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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Análise: Kingsman – Serviço Secreto

Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn - G. Floy Studio

Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn - G. Floy Studio
Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn

Kingsman – Serviço Secreto é um livro recheado de ação, num ambiente de espionagem governamental e que até recebeu duas adaptações para cinema. A esse propósito, apareceu, até, no honroso 15º lugar do meu TOP 20 – Os Melhores Filmes baseados em Banda Desenhada que fiz há uns dias. E embora os filmes não sigam à risca as narrativas da banda desenhada, podemos concordar que esta bd assinada por Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn, é uma obra que procura, acima de tudo, entreter sem grandes pretensões de conter em si mesma uma reflexão profunda. Tal como há o estilo de “filme pipoca”, esta é uma “bd estilo pipoca”. Fácil, rápida, simples, linear, mas que sabe entreter e fazer-nos passar um bom bocado.

E, naturalmente, a história que nos oferece é simples: um agente secreto britânico de alta patente, Jack, decide dar uma hipótese ao seu sobrinho que, tal como a irmã de Jack, é um verdadeiro parasita da sociedade. Aquilo a que se chama, muitas vezes, white trash. Não trabalha, não estuda, está sempre envolvido em problemas com a justiça e com a autoridade. Para tentar remediar a situação e dar uma hipótese para que o seu sobrinho, Gary, possa escapar das malhas do crime e ter uma vida digna, o tio treina-o de forma a fazer dele um autêntico James Bond dos nossos tempos, dando-lhe um treino evoluído de espionagem e noções básicas sobre ser um cavalheiro e saber como se vestir e comportar. Gary acaba por demonstrar ter muito potencial para chegar longe.

Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn - G. Floy Studio
Entretanto, existe um milionário que, tentando corrigir o problema do sobrepovoamento do planeta, prepara um ataque massivo mundial, enquanto protege e resguarda alguns dos seus ídolos como realizadores e atores de cinema e outro tipo de criadores. A missão de Gary será, pois, a de impedir que 90% da raça humana seja erradicada. O argumento escrito por Mark Millar em parceria com Matthew Vaughn é mais ou menos isto. Como já mencionei, não há grande espaço para reflexões ou para desenvolver segundas leituras.

As personagens, principalmente as principais, estão suficientemente bem desenvolvidas pelos autores. E a forma como a trama nos vai sendo mostrada faz com que estejamos sempre investidos em desvendar o próximo acontecimento até ao final do livro. Se a forma como o background de Gary e a própria introdução do mesmo à rede de espionagem é interessante, pareceu-me que a ameaça do milionário, que quer matar quase todo o planeta, é um tanto ou quanto forçada e clichet, mesmo admitindo que, ao menos neste caso, a razão para tal empreitada maquiavélica seja diferente das demais histórias em que o vilão quer matar todos os outros só para ter mais poder ou por pura maldade. Aqui acaba por haver uma razão quase ambiental. Embora completamente errada do ponto de vista ético ou dos direitos humanos, diga-se.

Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn - G. Floy Studio
A arte de Dave Gibbons – o célebre autor da obra incontornável Watchmen – faz um trabalho que, a meu ver, revela variados problemas. Folheando por alto o livro, fica-se com a ideia de que é um livro bem conseguido, com uma arte ilustrativa agradável. E, de facto, a arte é agradável, admito. No entanto, e especialmente nas cenas de ação, o traço de Gibbons já parece algo obsoleto para uma história de ação dos dias de hoje. Há uma certa rigidez nos movimentos das personagens que não conseguem atribuir às cenas imaginadas por Millar a dinâmica que as mesmas mereciam. Claro que não se pode dizer que seja uma má arte. Mas fica aquém do desejável.

E depois ainda há um problema maior que, honestamente, não sei como ninguém da equipa criativa envolvida neste livro não apontou. É que as personagens de Gary e do seu tio Jack, embora sejam de faixas etárias muito diferentes, parecem praticamente iguais, sendo até, por vezes, difíceis de distinguir para o leitor. Como é possível um amadorismo destes por parte de Gibbons? Foi propositado? Ou foi algo que lhe escapou? Se a diferença de idades destas duas personagens é tão grande, porque é que elas parecem tão iguais? Gary, o jovem adulto parece-se mais velho do que é. E Jack, um autêntico veterano, parece mais novo do que é. Fica-se quase com a ideia de que Gibbons só consegue ilustrar personagens de 35-45 anos.

Kingsman – Serviço Secreto, de Mark Millar, Dave Gibbons e Matthew Vaughn - G. Floy Studio
Há que dizer, como ponto positivo, que as cores aplicadas por Angus Mckie são uma boa mais-valia da obra em assegurar que a mesma funciona do ponto de vista ilustrativo. Sem estas cores, a obra pareceria ainda mais retirada dos anos 80 e menos dinâmica do que aquilo que, mesmo assim, é.

A edição da G. Floy Studio é em capa dura, com bom papel brilhante e uma encadernação e impressão de qualidade. Tudo bem feito. Nada a objetar.

Em conclusão, Kingsman – Serviço Secreto é uma obra fácil e que se lê bem. Ideal para ler algo simples, sem ter que se pensar muito, e daí retirar uns bons momentos de leitura prazerosa. Mesmo assim, falha em ser um livro inesquecível e com a personalidade que merecia. É giro mas não é fantástico.


NOTA FINAL (1/10):
7.8


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Ficha técnica
Kingsman – Serviço Secreto
Autores: Mark Millar, Matthew Vaughn e Dave Gibbons
Editora: G. Floy Studio
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2017

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Análise: KM/H - MPH - Acima do Limite

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio


KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo

KM/H – MPH – Acima do Limite é um livro publicado pela portuguesa G. Floy e que nos traz Mark Millar, desta vez acompanhado por Duncan Fegredo nas ilustrações, numa das suas mais interessantes e mirabolantes ideias.

E é, de facto, esse o ponto de partida da minha análise à obra: a ideia. Ou a premissa, como queiram. E nessa vertente, esta obra consegue ser verdadeiramente incrível. Uma daquelas boas ideias que permitem o desenvolvimento de tantos subplots. Mas não nos adiantemos em demasia. 

