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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Análise: Ditirambos #4 - Noite

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
Ditirambos #4 - Noite, de Vários Autores

Foi recentemente que chegou às livrarias o quarto volume da antologia Ditirambos! Desta vez, passou-se um pouco de mais tempo entre o lançamento do último volume e o atual, cerca de 3 anos, mas posso dizer-vos que a espera foi compensada com mais um belo lançamento.

Para quem ainda não sabe, Ditirambos é uma antologia de banda desenhada que junta autores já com provas dadas em termos qualitativos. Uns são mais conhecidos ou ativos do que outros, mas todos eles já nos ofereceram obras de BD relevantes.

A antologia volta a manter a sua matriz: um mote único - que, neste caso, é o da Noite - e um constrangimento formal rigoroso de quatro páginas por história, o que, naturalmente, força cada um dos autores participantes a uma certa "ginástica" de síntese narrativa e de soluções visuais inventivas. 

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
A coesão que depois a obra consegue adquirir não é, pois, conquistada pela continuidade visual ou narrativa, mas antes por esse tema comum que, sendo neste caso algo tão abrangente como a "Noite", permite variadíssimas interpretações narrativas. O estilo visual, claro está, revela-se ricamente heterogéneo, sendo facilmente inidentificáveis os estilos dos autores Joana Afonso, Ricardo Baptista, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sofia Neto e Carla Rodrigues. E todos eles se apresentam em boa forma.

Já quanto às histórias, cada autor escolhe uma inflexão distinta sobre o tema, indo desde o onírico ao social, da fantasia ao slice of life, passando até pelo humor ou pelo horror. Como tal, é justo dizer que este quarto volume da antologia apresenta um andamento que, quer em termos de argumento, quer em termos de desenho, consegue ser pertinente e evitar qualquer tipo de monotonia. São histórias que não têm problema em captar a atenção do leitor.

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
É claro que, naturalmente, há histórias que ressoam mais do que outras em nós, consoante as nossas preferências, que serão sempre pessoais. No meu caso, devo dizer que, mesmo tendo gostado de todas as histórias, gostei especialmente das histórias A Esfinge, de Ricardo Baptista; Caçadores, de Raquel Costa e Nuno Cancelinha; Presas, de Francisco Ferreira e Sónia Mota; e Pesadelo, de Carla Rodrigues.

Não obstante as boas sensações que a leitura deste quarto Ditirambos me ofereceu, devo dizer que, desta vez, senti que algumas histórias careciam de maior desenvolvimento para se tornarem mais relevantes. Estou ciente, claro, da regra das quatro páginas por história, mas mesmo assim pareceu-me que alguns destes mini-contos precisariam de mais páginas para que os seus temas fossem melhor explanados. É, pois, interessante notar que, em volumes anteriores, certas histórias pareceram mais bem resolvidas dentro da mesma restrição, atingindo um equilíbrio mais feliz entre concisão e clareza narrativa.

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
Mesmo assim, não tenho dúvidas de que Ditirambos se mantém como uma das melhores antologias de banda desenhada em Portugal, com todos os autores a apresentarem-se num bom nível. 

Também em termos de edição, o livro volta a apresentar as mesmas características das edições passadas, envergando capa mole com badanas, bom papel baço no interior e boa encadernação e impressão. Volto a dizer: para um projeto independente, Ditirambos tem tudo de profissional e nada de amador.

Em suma, este quarto volume de Ditirambos confirma a iniciativa como uma das melhores antologias de banda desenhada em Portugal. Todos os autores apresentam trabalhos num bom nível, e o resultado global transmite uma rara sensação de profissionalismo, quer na escrita, quer na ilustração. O projeto contribui, inclusive, para desarmar um preconceito recorrente em certos espaços de discussão sobre BD: a ideia de que as antologias falham em consistência ou qualidade. Pelo contrário, Ditirambos mostra que um trabalho rigoroso e cuidado pode produzir uma antologia sólida e exemplar. Que o projeto continue a sua caminhada!


