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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Análise: Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2

Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva


Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva
Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée 

A série Bruno Brazil é uma série de culto para muitos fãs de banda desenhada. Tendo sido originalmente lançada por Greg e Vance, ainda no final da década de 1960, conquistou muitos admiradores entre os anos 70 e 80. E, em 2019, a editora francesa Le Lombard anunciou o regresso d' As Novas Aventuras de Bruno Brazil, pelas mãos de Laurent-Frédéric Bollée e Philippe Aymond. Desta nova incursão surgiu o primeiro álbum, Black Program, que já aqui foi analisado

Neste segundo tomo desta aventura, voltamos a seguir as pegadas de Bruno Brazil, que procura, a todo o custo, descobrir quem foi o responsável pelo assassinato do maior inimigo de sempre de Bruno, bem como localizar o operacional da NASA que ficou desaparecido, e que relação terá tido, tudo isto, com a estranha fuga da sensual Rebelle da prisão. A Brigada Caimão, mesmo que privada de alguns elementos do passado, que entretanto pereceram, conta também com Whip, Nómada e Gaúcho. Quanto à ação, esta irá levar os nossos heróis a cenários de outras aventuras passadas, o que poderá ser um aperitivo para os fãs da série. 

Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva
Em termos de ilustração, destaca-se uma arte bastante fiel à de Vance, tentando prestar um tributo à sua linha e grafismo, sem espaço para grandes (re)interpretações de estilo. O que será, para muitos, uma garantia de continuidade com as aventuras passadas de Bruno Brazil. E, se em Black Program Vol. 1 isso foi bem conseguido, neste segundo tomo, o trabalho de Aymond mantém-se na mesma linha. O autor cumpre muitíssimo bem as suas funções de ilustração. Há uma dinâmica e diversidade interessante nos vários tipos de desenho praticados, seja com o recurso a cenários que nos colocam na selva brasileira – muito bem ilustrada -, seja nos cenários mais dignos de um filme de ficção científica dos anos 70. Por vezes, pareceu-me, no entanto, que Aymond ficou um pouco abaixo em termos de resultado final, quando comparado com o seu trabalho no volume anterior. E digo isto com base em algumas cenas de ação, que me pareceram parcamente detalhadas e menos inspiradas e/ou feitas mais “à pressa”, com o autor a arriscar menos. Em termos de dinâmica de planificação das pranchas, este também é um álbum que arrisca ainda menos do que Black Program Vol. 1. E note-se que, já no volume anterior, não tinha sido um autor que arriscasse muito. Mesmo assim, não creio que seja por aqui, pelo campo dos desenhos, que este volume fique (muito) aquém do seu antecessor. 

Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva
Ao invés, parece-me que é no argumento que este segundo volume consegue ser menos dinâmico em relação aos pressupostos e boas ideias levantadas no primeiro tomo. Julgo igualmente que o argumentista, Bollée, poderia ter sido mais bem sucedido se tivesse dedicado mais tempo (e vinhetas) ao desenvolvimento mais detalhado e profundo das personagens. Por exemplo, o clima de problemas familiares que envolve Bruno ou a perda de Billy são assuntos muito pobremente abordados neste segundo volume. Compreendo também que se procure aqueles plot twists rápidos e inesperados, ao jeito dos filmes de ação, mas, por vezes, pareceu-me que estas mudanças no enredo eram um pouco forçadas e sem grande fundamento. O argumento acaba por se assumir algo over the top, como diriam os ingleses. Bem sei que essa é uma característica algo presente nos números antigos da série. Mas, hoje em dia, acaba por me parecer datada esta forma de abordar o argumento. 

Logicamente, como disse na análise ao volume 1, continuo a achar que esta é uma série mais recomendada a um público mais velho e nostálgico, do que propriamente a um público com idade inferior a 35/40 anos. Além de que o tema das aventuras espaciais, tão utilizado durante os anos da Guerra Fria, é hoje em dia algo que até já soa kitsch e fora de sítio. Mas isso não invalida que a homenagem, envolta num trabalho de continuação, das Novas Aventuras de Bruno Brazil não seja interessante e levada a bom porto por Aymond e Bollée. E, se as vendas compensarem, creio que veremos muitas mais aventuras desta série. 

Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva
E, nesse sentido, convém aliás relembrar ainda que, embora este segundo volume feche a história de Black Program, a verdade é que são tantas as coisas que ficam em aberto – mais do que aquelas que ficam fechadas, até – que novos livros deverão ser lançados com o propósito de responder às questões que ficaram por responder. Mesmo que não se chame Black Program 3, o próximo livro certamente continuará a história que aqui foi levantada. 

Quanto à edição da Gradiva, temos um trabalho impecável. Neste segundo volume, aquele problema dos N's invertidos e dos I's serifados do primeiro volume foram corrigidos e o restante trabalho da edição, ao nível da encadernação, da qualidade da capa e do papel, mantém-se bem conseguido. É notável também que, mesmo num ano ensombrado pela pandemia, a Gradiva tenha sido bastante célere entre o lançamento do primeiro e do segundo tomos. Apenas se passaram alguns meses entre os dois volumes, não ficando os leitores em standby durante muito tempo. 

Em conclusão, devo reiterar que o segundo volume ficou um pouco aquém das minhas expetativas, tendo em conta que o primeiro tomo levantou de forma (mais) coesa o véu para as novas aventuras deste herói esquecido e há muito reclamado pelos fãs da série. Quer na continuação do argumento, quer no desenho, ambos os autores me parecem menos inspirados e com menos fulgor neste segundo tomo. Ainda assim, é um livro que se lê bem e que, estou certo, fará as delícias dos fãs de Bruno Brazil. 


NOTA FINAL (1/10): 
7.7 



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Bruno Brazil – Black Program – Vol. 2, de Aymond e Bollée - Gradiva
Ficha técnica 

Bruno Brazil - Black Program - Vol. 2 

Autores: Laurent-Frédéric Bollée e Philippe Aymond 

Editora: Gradiva 

Páginas: 60, a cores 

Lançamento: Novembro de 2020

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Análise: Crónicas da Birmânia

Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir


Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle 

Da autoria do canadiano Guy Delisle, a editora Devir brindou os leitores portugueses com este Crónicas da Brimânia. Do mesmo autor, a editora já havia lançado Pyongyang - Uma Viagem à Coreia do Norte (que também recebeu recentemente uma segunda edição da Devir) e Shenzhen – Uma Viagem à China. Dentro deste estilo, de crónica política de viagem, fica, deste modo, a faltar apenas a versão portuguesa de Crónicas de Jerusalém. Quem sabe, não estará para breve esse lançamento. 