Antes disso, diga-se que KM/H – MPH – Acima do Limite conta-nos a história de um grupo de jovens de Detroit que consegue, devido à ingestão de uma droga denominada MPH, deslocar-se a uma velocidade estonteante. Tal como se, de um momento para o outro, depois de tomarem o medicamento, passassem a correr como o Flash, da DC Comics. Tudo começa quando Roscoe, um jovem de uma baixa condição sócio-económica, que se encontra na cadeia devido a um negócio de tráfico de droga que correu mal, adquire acidentalmente uma misteriosa pílula milagrosa que lhe permite correr de uma forma tão incrível que, por exemplo, pode atravessar em corrida os Estados Unidos, de São Francisco a Nova Iorque, em meros 4 minutos! A velocidade é tanta que é como se o tempo parasse. Ou, por outras palavras, a velocidade de alguém que ingere o medicamento é muitíssimas vezes mais rápida do que todo o mundo circundante, o que dá a ideia que o tempo pára. Mas na verdade, o tempo apenas se desloca muito mais devagar.

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
E esta é, de forma sucinta, a premissa que Mark Millar nos traz desta vez. E que premissa fenomenal! Acho até que todos nós, especialmente os leitores de banda desenhada, já imaginámos como seria ter algum super-poder que nos permitisse fazer algo de extraordinário. No meu caso, lembro-me até de, em miúdo, achar que se eu conseguisse ser super rápido, tal como o Flash da DC ou o Bip-bip ou o Speedy Gonzales dos Looney Tunes, poderia ser jogador de futebol. E, mesmo sem grande técnica para jogar o desporto rei, bastar-me-ia correr de uma forma humanamente impossível – como acontece em KM/H – MPH – e que, ao "parar o tempo", os jogadores da equipa adversária não conseguiriam acompanhar-me e eu marcaria dezenas e dezenas de golos num só jogo! E, mais coisa menos coisa, isso é o que se passa nesta obra de Mark Millar. Será que eu deveria ter registado a minha ideia original de forma a, décadas mais tarde, processar Millar por me roubar a ideia? O pelo menos reclamar para mim alguns royalities? Eheheh. Julgo que não. Além disso, na minha (in)consciência infantil, o meu super-poder não seria usado para bem da comunidade, mas antes para que eu me tornasse no jogador de futebol mais incrível do mundo. Está visto que, no meu caso, com grandes poderes não viria grande responsabilidade!

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
Bem, mas devaneios à parte, e tal como eu dizia, a premissa que Millar nos apresenta desta vez, é verdadeiramente deliciosa. Muitas vezes, vários leitores afirmam que Millar não é bem um argumentista de banda desenhada mas um argumentista de cinema. Eu não creio que assim seja, necessariamente, mas a verdade é que, mais do que nunca, KM/H – MPH – Acima do Limite parece pensado e idealizado para ser um filme de cinema. Toda a forma como a obra está montada aponta nesse sentido. E a própria ideia de como apresentar imageticamente o tempo a ficar parado - que mesmo sendo um desafio ilustrativo desafiante é extremamente bem executada pelos autores – parece mostrar o caminho de como esta obra pode (ou deve) ser feita, caso chegue a ser um filme ou uma série de televisão.

Quando Roscoe toma a pílula MPH pela primeira vez e as personagens e as ações das mesmas ficam como que congeladas – à semelhança do que acontece, por exemplo, no filme Big Fish, de Tim Burton, quando o protagonista vê pela primeira vez a mulher da sua vida – estamos perante uma cena verdadeiramente memorável na banda desenhada. Daquelas cenas que tão depressa não esquecemos. Como se fosse uma million dollar idea, como dizem os ingleses. A premissa é tão boa e permite pensar em tantas formas diferentes de a utilizar, que o problema da obra às tantas acaba mesmo por ser esse: possivelmente não consegue agarrar, desenvolver e explorar todo o potencial dessa excelente ideia. E, no final, quando acabamos a leitura deste livro, e por muito divertido que o mesmo seja, ficamos com a sensação que haviam outros caminhos, tão ou mais interessantes, que a série poderia ter traçado com esta brilhante premissa.

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
Ainda assim, também não é justo dizer que a história não se desenvolve de forma interessante. Quando Roscoe se vê livre da prisão e vai ter com os seus amigos, depressa partilha com eles o seu super-poder, isto é, os medicamentos que ainda tem na caixa de comprimidos que surripiou ao seu colega de prisão. E então, a história assume um cariz social, ao dar-nos um grupo de jovens que decide roubar muitos bancos (é tão rápido a fazê-lo que nem as câmaras de vigilância parecem captar as identidades deste grupo super-rápido) e distribuir os seus ganhos (ou roubos?) às classes desfavorecidas. Como se fosse uma reinterpretação de Robin dos Bosques, que roubava aos ricos para dar aos pobres. Entretanto o grupo de "super-heróis medicado " encontra fissuras e discórdias entre si, já que parte do mesmo começa a ter uma preocupação social com os inúmeros roubos que o grupo anda a fazer. Porque, mesmo tratando-se de um roubo às instituições financeiras que são responsáveis por tantas das crises monetárias e económicas que vivemos, não é, ainda assim, um roubo? E não há nisso algo que seja eticamente reprovável? Estas são pois as questões que o autor começa a levantar e que, consequentemente, acabam por causar conflito entre os jovens do grupo de Roscoe. 

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
E, eventualmente, o uso do medicamento em dosagens maiores chega a levar as personagens para outra era no tempo, permitindo a viagem temporal. E é aqui, que Millar me perdeu. Lá estou eu a relembrar as célebres palavras: less is more. Não querendo aprofundar mais a história e para onde ela caminha, diria que Mark Millar acaba por cair no exagero e à medida que nos aproximamos para o final da obra, que tinha tudo para ser um dos seus melhores trabalhos, ficamos com a ideia de estar a ver um filme adolescente de sábado à tarde. E o final, mesmo sendo bem arquitectado pela inteligente utilização do tempo – que mais uma vez, haveria (ou haverá?) de funcionar muito bem em cinema – peca por ser muito over the top

Penso também que as personagens poderiam ter sido mais bem desenvolvidas, de forma a terem maior profundidade. Mas lá está, numa obra deste fôlego, e com um numero de páginas que nem é tão grande assim, é exatamente na premissa do super-poder que os autores se debruçam com mais cuidado. O que até é compreensível. Poderiam ser outras personagens quaisquer que teríamos um livro semelhante.