NOTA FINAL (1/10):
7.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira

Ficha técnica
Ditirambos #4 - Noite
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues
Editora: Edição Independente
Páginas: 52, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 x 258 mm
Lançamento: Maio de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Comic Heart nos últimos 5 anos!


Hoje apresento-vos aquela que foi a melhor banda desenhada editada pela Comic Heart nos últimos 5 anos. Bem sei que esta é uma chancela que, atualmente, pertence à cooperativa editorial A Seita, da qual já aqui fiz um TOP 10, mas tendo em conta o facto de a Comic Heart se especializar em banda desenhada de autores nacionais, faz sentido que se assinale quais as 10 melhores obras de banda desenhada que esta chancela lançou nos últimos 5 anos.

Até porque a Comic Heart tem no seu catálogo alguns dos nomes maiores da banda desenhada nacional, o que revela bem a importância que foi conquistando ao longo da sua história recente.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Deixo-vos então, mais abaixo, com as 10 melhores bandas desenhadas editadas pela Comic Heart nos últimos 5 anos:

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Antologia "Ditirambos" está de volta!




Este é um dos projetos da BD nacional independente que mais acarinho e que acaba de lançar o seu 4º volume!

Já aqui escrevi sobre os volumes dois e três desta antologia. Aquilo que aprecio no projeto Ditirambos é que, embora independente, a qualidade das histórias ao nível do aprumo narrativo-visual é, quanto a mim, superior às restantes antologias portuguesas de banda desenhada. E refiro isto, claro, sem desprimor para todas as antologias de banda desenhada que, naturalmente, também são importantes.

Ditirambos é, quanto a mim, uma antologia que, embora independente, parece feita por uma editora profissional. A este nível, coloco também o projeto Umbra, de qual também sou muito admirador.
Este quarto volume, intitulado Noite, já foi apresentado no passado fim de semana, no Maia BD, e terá nova apresentação no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, que arranca já nesta sexta-feira.

Por agora, deixo-vos, mais abaixo, com a nota de imprensa deste Ditirambos #4 - Noite.


Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues


Um ditirambo é um canto coral exortativo que nos chega da antiguidade clássica grega. Nele, uma multitude de vozes une-se em homenagem ao deus Dioniso.

É também uma multipremiada antologia de banda desenhada de autores portugueses, cujas distintas técnicas e vozes narrativas obedecem, para além do mote, a um único requisito: 4 páginas.
O primeiro volume explorou o conceito de “Êxtase”, com as contribuições de Ricardo Baptista, Nuno Filipe Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira e Sofia Neto.

Para o segundo volume – “Abismo”, juntaram-se-lhes as vozes dos autores e ilustradores Joana Afonso, André Caetano e Carlos Drave e da autora Sónia Mota.

No terceiro volume – “Fauna” a colaboração de Carlos Drave dá lugar à da autora e ilustradora Carla Rodrigues.


O Volume 4 – Noite, repete, em 2025, a dose, com Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues.


Histórias incluídas:

“Ciclo”, Joana Afonso
“A Esfinge”, Ricardo Baptista
“Que o Sol Volte a Brilhar”, André Caetano
“Caçadores”, Raquel Costa (arte) / Nuno F. Cancelinha (argumento)
“Prima Nocte”, Diogo Carvalho
“Presas”, Francisco Ferreira (arte) / Sónia Mota (argumento)
“Perseidas”, Sofia Neto
“Pesadelo”, Carla Rodrigues

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Ficha técnica
Ditirambos #4 - Noite
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues
Editora: Edição Independente
Páginas: 52, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 x 258 mm
PVP: 14,00€ (Edição limitada a 200 exemplares)

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Análise: Sol

Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart

Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart
Sol, de Diogo Carvalho

Embora de espírito e trato jovial - e até de idade - Diogo Carvalho é um autor de banda desenhada que eu já considero "veterano". Pelo menos, a julgar pelo simples facto de o autor já se ter iniciado na publicação de banda desenhada há bastantes anos. Especialmente, no lançamento de histórias curtas em várias antologias, mas também nas obras a solo Cabo Connection e em Obscurum Nocturnus.