Por agora, cabe-me um olhar atento a este Crónicas da Birmânia. Tal como nos outros trabalhos de Delisle, estamos perante um livro de pequenas rábulas e apontamentos narrativos, que nos são dados através de breves histórias, com cerca de uma ou duas páginas, em que o autor nos conta as suas passagens do dia-a-dia. Como a mulher de Guy Delisle, Nadège, trabalha na Organização Médicos Sem Fronteiras, isso faz com que Nadège seja alocada em várias Missões dessa Organização, em locais bem distantes do mundo ocidental. O que permite a Guy Delisle que, através das longas estadias de trabalho da sua mulher, possa encontrar nelas o(s) tema(s) e o(s) ambiente(s) exótico(s) e alternativo(s) adequado(s) para a construção das suas histórias, vistas enquanto outsider. Também foi assim nas suas outras obras. E, desta vez, o destino do casal e do filho de ambos, é a Birmânia, também conhecida como Myanmar. 

Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
E este livro, assim como os outros trabalhos do autor, acaba por funcionar mais como um diário de viagem - ou de estadia, vá – do que como um conjunto de crónicas. É que, mais do que fazer uma dissertação sobre os problemas políticos do país, Delisle dá-nos um conjunto de histórias que mais não são do que retalhos do seu dia-a-dia. Como é a vida na Birmânia, como é difícil ultrapassar o calor que sempre se faz sentir, como funcionam as pequenas e as grandes características do povo e da sociedade locais; e que abismo separa esse quotidiano birmanês da realidade do mundo ocidental. 

E, desse ponto de vista, parece-me óbvio que a obra de Delisle seja de grande relevância. E não apenas para leitores de banda desenhada. Se alguém vai fazer uma viagem à Birmânia/Myanmar, ou se estuda relações internacionais e/ou políticas; ou se simplesmente tem vontade de saber mais sobre o país da célebre Prémio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi, terá nesta obra um importante contributo para a sua sede de conhecimento. No entanto, permitam-me não criar falsas expetativas: não pensem que Crónicas da Birmânia é um ensaio muito detalhado sobre o país. É apenas uma fonte de (algum) conhecimento. Permite-nos um breve vislumbre à temática. Isto porque o autor não parece focado em tornar a sua obra em algo meramente didático. E, por isso, acrescenta-lhe algum do seu humor. 

Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
Diria que é um humor ultra suave que, na melhor das hipóteses, me arrancou um sorriso da cara e não uma gargalhada. Tento não cair muito neste tipo de comparações porque, normalmente, acabam por ser injustas, mas olhando, por exemplo, para a série O Árabe do Futuro, de Riad Sattouf que, à semelhança das obras de Delisle, também nos revela uma história real e que põe em oposição o mundo ocidental com o oriental, diria que, quer o humor, quer as situações sérias e dramáticas retratadas, são bem mais "mornas" no trabalho do autor canadiano, do que na série da autoria de Riad Sattouf. Mas, claro, trata-se de uma questão subjetiva. O humor de Guy Delisle é temperado com perspicácia mas, muitas vezes, por não procurar ter uma punchline, fica um pouco a marinar na mente do leitor, tornando a piada em algo “seco”. A meu ver, até é na narração mais séria das situações que o autor testemunha, nomeadamente quando se desloca com as equipas dos Médicos Sem Fronteiras, que o livro se torna em algo mais marcante e interessante, revelando, sem grandes dramatizações, as reais condições de vida de certas populações que (ainda) sucumbem ao vírus da SIDA ou ao vício da toxicodependência. Ou, em muitos casos, de ambos. 

Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
Há algo importante que também me merece comentário. A obra original foi lançada em 2008 e, portanto, esta versão portuguesa da obra, que em boa hora chega ao nosso país, reconheço, aparece com um atraso de lançamento de 12 anos que acaba por ficar datado numa questão central: a de Aung San Suu Kyi. É que, se em 2008, a política birmanesa ainda era vista como um ícone da liberdade e uma mártir das mãos totalitárias do aparelho de Estado, com o passar dos anos, viu a sua situação alterar-se drasticamente. Desde 2016, que passou a integrar o Governo birmanês enquanto Ministra dos Negócios Estrangeiros. E, desde então, especialmente quando, em 2017, o Exército Nacional chacinou milhares de mortos em Rakhine, passou de mártir a vilã, gerando muita controvérsia e tendo levado a que muita gente tenha pedido a Aung San Suu para renunciar ao seu Prémio Nobel da Paz. Ora, não é que a leitura de Crónicas da Birmânia saia beliscada como estes acontecimentos mais recentes. Porém, julgo que a persona da política da Birmânia ainda é aqui tratada no seu antigo estado de graça. E isso torna a leitura algo datada. Nesse sentido, penso que uma breve introdução - e atualização - ao tema, poderia ter sido benéfica para os leitores portugueses com menos informação sobre este assunto. 

Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
Em termos de arte, e mesmo sendo verdade que as capas das suas obras são sempre bem sugestivas e bem executadas do ponto de vista do grafismo e ilustração, diria que Guy Delisle apresenta um estilo simples. Seria perfeito para o cartoon americano de onde, aparentemente, faz beber as suas inspirações mas, para um estilo que procura ser mais de novela gráfica, de crónica, por vezes pareceu-me algo pobre e demasiado despido, em termos técnico-gráficos. No entanto, honra seja feita ao autor por não nos dar um conjunto de crónicas em que a parte cénica é sempre igual. E isso é algo que por vezes acontece neste tipo de banda desenhada. Com efeito, ao ilustrar as viagens que faz durante a sua estadia na Birmânia, vê-se que há um esforço em passar para o leitor as paisagens que visitou. E aí, o livro ganha em importância gráfica, além da importância do texto. 