Em termos de arte ilustrativa, Duncan Fegredo faz um excelente trabalho, especialmente na concepção de inúmeras situações que demonstram de forma muito credível e inteligente, a velocidade impossível dos protagonistas. O traço de Fegredo é moderno, bastante estilizado, sabe usar bons planos de câmara e encaixa natural e perfeitamente na história que Millar pretende contar. 

KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
A edição da G. Floy está em par com aquilo que a editora costuma fazer. Capa dura, papel brilhante, adequado a este tipo de comic, e boa encadernação. A capa da obra é bastante mal conseguida para o meu gosto. Aquele conjunto de pernas coloridas a correr, com a imagem invertida para o lado esquerdo, parece-me mal escolhido e que não consegue apelar ao tipo de leitores que poderiam ser potenciais interessados nesta banda desenhada. Sei que a G. Floy se limitou a escolher uma capa utilizada noutras edições de outros países mas acho que haveriam capas – mesmo dentro de cada numero que compõe este volume – mais adequados, como o exemplo que coloco aqui ao lado.

No final, parece-me que Mark Millar andou perto de fazer uma das suas melhores obras. Não o conseguiu por não agarrar convenientemente a ideia. Mas mesmo assim, e não sendo o seu melhor trabalho, é uma leitura fácil e agradável num livro que surpreende pela sua fantástica premissa e que, só por isso, já merece ser lido.


NOTA FINAL (1/10): 
8.4


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KM/H - MPH - Acima do Limite, de Mark Millar e Duncan Fegredo - G. Floy Studio
Ficha técnica
KM/H - MPH: Acima do Limite
Autores: Mark Millar e Duncan Fegredo
Editora: G. Floy
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Agosto de 2018

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Análise: Kick-Ass: A Miúda Nova



Kick-Ass: A Miúda Nova, de Mark Millar e John Romita Jr

Quando, em 2010, Mark Millar e John Romita Jr. criaram a série Kick-Ass, conseguiram, a meu ver, abanar e muito os comics norte-americanos. Porque, de facto, essa série - que era uma carta de amor ao universo dos super-heróis, mostrando-nos, ao mesmo tempo, que dificuldades e desafios existiriam se uma pessoa "normal" decidisse vestir um fato e uma máscara e começasse a combater o crime nos dias de hoje - soube criar algo verdadeiramente refrescante no género dos comics americanos como, já há umas semanas, tive oportunidade de escrever na análise feita a Kick-Ass.

E se Kick-Ass: A Miúda Nova faz parte da série Kick-Ass, a verdade é que esta é uma obra bastante diferente do título original. Talvez não na componente da arte, do ritmo ou da história contada na primeira pessoa pela protagonista, mas sim, na própria premissa do livro. Aqui, não temos as peripécias do adolescente Dave Lizewski, com todas as suas crises existenciais da adolescência. 

Não. Em Kick-Ass: A Miúda Nova, a história foca-se na protagonista Patience Lee, uma soldado norte-americana que está de regresso a casa, após missão no Afeganistão. Quando volta à sua terra natal, o Novo México, Patience Lee encontra uma crescente criminalidade a envolver todos os habitantes da região, incluindo alguns familiares. E depois do seu marido a abandonar, deixando-a sozinha com os seus dois filhos, a nossa protagonista decide então trabalhar num café durante o dia enquanto que, durante a noite, passa a combater o crime, vestindo o famoso fato verde de mergulho. Fazendo jus à fama de Robin dos Bosques, Lee passa a roubar ao rei do crime da sua cidade, doando parte desses roubos aos mais necessitados e equilibrando o seu orçamento familiar, conforme consegue.

Entretanto o enredo vai-se adensando e as coisas começam a ficar mais complicadas para Lee por muitos e diversos motivos. Tal como em Kick-Ass, também este título mantém a violência já característica da série. Podem ser esperadas inúmeras cenas de ação brutal e violenta, bem ritmada, ao longo de um livro que prende a atenção do leitor da primeira à última página.

Já por várias vezes defendi que um dos problemas de Mark Millar que consegue ter muitas boas (e novas) ideias para bandas desenhadas, é que, algures a meio da história, parece perder as rédeas das suas próprias ideias. Mas este não é o caso. Aqui, Millar teve muita noção de para onde a história estava a ir e agarrou-a muito bem, não deixando muitas pontas soltas e aproveitando bem as personagens. É um livro que me convenceu do início ao fim. É simples na premissa, mas também tem uma honestidade narrativa que surpreende pela positiva. 

Outra coisa que merece ser referida é que esta obra pode muito bem ser lida sem se conhecer a história de Kick-Ass original. E mesmo tendo em conta, que este Kick-Ass: A Miúda Nova é o primeiro de 3 possíveis livros protagonizados por Patience Lee, pode-se dizer que o final deste primeiro livro é muito satisfatório, deixando a história do volume bem resolvida – embora com uma porta aberta para eventuais acontecimentos futuros.

É um pouco menos over the top do que o original Kick-Ass. O que para alguns leitores poderá parecer demasiado normal ou terra-a-terra. Para outros, no entanto, talvez isso até seja algo mais apreciável numa história que acaba por ser mais madura do que a original.

Seja como for, é um livro bem conseguido. Penso que até poderia mesmo nem sequer chamar-se "Kick-Ass". Claro que a protagonista assume a personagem heroína mas como o faz de uma forma completamente diferente daquela feita por Dave Lizewski no livro original, acho legítimo afirmar que esta obra em análise, poderia funcionar igualmente bem, se em vez de se chamar "Kick-Ass", se chamasse uma outra coisa qualquer e a protagonista em vez de vestir o famoso fato da neve verde, vestisse uma outra roupa.

Quanto à arte de Romina Jr., não há muito a acrescentar, já que segue os passos dados no primeiro livro da série e, tal como aí, encaixa extremamente bem no teor e ritmo da história de Mark Millar. Como referi na altura, “os desenhos são dinâmicos, cartoonished, com um estilo bastante personalizado no traço, que apresentam uma modernidade muito contemporânea que é tudo o que Kick-Ass, sendo uma personagem dos nossos dias, precisava. As violentas cenas de ação também são uma mais valia em termos de arte, com o artista a sabê-las desenhar com a dinâmica e velocidade que eram requisitadas.“ 

Quanto à edição, é uma edição de qualidade superior, muito em linha com aquilo a que a G. Floy Studio já nos tem habituado. Boa encadernação com capa bem dura, bom papel, e ainda alguns extras interessantes como as biografias dos autores envolvidos e algumas capas alternativas.

