Se ontem vos falei da melhor banda desenhada editada pela Ala dos Livros, hoje falo-vos daquela que considero ser a melhor banda desenhada editada pela Arte de Autor nos últimos 5 anos, a partir de 2020, em tom de celebração pelos 5 anos de existência do Vinheta 2020.
Não são muitos os anos, mas são muitos os lançamentos de boa banda desenhada por cá, o que dá eco à ideia, que eu subscrevo, que a edição de banda desenhada em Portugal vive um dos seus melhores períodos de sempre... se não for o melhor.
Já escrevi isto ontem, mas deixo novamente aqui esta informação, para o caso de ser o primeiro destes artigos que o leitor desta página encontra:
Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".
Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.
Feita a introdução, passemos então àquela que considero como a melhor BD lançada pela Arte de Autor nos últimos 5 anos. Chamo a atenção para o facto de eu considerar que fará sentido fazer um TOP dedicado aos lançamentos que a Arte de Autor fez em conjunto com a editora A Seita. Mas isso ficará para outro dia. Como tal, as obras lançadas em conjunto pelas duas editoras não foram tidas em conta para este TOP.
Por agora, centremo-nos no TOP dedicado aos livros exclusivamente editados pela Arte de Autor.
Ora vejam:
TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Arte de Autor entre 2020 e 2025
10. Spaghetti Bros
Autores: Trillo e Mandrafina
Lançamento do último álbum: Fevereiro de 2023
Spaghetti Bros – que eu não conhecia até a Arte de Autor ter apostado na série – enche as minhas medidas de leitor de BD de uma forma tão simples como esta: é muito bem desenhada, tem um argumento muito inspirado e divertido e, em último lugar, mas não menos importante, tem personagens que ficam connosco, no nosso imaginário, anos depois de finda a leitura.
Spaghetti Bros tornou-se, com alguma facilidade, diria, numa série que considero irresistível. Boas personagens, bons diálogos, belos desenhos, belo ambiente noir e um sem número de situações de rir à gargalhada. Está cá tudo!
Recomenda-se, sem reservas, a todos os que, defendendo o humor livre e desbragado, apregoaram a plenos pulmões “Je Suis Charlie Hebdo”. Só com um humor livre e sem “mimimi” podemos apreciar o quão fantástico Spaghetti Bros é.
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Spaghetti Bros, série integralmente publicada pela Arte de Autor. |
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9. Sou o Seu Silêncio
Autor: Jordi Lafebre
Lançamento: Outubro de 2023
Jordi Lafebre volta a aproximar-se da genialidade. A história até pode não ser nada do outro mundo, mas a forma como é contada, é brilhante. O autor faz uso de vários níveis narrativos, aproveitando os bem construídos diálogos das personagens Eva e do Dr. Llull, com o relato dos acontecimentos e ainda com os comentários de três mulheres que, não estando materialmente presentes, nunca deixam de marcar presença na vida de Eva.
Personagens é o que não falta para aqueles que, como eu, já leram muita banda desenhada. No entanto, e como saberão tão bem como eu, nem sempre essas personagens são inesquecíveis. Ou originais. Ou marcantes. Por vezes, parece que só ali estão para servir a história que se pretende contar. Depois há – e que bom que isso é – algumas personagens que, ou pela sua originalidade, ou pelo seu carisma, ou por nos identificarmos ou preservarmos algo nelas, ficam connosco para o resto da vida. Eva, a personagem principal de Sou o Seu Silêncio é uma dessas personagens. Passarão anos depois de eu ler este livro e continuarei a lembrar-me, com saudade, desta magnífica personagem!
Não só fiquei apaixonado com a personagem de Eva Rojas, como ficou provado (e comprovado) que Jordi Lafebre é um autor completo, maravilhoso no argumento e na ilustração!
Análise completa a esta obra, aqui.
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8. 1629 - O Boticário do Diabo
Autores: Xavier Dorison e Thimothée Montaigne
Lançamento do último álbum: Abril de 2025
1629 - O Boticário do Diabo … ou a História Apavorante dos Náufragos do Jakarta, é uma obra de altíssimo nível que certamente agradará a todos os adeptos de uma boa banda desenhada de aventura, onde o argumento, repleto de personagens marcantes e misteriosas, e os desenhos soberbos habitados por belas cores, andam de mãos dadas. E, claro, a edição da Arte de Autor também é fantástica.
