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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Polvo nos últimos 5 anos!



Cá estou eu para mais um TOP 10 com a melhor banda desenhada editada nos últimos 5 anos em Portugal! Hoje é dia de ficarmos a conhecer quais os melhores livros de BD que a editora Polvo lançou nos últimos 5 anos.

A Polvo é uma das editoras de banda desenhada mais antigas em Portugal, tendo já editado perto de 200 livros, desde o seu início de atividade há quase 30 anos. Sendo uma editora de cariz independente, não tem uma assiduidade muito constante no lançamento de novos livros, ao longo dos meses, embora, todos os anos, seja quase garantido que haverá novos livros desta editora a serem lançados por alturas do Amadora BD

Com um catálogo que se concentra numa clara aposta em obras de origem brasileira, a editora tem também editado muitas obras de referência de autores nacionais, bem como de outros autores europeus.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Deixo-vos então, as 10 melhores BDs editadas pela Polvo nos últimos 5 anos.

quinta-feira, 19 de maio de 2022

Análise: Escuta, Formosa Márcia

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo
Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha

A última edição do Amadora BD contou com a presença do autor brasileiro Marcello Quintanilha. Por esse motivo, o editor da Polvo, Rui Brito, teve a gentileza de me convidar para conduzir a apresentação do mais recente livro do autor, Escuta, Formosa Márcia, que era lançado por essa altura no certame. Por esse motivo, tive a oportunidade não só de ler em primeira mão esta maravilhosa obra como de conversar, a esse respeito, com Marcello Quintanilha.

E logo por essa altura me dei conta de que estava perante uma obra de enorme peso e força narrativa. E tanto assim foi que quando, meses mais tarde, Escuta, Formosa Márcia arrecadou o prémio Fauve D’Or para melhor álbum no Festival de Angoulême, não fiquei tão surpreendido assim como, aparentemente, ficaram muitos leitores portugueses – e até alguma crítica nacional.

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo
É que a proposta do autor – e talvez seja isso que torna toda a sua obra tão ímpar – se afirma naquilo a que gosto de chamar: “a poesia de rua”. Já assim dizia uma das minhas bandas favoritas de rock, os Hanoi Rocks, no seu álbum Street Poetry. “Poesia de rua” porque a proposta de Quintanilha parece passar por colocar nos seus livros pequenos retratos do dia-a-dia. A realidade tal como ela é, deixando respirar no mundano e no casual, toda a poesia que aí podemos encontrar. E se, por acaso, esses retratos (também) transbordam tristeza, emergência ou preocupação social, é porque essa é a realidade que circunda o autor na sua observação social. Ou nas suas experiências de vida na realidade brasileira.

Não será, pois, uma necessidade de contar a “história do coitadinho” aquilo que move Quintanilha. Aliás, na conversa que tivemos no Amadora BD, lembro-me do autor me dizer que, mesmo que todas as suas histórias partam da realidade, ancoradas em experiências vividas por si mesmo ou por pessoas que lhe são próximas, tudo evoluiu para uma “história que, no final, se constitui 100% em ficção”.

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo
E Escuta, Formosa Márcia não é exceção. Márcia, a protagonista, é uma mãe solteira, natural do Rio de Janeiro, que é enfermeira de profissão, mas que enfrenta o seu maior trabalho na função da parentalidade. Não será assim com todos nós, pais? Mas, no caso de Márcia, o grande problema é que a sua filha, Jaqueline, não parece estar bem sem arranjar problemas. Uns atrás dos outros. E gradualmente maiores. Mesmo que uma certa insubordinação e rebeldia da adolescência, e da primeira idade adulta, sejam habituais em todos nós, no caso de Jaqueline, os problemas começam a ganhar uma maior grandeza quando esta começa a relacionar-se com más companhias, isto é, com os membros dos gangues locais. Márcia e o seu companheiro, Aluísio, padrasto de Jaqueline, tudo tentam fazer para chamar à razão a jovem rebelde, mas Jaqueline é uma daquelas feras difíceis de domar e rapidamente se vê relacionada com o crime organizado. E assim esta jovem, bem como a sua família, por arrasto, vão ficando entranhados neste submundo com se estivessem a pisar areias movediças. E é neste crescendo de problemas, nesta sucessão de momentos difíceis e fragilizantes para a condição humana – especialmente quando vivenciados em família e/ou por familiares – que esta obra tem a sua força máxima. Uma leitura inebriante, tocante e que nos deixa sem fôlego. Estão a ver quando começam a ler um livro e vão ficando tão mergulhados na história que não descansam até terminarem a leitura? Este é um desses livros.