Em termos de edição, é um trabalho muito bem realizado pela editora Devir. Uma encadernação de boa qualidade, uma capa bem dura e um papel de boa gramagem fazem deste Crónicas da Birmânia um excelente “objeto-livro”. É igualmente assinalável que a Devir, que tem pautado os seus últimos lançamentos com obras do universo mangá, tenha, com esta obra, regressado ao lançamento de novela gráfica, mais direcionada para um público mais maduro. 

Em conclusão, a Devir está de parabéns por ter lançado a terceira obra deste autor canadiano, tão relevante e tão apreciado no mundo inteiro. Crónicas da Birmânia, não sendo perfeita, é uma obra que merece ser lida pelos amantes de uma bd mais adulta e com um cariz mais político-social. E que tenha uma leve – levíssima! - pitada de humor. Welcome back, Guy Delisle. 


NOTA FINAL (1/10): 
7.9 



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Crónicas da Birmânia, de Guy Delisle - Devir
Ficha técnica 
Crónicas da Birmânia 
Autor: Guy Delisle 
Editora: Devir 
Páginas: 268, a preto e branco 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Novembro de 2020

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Análise: Pulp

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio


Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips 

Antes que o ano de 2020 terminasse, a G. Floy Studio presenteou-nos com o lançamento de alguns livros. Entre eles, este Pulp, que volta a unir a dupla criativa de Ed Brubaker e Sean Phillips, que já nos tinha dado obras como Criminal, Fatale, Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados ou The Fade Out

Não há como não me focar no seguinte ponto: a escrita de Ed Brubaker, para este tipo de histórias urbanas hard-boiled, é do melhor que há. Digo até mais: se agarrássemos no texto que Brubaker nos oferece em Pulp e o lançássemos apenas enquanto um livro de contos, em prosa, sem qualquer ilustração, seria, ainda assim, um fantástico livro de ler e acompanhar. Uma escrita bem feita, com aqueles comentários em voz off, extremamente inspirados, que nos dão, vinheta após vinheta, frases marcantes, num material altamente quotable. Brubaker é exímio nisto, portanto não será uma surpresa para quem já o conhece. Já o fez noutras vezes, em séries como Criminal ou The Fade Out, por exemplo. Em Pulp, volta a oferecer-nos uma personagem marcada pela vida, carregada de negritude e de um passado fraturante, que procura um silver lining na sua vida. Algo que possa funcionar como um ponto final positivo. Um legado esperançoso.

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
E não se enganem com a capa do livro! Esta é uma história completamente urbana, ambientada em Nova Iorque, que nos dá (mais) uma história da grande cidade. Se o tempo em que ocorre fosse mais recente, diria que poderia perfeitamente ser uma história da série Criminal. Mas é claro que, nesta obra, a grande diferença é que o protagonista, Max Winter, em tempos foi um cowboy, uma fora-da-lei, que viveu entre a vida e a morte, em numerosos tiroteios. Mas apesar da vida que levava, Winter conseguiu chegar a velho e, na América dos anos 30, em que as agitações políticas na Europa, mais concretamente na Alemanha, com a ascenção da relevância de Hitler, fazem prever crimes de ódio e guerras à escala global, o protagonista tenta manter uma vida pacata com a sua mulher, Rosa, enquanto escreve para revistas pulp, histórias de cowboys que são secretamente baseadas nas suas próprias vivências do passado. Agora, velho, doente e empobrecido, Winter vai tentar um último golpe, um último acto à margem da lei. 

Para além da escrita inspirada de Brubaker, há que reconhecer que a maneira como a história se vai desenrolando aos olhos do leitor é muito bem conseguida. Várias são as vezes em que começamos a perspetivar que o rumo dos acontecimentos irá por um caminho para, logo depois, sermos surpreendidos. E isso, naturalmente, acaba por tornar a leitura em algo gratificante. 

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
Penso que se o livro tivesse mais páginas, poder-se-ia ter explorado melhor algumas personagens – como o irmão ou a filha de Max Winter - que mal aparecem no livro e que, infelizmente, são personagens que acabam subaproveitadas. Não obstante, também é verdade que vale mais uma história pequena e bem montada, do que uma história grande mas que enrola sem grande interesse. Pulp é uma obra fantástica da primeira à última página. 

Em termos de arte, Sean Phillips aparece fiel a ele próprio, uma vez mais. Quem já gosta, continuará a gostar. Quem não gosta, continuará a não gostar. As sombras são fortes e bem contrastadas com os efeitos de luz e o estilo de ilustração é, todo ele, fiel ao que Phillips já nos deu em obras passadas. Por vezes, pareceu-me que, em Pulp, o seu traço estava algo mais apressado do que o costume mas, repito, tudo dentro dos moldes do autor. 

Onde acaba por haver mais elementos diferenciadores em relação a outras obras da dupla criativa é na aplicação de cores, por parte do filho de Sean Phillips, Jacob Phillips, que até já tinha feito um trabalho muito interessante em Os Meus Heróis Foram Sempre Drogados. Provavelmente por, aparentemente, ser um autor mais experimental em matéria de cores, o seu trabalho acaba por parecer refrescante e muito bem conseguido nuns casos, enquanto que, noutras situações, as coisas não correm tão bem. E aqui isso é bastante veificável nos flashbacks em que nos é dado o passado de Max Winter enquanto cowboy. Por vezes estas ilustrações aparecem com autênticos borrões de cor a colori-las, oferecendo um resultado original, reconheço, mas que não me agradou muito. Nestes casos, considero que a cor em vez de puxar pela ilustração de forma positiva, fá-lo no sentido oposto, levando a que as ilustrações de Sean Phillips saiam prejudicadas. Contudo, nas partes que se desenrolam em Nova Iorque, as cores de Jacob, sendo mais sóbrias, já me deixaram mais satisfeito com o resultado. 

Pulp, de Ed Brubaker e Sean Phillips - G. Floy Studio
Tendo em conta que Pulp saiu originalmente em 2020, a G. Floy merece uma palavra de apreço por rapidamente ter fornecido o mercado português com mais uma obra da dupla Brubaker-Phillips. A qualidade da edição é boa, como vai sendo hábito. Capa dura e espessa, papel grosso baço que, a meu ver, funciona bem para a história em questão. Uma pequena correção ao lapso da editora na última página: a série Velvet é da autoria de Ed Brubaker mas não de Sean Phillips. O ilustrador a cargo dessa série foi Steve Epting. 