Há umas semanas, ainda durante o Maia BD, foi lançada aquela que é, até à data, a obra de maior fôlego de Diogo Carvalho e que dá pelo nome de Sol. E posso dizer-vos que este livro me conquistou a vários níveis!

Se as ilustrações de Sol são belas, isso já não seria uma grande surpresa para aqueles que acompanham o trabalho de Diogo Carvalho. O que foi uma surpresa para mim neste Sol, foi a qualidade do argumento do livro que se assume, desde já, como um sério candidato a melhor argumento nacional de 2024. E quando falo na "qualidade do argumento" - e convém refrescar a memória de todos aqueles que se esquecem disto - não me refiro a uma “história bonita” ou “história filosófica” ou “história intelectual”… Refiro-me, isso sim, a uma história bem arquitetada, bem montada, bem pensada. E Sol é isso tudo. Simples e até expetável, concedo, mas muito bem construída.

Mesmo sendo uma história (aparentemente) pensada para o grande público, que parece remeter-nos para filmes blockbusters - assim, de memória, enquanto lia este livro, vieram à minha memória filmes como Star Wars, Mad Max, Avatar ou Blade Runner - e que, por esse motivo, pode dar a falsa ideia de que se trata de uma "mera historiazinha comercial", Sol é uma história comercial, ou com appeal comercial, sim, mas sem o "mera" e sem o sufixo "zinha", pois está carregada de pormenores deliciosos e numerosas camadas que a tornam "complexamente simples" - ou "simplesmente complexa", como preferirem. E isso é algo típico nos filmes de culto que marcaram eras. Nos quatro que já mencionei e em muitos outros! Como tal, considero que Sol conquistará, com a passagem dos anos, a etiqueta de “BD de culto” nacional. No momento presente, esta afirmação pode soar a exagero, mas daqui a uns 10 anos, veremos se não tenho razão.

Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart
Para este construto de diversas camadas contou, imagino, o longo período que o autor tomou para construir este épico. É que, como Diogo Carvalho teve longos anos a trabalhar neste livro, vê-se que houve tempo e oportunidade para repensar e incluir novos detalhes que contribuíram para a riqueza narrativa da obra. Dito por outras palavras, houve tempo para amadurecer a história, as personagens, os diálogos e o ritmo narrativo. Exemplifico esta ideia recorrendo à música. Tal como na música existem canções em que, independentemente de serem boas ou más, fica perceptível que o processo de construção foi simples e linear, quase em torno de uma inspiração genuína do momento, como Yesterday, dos Beatles, por exemplo, também outras músicas há, onde fica visível que o processo de escrita musical foi complexo, amadurecido, planeado e refletido como Bohemian Rhapsody, dos Queen, God Only Knows, dos Beach Boys ou, para voltar a citar Beatles, Strawberry Fields Forever. Sol não é uma Yesterday, mas sim uma Strawberry Fields Forever. E, repito, trata-se de uma história para o grande público e que não tem medo de ser comercial.

Sol é, aliás, a prova sumária do que para se ser comercial, não é necessário ser-se simplório ou básico. Ao invés, importa, a partir de uma génese simples, unir bem as pontas entre si e ter uma história e um conjunto de personagens suficientemente apelativos para um grande número de pessoas. Se conseguirmos isto, talvez possamos almejar ser comerciais. Não é para todos, é para quem pode. E Sol tem essa valência de conseguir ser adequado para os miúdos de 13 anos que desejam algo que os remeta para um mundo longínquo de aventuras, e ser igualmente adequado para os os graúdos de 53 anos, que têm aqui uma homenagem aos melhores livros e filmes de aventuras que marcaram várias gerações. Se pusermos a soberba e o pseudoelitismo de fora, Sol não só é um dos livros do ano, como é um dos livros dos últimos anos na produção de banda desenhada nacional. Não há como evitá-lo: é obrigatória a sua leitura.