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo
O que prova, se dúvidas ainda restassem, que Marcello Quintanilha é, acima de tudo, um contador nato de histórias. Um Bob Dylan ou um Bruce Springsteen da banda desenhada mundial. E já nem falo em “banda desenhada brasileira” porque me parece que o autor já se tornou num autor de renome internacional. Mais do que estarmos a falar se gostamos – ou não – dos seus desenhos, das suas planificações ou das suas histórias, o que deveríamos aplaudir, em primeiro lugar, é a “voz” que Quintanilha reclama para a sua arte. Essa de ser um contador de histórias. Um storyteller. Da realidade que nos rodeia. Mesmo que sejam histórias fictícias.

E é nos diálogos das personagens, nas vivências que as mesmas vão partilhando e na erosão natural da vida, que lima as arestas da força humana, que há espaço para uma conclusão mais profunda. Uma verdade que nem sempre queremos ver. Mas que está bem à vista de todos nós. Escuta, Formosa Márcia é, por isso, um relato pungente e marcante que se mascara de uma história simples. Quase linear. Mas cheia de nuances e mensagens por decifrar. Assim é a vida real.

Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo
Em termos de desenho, o autor vai-nos dando, ao longo da sua obra, várias facetas possíveis. No caso concreto, Escuta, Formosa Márcia é composto por desenhos simples em que as linhas utilizadas pelo autor quase surgem apenas com o intuito mor de delinear os limites das formas dos objetos e das personagens. Não será, portanto, no traço que a parte gráfica deste livro mais salta a atenção, mas sim nas cores, garridas e contrastantes, que nos oferecem uma sensação que ao início até pode parecer estranha e out of place mas que, com a continuação da leitura, faz com que nos sintamos à vontade com esta audaz opção estética. Não são desenhos que eu considere particularmente bonitos, mas também não posso sequer pôr em causa que o trabalho ilustrativo de Quintanilha não seja verdadeiramente eficiente na forma como consegue contar-nos a história. Dito de outro modo, quando me mostrarem uma bd com desenhos lindíssimos, mas um argumento fraco, eu poderei mostrar-lhes este Escuta, Formosa Márcia e provavelmente ficarei a ganhar na troca de galhardetes.

A edição da editora Polvo é boa, apresentando capa mole, bom papel, boa impressão e boa encadernação. Sei que para alguns leitores o português brasileiro do livro, que é rico em expressões do calão carioca, pode ser de difícil compreensão e, provavelmente, esses leitores iriam preferir que a obra fosse editada no português lusitano. Todavia, pelo menos para os meus gostos, acho que faz sentido que a obra tenha sido lançada em português brasileiro, pois permitiu-me uma maior imersão na cultura local. Posso não ter entendido, à primeira, duas ou três expressões, mas isso em nada beliscou a minha experiência e compreensão da obra.

Em suma, Escuta, Formosa Márcia é das obras mais bem conseguidas e intensas de Marcello Quintanilha, que já é um autor bastante pródigo em oferecer-nos livros intensos. Uma impactante e memorável história que, sendo fictícia, transborda de realidade, que todos os leitores de banda desenhada deverão ler.


NOTA FINAL (1/10):
9.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha - Editora Polvo

Ficha técnica
Escuta, Formosa Márcia
Autor: Marcello Quintanilha
Editora: Polvo
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 190 x 260 mm
Lançamento: Novembro de 2021

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Entrevista a Marcello Quintanilha - "Portugal sempre foi um dos meus lugares favoritos worldwide"




Marcello Quintanilha estará no Amadora BD e o Vinheta 2020 já teve a oportunidade de falar com ele!