No fundo, 1629 é aquilo a que, no cinema, chamaríamos de “grande produção”.
No conjunto, ambos os tomos de 1629 nos revelam uma obra que é muito mais do que uma recriação histórica e que consegue oferecer-nos uma poderosa reflexão sobre o poder, a moralidade e os instintos mais profundos e irascíveis do ser humano quando empurrado para os seus limites.
A dupla formada pelos autores Dorison e Montaigne demonstra um domínio notável da linguagem da banda desenhada, presenteando-nos com uma obra que é visualmente arrebatadora e narrativamente inquietante! A não perder!
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de 1629, série integralmente publicada pela Arte de Autor. |
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7. Bouncer
Autores: Jodorowsky e Boucq
Lançamento do último álbum: Novembro de 2023
Em sentido contrário a diversos heróis do faroeste que a banda desenhada nos deu, com as séries de Blueberry ou Tex a serem as que mais me vêm à memória neste ponto, Bouncer sempre primou por tentar ser, com sucesso, o oposto a esse western limpinho, onde os bons são sempre muito perfeitos e onde vence sempre o bem. Não tenho nada contra esse tipo de história mais clássica, atenção, mas a verdade é que a exigência de uma história mais adulta, com vários níveis de interpretação e onde a ação é mais crua e menos "hollywoodesca", vai muito mais ao encontro daquilo que, pelo menos na atualidade, procuro numa história. E não falo apenas de histórias do faroeste. Falo de qualquer tipo de história.
Bouncer mostra-nos o lado mais negro, mais sujo, mais velhaco, mais ingrato, mais chocante do antigo faroeste. E mesmo sendo verdade que o protagonista da série, Bouncer, se reja por um quadro de princípios éticos que até podemos considerar – pelo menos grande parte – como corretos à luz da justiça e da retidão, tudo o que acontece em Barro City, a cidade onde se desenrola a ação, põe em causa qualquer tipo de moralidade e bem, que poderíamos esperar. Bouncer não nos dá uma visão positiva das coisas, opta por nos dar uma verdade gutural e amarga. E, por tudo isso, quer-me parecer, talvez seja mais verossímil do que a maioria dos outros westerns – e não são tão poucos assim – que há em banda desenhada.
Coloco esta série bem lá em cima, entre as melhores das melhores bandas desenhadas com o tema do faroeste como pano de fundo. Numa palavra: fantástica!
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Bouncer publicados pela Arte de Autor. Estes três volumes incluem os tomos de 8 a 12. Os anteriores 7 volumes da série foram editados pela editora ASA. |
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6. O Castelo dos Animais
Autores: Xavier Dorison e Félix Delep
Lançamento do último álbum: Novembro de 2022
É difícil um amante de banda desenhada não encontrar na série O Castelo dos Animais algo que considere majestoso. Porquê? Porque a obra – O Triunfo dos Porcos - onde esta série se baseia é quintessencial; porque a adaptação e reformulação da história está incrivelmente bem conseguida por parte de Xavier Dorison; porque a arte visual de Félix Delep é absolutamente atraente; e porque a edição é uma beleza para os olhos.
Nada falha nesta banda desenhada. Demasiado boa para não ser comprada por qualquer amante de boa banda desenhada.
Ainda por cima, a série tem vindo a melhorar o que era possível melhorar, tendo-se aproximado da perfeição.
A mesma está pensada para 4 volumes - sendo que o quarto volume está agendado ainda para o final do ano 2025 - o que deixa apenas a dúvida se Xavier Dorison saberá fechar, com chave de ouro, esta brilhante e obrigatória série de banda desenhada. Estou rendido!
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de O Castelo dos Animais já publicados pela Arte de Autor. O quarto e último volume deverá chegar ainda em 2025. |
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5. A Vingança do Conde Skarbek
Autores: Yves Sente e Grzegorz Rosiński
Lançamento: Junho de 2022
A Vingança do Conde Skarbek, da autoria de Yves Sente e Grzegorz Rosinski, conta-nos a história mirabolante de Louis Paulus que, depois de exilado, regressa com uma outra identidade e um título – o de Conde – para se vingar de todos aqueles que o atraiçoaram e humilharam.
