O Grande Gatsby - A Novela Gráfica Definitiva, de Ted Adams e Jorge Coelho
Que Jorge Coelho é um dos melhores ilustradores portugueses de banda desenhada não será, digo - e espero - eu, novidade para ninguém. O seu trabalho é de tal forma reconhecido, que o autor português tem trabalhado para a Marvel em várias séries. Entre os seus trabalhos, poderemos destacar Rocket Raccoon, Venom, Robocop, Loki, Haunted Mansion ou algumas curtas que o autor fez aqui e ali.
No entanto, e não obstante a qualidade que Jorge Coelho tem demonstrado nos trabalhos que referi, considero ser justo dizer que falta(va) ao autor uma obra de grande fulgor e de verdadeira afirmação artística. Essa obra, meus caros, é este O Grande Gatsby que é, de caras, uma excelente e fiel versão da célebre obra original de F. Scott Fitzgerald.
O trabalho foi originalmente lançado para o mercado americano, em números separados, à boa maneira do modo norte-americano de lançar banda desenhada. A edição portuguesa é integral e chegou até nós, recentemente, pelas mãos das editoras
A Seita e
Comic Heart que, em boa hora, trouxeram para Portugal esta brilhante obra.
Nesse sentido, até acho que isso me merece um comentário, pois considero uma excelente ideia que se tragam para Portugal algumas das obras que, no estrangeiro, têm feito os autores portugueses brilhar. Ora, se os portugueses têm brilhado no mercado estrangeiro, onde há uma concorrência desenfreada, é porque há qualidade ou, pelo menos, algum fator distintivo que tem feito os nossos artistas terem sucesso. Portanto, quer com
As Muitas Mortes de Laila Starr, editado recentemente pela
G. Floy Studio, quer, agora, com este
O Grande Gatsby que A Seita e a Comic Heart nos trouxeram, acho um ótimo sintoma que as editoras portuguesas não “durmam” e andem atentas às obras de origem portuguesa que são lançadas no estrangeiro.
Mas, voltando ao tema central, concentremo-nos neste
O Grande Gatsby, cuja história é sobejamente conhecida. Na verdade, o romance original de F. Scott Fitzgerald é considerado uma obra-prima da literatura americana (e mundial) e, tendo uma história ambientada no período dos loucos anos 1920, continua, ainda assim, a ter ressonância no mundo atual. Não espanta que já tenha tido várias adaptações, quer para o cinema,
quer para banda desenhada.
Além de ser uma história de amor e tragédia, O Grande Gatsby também tem a valência de traçar uma crítica à sociedade americana do início do século XX. A trama é centrada em torno do misterioso Jay Gatsby e na sua obsessão por Daisy Buchanan. Fitzgerald, através do olhar perspicaz do narrador Nick Carraway, destaca as falhas de uma sociedade obcecada pela ostentação e pela superficialidade. Assim, a representação do "Sonho Americano" traz consigo uma crítica muito presente na obra.
Gatsby, um homem que, aparentemente, alcançou o auge do sucesso material, é retratado como solitário e desencantado. A mensagem é, pois, mais que óbvia: a riqueza não é sinónimo de felicidade e realização. E a tragédia que envolve Gatsby e Daisy, é também uma lembrança dolorosa das consequências da busca cega pelo amor, quando estamos envoltos uma sociedade onde as barreiras sociais e a busca pela riqueza material se metem pelo meio. E fica claro que a figura dos olhos de Dr. T.J. Eckleburg no billboard, representa a observação silenciosa da decadência moral que todos podemos fazer. Autor e leitores.
Além disso, a história está carregada de belos momentos, onde se destacam as ostensivas festas dadas por Jay Gatsby, os belos carros, as incríveis casas. Tudo levado ao extremo.
A adaptação para banda desenhada deste magnífico livro ficou a cargo de Ted Adams, autor americano que nos dá uma adaptação para banda desenhada muito competente. Fica claro que Ted Adams não procurou fazer interpretações da obra, dando-lhe um cunho mais pessoal, e optou por se limitar a assegurar que o romance original era adaptado para BD de forma fiel. Em boa verdade, considero que O Grande Gatsby não é um daqueles livros muito difíceis de adaptar, pois nem sequer é uma obra muito grande em dimensão que, por isso, obrigue o argumentista a cortar imensas partes. Com efeito, sendo uma obra relativamente curta, cabe depois ao argumentista assegurar que a essência e principais momentos da história são salvaguardados. E Ted Adams cumpre bem essa função. Conheço bem a obra original e não dei conta de algo que fosse verdadeiramente importante para a história e que tenha sido deixado de fora.
