Uma Nota sobre o Amadora BD 2020
Está a decorrer, caso não tenham dado por isso (é possível), o Amadora BD - Festival de Banda Desenhada da Amadora. Este ano é um ano atípico a todos os níveis – bem o sei – e, por esse motivo, temos o festival a acontecer de forma virtual, com algumas conversas a sucederem de forma digital.
Ora bem, podemos sempre dizer – e com alguma razão – que é melhor haver isto do que nada. A Organização poderia simplesmente ter cancelado a edição deste ano, tal como muitos outros eventos têm vindo a ser cancelados ao longo de 2020. Também podíamos dizer que organizar um evento destes, num formato tão diferente, é algo novo e sem precedentes por parte da Organização. Tudo isso é verdade. Estou de acordo.
Porém, olho para este evento com um certo sabor amargo pois parece-me que há pouco envolvimento da Organização para levar o Amadora BD a bom porto. Seja ele um porto "físico" ou "virtual". Porque mesmo tendo em conta todas as condicionantes que referi, é lamentável que os eventos sejam tão poucos, tão mal divulgados e tão pouco inspirados no seu cerne. A imagem do site, os materiais promocionais, a maneira como é feita a comunicação, a quantidade de conversas/entrevistas… é tudo muito fraco. Sinceramente, o Amadora BD deste ano parece-me um projeto de área-escola (ainda se usará este termo?) montado por um grupo de adolescentes do ensino secundário.
E, tal como disse Saramago, “a oportunidade é como ferro: devemos batê-lo enquanto estiver quente”. É verdade que existem condicionantes para a organização do evento, mas também é verdade que existem oportunidades. E uma delas seria o convite de autores internacionais para as tais "conversas". Num ano em que, apesar de tudo, se lançaram tantas (e de tanta qualidade) obras em Portugal, nacionais ou internacionais, deveriam ter sido organizadas muito mais conversas com autores internacionais. Até porque se havia algo positivo é que não seria necessário gastar-se dinheiro com viagens e alojamento. Bastava contactar com antecedência os autores/editoras e, estou certo, isto seria possível. Se houvesse vontade, claro. São manifestamente insuficientes – não em qualidade, mas em número – as entrevistas propostas pela organização. Se não me enganei na contagem, apenas há 6(!) conversas/entrevistas e os dias do evento são 16! Ou seja, há mais dias em que não acontece nada do que dias em que acontece algo!
Já para não falar nas editoras portuguesas e lojas de banda desenhada que, atravessando um período difícil, em que, devido ao confinamento a que a pandemia de covid-19 levou, tiveram que superar o problema das lojas estarem fechadas, se vêem relegadas para um plano mais que secundário por parte da Organização. Essas editoras e lojas que, ao longo dos anos, tiveram tanta responsabilidade e relevância para que o Festival tivesse sucesso e visitantes, pois muitas vezes eram os editores - e autores - que asseguravam as próprias exposições de vários espaços. Mais! Uma das principais causas de visita ao Amadora BD por parte dos visitantes, era o espaço de lojas que lá existia. Ora, mesmo não tendo uma existência física, bem que a Organização do evento poderia ter um espaço virtual, uma loja online que permitisse a compra dos livros por parte dos visitantes. Seria bom para os profissionais e para o público. Não era difícil, não era dispendioso e não demorava assim tanto tempo a fazer. Nem se dignaram a colocar links para os sites das editoras dos livros que estão a concurso! Ou, pelo menos, para as lojas que os vendem e que costumam marcar presença no evento. Incrível!
E por falar em concurso. Este ano a Organização ainda teve a brilhante ideia de retirar algumas das categorias que faziam parte do concurso. Até 2018 existiam 11 categorias a concurso mas em 2020, optou-se por apenas se ter 6 categorias, deixando de fora categorias importantes e relevantes, quer para público, quer para autores.
Ora, se tivermos em conta que não há prémio monetário para os vencedores, a Organização não lucra nada com a retirada destas categorias. E quem perde são os 1) autores e editores, que tinham nestes prémios a possibilidade de chegarem a um público maior e ganharem visibilidade; e 2) os leitores de banda desenhada e público em geral, que devido a estes prémios, poderiam conhecer novos autores e obras. Não se entende e não faz sentido. Será que há um vírus de preguiça a contagiar a Organização?
Não é portanto de admirar que rapidamente tenha surgido uma petição online contra a Redução das categorias nos Prémios do Amadora BD. Naturalmente, já assinei a referida petição e convido todos os leitores do Vinheta 2020 a fazê-lo.
E já nem vou tecer opiniões sobre a nomeação das obras Desvio e A Época das Rosas para os prémios de ilustração, quando são inequivocamente obras de banda desenhada. Enfim.
Quanto tempo foi gasto no desenvolvimento da imagem do evento? 15 minutos?
Quanto tempo foi gasto no desenvolvimento do website do evento? 2 horas?
Quanto tempo foi gasto na preparação das conversas com os autores? 6 chamadas telefónicas de 5 minutos, convidando os autores?
E ainda por cima, retiram categorias dos prémios?
Como sou otimista, acho que é sempre preferível fazer do que não fazer… mas caramba! Pede-se mais. Há que fazer mais. A bandeira da promoção da banda desenhada por parte da Câmara Municipal da Amadora já é mais teórica do que, propriamente, prática. Termino com as palavras célebres do meu ídolo Elvis Presley: "A little less conversation, a little more action, please!".
Abaixo, deixo os nomeados para os Prémios Nacionais de BD e Ilustração 2020:
Banda Desenhada
Melhor Obra de BD de Autor Português
Raizes - colectivo autores do The Lisbon Studio - A Seita
Mindex - Fernando Dordio e Pedro Cruz - Kingpin Books
Sentinel - Luís Louro - ASA
Toutinegra - André Oliveira e Bernardo Majer - Edições Polvo
Conversas com os putos e com os professores deles - Álvaro - Insónia
Prémio Revelação
Zé Nuno Fraga - Assembleia de Mulheres - A Seita
Paulo J. Mendes - O Penteador - Escorpião Azul
Jacky Filipe - “Relatividade”, antologia Apocryphus - Sci-Fi - Mighell Publishing
Zé Burnay - Andrómeda ou o Longo Caminho para Casa - A Seita
João Gordinho - O Filho do Fuhrer - Escorpião Azul
Melhor Obra Estrangeira de BD editada em Português
Dois Irmãos - Fabio Moon e Gabriel Bá - G.Floy
Criminal – Livro II - Ed Brubaker e Sean Philips - G.Floy
O Homem que matou Lucky Luke - Mathieu Bohomme - A Seita
Undertaker #1 - Xavier Dorison e Ralph Meyer - Ala dos Livros
O Número 73304-23-4153-6-96-8 - Thomas Ott - Levoir
Melhor Fanzine / Publicação Independente
Tequila Shots - Cláudio Yuge e Juan Burgos - Comic Heart
Apocryphus Sci-Fi - colectivo - Mighell Publishing
H-alt #9 - colectivo - Sérgio Santos
Ilustração
Melhor Obra de Ilustrador Português
Troca-Tintas - Gonçalo Viana
O Protesto - Eduarda Lima
Desvio - Bernardo P. Carvalho
Fernão de Magalhães - O Homem Que Se Transformou em Planeta - António Jorge Gonçalves
1.º Direito - Nicolau
Melhor Obra de Ilustrador Estrangeiro
Mvsevm - Javier Sáez Castán e Manuel Marsol
Endireita-te - Rémi Courgeon
Histórias da Mamã Ursa - Kitty Crowther
HNHAM - Nuppita Pittman
A Época das Rosas - Chloé Wary