Eis um livro que me arrebatou da primeira à última página e que tem mesmo de ser (re)conhecido por todos os que gostam: de uma boa história, que nos cativa da primeira à última página e que aparece carregada de volte-faces; de uma arte indiscutivelmente sublime, maravilhosa e espantosa de Rosinski; e por uma bela edição, definitiva e completa.
É um daqueles livros que vem, chega e vence. Tudo bem feito, a roçar a perfeição, e onde nada falta para que a obra, no seu todo, seja inesquecível para quem a lê.
Não é maravilhoso, é perfeito!
Análise completa a esta obra, aqui.
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4. Apesar de Tudo
Autor: Jordi Lafebre
Lançamento: Junho de 2021
Para mim, este livro é uma obra perfeita. E quando digo que é “perfeita”, não pretendo dizer que é a melhor banda desenhada de sempre. Mas também não estou a dizer que não o pode ser. Digo que é "perfeita" porque, olhando para tudo o que faz, e para tudo aquilo que traz consigo, não conseguiria sugerir a Jordi Lafebre, o autor que neste livro se estreia a solo, coisas concretas que pudessem melhorar a obra. Em todas as suas vertentes, Apesar de Tudo parece-me extremamente bem conseguido. Perfeito!
Oxalá toda a banda desenhada fosse assim! Estava à espera que fosse bom, mas não sabia que era tão bom. Depois de lido e relido, posso dizer que é um livro lindo, marcante e inolvidável. Daqueles para guardar num lugar especial. Seja no nosso coração, seja numa das mais honrosas prateleiras da nossa estante. Se esta é a primeira obra a solo de Jordi Lafebre, então que seja a primeira de muitas!
O que se pede ao leitor para bem apreciar e sentir-se maravilhado com este Apesar de Tudo? É simples: que tenha coração. Imperdível!
Análise completa a esta obra, aqui.
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3. Verões Felizes
Autores: Zidrou e Jordi Lafebre
Lançamento do último álbum: Agosto de 2021
Com uma arte visual maravilhosamente desenhada e colorida, bem típica do que de melhor se faz no franco-belga, equilibrando um estilo de ilustração algures entre o "cartoonesco" e o semi-realista; e com uma história profundamente nostálgica e real que, tem o condão de nos remeter para o passado feliz da nossa infância, a minha certeza, logo que li o primeiro volume de Verões Felizes, foi uma: estávamos perante um clássico instantâneo da banda desenhada.
Os autores Zidrou e Jordi Lafebre convidam-nos a conhecer as férias dos Faldérault, uma família belga que todos os anos regista peripécias, acontecimentos marcantes, desenvolvimento pessoal e crescimento natural, sempre que vai de férias. A série tem um tom leve e divertido, embora traga consigo o levantamento de questões mais adultas e sérias.
Depois de 6 tomos, editados em três volumes, Verões Felizes lembra-me aquela velha máxima do futebol: “em equipa que ganha, não se mexe”: o argumento continuou fantástico; as personagens continuaram irresistíveis; as referências culturais aos anos em que as histórias se desenrolaram mantiveram-se ricas, deixando-nos nostálgicos; os desenhos e as cores continuaram lindos; e a edição da Arte de Autor mantém-se ótima.
A pergunta sacramental para todos aqueles que ainda não leram(!) esta série é apenas uma: “De que é que estão à espera para o fazer?”
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Verões Felizes, série integralmente publicada pela Arte de Autor. |
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2. Sambre
Autor: Yslaire
Lançamento do último álbum: Agosto de 2024
Sambre conta-nos a história da família Sambre e da maldição que, aparentemente, parece acontecer aos homens da família que, invariavelmente, se apaixonam por mulheres de olhos vermelhos. É uma obra que me dá algo, que muito aprecio em banda desenhada, mas que não é assim tão comum: um romance de época onde o drama amoroso das personagens é trágico e impactante. Sim, Sambre está impregnado de dramatismo e romance. Alguns acharão, possivelmente, que é "romance a mais". Eu, no meu caso, adoro isto e até gostaria de o ver mais presente na banda desenhada.