Em conclusão, Pulp é uma fantástica obra, que nos traz um Ed Brubaker muito inspirado na escrita e que justifica, só por isso, a leitura deste livro espetacular. Uma história com cowboys e nazis poderia parecer arriscada mas Brubaker junta os pontos de forma muito eficaz, tornando Pulp numa delícia de acompanhar. Sean Phillips mantém-se fiel a si mesmo, tentando algo diferente, embora menos bem sucedido, nos flashbacks que nos levam para o faroeste americano. Esta é uma excelente obra e (mais) uma agradável surpresa para fechar bem o ano editorial de 2020. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.9 



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Ficha técnica 
Pulp 
Autores: Ed Brubaker e Sean Phillips 
Editora: G. Floy 
Páginas: 72, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Novembro de 2020

domingo, 20 de dezembro de 2020

Análise: Shanghai Dream - Edição Integral

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor


Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel
 

Se eu tivesse que falar a alguém sobre Shanghai Dream em apenas uma frase, diria algo deste género: “é uma banda desenhada franco-belga, ambientada no período da Segunda Guerra Mundial e maravilhosamente ilustrada por um português. Muito boa. Tens de ler”. 

E de facto, Shanghai Dream é tudo isso. E até mais. Mas vamos por partes. 

Shanghai Dream começa logo por ser bastante original pela forma como aborda o tema histórico em que a narrativa é ambientada. Já todos nós vimos o tema da Segunda Guerra Mundial a ser abordado milhentas vezes, quer em livros de banda desenhada, quer em filmes, quer em livros. No entanto, a questão central do êxodo de judeus para a China, em busca de refúgio e fuga às garras dos alemães, é um tema que, até agora, permanecia inédito para mim. E essa é uma das boas cartadas que este livro nos dá. Conhecemos o ambiente histórico que envolve as personagens mas acabamos por ter nesta obra uma abordagem diferente e nova à temática. E isso, claro, é sempre de louvar, pois faz a história ser refrescante sem que seja “mais do mesmo”. 

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Depois falemos no mais óbvio, quando olhamos para a ficha técnica do livro. Shanghai Dream é ilustrado por um português. Trata-se de Jorge Miguel que, já há uns largos anos, até teve duas obras editadas em português Fado IlustradoCamões - De vós não conhecido nem sonhado?, uma biografia de Luís de Camões. Já quanto ao mercado estrangeiro, é um autor bastante consagrado, tendo a editora Humanoïdes Associés lançado um considerável número de obras de Jorge Miguel, que contemplam vários estilos de narrativa. E embora seja, por isso, um autor com créditos firmados no estrangeiro, e, ainda por cima, num mercado tão concorrencial como o franco-belga, a verdade em que em Portugal, é um autor praticamente desconhecido. Pelo menos, por aqueles leitores que acompanham banda desenhada mas sem estarem tanto por dentro do que se faz lá fora. E, assim sendo, tenho que dar uma palavra de apreço às editoras A Seita e Arte de Autor que, juntas, co-editam este Shanghai Dream

Analisando, então, as ilustrações de Jorge Miguel neste álbum, posso dizer que o seu trabalho é deveras impressionante. É um álbum brilhantemente ilustrado da primeira à última página. O seu estilo é aqui demarcadamente clássico no tipo de ilustração, com um traço hábil que alterna entre uma espessura mais fina e outra semi-grossa. A utilização de planos de câmara é muito bem feita, a construção das personagens e suas expressões também apresenta muita qualidade. Não há aqui muito espaço para apontar falhas ao trabalho espantoso do autor. Posso dizer que, neste livro, prefiro as vinhetas em que o traço é mais fino. Nas vinhetas em que o traço é mais grosso, ainda que também funcionem bem, as ilustrações não são tão espetaculares, quanto a mim. São “apenas” muito boas. Nas ilustrações de traço mais fino, o trabalho de Jorge Miguel é apaixonante! 

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Há duas coisas onde o autor me impressionou sobejamente: a primeira é no desenho de expressões. Esta é uma história emocional e, portanto, seria fulcral que os desenhos nos tocassem perante a forma como as personagens reagem aos acontecimentos. E Jorge Miguel é exímio neste cômputo. O modo como ilustra as expressões faciais, ou mesmo em termos da caracterização da linguagem corporal das personagens, é brilhante. 

A segunda coisa onde o autor nos deixa literalmente de boca aberta é na caracterização dos cenários. Quer sejam cenários interiores, quer sejam cenários exteriores, com a utilização de paisagens incríveis, o trabalho de Jorge Miguel é de mestre. São desenhos com muitos detalhes, com muito perfeccionismo no traço e que dão gosto de observar. Refira-se um exemplo que me intrigou pela positiva: na página 31 do livro, no canto inferior direito, há uma pequena vinheta em que se vê o combóio que transporta os protagonistas da história. E é impressionante a quantidade de detalhe que o autor aplicou a uma vinheta tão pequena em dimensão. Muitas vezes reparo que certos autores são capazes de nos presentear com uma ilustração magnífica para uma vinheta grande em dimensão mas que, depois, quando se tratam de vinhetas pequenas, o seu traço é, compreensivelmente, menos cuidado e detalhado porque, à partida, o olhar dos leitores não se demorará tanto numa vinheta pequena em dimensão. Jorge Miguel parece não estar para aí virado. E isso leva a que mesmo vinhetas pequenas possam estar cheias de detalhe e mereçam uma atenção especial por parte dos leitores. Incrível! 

Quanto à história aqui tratada, acompanhamos as vivências de Bernhard e Illo, um jovem casal judeu, apaixonado um pelo outro e pelo cinema, que sonha conseguir filmar a comédia romântica que Illo escreveu. Mas, com o desenrolar dos movimentos anti-semitas, o casal vê-se forçado a fugir de Berlim, em direção à China, o local do Oriente onde mais se apostava no cinema, durante estes anos. 