O autor estará na Amadora a promover a sua próxima obra, intitulada Escuta, Formosa Márcia, que será lançada pela Polvo, durante o certame.

Marcello Quintanilha terá uma exposição retrospectiva dos seus 8 livros editados pela Polvo na Galeria Municipal Artur Bual e outra, só com a novidade editorial, no núcleo central. Nesta última estará acompanhado pelo autor brasileiro André Diniz.

O autor marcará presença no Festival de 21 a 24 de Outubro. A sessão de apresentação de Escuta, Formosa Márcia acontecerá no dia 23 de Outubro. As sessões de autógrafos serão nos dias 23 e 24, das 15 às 19h.

Abaixo, fiquem com a entrevista. Mais abaixo, deixo ainda a sinopse do novo livro Escuta, Formosa Márcia.


Entrevista


1. A Polvo acaba de editar "Escuta, Formosa Márcia", livro lançado há umas semanas no Brasil. Como está a ser a recepção a esta nova obra no Brasil?
Está sendo realmente incrível. Acho que meu público no Brasil vem se ampliando consideravelmente e a repercussão em torno de “Márcia” é maravilhosa.

2. Este é o 8º livro editado em Portugal. É Portugal um país com especial carinho pelo teu trabalho? Como sentes a aceitação da obra por parte dos portugueses?
Portugal sempre foi um dos meus lugares favoritos worldwide e me sinto muito à vontade percorrendo suas ruas. O tratamento que recebo do público português é nada menos que encantador. A cada sessão de autógrafos e reencontro com o público essa percepção só se confirma. Estou ansioso para saber o que as pessoas vão achar do novo livro.

3. E como tem sido a relação com a editora Polvo?
Estupenda. Acho que porque temos uma relação de confiança mútua que tem perdurado ao longo do tempo.


4. Sempre que leio um dos teus trabalhos, fico com a ideia de que o Brasil que nos é oferecido por ti assenta num retrato rude, áspero, fiel e com poucos floreados e romances. Procuras ser um cronista da vida real do Brasil?
Meu trabalho vai no sentido de tratar de tudo aquilo que me formou como ser humano, o que está inevitavelmente ligado ao que vivi em primeira pessoa no Brasil ou foi vivido por pessoas próximas. 

Desta forma, não tento relatar o que está diante de mim, ou cristalizar uma ideia preconcebida de Brasil, dentro de princípios académicos. Trata-se de algo muito mais profundo, porque expressa o Brasil que está comigo, não o que está diante de mim.

5. Nesse sentido, a matriz social e antropológica das tuas histórias procura pintar um quadro da realidade brasileira ou acreditas que estas personagens e suas vivências podem ser percepcionadas e enquadradas da mesma forma se se ambientassem num outro qualquer ponto geográfico? Por outras palavras, quão diferentes seriam as personagens e as suas histórias se, em vez de serem brasileiras, fossem portuguesas ou de um outro qualquer país que não o Brasil?
Realmente não acredito em uma diferença substancial entre os anseios, vicissitudes e angústias pessoais, do meu ponto de vista, compartilhados por todos em escala global. Uma vez retirado o verniz da cultura, a precariedade da condição humana se iguala independentemente de um imperativo geográfico.


6. "Escuta, Formosa Márcia" afasta-se, de alguma forma, das tuas obras anteriores ou poderemos considerar que há continuidade em relação ao que fizeste anteriormente?
Não há nenhum afastamento. Não há nenhuma aproximação. Minha obra se realiza como uma proposta única.

7. E em termos de ilustração, experimentaste alguma técnica ou abordagem diferente?
Não sou inclinado a experimentações. Não é o meu instinto. Na verdade, cada história determina a maneira como deve ser contada/ desenhada. Sou refém das premissas impostas por elas. Por isso, a cada novo álbum, mais do que experimentar, preciso reaprender a desenhar.