Mesmo assim, nem tudo são rosas. O livro não é perfeito, embora esteja muito bem feito. Mas já lá irei.

Voltemos um pouco atrás. 

Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart
Já me estou a alongar muito e ainda nem sequer falei da história de Sol, que decorre num futuro longínquo, em planetas distantes. À boa maneira de um western clássico, a história arranca quando uma jovem misteriosa de nome Sol chega ao planeta Eve 979183, à cidade de East of Eden. A xerife Nia, que controla os desígnios dessa localidade, olha com desconfiança para Sol. E toda esta desconfiança resulta da forma como os humanos têm estado a explorar os planetas. De um modo usualmente humano, os recursos dos planetas vão sendo explorados sem eira nem beira, sendo depois, quando já não são bons assets para os humanos, votados ao esquecimento. Alguma parte da população desses planetas permanece nos mesmos, ousando resistir e encontrar uma forma de vida. Neste caso, o planeta principal, ou central, é Ithaca e é aí que residem as classes mais ricas com mais capacidade para explorar os restantes planetas.

Tentando não contar mais do que o necessário, a personagem Sol encontra-se numa luta pessoal para alcançar um recurso natural que, aparentemente, tem propriedades curativas. Toda a restante história, onde não faltam momentos de ação, anda à volta disso. 

Há espaço para vilões, para personagens que funcionam como comic relief, para uma personagem que, parecendo inicialmente antagónica, acaba por se revelar companheira de Sol... enfim... temos direito a todos os clichets, sim, mas reformulados e renovados. Diogo Carvalho não imita diretamente nenhuma obra e, ao mesmo tempo, presta homenagem a um sem número delas. 

E se, tratando-se de uma distopia, a história pode parecer complexa, devo dizer que Diogo Carvalho faz um ótimo trabalho em explicar como funciona todo este universo futurista de ficção científica. Digo-o muitas vezes - e até já o escrevi aqui no Vinheta 2020, estou certo - que uma boa ficção científica resulta muito melhor se conseguir, ela própria, explicar os seus próprios pressupostos e ideias. E, também nesse ponto, Diogo Carvalho protege bem a sua criação, dotando-a de credibilidade. Coisa que, acreditem, e mesmo em termos de autores internacionais, é muitas vezes esquecida em obras de ficção científica.

Como nota menos positiva sobre a história, não sei se seria necessário que, já depois da ação principal da história terminar, houvesse um “segundo final” em que nos é mostrado o que aconteceu à população local, passados seis meses. É algo muito advindo dos filmes e séries dos anos 80, lá está, mas que, quanto a mim, acaba por ser redundante e possivelmente desnecessário. Mas reconheço que é uma questão subjetiva e uma opção que também se aceita.

Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart
O desenho do autor é fiel ao estilo a que já nos habituámos. Chega a impressionar em muitos momentos, brilhando especialmente em cenas de ação ou perseguições em alta velocidade que, felizmente, há com fartura. Em termos de concepção de personagens, de cenários, de veículos e, portanto, ao nível do world building visual, é notável o trabalho do autor. 

Mesmo assim, também é verdade que, em alguns momentos, se sente uma certa rigidez física de algumas personagens e que, aqui e ali, pode ser encontrada uma ou outra expressão visual ou construção anatómica que necessitariam, por ventura, de algum aprimoramento extra. Mas mesmo não sendo perfeito em todos os momentos, são igualmente muitos os outros em que Diogo Carvalho nos dá um trabalho verdadeiramente inspirado e em bom nível em termos de desenho.

A utilização da planos em primeira pessoa, à boa maneira de um videojogo FPS, não só está especialmente bem conseguida em termos narrativos, contribuindo para que sejam acrescentadas camadas de personalidade à protagonista, como, visualmente falando, contribui para uma boa dinâmica e diversidade, já que até a própria técnica de desenho, a lápis de carvão, em detrimento da tinta da china utilizada na restante história, permite uma certa beleza visual que é bem vinda e, mais uma vez, acrescenta algo ao todo.