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Se, para nós portugueses, o nome de Jorge Miguel é motivo de atenção especial e orgulho por termos um português a dar cartas de nível na produção de banda desenhada de estilo franco-belga, devo dizer que Philippe Thirault, o argumentista, também me surpreendeu bastante, pela positiva. De facto, não é apenas a original abordagem ao tema da Segunda Guerra Mundial que funciona. A construção do argumento, o desenvolvimento das personagens, o desfile de situações com que o protagonista da história, Bernhard, se depara... tudo isso é muito bem montado e orquestrado por Thirault. Shanghai Dream é, acima de tudo, uma história de amor em temos difíceis. Um autêntico romance em banda desenhada. E, a meu ver, apresenta um tipo de história a que nem sempre é dada a devida importância na banda desenhada. Na 9ª arte há – e deve haver – espaço para o western, para a comédia, para a ficção científica, para a ação, para o terror, para o thriller, para todos os géneros... e, nesse sentido, logicamente também deve haver sempre espaço para o romance. E, felizmente, é bom verificar que, cada vez mais, se vêem bandas desenhadas que aplicam esse tipo de histórias ao género. 

Depois há ainda uma coisa interessante nesta história. É que o guião do filme de Bernhard e Illo vai-nos sendo dado aos poucos – e com um grafismo em tons de cinza, que difere da restante história – e isso é um exercício narrativo muito interessante. Até porque vamos percebendo como as consequências dos acontecimentos que envolvem as personagens principais condicionam, elas mesmas, a história do guião de cinema do filme que está a ser produzido. E isso transparece de forma fluída e muito bem conseguida. Um exercício de contar a história do guião que funciona muito bem e que representa também uma clara homenagem ao cinema. É mais um ponto a favor deste Shanghai Dream

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Relembrando que se trata de um álbum duplo, que em França foi editado em dois livros separados, Êxodo: 1938 e Em Memória de Illo, respetivamente, confesso que a primeira parte da história, isto é, o primeiro volume me pareceu mais bem conseguido em termos de argumento, pois as situações aí retratadas são emocionalmente mais intensas fazendo com que a história seja pesada, madura e impactante para o leitor. No segundo tomo, a história mantém-se interessante, pois permite-nos desvendar o que sucedeu ao Guião do filme elaborado por Bernhard e Illo, mas o ritmo dos acontecimentos abranda e passa a focar-se mais na elaboração do filme, por parte do protagonista. Não é que fique entediante, mas parece que o filme passa a ser o verdadeiro protagonista da história, em detrimento de Bernhard. Será o filme alguma vez rodado? Com que resultados? E como será superada a perda de Bernhard, se é que alguma vez será superada? Sob pena de poder arruinar a leitura desta obra incrível, fico-me por aqui, convidando o meu leitor a desvendar por si, esta história tão plena de humanidade e tão bem executada. 

Quanto à edição, que, pela primeira vez, junta duas das principais editoras de banda desenhada em Portugal, A Seita e a Arte de Autor, é uma maravilha e apresenta uma qualidade de nível superior. A conceção gráfica do livro é muito bonita e a qualidade da encadernação, numa elegante capa dura e baça, dá um toque de classe ao objeto-livro. No interior temos papel brilhante de boa gramagem e, no final do volume, temos um caderno gráfico com vários esboços de Jorge Miguel. Se estes esboços já acrescentariam algo interessante ao álbum, considero que o facto de serem esboços com comentários do autor, faz com que a experiência de leitura seja ainda melhor. Cadernos com esboços de autor como extra são bons. Mas cadernos com esboços e comentários do autor elevam ainda mais a fasquia. E já para não falar que a capa deste livro é soberba e, na minha opinião, uma das mais belas nos lançamentos de bd de 2020, em Portugal. Mas, a isso, deve-se, especialmente, a qualidade incrível das ilustrações de Jorge Miguel. 

Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Em conclusão, esta é uma obra majestosa e fundamental para uma boa coleção de bd. Tudo parece funcionar extremamente bem neste livro: a história, a arte, a edição. Fantástico e mais um dos lançamentos deste ano editorial. Não é só Jorge Miguel, um dos melhores ilustradores de banda desenhada de Portugal, que merece ter TODOS os seus livros publicados em português... os leitores de banda desenhada também o merecem. Como não, se a sua arte é tão especial? E este Shanghai Dream é o primeiro passo nesse sentido. Parabéns às editoras A Seita e Arte de Autor. Outro tiro na mouche! 


NOTA FINAL (1/10): 
9.5 


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Shanghai Dream – Edição Integral, de Philippe Thirault e Jorge Miguel - A Seita e Arte de Autor
Ficha técnica
 
Shanghai Dream - Edição Integral 
Autores: Philippe Thirault e Jorge Miguel 
Editora: A Seita e Arte de Autor 
Páginas: 120, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Análise: Airborne 44 - Volumes 7 e 8 - Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas

Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas


Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
Airborne 44 - Volumes 7 e 8 - Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas, de Philippe Jarbinet 

A série Airborne 44 coloca-nos no período da Segunda Guerra Mundial, explorando este enorme conflito político-militar, a partir de vários pontos de vista, oferecendo-nos diferentes leituras dos acontecimentos, por vezes antagónicas, desse período da História. Os seus primeiros 6 volumes já tinham sido editados em Portugal pela editora ASA em 2017. E recentemente, a mesma editora portuguesa resgatou os volumes 7 e 8, Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas, respetivamente, que, juntos, nos dão mais uma (boa) história baseada na Segunda Guerra Mundial e que completam esta série em Portugal. O que é sempre algo que mereça ser assinalado. 

Interessa referir também que, embora a temática da Segunda Guerra Mundial esteja presente em todos os álbuns, cada dois volumes correspondem a uma história isolada das demais. Que é como dizer que estes dois novos volumes, 7 e 8, que foram recentemente lançados, correspondem à quarta história da série. 

Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
E, tal como nos tomos anteriores, estamos perante uma história madura, séria e com um argumento bem desenvolvido, a que se junta uma excelente qualidade na ilustração. Diria que Jarbinet consegue ser competente em todas as áreas. 