Kick-Ass: A Miúda Nova é uma obra agradável de ler. Millar e Romita Jr. oferecem-nos uma história coesa, bem construída, possivelmente mais madura do que o livro original de Kick-Ass, e que, acima de tudo, procura entreter-nos. E, nesse ponto, é um trabalho recomendável e que não desilude.


NOTA FINAL (1/10):
8.8


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Ficha técnica
Kick-Ass: A Miúda Nova
Autores: Mark Millar e John Romita Jr
Editora: G. Floy
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Abril de 2020

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Análise: Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos e Herói da Resistência




Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos e Herói da Resistência, de Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho

Estes dois livros de Homem-Aranha Caído Entre os Mortos e Homem-Aranha: Herói da Resistência reúnem os 12 números que foram produzidos por Mark Millar, Frank Cho e Terry Dodson para a revista Marvel Knights Spider Man. As edições em análise pertencem à Coleção Definitiva do Homem-Aranha, que foi lançada no Brasil, pela Salvat e Panini Comics, durante o ano de 2017, e posteriormente distribuídas, há cerca de um ano, nas bancas portuguesas. Caído Entre os Mortos foi o primeiro álbum desta coleção que reúne 40 livros, enquanto que Herói da Resistência é o sexto volume.

Nesta história, dividida pelos dois livros, Mark Millar apresenta-nos uma narrativa que levará o Homem-Aranha ao limite das suas capacidades físicas e emocionais. 

O homem por detrás da máscara, Peter Parker, leva agora uma existência mais pacata, sendo um professor de secundário e vivendo com a sua bonita namorada Mary Jane. Recentemente, a sua tia May descobriu a verdadeira identidade do Homem-Aranha e, embora chocada ao início, apoia Peter na sua luta contra o mal. Mas, entretanto, há outra pessoa que descobriu a verdadeira identidade do Homem-Aranha e pretende usar essa informação para destruir tudo o que Peter Parker mais ama. O protagonista terá então que lutar contra o mal e, ao mesmo tempo, tentar proteger os seus entes queridos, nomeadamente a sua tia e a sua namorada. Mas quando a sua tia May é raptada, o Homem-Aranha inicia uma batalha – quase desesperada – para a encontrar. Não sabe bem contra quem está a lutar. 

Nisto há espaço para quase todos os vilões do universo do Aranha (12, no total) participarem na história, nomeadamente: Duende Verde, Dr. Octopus, Venom, Electro, Coruja, e muitos outros. Ao longo de ambos os livros, o Homem-Aranha é acompanhado por Felicia Hardy, a Gata Negra, que parece ainda estar apaixonada por Peter. Do lado dos bons, também o Capitão América, o Homem de Ferro, o Demolidor e o Quarteto Fantástico se juntam ao festim de super-heróis.

Os diálogos são muito bons e parecem muito reais. Por exemplo, as conversas entre Peter e Mary Jane soam muito verosímeis. E claro, à semelhança do que Millar faz em Kick-Ass, muito me agrada a maneira como utiliza o discurso na primeira pessoa do protagonista, permitindo-nos criar uma maior conexão com o mesmo, pois percebemos claramente os seus receios, as suas valências, as suas opiniões e o seu humor. 

É uma história com bastante violência e este Homem-Aranha fica com graves danos físicos nas várias lutas que trava, chegando mesmo a ir parar a uma cama de hospital. No entanto, para os níveis habituais de Millar, até não é uma história muito violenta. E, por isso, há tempo – especialmente no primeiro livro – para o desenvolvimento da relação amorosa de Peter Parker - com todas as discussões e desacordos que isso pressupõe - e há oportunidade para mergulharmos na psique de Peter e percebermos como a personagem tem certos recalcamentos causados pela morte de pessoas próximas a si. E isso é muito bem feito. Torna a história madura e com boa consciência de si mesma. Embora muitas vezes se considere o Homem-Aranha como uma personagem “leve”, talvez devido às suas tiradas cómicas constantes, a verdade é que este Peter Parker de Millar, é leve e brincalhão por fora mas, interiormente, apresenta uma certa tristeza e desilusão para consigo mesmo, colocando muitas vezes em cima da mesa, a hipótese de deixar de vestir o fato do Aranha.

Devo dizer que esta história arranca muito bem, sendo dado tempo ao leitor para absorver a envolvente narrativa. A primeira parte da obra chega a parecer uma história de detectives porque, quer Peter Parker, quer o leitor, estão sem saber muito bem o que pensar em relação ao rapto da Tia May. Quem o fez? Porquê? Este clima de dúvida é bastante longo, o que adensa bem a trama. E entretanto, nesta busca incessante pela sua tia, Peter Parker vai tendo alguns confrontos físicos que aparecem de forma bastante bem conseguida. Há algumas sub-plots, como o neto com cancro do Abutre; a recompensa que o Clarim Diário oferece a quem encontrar a identidade do Homem-Aranha; a relação entre Peter e Felicia; uma guerra ideológica governamental contra os super-heróis; ou os traumas psicológicos de Venom. Gostei particularmente da sub-narrativa do Abutre que mostra que também os vilões têm entes queridos a quem querem fazer o bem. Mas infelizmente, estas sub-plots acabam por ser insuficientemente exploradas. E no final, a sensação com que se fica, é que Mark Millar não se conseguiu conter e acabou por criar um "guisado" de personagens – com demasiados heróis e, especialmente, vilões – que se conseguem atropelar narrativamente umas às outras. A partir do momento em que Venom surge na história, é o momento em que Mark Millar perde as rédeas da narrativa que estava – até aí – tão bem montada. É pena, porque quando se lê o primeiro volume, fica-se com a esperança de que este poderá ser um livro essencial do Homem-Aranha – daqueles que definem uma personagem. E, embora existam muitas coisas bem feitas e esta história seja – apesar de tudo – extremamente recomendável para os fãs do Aranha ou mesmo de Super-Heróis, no final fica-se com uma sensação de "remate ao poste". E isto – apenas e só – porque a história ficou demasiado over the top. Como diria Robert de Niro, "less is more". Bem que Mark Millar deveria falar com Robert de Niro sobre este tema.