A edição d’A Seita e da Comic Heart apresenta capa dura baça, bom papel baço no miolo, e um bom trabalho ao nível da encadernação e impressão. No final do livro, há uma generosa galeria de extras com 8 páginas, que é constituída por um belo e completo conjunto de esboços e estudos de personagem que, ainda por cima, são complementados com comentários do autor, o que torna os extras do livro em algo muito bem-vindo. 

Nota menos positiva, no entanto, para a opção por um formato demasiado pequeno para a edição da obra. Tendo em conta, especialmente, a diversidade e dinâmica na planificação utilizada pelo autor ao longo da obra, que chega a ter pequenas vinhetas quadradas, parece-me óbvio e inquestionável que a opção por um formato maior - e não apenas "ligeiramente maior" mas "bastante maior" - teria feito mais justiça à obra.

Concluindo, Sol é mais uma excelente notícia para a banda desenhada nacional! Podendo não ser perfeita, esta é uma obra de puro entretenimento - sem medo de o ser - e está especialmente bem construída e amadurecida pelo autor. Noutra ocasião, diria que estávamos perante a obra de afirmação de um autor. Mas como, neste caso, falamos de Diogo Carvalho, um autor veterano e bastante experiente na feitura de banda desenhada, digo até algo quiçá mais eloquente: Sol é "a obra de uma vida" de Diogo Carvalho.


NOTA FINAL (1/10):
9.1


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Sol, de Diogo Carvalho - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
Sol
Autor: Diogo Carvalho
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 160, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 175 x 245 mm
Lançamento: Maio de 2024



quinta-feira, 23 de junho de 2022

Análise: Ditirambos #3: Fauna


Ditirambos #3: Fauna, de vários autores

Mais um ano se passou e mais uma edição da antologia de banda desenhada Ditirambos foi lançada no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja. Este é o terceiro volume e continua o bom trabalho que tem sido feito por este talentoso conjunto de autores nacionais.

Atualmente, Ditirambos é atualmente a minha antologia portuguesa de banda desenhada preferida. Acho que é uma "coisa" com cabeça, tronco e membros. Bem pensada, com um tema comum e com a regra das “quatro páginas por história”, parece-me uma coisa estruturalmente bem feita. Ora, adicionando a esta coleção vários autores com provas dadas na banda desenhada nacional, e que trazem consigo talento e personalidade, temos uma antologia que não me canso de recomendar.

O tema deste terceiro volume é a Fauna, um título que à semelhança do que foi feito nas duas edições anteriores, em que os temas foram o Êxtase e o Abismo, é suficientemente lato para que as abordagens – não só visuais, mas também ao nível do argumento – acabem por ser muito variadas. Lá por termos um estilo "cartoonesco" numa história, não quer dizer que, na história seguinte, não tenhamos um estilo realista no traço. Lá por termos uma história imensamente colorida com cores vivas, não quer dizer que a história posterior não seja a preto e branco. Ou seja, o resultado será sempre eclético. E isso é uma coisa de que eu gosto particularmente, pois acabamos sempre por ser surpreendidos à medida que vamos progredindo na leitura destas oito histórias.

De um modo geral, estas histórias estão bem conseguidas, permitindo-nos um vislumbre ténue ao trabalho e engenho de cada autor.

Os autores da segunda edição da Ditirambos transitaram todos para esta terceira edição, com a exceção de Carlos Drave, que saiu, e de Carla Rodrigues, que entrou. Portanto, para além desta última autora, participam nesta terceira edição Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Sónia Mota e Sofia Neto. Cinco autores e cinco autoras. Viva a igualdade!

Como são histórias de apenas 4 páginas, vou tentar falar delas de forma genérica, tentando revelar o menos possível para não estragar a leitura a alguém que, perspicazmente, compre o livro após a leitura desta minha análise.