Sambre é uma obra de qualidade superior, magistralmente ilustrada por Yslaire, que nos oferece uma história que retrata um amor impossível e condenável, bem ao jeito dos grandes clássicos da literatura. Impactante, tumultuosa e incomensuravelmente bela, esta é uma banda desenhada que todos devem ler, pois há a BD muito boa, sim, mas que, apesar disso, não chega ao ponto de nos tocar tão intensamente assim e, depois, há aquela BD mais rara, mais singular, mais única, que nos toca cá no fundo, que nos deixa viajar para longe, que nos faz sonhar. Sambre é uma dessas séries.
Sendo visualmente linda, da primeira à última vinheta, esta também é uma série onde o belo e o putrefacto, o amor e o ódio, a riqueza e a pobreza, andam sempre de mãos dadas numa história trágica, num romance a la Shakespeare e numa história grandiosa que é difícil olvidar.
Com todo o seu dramatismo romântico, as suas palavras poéticas que ecoam no leitor, as suas personagens emocionalmente atordoadas e os seus desenhos verdadeiramente impressionantes - que deveriam ser considerados património cultural pela UNESCO - esta é uma das séries de banda desenhada da minha vida. Soberba, mandatória e digna de nota máxima!
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Sambre já publicados pela Arte de Autor. O quinto e último volume ainda não foi feito pelo autor. |
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1. Armazém Central
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Lançamento do último álbum: Maio de 2022
Como sintetizar a vida humana, as relações que criamos, os medos que desenvolvemos, a necessidade de aceitação, a construção de valores - e respetivo reajuste dos mesmos? E como ultrapassar o luto com que nos vamos deparando ao longo das nossas vidas? E a propensão de ultrapassar as barreiras que se vão colocando na nossa jornada? Como adocicar a existência de vidas amargas? O que é que nos diferencia verdadeiramente dos animais? Será (apenas) a inteligência ou, também, o facto de criarmos relações intensas entre nós? Qual é, então, o papel de cada pessoa numa sociedade? Armazém Central propõe-nos, se não uma resposta a todas estas questões, pelo menos, um cuidado vislumbre para que, na pele de algumas personagens fictícias inesquecíveis, possamos ver o reflexo de nós mesmos. Esta é uma rara e singular obra-prima da banda desenhada. Como que um poema em que os versos são vinhetas e os sonetos são pranchas. O coração enche-se, o nó na garganta instala-se e o resultado desta leitura é algo que, dificilmente, deixará leitores insatisfeitos. Diria que, para conseguir apreciar este portento da 9ª arte, apenas é solicitado uma coisa aos leitores: que tenham sensibilidade e maturidade. Sem isso, talvez esta banda desenhada não possa ser apreciada. Afinal, aqui não há uma ação rápida. Nem pensar! As coisas vão acontecendo de forma lenta, suave e subtil. Assim são as mudanças numa sociedade, certo?
É nas entrelinhas, naquilo que fica por dizer, que Armazém Central sobe ao Olimpo das melhores bandas desenhadas que já li. Esta está entre as minhas duas séries preferidas de BD de sempre! Afinal, trata-se de uma história magnífica, adulta, profunda, madura e que se pode comparar a uma boa telenovela ou série de TV, daquelas em que criamos uma relação profunda com as personagens. E onde o enredo é tecido de forma magistral pelos autores Loisel e Tripp. O ritmo de ação é lento e comedido, convidando o leitor a mergulhar naquilo que aqui se passa. E o que se passa é de tudo um pouco: temas como a emancipação das mulheres, o desafio dos valores impostos, as opções sexuais, os problemas de foro psicológico, a luta entre homens e mulheres, o papel da religião, a solidão, etc.
Estamos perante uma série maravilhosa, uma autêntica carta de amor à sensibilidade de cada um de nós e que merece ser (re)conhecida por mais leitores de (boa) banda desenhada. Sendo magnífica nas ilustrações, no argumento e nas questões que levanta, é uma obra fantástica que (também) nos ensina a ser mais humanos, mais tolerantes e a saber aproveitar e guardar as coisas boas da vida. E de quantas bandas desenhadas podemos dizer isso, afinal?
Análise completa aos vários álbuns da série, aqui.
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Álbuns de Armazém Central, série integralmente publicada pela Arte de Autor. |
de que história/livro é a imagem que encima este artigo? Obrogado
ResponderEliminarOlá. A imagem utilizada no topo do artigo é da série "Verões Felizes", de Zidrou e Jordi Lafebre.
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