A arte é magnífica para uma história do Homem-Aranha. Bons desenhos, boas cores, boa planificação, boas cenas de ação, alternadas entre cenas mais calmas. É a arte que uma personagem emblemática como o Homem-Aranha precisava. Terry Dodson e Frank Cho fazem um trabalho exemplar nestes livros. Não tenho muito mais a opinar sobre a componente ilustrativa, pois considero-a excelente para o tipo de história que temos em mãos.

Quanto às edições, pode-se dizer que são de boa qualidade. São livros robustos, com boa encadernação, e papel adequado para este tipo de comic americano. Têm extras interessantes que contextualizam as personagens e a história. Nota positiva para, antes de cada livro começar, haver uma página, denominada “a história até aqui” que dá aos leitores mais desatentos - ou àqueles que não estão à vontade com as personagens e tramas do universo do Homem-Aranha – uma sintética contextualização da história. Ainda para mais, tendo em conta que estes dois livros não foram publicados de seguida – com 4 livros pelo meio – diria que foi um pequeno detalhe muito acertado. As lombadas dos livros formam também uma imagem cativante. Mas neste ponto, a Salvat apenas está a distribuir 40(!) dos 60 volumes da coleção original portanto, a imagem formada da lombada fica incompleta, o que é uma coisa totalmente incompreensível. É a editora a ficar refém da sua própria cartada que procura deixar igualmente reféns os leitores que não resistem a uma lombada apelativa. Neste caso, acredito que muitos desses leitores que se vêm tentados a adquirir coleções (também) por causa da lombada, não o tenham feito por saberem, de antemão, que a lombada estaria incompleta. É caso para dizer: vira-se o feitiço contra o feiticeiro. 

Gostaria que a série tivesse sido distribuída em português de Portugal e não em brasileiro. Compreendo que para a Salvat - devido aos custos inerentes a adaptar a série ao português de Portugal - talvez não compensasse mas, do ponto de vista da leitura, seria bem melhor. Ainda assim, pela história em si, penso que os portugueses lerão estes livros sem problemas.

Concluindo, para os fãs de comics, de histórias de super-heróis ou do Homem-Aranha, diria que estes dois livros Homem-Aranha Caído Entre os Mortos e Homem-Aranha: Herói da Resistência são mais do que obrigatórios. Para os fãs de banda desenhada em geral, diria que esta proposta é bastante interessante para mergulhar no universo deste célebre super-herói. Com mais moderação na utilização de certos personagens, poderia ser uma obra perfeita. 


NOTA FINAL (1/10)
8.6


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Fichas Técnicas
Homem-Aranha: Caído Entre os Mortos
Autores: Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho
Editora: Salvat - Panini Comics
Páginas: 168, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

Homem-Aranha: Herói da Resistência
Autores: Mark Millar, Terry Dodson e Frank Cho
Editora: Salvat - Panini Comics
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: 2017

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Análise: Kick-Ass



Kick-Ass, de Mark Millar e John Romita Jr.

Kick-Ass é das bandas desenhadas norte-americanas mais interessantes das últimas décadas! Se, a meu ver, há um livro onde o talento de Mark Millar brilha bem alto, esse livro é Kick-Ass. Com uma premissa muito back to basics daquilo que é – ou poderia ser – um super-herói no tempo atual, Millar, com arte ilustrativa de John Romita Jr., consegue dar-nos uma obra-prima da banda desenhada, desconstruindo as leis originais dos super-heróis, mas honrando-as ao mesmo tempo, naquilo que é uma carta de amor, ao universo dos comics americanos. Passarão décadas e este livro continuará a ser refrescante e obrigatório na biblioteca de qualquer pessoa que se considere fã de banda desenhada.

A série foi originalmente lançada em 2010 e, desde então, entre volumes da história principal de Kick-Ass, da personagem secundária Hit Girl ou dos Novos Kick-Ass, (dos quais, a G. Floy lançou, muito recentemente, Kick-Ass: A Miúda Nova Vol.1) o universo editorial desta série já conta com 11 livros. E também já foram feitos dois filmes para Kick-Ass.

Aquilo que Mark Millar faz aqui, em termos de história, é desmontar a premissa de um super-herói e começar do zero. Como seria então um super-herói nos dias de hoje, em que os media e as redes sociais estão tão presentes na nossa vida? Em que tantas pessoas espetam tudo sobre as suas vidas, nas redes sociais: o que fazem, o que comem, o que vestem, de quem e do que gostam? Em que muitos de nós acompanhamos e seguimos a vida de pessoas que nem conhecemos – os chamados influencers? Agora imaginem isso na vida de um adolescente. Que tem todos os problemas e dramas normais da adolescência e que quer encontrar aceitação junto da miúda gira da escola, junto dos amigos nerds e das pessoas à sua volta? Tendo refúgio na banda desenhada como tantos os que visitam o Vinheta 2020 tiveram - e têm, imagino - quem nunca sonhou em tornar-se um super-herói? As razões poderiam ser várias: para lutar contra o mal, para ajudar os necessitados, para fazer a diferença. Ou para se sentirem amados e adorados pelos demais. Ou simplesmente, porque os super-heróis das histórias aos quadradinhos marcaram as suas vidas. Este será um sonho que já atingiu muitos de nós. Um sonho de miúdo com repercussões na vida de um graúdo.

Com esta premissa verdadeiramente interessante, Mark Millar apresenta-nos a história de Dave Lizewski. Um adolescente de Nova Iorque, como qualquer outro. Com os receios e inseguranças comuns. E que, tal como os seus amigos, se refugia na banda desenhada. E num dia, imagina: “porque não tornar-me num super-herói?”. A diferença é que Lizewski parte mesmo da teoria para a prática e, depois de comprar um fato de mergulhador no ebay, sai para a rua a meio da noite, mascarado, com o intuito de combater o crime. A experiência, naturalmente, não corre como o esperado e Dave Lizewski acaba numa cama de hospital. Mas já lá irei.

