hospitaleiros, que lutou ao serviço do rei de França na batalha de Crécy. Batalha esta que, no ano de 1346, marcou o início da Guerra dos Cem Anos. Estávamos em plena idade média, portanto.
Podendo, inicialmente, parecer tratar-se de um livro que versa sobre guerra, é bem mais do que isso. Pois, assim que Juan de la Heredia é salvo de uma morte certa por um unicórnio, o livro assume um tom mais interpretativo e metafísico. Assim, e devido à ligação especial que o cavaleiro cria com a misteriosa criatura, o protagonista acaba por encetar uma caminhada em busca pela verdade. Essa visão do unicórnio é, pois, tão marcante que, a partir do momento em que acontece, Juan de la Heredia parece moldar toda a sua vida de forma a (re)encontrar essa criatura mitológica que, aparentemente, só ele viu. Terá sido uma aparição causada por um qualquer estado de loucura momentânea? Ou será este misterioso unicórnio uma verdade a que poucos conseguem ter acesso?
O protagonista acaba por evoluir ao longo da história, passando por transformações significativas – físicas e espirituais - à medida que enfrenta obstáculos na sua demanda pela magia do unicórnio.
O argumentista explora o choque entre o mundo real e o mundo da fantasia de maneira interessante, fazendo-nos refletir sobre questões mais profundas, como a síndrome pós-traumática. Se este é um conto de cavalaria e uma aventura épica que agradará aos amantes de mitologia, a verdade é que a reflexão face à vivência de uma experiência de choque, que acaba por ter implicações na vida das pessoas que a vivem, é atual e pode ser moldada aos dias de hoje.
Infelizmente, a história parece avançar muitas vezes de forma aleatória, como se o argumentista Stéphane Piatzszek não soubesse exatamente para onde queria levar a mesma. Nuns momentos, Piatzszek parece focar-se nesta questão de se experimentar um acontecimento traumático e ter que seguir com a vida após esse momento, mas, noutros casos, o livro parece procurar ser uma viagem estilo road trip do tempo dos cavaleiros. E, como não é um livro propriamente grande em termos de páginas, parece que acaba por perder o rumo entre estas duas valências. Talvez o enfoque mais claro numa das duas vertentes da obra, pudesse ter funcionado melhor. Certamente, há boas ideias e alguns momentos marcantes, mas, infelizmente, falta algo à história e à narrativa que faça este O Cavaleiro do Unicórnio ser um livro mais inesquecível.
Em contraponto, o livro é fantástico na questão dos desenhos. Se a história até pode ser algo insípida, em termos de ilustração, O Cavaleiro do Unicórnio é um daqueles livros que roçam a perfeição! Os desenhos de Guillermo González Escalada – autor que infelizmente já faleceu – são perfeitos na conceção. O estilo de desenho é semi-realista, carregado de detalhes que nos fazem apreciar, com deleite e satisfação, tudo aquilo que, de forma virtuosa, o autor coloca neste livro. Outra coisa fantástica é que os desenhos fazem uma boa ponte entre a ilustração mais clássica deste género de banda desenhada de cavaleiros, e um desenho mais moderno e atual. Quer nas técnicas, quer no look and feel da obra. As personagens e respetivas expressões e linguagem corporal também são representadas com mestria por parte de Escalada e os belos cenários com que o autor nos brinda, são de deixar água na boca. Como se não bastasse, as próprias cenas mais fantasiosas e metafísicas também são representadas de forma perfeita, criando um impacto visual grandioso. E as cores, muito belas, criam as atmosferas certas para cada uma das cenas que nos é dada. Acho, sem pestanejar, que este livro foi das bandas desenhadas lançadas em Portugal no ano 2022 que melhores desenhos apresentou.
E, lá está, considero os desenhos tão bons que, infelizmente, também tenho que considerar que a história e argumento não estão ao mesmo nível. Acho que estes desenhos lindos mereciam uma história mais bem esculpida, mesmo tendo em conta que a mesma consegue alguns méritos.
A edição da Arte de Autor e d’ A Seita, apresenta capa dura baça, bom papel baço, que funciona muito bem no tipo de desenho de Escalada. A impressão e a encadernação também apresentam uma boa qualidade.
Em suma, O Cavaleiro do Unicórnio é um livro maravilhosamente ilustrado, que nos deixa água na boca, à medida que o vamos folheando. Os desenhos de Guillermo González Escalada são de tal forma magníficos que, no final, não há como não desejar que o argumento de Piatzszek fosse mais coeso e mais bem construído. É um daqueles livros que vale, especialmente, pelas ilustrações soberbas que apresenta. Quem não desejaria desenhar como Guillermo González Escalada desenhava?
NOTA FINAL (1/10):
7.8
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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O Cavaleiro do Unicórnio
Autores: Stéphane Piatzszek e Guillermo González Escalada
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 56, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Novembro de 2022
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