Nestes volumes acompanhamos a história de Aurelius K., um soldado alemão que acaba por desertar do exército. Ao mesmo tempo, acompanhamos a fuga de dois irmãos de um campo de concentração que o destino junta ao protagonista, Aurelius K.. A ele junta-se ainda um outro soldado desertor e a bela Solveig, numa missão encomendada para que, antes que a Guerra acabe, se consigam desviar várias barras de ouro pertencentes ao Reich. Estando já na fase final da Segunda Guerra Mundial, e sendo cada vez mais claro que os alemães iriam perder a guerra, vários soldados alemães começaram a preparar a sua fuga, reunindo o maior espólio possível de riquezas. 

A história leva-se bastante a sério e dá-nos personagens bem desenvolvidas, com personalidades carismáticas. Especialmente o protagonista. Tudo é bastante real. Mesmo sendo uma história ficcional, bem poderia ser o relato real do que se passou.

E se os acontecimentos que são passados na Alemanha são bons e bem orquestrados por Jarbinet, devo dizer que a parte que se passa nos Estados Unidos também é marcante e bem conseguida. Como aliás, o autor já tinha feito em tomos anteriores desta mesma série. 

Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
Geração Perdida
abre com uma cena muito cinematográfica que acontece na Flórida, em 1969, e que nos remete para uma clássica vingança por algo que aconteceu no passado. Essa ideia fica a amainar nas nossas cabeças enquanto somos remetidos, então, ao período da guerra. Só no segundo livro, Sobre as Nossas Ruínas, o autor volta a mexer no tempo mais futuro levando-nos a compreender, finalmente, que ajuste de contas era aquele das primeiras páginas do primeiro livro. Acho que o autor soube proteger muito bem a sua história, pois esta não é uma daquelas narrativas em que o final é facilmente detetável antes do fim do livro. Diria que a maioria dos leitores terá uma surpresa no final do segundo livro, o que é sempre algo de valor, pois quantas não são as vezes em que o final começa a ser óbvio antes de ser oficialmente dado ao leitor? Bem conseguido. 

E há também algo que gosto nesta série Airborne 44 e que é comum a todos os livros. O autor sabe bem colocar-nos na Segunda Guerra Mundial mas também sabe retirar-nos da mesma, com graciosidade. Porque mesmo sendo uma série sobre guerra, diria que é mais do que isso. É sobre as pessoas e todas as vicissitudes e privações que as mesmas tiveram que superar para viver este, que foi um dos períodos mais conturbados da história humanidade. E isso é muito bem feito. E a maneira como, nesta história, é introduzido o tema da ida do homem à lua aparece de forma refrescante e não forçada. Muito bem feito. 

Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
Em termos de ilustração, o trabalho de Jarbinet é mais do que entusiasmante. Ideal para os adeptos do franco-belga clássico, diria que a sua arte me faz lembrar – em parte – a arte de Gibrat. Talvez eu prefira as ilustrações deste último mas, as de Jarbinet não ficam muito atrás. O seu traço é elegante, as personagens muito realistas na sua conceção e o autor apresenta um total domínio técnico na ilustração de cenários, do mais variado possível. O trabalho de cor também é gratificante, com Jarbinet a demonstrar que, também nesse cômputo, é multifacetado. Destaque ainda para a ilustração de veículos – terrestres ou aéreos – que é magnífica. Sinceramente, acho difícil encontrar defeitos na arte deste autor. Pode-se gostar mais ou menos do seu estilo… mas diria que Jarbinet domina inteiramente o estilo que aplica às suas obras. 

Somente nas capas que – não sendo minimamente más, entenda-se! – acho que o autor talvez conseguisse fazer algo melhor. Penso que as capas poderiam ser mais apelativas e, por ventura, menos focadas na guerra. Porque, como já disse, Airborne 44 não é apenas sobre a guerra. 

Em termos de edição, são dois livros em capa dura e encadernação de qualidade. O segundo livro ainda nos traz, como extra, alguns esboços de capas pelo autor. O que é sempre pertinente. 

Em conclusão, esta é uma das melhores séries de banda desenhada ambientadas na Segunda Guerra Mundial. A história é séria e competente e a arte visual de Jarbinet é excelente. A ASA está de parabéns por não ter abandonado esta série que, com estes dois livros, e juntando aos 6 volumes anteriormente lançados em parceria com o jornal Público, fica inteiramente editada em português. Merece ocupar lugar numa boa estante de banda desenhada. 


NOTA FINAL (1/10): 
9.0 


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Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
Fichas técnicas 
Airborne 44 - Geração Perdida - Vol. 7 
Autor: Philippe Jarbinet 
Editora: ASA 
Páginas: 64, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020 

Airborne 44 - Volumes 7 e 8 -  Geração Perdida e Sobre as Nossas Ruínas
Airborne 44 - Sobre as Nossas Ruínas - Vol. 8 
Autor: Philippe Jarbinet 
Editora: ASA 
Páginas: 72, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Análise: Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles

Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse


Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse 

Recentemente, a editora Arte de Autor publicou mais um livro da sua Coleção Agatha Christie, que conta agora com 4 livros. Depois de Hercule Poirot – Crime no Expresso do Oriente, Os Beresford – Mister Brown e Miss Marple – Um Cadáver na Biblioteca, chega-nos agora este quarto álbum que tem a particularidade de ser um álbum duplo, e que reúne as duas histórias de Hercule Poirot Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles. Acaba por ser uma lançamento simbólico pois o primeiro livro escrito por Agatha Christie, O Misterioso Caso de Styles, comemora este ano o seu 100º aniversário. 

Por sua vez, Morte no Nilo recebeu uma nova versão cinematográfica, com estreia prevista para o próximo dia 17 de Dezembro. O ano de 2020 é, portanto, um ano emblemático para estas duas obras da autora inglesa e a Arte de Autor, com um excelente sentido de oportunidade, lança agora as duas adaptações para banda desenhada, aproveitando este momentum especial. 

Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
E este é, pelo menos até à data - e tendo, também, em conta que ainda não tive a oportunidade de ler Miss Marple – Um Cadáver na Biblioteca embora já o tenha na minha pilha de livros para ler – o melhor livro da coleção! Devo confessar que o primeiro dos livros desta coleção, Hercule Poirot – Crime no Expresso do Oriente, não me deixou muito convencido pois considerei que a trama, tal como o enredo bem intricado que é célebre nas histórias construídas por Agatha Christe, não teve uma adaptação muito feliz para banda desenhada por Benjamin von Echarksberg e Chaiko. Não é que fosse um mau livro. Pareceu-me apenas algo desinspirado. Na altura até me fez achar que talvez esta série não fosse para mim. Mas depois li Os Beresford – Mister Brown e a minha opinião mudou drasticamente. E agora, com este álbum duplo, posso dizer que já estou fã da série. 