Mark Millar faz muitas coisas bem feitas neste livro. Mas esta "noção da realidade" é talvez a coisa mais interessante neste livro. É que o autor, ao contrário, aliás, daquilo que faz noutros livros - como recentemente, demonstrei em A Ordem Mágica, por exemplo - aparece em Kick-Ass com uma certa contenção narrativa, completamente focada no (bom) desenvolvimento do protagonista. E isso, é o cerne para que Kick-Ass seja tão bom. E o genial desta obra, é que Kick-Ass parece reunir em si características auto-biográficas de qualquer amante de banda desenhada. Este Dave Lizewski não é apenas o reflexo da personalidade de Millar. Ou de Romina Jr. É, também, o reflexo, de mim ou daqueles que me lêem e que são fãs de banda desenhada. Talvez até mesmo, daqueles que nem sequer pegam num livro de banda desenhada mas que também foram marcados pelas histórias de super-heróis no cinema, nos desenhos animados, nas histórias contadas por amigos ou em qualquer outro meio, que não a banda desenhada.

Voltando à história, depois da primeira aventura de Dave Lizewski enquanto super herói, o levar a uma cama de hospital, ele decide abandonar a sua curta vida de herói. Mas apenas durante uns tempos. E, numa segunda tentativa, e embora seja novamente espancado, consegue salvar um homem de sofrer uma forte dose de pancada. E, melhor do que isso, há uma pessoa que o filma e que coloca o vídeo na internet, levando Dave a tornar-se numa figura mediática e a receber o nome “Kick-Ass” pelos seus seguidores. Isto levá-lo-á a influenciar muitos outros adolescentes que começam a vestir-se de super-herói. Eventualmente, o protagonista dá de caras com uma rede de criminosos da Máfia e com outros super-heróis – como Hit-Girl, Big Daddy ou Red Mist - que também lutam(?) para combater o crime.

Mark Millar nunca perde as rédeas da história, tendo sempre muita noção para onde quer ir, que novas questões determinada ação vai levantar e assegurando que a narrativa se mantenha bem ritmada, bem humorada e com muita ação. Mas sempre, a um nível plausível. Sendo, talvez, extremamente improvável que esta história acontecesse, a verdade é que é totalmente possível de acontecer. E esse é um trunfo do autor. Destaque positivo para o final da história que, embora consiga deixar algumas janelas abertas, em termos narrativos, consegue fechar muito bem o livro.

Olhando para a forma como a história é contada, somos remetidos um pouco para o Homem Aranha que, tendo sempre um discurso que nos vai narrando os acontecimentos… permite-nos saber os seus pensamentos e observações, dando-nos de bandeja, e de forma inequívoca, uma clara imagem da personalidade do protagonista. As piadas que vai dizendo nestes monólogos, também permitem a introdução de um sentido de humor, que faz lembrar o de Peter Parker. Kick-Ass tem um tom algo juvenil, mas acho que é um livro que se lê bem na idade adulta. Não me parece demasiado teen.

A arte de John Romita Jr. encaixa que nem uma luva na história de Millar. Os desenhos são dinâmicos, cartoonished, com um estilo bastante personalizado no traço, que apresentam uma modernidade muito contemporânea que é tudo o que Kick-Ass, sendo uma personagem dos nossos dias, precisava. As violentas cenas de ação também são uma mais valia em termos de arte, com o artista a sabê-las desenhar com a dinâmica e velocidade que eram requisitadas. 

A edição da G.Floy é um mimo para os colecionadores. Boa encadernação, papel adequado ao estilo de história e uma tradução muito feliz, que capta a linguagem agressiva utilizada e as piadas que aparecem.

A violência poderá por vezes parecer gratuita com várias imagens a serem muito explícitas. Mas, a meu ver, esta é uma história que quer, de certa forma, marcar o leitor. E isso é apenas uma das muitas armas que os autores utilizam. De facto, este Kick-Ass tem tudo o que é preciso para não ser facilmente esquecível: palavrões, lutas agressivas, uma paixão não correspondida, sangue, suor, lágrimas. Um livro que sabe ser muito rock n roll

Em conclusão, este pode-se dizer que a obra tem um título muito adequado porque it kicks some serious ass. Quer literalmente, devido a toda a violência que apresenta, quer no sentido figurado, pois consegue ser uma lufada de ar fresco na concepção de novos super-heróis. As cartas são dadas e baralhadas muito bem por Millar. Alguns poderão considerar esta obra um pouco over the top. Exagerada. Mas outros, incluindo a minha pessoa, consideram-no verdadeiramente espectacular. E obrigatório.


NOTA FINAL (1/10):
9.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Kick-Ass
Autores: Mark Millar e John Romita Jr.
Editora: G. Floy
Páginas: 208, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2019

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Análise: A Ordem Mágica



A Ordem Mágica, de Mark Millar e Olivier Coipel

A Ordem Mágica foi recentemente editada em Portugal, pela G. Floy Studio. É a primeira banda desenhada original da Netflix (com publicação pela Image Comics) e é feita pelo super-produtivo autor Mark Millar, com ilustrações de Olivier Coipel.

E o que temos aqui é uma banda desenhada interessante, com bastante originalidade e um ritmo (demasiado) frenético, que vai beber a várias influências. O próprio Mark Millar apresentou esta série como sendo uma mistura entre Harry Potter e Sopranos. E de facto, tendo em conta que estamos perante uma história baseada em feiticeiros, com super-poderes ativados pelas suas varinhas mágicas, a comparação com o universo de Harry Potter é quase impossível de não se fazer. No entanto, A Ordem Mágica tem a sua própria personalidade e sendo, por ventura, para um público mais adulto do que Harry Potter, também não consegue ter a profundidade dos livros de J.K. Rowling. Embora, admito, talvez não seja muito justo comparar uma banda desenhada de 176 páginas com uma série de romances, com 7 livros editados e mais de 3.500 páginas.

Esta obra conta-nos a história de uma Ordem de mágicos que tem como missão proteger a Terra de todas as ameaças que possam surgir. Os membros desta Ordem levam vidas ditas normais durante o dia, escondendo os seus poderes e desempenhando papéis banais na sociedade. Mas à noite, ou perante as trevas, são eles que protegem o planeta das forças do mal. A Ordem é liderada pela família Moonstone, mais concretamente, por Leonard Moonstone que, durante o dia, faz espectáculos de magia. Os seus três filhos Regan, Cordelia e Gabriel também são feiticeiros embora, este último, tenha resolvido viver uma vida normal para sempre, depois de, às custas da magia, ter perdido a sua filha única. 