Se a história é um clássico da literatura, se a adaptação para banda desenhada por Ted Adams está bem conseguida, resta-nos um olhar atento ao trabalho do português.
E as ilustrações que nos são oferecidas por Jorge Coelho são de tirar o fôlego. Se há
castings perfeitos, julgo ser justo dizer que o autor português foi a escolha certa para esta adaptação! Ao longo de toda a obra, o seu estilo de ilustração mantém-se extremamente detalhado, com uma a atenção ao pormenor e uma desenvoltura técnica que chegam a ser impressionantes. Cada personagem, cada cenário, cada casa, cada automóvel, cada ambiente
indoor ou
outdoor é executado de forma maravilhosamente inspirada por Coelho. Há uma candura e elegância nas personagens, nos trajes das mesmas, na eloquência dos seus gestos e naquilo que a história procura passar.
A noção visual, em termos de organização gráfica de espaço e enquadramentos de Jorge Coelho, também é muito acima da média, tornando-o, também nesse cômputo, num autor de elevado nível. Além de que a própria planificação da obra apresenta um excelente nível cinematográfico que cativa e prende o leitor ao livro. Por vezes, podemos admitir que talvez haja alguma rigidez em alguns gestos das personagens, mas isso será uma coisa menor num trabalho que roça a perfeição.
A própria capa do livro que, possivelmente, também beneficiou do trabalho de design de Robbie Robbins, é de uma beleza estonteante. Uma das capas mais bonitas do ano!
O que mais admiro em Jorge Coelho é a forma como parece pensar cada ilustração que executa, seja ela uma splash page ou uma pequena vinheta. As coisas não parecem ser deixadas ao acaso. Enquanto músico, costumo dizer que, independentemente de se gostar de uma música ou não, os ouvidos atentos conseguem perceber se um artista deu o seu corpo e alma à criação de uma canção. Ora, transpondo isso para a banda desenhada, neste O Grande Gatsby parece-me óbvio que Jorge Coelho deu a sua alma a todos estes desenhos, cabendo depois ao leitor sorver todo este talento que o autor enverga. E quando assim é – e é-se talentoso, está claro – o resultado acaba por ser muito inspirado e primoroso. Os próprios separadores dos capítulos são de uma beleza desarmante!
Se os desenhos são belíssimos, as cores - nas quais Jorge Coelho foi assistido por Inês Amaro - também são fantásticas, oferecendo ao conjunto todo o ambiente pictórico que seria obrigatório para aproximar a obra original de Fitzgerald a uma banda desenhada moderna. Não me espanta que, em termos de cores, o álbum também tenha sido tão aclamado porque é, de facto, brilhante. No entanto, e apesar disso, o desenho de Jorge Coelho é tão bom que talvez até me faça desejar que a obra fosse a preto e branco. Ou que também a pudéssemos ler dessa forma. Explico: na exposição dedicada à obra no
Amadora BD foi possível ver – ou atestar – a beleza, o aprumo visual e a virtuosa técnica do autor nos painéis a preto e branco que estavam expostos. E isso fez-me desejar ter esta obra numa versão a preto e branco, também. Talvez numa edição (ainda mais) especial e comemorativa? Fica a sugestão.
Falando da edição d’A Seita e da Comic Heart, a mesma apresenta capa dura, bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. No final, há ainda um generoso dossier de extras, com 18 páginas, onde os leitores podem mergulhar no processo de trabalho de Jorge Coelho, através de páginas que nos mostram esboços, estudos de personagem e de indumentária, e onde temos acesso às capas originais dos comics individuais. Ficou uma bela edição, portanto!
Concluindo, se querem que vos diga – e sabendo de antemão o quão estas afirmações implicam coragem de quem as profere – este
O Grande Gatsby, de Jorge Coelho e Ted Adams, é bem capaz de ser a melhor BD desenhada por um português. De sempre! Da mesma forma que defendi – e defendo – que
Balada para Sophie é o melhor livro da banda desenhada portuguesa, acho que, olhando apenas para as ilustrações,
O Grande Gatsby é, reitero, a melhor BD desenhada por um português. Absolutamente imprescindível! Para os que leem e para os que não leem banda desenhada, este é um livro obrigatório para comprar e/ou oferecer!
NOTA FINAL (1/10):
9.7
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum.
www.instagram.com/vinheta_2020
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O Grande Gatsby - A Novela Gráfica Definitiva
Autores: Ted Adams e Jorge Coelho
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 18 x 27,5 cm
Lançamento: Outubro de 2023