O estilo de escrita de Agatha Christie é tão célebre que praticamente dispensa apresentações. As suas histórias quase sempre têm assassinatos misteriosos em que cabe aos protagonistas da história desvender os verdadeiros culpados. Quase sempre, também, as aparências iludem e o leitor é confrontado com uma surpresa antes de lhe ser revelada a identidade do autor do crime. É um estilo de narrativa simples mas intricado no desenvolvimento da trama e que entretem de forma inteligente. E nestas duas histórias também é assim. 

Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
Morte no Nilo
será, por ventura, e talvez a par de Crime no Expresso do Oriente, o romance mais famoso da autora inglesa. Conta-nos a história da sensual Linnet Ridgeway que, a propósito da sua lua de mel, viaja para o Egipto para uma viagem de cruzeiro pelo rio Nilo. Mas passa pouco tempo até que Linnet apareça assassinada. Quem terá sido? E qual o motivo de tal acto? As personagens com quem a vítima travou conhecimento durante e antes da viagem são bastantes, o que aumenta o número de suspeitos e as possibilidades em cima da mesa da investigação. 

Relativamente a O Misterioso Caso de Styles, cuja história eu não conhecia até à leitura deste livro, é-nos dada a visão do capitão Hastings, um soldado que, depois de ferido em combate, vai convalescer para Styles Court, a mansão onde vive o seu amigo John Cavendish, juntamente com a mãe, o padrasto, o irmão, a esposa deste e mais algumas personalidades interessantes. Mas entretanto, a mãe de John, Emily, é mortalmente envenenada e logo todas as suspeitas são levantadas. Quem terá sido? E de que forma? Como foi engendrado este crime aparentemente perfeito? É por essa altura que Hercule Poirot surge em cena para ajudar o capitão Hastings a desvendar mais um mistério, de forma perspicaz. 

Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
Em termos de histórias, temos duas narrativas que são semelhantes em tom e forma, e que se montam e desmontam de forma inteligente, mantendo vivo o interesse do leitor. Quanto à forma como a história nos é narrada, só mesmo no facto de O Misterioso Caso de Styles ter um narrador participante – o capitão Hastings - é que há uma ligeira diferença entre a forma como é contada a história. Mas o tom e ritmo da narrativa é em tudo semelhante. 

Já quanto à arte é que temos algumas diferenças. Ambos os estilos são da escola franco-belga mas a primeira história apresenta um traço muito elegante, com um excelente trabalho de cores e luz, que dão um toque de classe a Morte no Nilo. O autor Callixte apresenta uma arte visual muito bem concebida e vistosa. Foi uma surpresa pela positiva. 

A segunda história está ilustrada de forma um pouco diferente. Mais simplista no traço e nas cores, remeteu-me um pouco para o tipo de ilustração da famosa série Blake e Mortimer. Dizer que a arte de Romual Gleyse é mais simples do que a arte de Callixte não deve ser visto como algo negativo. São estilos! Eu prefiro o estilo da primeira história mas a verdade é que também gosto bastante do estilo da segunda história. E ambos os tipos de ilustração encaixam bem na ambiência das histórias de Agatha Christie. 

E também convém dizer que, embora hajam as expetáveis diferenças no estilo de ilustração, que poderiam fazer alguns céticos ficarem de pé atrás relativamente à aposta da Arte de Autor em reunir duas histórias, de autores diferentes, num só álbum, devo dizer que, na minha opinião, esse foi um passo bem dado e uma aposta ganha. Os estilos de ilustração são diferentes mas encaixam bem um no outro. Há uma diferença harmoniosa, vá. 

Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
Onde as coisas não funcionaram tão bem foi na excução da capa. Devo dizer que a editora portuguesa não tinha aqui uma tarefa fácil. Se as duas histórias fossem dos mesmos autores, seria fácil. Usava-se apenas uma das duas capas aqui presentes. Algo como a Arte de Autor fez no brilhante Armazém Central, por exemplo. Agora, tratando-se de autores diferentes, compreendo que a editora tenha querido honrar o trabalho dos autores da segunda história. E então, decidiu oferecer cerca de um terço da capa à segunda história. Mas, o resultado visual não foi muito bom. Mesmo sublinhando novamente que o desafio de paginação de capa era grande, talvez(?) tivesse funcionado melhor utilizar a contracapa para a capa da segunda história – embora isso também fizesse com que se perdesse alguma uniformização com os outros livros da coleção da editora, reconheço. Ou então, poderia ter sido feita uma menção diferente à segunda história, com um género de sticker arredondado, que ocuparia menos espaço útil da capa mas que conseguiria ter uma chamada de atenção para a segunda página. É como digo: a tarefa não era fácil mas talvez existissem outras formas de conseguir uma melhor capa. A meu ver, é uma capa que não funciona bem. E é uma pena pois as ilustrações deste livro mereciam-no. 

Mas claro, todo o restante trabalho da Arte de Autor mantém os altos padrões de qualidade. Desta vez, com capa brilhante e dura e um livro com papel baço de boa gramagem. Nada a apontar nesse cômputo. 

Em conclusão, o mais recente álbum duplo da coleção da Agatha Christie, da editora Arte de Autor, é mesmo o melhor que já li desta coleção. A arte em Morte no Nilo é dotada de uma grande classe e virtuosimo por parte de Callixte. E quanto a O Misterioso Caso de Styles, mesmo não tendo uma arte tão fantástica como a primeira história, é, ainda assim, um excelente livro. Ambas as histórias estão muito bem adaptadas para a banda desenhada. Preparem-se, por isso, para misteriosas confissões e descobertas e mergulhem no mundo de Agatha Christie aos quadradinhos. 