Tudo correria bem no universo se não existisse a malévola Miss Albany que, pertencendo à família Moonstone, foi afastada pelo antigo líder da mesma e que agora, juntamente com os seus súbditos, pretende vingar-se, roubando à Ordem um livro de feitiços – o oricalco – e eliminando todos os membros da Ordem, para que possa tornar-se líder da mesma.

Algo que merece destaque é a presença de personagens carismáticas neste livro. Cordelia, a filha rebelde de Leonard, mesmo podendo ser uma personagem cliché, a verdade é que tem um grande carisma e atitude, que certamente não deixarão o leitor indiferente. Gabriel também é uma personagem interessante por todo o drama familiar que já viveu.

Mas é na presença de vilões emblemáticos que esta obra se torna mais assinalável. Miss Albany é uma personagem densa, completamente maquiavélica e com um aspeto sombrio. É detentora de uns lábios sensuais, sempre pintados de vermelho, uns olhos de um azul vítreo e uma máscara bondage que ocultam a sua restante face. Diria que é uma personagem muito interessante do ponto de vista da conceção e da força gráfica que apresenta. Mas não ficamos por aqui. O seu braço direito, o Veneziano, com um fato retirado do Carnaval de Veneza, com longas mangas com folhos, um elegante chapéu veneziano e uma máscara branca que lhe cobre toda a cara, exceto os seus olhos vermelhos, é uma personagem medonha e extremamente iconográfica. Daquelas que nos ficam na mente muito depois de acabarmos a leitura do livro.

Há personagens vilões que ficam para sempre na mente dos leitores devido à sua força gráfica, como por exemplo, Joker em Batman ou V em V de Vingança. Miss Albany e o Veneziano são personagens desse tipo. São, possivelmente a par de Cordelia, a coisa mais interessante deste A Ordem Mágica.

A história vai-nos levando depois, para uma luta entre os bons e os maus que, por vezes, tem ideias muito interessantes e momentos memoráveis. Desde lutas com grandes monstros, flashbacks emotivos na vida de Gabriel com a filha, ou algumas mortes violentas e inesquecíveis que acontecem, este é um livro bem refinado. Se no final, sabe a pouco, é só porque o ritmo a que os acontecimentos se sucedem é, na minha opinião, demasiado rápido. O que faz com que certas personagens e acontecimentos não sejam tão bem trabalhados e explorados, levando, também, a que a história apresente algumas pontas soltas. 

Mark Millar possui uma característica muito singular, enquanto criador de histórias: é que as suas histórias têm (quase) sempre ideias muito interessantes e “fora da caixa” e que nos são dadas a um ritmo (quase sempre) muito acelerado. Ora, esta característica da velocidade narrativa, como gosto de lhe chamar, faz com que os seus livros se leiam muito bem e que sejam, na minha opinião, mais destinados a um público mais jovem, pois os significados e mensagens subliminares, nunca são tão bem explorados. Simplesmente porque não há tempo ou ritmo para isso. Por outras palavras, Mark Millar consegue propor sempre grandes ideias que depois, acabam por ser exploradas de forma superficial. E se isso é algo que pode funcionar muito bem em certas séries como Wanted, totalmente focadas na ação, julgo que em histórias como A Ordem Mágica que teria, à partida, coisas tão interessantes para desenvolver, esta característica da velocidade, faz com que certas ideias e conceitos sejam apenas apresentados de forma quase gratuita, não sendo depois suficientemente aproveitados.

E lá está, A Ordem Mágica lê-se muito bem, tem uma premissa curiosa e engraçada, mas, no final, parece que sabe a pouco. Que não foram exploradas de forma conveniente todas as potencialidades que a história e as personagens teriam. O sabor é bom, mas é pouco. E, sublinho, a principal causa disso não são as opções narrativas para a história mas sim o ritmo frenético que não consegue explorar (porque não tem páginas suficientes para isso, diga-se) cada personagem. Não consegue aprofundá-las. 

No final, mais do que um “escritor de histórias”, Millar parece ser um “criador de ideias para histórias”. E nisso, é das melhores mentes do mundo ao serviço dos comics. O autor parece conseguir destilar de si mesmo muitas e boas ideias para bandas desenhadas. Mas eu desejaria que conseguisse aprofundar melhor cada uma destas ideias.

Relativamente à arte, este é um excelente trabalho do autor Olivier Coipel. O seu traço é bastante original e vai um pouco mais longe do que os comics americanos mais comuns, que normalmente são bastante estilizados, mas com um traço mais funcional do que artístico. Neste A Ordem Mágica, há um cariz artístico, com uma interessante utilização de sombreados, que enriquece a qualidade da obra, em termos de ilustração. A utilização dos panos de "câmara" também é muito bem conseguida, dando à obra um cariz cinematográfico e diversificado. Deverá igualmente ser dado o merecido destaque às cores de Dave Stewart, que dão o charme que a obra necessitava e que são um grande trunfo do livro. É um livro carregado de bonitas ilustrações.

No final, a obra fica a parecer um comic americano com algumas nuances derivadas do estilo franco-belga. Por vezes, nos desenhos menos detalhados, a arte não consegue ser tão evocativa, mas, nas vezes em que o detalhe é grande e, também, na caracterização facial das personagens ao longo do livro, Coipel é um mestre. Destaque para a execução tão bem conseguida de Cordelia e, também, de Miss Albany e do Veneziano. Se a ideia de Millar para estas personagens foi boa, a execução das mesmas em termos ilustrativos, foi perfeita. 

Quanto à edição da G. Floy Studio, à semelhança daquilo a que a editora já nos tem habituado, estamos perante uma edição de boa qualidade, com uma boa encadernação e um papel brilhante que funciona bem para o tipo de história em questão. Gostei particularmente dos tons amarelados nas primeiras páginas do livro, que dão aquele aspeto de papel envelhecido e que casa tão bem com uma obra sobre magia. As primeiras páginas do livro, destinadas aos créditos, ficha técnica e prefácio – que aqui é assegurado por Antonio Solinas – estão muito bem conseguidas e fazem um ótimo convite ao leitor para mergulhar num universo mágico. 

A capa, não sendo uma má capa (de todo!), poderia ter sido melhor. Basta olhar para as capas dos restantes capítulos (capítulos dois, três, cinco ou seis, por exemplo) ou para algumas das capas variantes que vêm nos extras do livro e teríamos, certamente, melhores escolhas para a capa deste volume. Contudo, este primeiro volume tem sido editado nos outros países com esta mesma capa, portanto, este comentário, sendo verdadeiramente subjetivo, não deverá ser imputado à G. Floy mas antes, à edição original.