8. Por último, em "Escuta, Formosa Márcia" partiste de uma história real ou é 100% ficcionada e imaginada por ti?
Todas as minhas histórias partem da realidade. Com márcia, não foi diferente. Experiências vividas por mim ou por pessoas que conheço foram o ponto de partida para a história que, no final, se constitui 100% em ficção.

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Escuta, Formosa Márcia, de Marcello Quintanilha
Mãe solteira, nascida e criada numa comunidade do Estado do Rio de Janeiro, a enfermeira Márcia vem travando uma verdadeira batalha doméstica para disciplinar a filha, a insubordinada Jaqueline. 

Apesar do auxílio do seu companheiro Aluísio, padrasto da rapariga, tudo parece inútil: Jaqueline não aceita submeter-se a nada que a impeça de andar por onde lhe aprouver, a fazer o que lhe der na real gana, sem ter de dar satisfações a ninguém. 

Porém, quando a jovem se vê envolvida até o pescoço com o crime organizado, Márcia está disposta a ir às últimas consequências para a livrar daquela enrascada. 

Quer Jaqueline queira, quer não.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Análise: Folia de Reis



Folia de Reis, de Marcello Quintanilha 

Marcello Quintanilha é um autor brasileiro já com sete obras editadas em Portugal, pela editora Polvo. E este Folia de Reis, que reúne várias histórias curtas do autor, previamente lançadas nos livros Sábado dos Meus Amores e Almas Públicas, é a sua obra mais recente da Polvo, cujo lançamento ocorreu há cerca de um ano, em Novembro de 2019. 

Este é um livro algo desequilibrado nas histórias que compila. Temos duas histórias que considero verdadeiramente excecionais e obrigatórias para qualquer fã de banda desenhada, que se preze, ler. E depois há as outras, que me pareceram bem mais medianas e/ou desinspiradas. 

Mas antes disso, há que perceber que, quando falamos de Marcello Quintanilha, estamos a falar de um autor muito sui generis, que tem o seu próprio estilo muito bem delineado. É um daqueles autores facilmente identificáveis só de olharmos, por uns segundos, para algumas das suas pranchas. 

Em primeiro lugar, o autor é dono de uma arte invulgar. Por serem tão realistas, as suas ilustrações chegam a parecer fotográficas na sua génese. A utilização das cores e dos “planos de câmara” é fantástica também. E especialmente nos cenários e nos objetos, a arte é verdadeiramente incrível. Mas também na conceção da fisionomia das personagens e das suas expressões, o autor revela elevada qualidade. Se há autores em que eu gostaria de ver, ao vivo, como é o seu processo de ilustração, Marcello Quintanilha, é um deles. As suas ilustrações chegam a apresentar um cuidado no traço e na conceção, que considero absurdo. Absurdo pela qualidade, entenda-se! 

E depois, para além da sua arte ímpar, Marcello Quintanilha assume-se como uma espécie de Bob Dylan ou Bruce Springsteen, da banda desenhada brasileira. Os cantores que menciono habituaram-nos a ouvir as suas canções que relatam a história contemporânea da classe trabalhadora dos Estados Unidos da América. Como se, nas suas músicas, fosse delineado um quadro concreto de como é constituído o “Zé Povinho” americano. Marcello Quintanilha faz o mesmo, mas em relação à classe mais desfavorecida e empobrecida do Brasil. E fá-lo através da banda desenhada. Portanto, o seu foco não é, pois está claro, o Brasil das praias, das mulheres sensuais, das festas, do turismo. Não, é o Brasil real. O do Povo. 

E assim, este Folia de Reis não é mais do que uma manta de retalhos. Breves vislumbres de como é sentida e reproduzida a sociedade brasileira na mente do autor. E por isso, acho que é uma obra que merece a nossa atenção. Pela sua seriedade. Pela sua subtileza. Pela sua honestidade. Isto, olhando para a obra do autor e, especificamente, para este Folia de Reis, como um todo. Se analisar as coisas mais em detalhe, abordando sinteticamente cada uma das histórias que compõem este trabalho, penso que há conclusões diferentes a retirar. 