NOTA FINAL (1/10): 
8.9 


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Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles, de Isabelle Bottier, Callixte, Jean-François Vivier e Romuald Gleyse
Ficha técnica 
Hercule Poirot - Morte no Nilo e O Misterioso Caso de Styles 
Autores: Isabelle Bottier e Callixte (Morte no Nilo) e Jean-François Vivier e Romuald Gleyse (O Misterioso Caso de Styles) 
Editora: Arte de Autor 
Páginas: 136, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Outubro de 2020

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Análise: Odisseia

Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP


Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP
Odisseia, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba 

A adaptação para banda desenhada de Odisseia, o clássico de Homero, é o terceiro álbum da coleção Clássicos da Literatura em BD, que a Levoir lança em conjunto com a RTP. 

Bem diferente da adaptação anteior, Alice no País das Maravilhas, este Odisseia apresenta uma adaptação que procura sintetizar os principais momentos do grandioso épico de Homero – e concede suceder de forma aceitável nesse objetivo, diga-se – mas graficamente é um álbum bastante pobre. 

Relativamente, à obra, certamente já conhecida por muitos, conta-nos a jornada do herói Ulisses que, no final da guerra de Tróia, e depois da engenhosa ideia da utilização do célebre cavalo de Tróia para ludibriar os adversários, decide regressar a casa, a Ítaca, mas o caminho não é fácil. Confrontado com a cólera dos deuses do Olimpo, terá que enfrentar variadas ameaças como a ninfa Calipso, a princesa Nausícaa, os ciclopes, a feiticeira Circe ou as sereias. E quando consegue, por fim, alcançar a sua terra, terá ainda que castigar aqueles que, durante a sua ausência, assediaram constantemente a sua amada, Penélope. 

Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP
Há que dizer que uma narrativa, tão grande em dimensão e em episódios que sucedem a Ulisses, acabou por estar bem compilada nesta banda desenhada. É óbvio que todos estes episódios são pouco explorados e podemos ficar com a ideia que estamos a assistir a um desfile das aventuras genéricas de Ulisses, assim meio, a “despachar”. Mas, insisto que, ainda assim, o argumentista Christophe Lemoine conseguiu fazer um trabalho interessante neste cômputo. Quem não conhece a obra original, ficará com uma ideia global sobre a obra. E, por esse prisma, considero que esta bd consegue esse pressuposto básico. 

Todavia, é um álbum que não me deixou muito convencido e isso deveu-se especialmente à arte do ilustrador Miguel de Lalor Imbiriba. Mesmo para o nível da qualidade média das ilustrações desta coleção que, expetavelmente, não será nada de muito grandioso, a arte visual neste Odisseia parece-me francamente desinspirada, com falta de rigor e bastante pobre nos detalhes. Aqui e ali, encontram-se ilustrações bonitas mas são a exceção à regra, pois o mais frequente é que o autor não revele as aptidões que, na minha opinião, seriam necessárias para esta obra. Muitos desenhos acusam falta de profundidade nos cenários e algumas cenas de ação revelam mesmo algum amadorismo. O trabalho de cores também me pareceu pouco inspirado com vinhetas a terem pouca profundidade. No final, não são desenhos “horríveis”, naturalmente, mas é um trabalho que deixa bastante a desejar. 

Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP
Quanto à edição da obra, a Levoir dá-nos mais um livro com uma encadernação em capa dura, papel de boa qualidade e um dossier de extras muito bem-vindo, que acrescenta à história de banda desenhada, relevantes informações adicionais sobre o clássico da literatura original. A bd em si já permite que as crianças e jovens fiquem com uma ideia, bastante clara, da obra maior de Homero, mas estes extas permitem que essa ideia seja ainda mais bem formada. 

Há no entanto um erro nesta edição ao qual me é impossível fazer “vista grossa”. Antes de o referir, permitam-me dizer que todas as pessoas cometem erros. Em todos os quadrantes das suas vidas. Errar é humano, afinal de contas. Portanto, não sou, nem nunca fui, um “caça-erros” nas edições de banda desenhada. Qual é a graça de pegar num livro de bd e focar a nossa atenção nos erros em vez de se dar a primazia da nossa atenção à história e ilustrações? No entanto, há erros e erros! Diria que, errar no nome da própria obra será o erro mais crasso mas errar no nome dos autores será, concerteza, o segundo erro mais inadmissível que uma editora pode fazer. E, neste caso, nem estou a dizer que houve um erro ortográfico na colocação do nome dos autores. Não. Foi mais grave que isso. Na contracapa do livro a editora enganou-se em quem eram os autores da obra! E deixou os nomes dos autores do álbum anterior, Alice no País das Maravilhas, David Chauvel e Xavier Collette como se fossem, igualmente, os autores deste Odisseia! Não sei se isto me dá vontade de rir ou de chorar. E é difícil digerir isto, não? E também nem sei até que ponto não é algo que viola as leis do autor uma vez que a obra está a indicar que os autores daquela obra são outros, que não a fizeram. E, tanto quanto sei, a editora não se pronunciou sobre este erro crasso. Para que se possa corrigir este problema, será produzida uma manga para a obra? Um autocolante? Será emitido pela editora um pedido de desculpas aos autores da obra e público? Será feita uma nova edição, corrigida, que será oferecida aos leitores que compraram a obra? Infelizmente, algo me diz que nada será feito. E, quando assim é, a situação torna-se mais lamentável ainda. É que, errar é humano, claro. Mas também há erros e erros. Neste caso, vem-me à memória a expressão inglesa: “you only had one job”. Algo está muito mau nos procedimentos duma editora que se engana a colocar os nomes dos autores de uma obra que edita e que, nada faz para remediar essa situação. 

Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP
Em conclusão, esta é uma obra interessante, em que o trabalho do argumentista é bem conseguido mas que demonstra uma ilustração que acusa algumas fragilidades e incapacidades. O mais importante é que o cariz didático da obra, como em outras, consegue dar uma visão direta, simplificada e bem compilada dos principais acontecimentos que marcam a obra original de Homero, Odisseia


NOTA FINAL (1/10): 
6.5 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Odisseia de Homero, de Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba - Clássicos da Literatura em BD - Levoir e RTP

Ficha técnica
 
Odisseia
Autores: Christophe Lemoine e Miguel de Lalor Imbiriba
Adaptado a partir da obra original de: Homero
Editora: Levoir 
Páginas: 64 páginas, a cores 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Setembro de 2020