Em conclusão, estamos perante um livro bastante recomendável e que a G. Floy, diligentemente, edita em português. Tem um bom conceito que, mais bem trabalhado, poderia ter sido uma obra-prima. No entanto, e não o sendo, é uma leitura interessante que vale a pena fazer.


NOTA FINAL (1/10):
8.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
A Ordem Mágica
Autores: Mark Millar e Olivier Coipel
Editora: G. Floy
Páginas: 176, a cores
Encadernação: capa dura

terça-feira, 23 de junho de 2020

Lançamento: Kick-Ass: A Miúda Nova Vol.1



A série Kick-Ass, de Mark Millar, está de regresso à banda desenhada em português. A G. Floy acaba de editrar Kick-Ass: A Miúda Nova Vol.1.

Abaixo encontram a nota de imprensa da editora e respetivas imagens promocionais.

Kick-Ass: A Miúda Nova Vol.1, de Mark Millar e John Romita Jr.

KICK-ASS está de regresso!

Os piores criminosos do Novo México precisam de uma lição, e Kick-Ass acaba de chegar para lhes ensinar uma ou duas coisas. Mas há uma cara nova por baixo da máscara antiga, e uma figura nova dentro daquele fato de mergulho verde e amarelo famoso. Um soldado que acabou de chegar dos horrores da guerra, e encontrou as ruas da sua cidade natal mergulhadas numa batalha. Uma heroína que serve à mesa de dia e combate o crime à noite. Uma nova Kick-Ass, com uma família para alimentar e um bairro que precisa de uma limpeza. Apresentamos a Sargento Patience Lee, a vossa nova super-heroína preferida. Conseguirá esta mãe sozinha equilibrar a sua vida familiar com a sua nova carreira como vigilante nocturna combatente do crime? Ou será que a sua luta contra os gangues e homicidas da sua cidade vai chegar demasiado perto da sua casa?

Duas lendas dos comics, MARK MILLAR e JOHN ROMITA JR. voltam a juntar-se para mais um capítulo do maior super-herói de todos os tempos!

“Aquilo que posso dizer é que esta nova Kick-Ass não é para brincadeiras, nem humorística como o primeiro Kick-Ass. A primeira encarnação da personagem, Dave Lizewski, era um fã de comics, um geek completamente perdido e fora do seu elemento quando se transformava em Kick-Ass. Mas esta nova versão não anda à procura de fama ou de ser fixe ou de se tornar viral na net. Patience Lee é uma personagem com problemas bem reais, e com que a maioria das pessoas - e certamente a maioria das mulheres - conseguirão simpatizar facilmente.”
Ian Cullen - SciFi Pulse

A nova versão de Kick-Ass é uma história que pode ser lida sem qualquer referência às anteriores versões da personagem. E, apesar de ser um regresso dos criadores originais, a arte de Romita ganha aqui uma dimensão nova com o excepcional trabalho de Peter Steigerwald, que combina uma arte-final complexa, e uma paleta de cores extraordinariamente adequada ao comic, num misto de cor directa com pouco traço (sobretudo em fundos e flash-backs), e de arte-final clássica. 

Ficha técnica
Kick-Ass: A Miúda Nova Vol.1
Autores: Mark Millar e John Romita Jr
Editora: G. Floy
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 16€

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Lançamento: Némesis



O álbum Némesis, da dupla de criadores Mark Millar e Steve McNiven, foi publicado recentemente pela G.Floy.

Imagens promocionais e nota de imprensa abaixo.

Némesis, de Mark Millar e Steve McNiven
Quem é Némesis?

Ele é o herdeiro de uma família privilegiada e de milhares de milhões que os seus falecidos pais lhe deixaram. Dono de uma frota de carros espectaculares, de um hangar cheio de aviões e de gadgets tecnológicos sempre às suas ordens. E decidiu vestir uma máscara e uma capa, e tornou-se num cavaleiro de branco numa luta implacável por uma causa em que acredita.

Mas se pensam que esta é uma história que já ouviram antes... pensem outra vez! Isto vai ser completamente diferente de tudo o que leram assim que virarem a primeira página. Némesis é o relato das fantasias mais violentas de um vilão para acabar com todos os vilões, um redemoinho de ultra-violência, caos e humor negro, que só a mente louca de Mark Millar (Kick-Ass, Kingsman: Serviço Secreto) poderia imaginar.

Os autores por trás de sucessos como Velho Logan e Marvel: Guerra Civil regressam com uma história louca de um homem em busca de vingança!
Mark Millar é o escritor de muitas séries de comics aclamadas, muitas das quais já foram adaptadas ao grande ecrã, estando muitas outras em adaptação para o cinema, e, depois da recente aquisição da Millarworld pela Netflix, para a televisão. A G. Floy tem vindo a editar uma parte importante da sua obra de BD independente, com inúmeros títulos já publicados, como O Legado de Júpiter, Kick-Ass, Huck, Kingsman, Némesis, etc... O Canadiano Steve McNiven estreou-se na falecida editora CrossGen, onde deu logo nas vistas, mas foi na Marvel que assinou os seus grandes sucessos, alguns em colaboração com Mark Millar, como Guerra Civil ou Velho Logan. Tem desenvolvido a sua carreira na Casa das Ideias, com poucas incursões fora da editora, de que Némesis é a principal.

E se o Batman fosse o Joker? E se o milionário ultra-talentoso se transformasse no vilão, e não no herói? E num vilão vestido de cavaleiro branco! É essa a premissa de Némesis, numa história recheada de humor negro, de uma espécie de Batman ou James Bond contra um Comissário Gordon, um bilionário maléfico que se entretém a escolher um chefe de polícia diferente cada ano, e a destruir-lhe a vida e a cidade. E do que acontece a seguir...

“Uma história fantástica, e se acham que lhe falta compaixão... é porque o mundo não é
feito de boas intenções, mas de egoísmo e orgulho. A estabilidade da sociedade moderna
é tão artificial quanto os edifícios que um terrorista pode destruir com facilidade!”

Ficha técnica
Némesis
Autores: Mark Millar e Steve McNiven
Editora: G. Floy
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 13€