Comecemos pela melhor parte. A história que abre este livro, intitulada De Como Djalma Branco Perdeu o Amigo em Dia de Jogo, é uma verdadeira maravilha a todos os níveis. Em termos gráficos temos o autor no expoente máximo das suas faculdades de ilustrador, com uma utilização de expressões faciais incríveis, pigmentadas por cores vibrantes. Mas o ritmo e a forma como a história está montada é magnífica. Esta narrativa assume-se como uma homenagem à forma "doente" como certas pessoas vivem o futebol e as crenças e superstições que cultivam, com o desejo da vitória do seu clube. Faz rir mas também entristece. E, mais importante que isso, faz pensar. Magnífica! 

A segunda história que também me pareceu fantástica é A Fuga de Zé Morcela que nos coloca num diálogo de tasca, entre Zé Morcela, que trabalha num circo, e Gonzaga Carneiro e o Guarda-Civil Erivan. Num jogo de cartas, Erivan começa a desconfiar das histórias que Zé Morcela vai contando. E a sensação de raiva vai crescendo de forma abrupta. E tudo isto, por um assunto tão irrelevante. Mas, na vida real, também as maiores discussões e conflitos surgem, muitas vezes, de temas não importantes, quotidianos e banais. E aqui, acho que Quintanilha foi, mais uma vez, genial na abordagem que faz a este relato. E na forma como consegue criar a tensão no leitor. Enquanto lia esta história, comecei mesmo a ficar nervoso, sentindo que algo de mau estava para acontecer. Isto é uma técnica muito usada no cinema. Lembrou-me outras situações de enorme tensão criadas no cinema como, por exemplo, a passagem da fronteira entre o México e os Estados Unidos no filme Babel, de Iñárritu, ou o diálogo na taberna de Inglorious Basterds, de Quentin Tarantino. É esse tipo de sensação que esta magnífica história de Quintanilha nos passa. 

Mas se estas duas histórias são excelentes, não posso dizer o mesmo das restantes. Não é que sejam más – longe disso! – mas são histórias mais contemplativas e, consequentemente, entediantes, onde sucedem menos acontecimentos às personagens e em que as narrativas assentam quase totalmente nos diálogos que, por serem tão reais, acabam por ser difíceis de acompanhar. 

É verdade que, na oralidade da vida real, as pessoas, ao falarem, repetem inúmeras vezes várias frases e expressões, bem como cometem erros vários. Ao transpor essa forma de falar, incrementada pelo uso de expressões do português brasileiro, Quintanilha consegue uma veracidade quase sem precedentes, diria, na banda desenhada. Mas, o reverso da medalha, é que o texto se torna difícil de ler. A utilização de balões por parte do autor também é bastante original e pouco ortodoxa. Admitindo e percebendo alguns dos seus intuitos ao fazê-lo, enquanto leitor sinto que, quase sempre, a forma como os balões nos são dados, prejudica a leitura da história. 

Há que ser sincero. Algumas destas histórias são difíceis de ler. Muitas vezes, até tive a tentação de deixar a história a meio. Mas em termos de leituras, considero-me um "resistente", mesmo quando o processo de leitura não é fácil, e acabo sempre por ler tudo até ao fim. E, embora com algum esforço, especialmente em Dorso e Clarimundo de Melo, lá terminei a leitura atenta. 

A edição da Polvo apresenta uma boa qualidade de papel, que resulta bem, numa capa mole, detentora de uma ilustração onde, surpreendentemente, Quintanilha não me parece muito inspirado. É de notar que o formato da Polvo reduziu algumas histórias em relação ao original, o que prejudica a leitura. E isso sente-se especialmente nas vinhetas mais pequenas em dimensão. 

Em conclusão, embora inconstante na qualidade das histórias que nos dá, este Folia dos Reis é (mais) um livro muito interessante do autor brasileiro Marcello Quintanilha. 


NOTA FINAL (1/10): 
7.9 



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Ficha técnica 
Folia de Reis 
Autor: Marcello Quintanilha 
Editora: Polvo 
Páginas: 84, a cores 
Encadernação: capa mole
Lançamento: Novembro de 2019