Joana Afonso é para mim, um sinónimo de qualidade. E, portanto, não foi surpresa que a sua história, Ninhos, me tenha agradado. O seu estilo de desenho, tão próprio, mantém-se em boa forma e também gostei do conceito que a autora introduziu na sua história. O sentimento com que fico sempre, quando acabo uma história da autora, é o seguinte: "quero mais!".

Já André Caetano, outro autor que considero com um potencial enorme, dá-nos, em A Caçada, uma bela e serena história que nos remete para a labuta de uma raposa, que procura um cacho de uvas inalcançável, e a (melhor) forma para chegar ao fruto do seu desejo. Simples, mas muito eficiente. E destaco as belas ilustrações e cores com que o autor nos brinda.

Raquel Costa e Nuno F. Cancelinha assinam, em conjunto, a história Oração. Mais uma vez, temos umas belas ilustrações e universo visual magnífico, por parte de Raquel Costa. Adoro, verdadeiramente, os belíssimos desenhos da autora que considero serem “fora da caixa” e de uma beleza ímpar que me fazem viajar para longe do expetável. Já tinha ficado maravilhado com a história da edição anterior, Mise en Abyme, que considerei a melhor dessa antologia. Neste caso, com Oração, também me senti maravilhado embora ache que, do ponto de vista do argumento, é uma história que precisaria de mais páginas para melhor ser compreendida e desenvolvida. Acho que havia aqui potencial para um livro de 40 ou mais páginas, vejam lá! Portanto, se a sensação é boa… também causa um certo "sentimento de oportunidade perdida". Bem, não diria “perdida” porque isso não seria justo, mas sim "oportunidade mal aproveitada", vá.

Avançando para Mãe Gaia, de Diogo Carvalho, posso dizer que esta história traz uma mensagem biológica bastante relevante. Diogo Carvalho é um daqueles autores que sabe fechar muito bem as suas histórias e volta a demonstrá-lo neste pequeno conto. Além de que, tendo a tal mensagem biológica, também não achei que se tornasse demasiado paternalista. O que é uma coisa que marca pontos, quanto a mim.

Destinos
, de Francisco Ferreira na ilustração, e Sónia Mota no argumento, traz consigo uma curiosa divagação. Confesso que não achei a história muito lógica ou escorreita numa primeira leitura. Mas depois de a ler uma segunda vez, julgo ter captado bem a mensagem, o que me fez gostar da história. Embora tenha gostado da frescura desta história ser a preto e branco, e do próprio sentimento clean que essa opção dava às pranchas, senti que algumas das ilustrações precisariam de um maior cuidado, por parte do ilustrador.

Recreio, de Sofia Neto, é uma reflexão tensa e de um foro muito psicológico, quase a tocar o terror, que resulta muito bem do ponto de vista de planificação. Os desenhos são meio abstratos o que torna mais difícil a total compreensão das intenções narrativas da autora. Ao contrário da história anterior, julgo que, mesmo após uma segunda leitura, fiquei ainda à deriva em relação à mensagem ou reflexão que a autora queria passar. Claro que o problema, por vezes, também é do leitor e não do autor. Pode ser o caso.

Fauna Terrestre, de Carla Rodrigues, a tal autora estreante em Ditirambos, foi uma das histórias que mais gostei. Apreciei muito o seu carácter "cartoonesco", com cores bem vivas e um monólogo presente – sem diálogos, portanto – em que é feita uma boa analogia entre o homem contemporâneo e um qualquer animal selvagem. Simples, bem executado e com algum humor. Gostei muito.

Para o fim, deixo a minha história favorita deste Ditirambos: Ausência, de Ricardo Baptista. Tenho acompanhado as várias histórias que o autor já nos deu nos últimos tempos e devo dizer que, mesmo apreciando e gostando de todas essas séries, me parecia que o autor ainda andava à procura do seu próprio estilo de ilustração. E não digo isso como uma coisa boa, nem má. É o que é. Ou o que me parecia, vá.  Não obstante, e depois de finda a leitura deste Ausência, acho que posso afirmar que me parece que Ricardo Baptista encontrou o seu estilo próprio ou, pelo menos, conseguiu oferecer-nos o seu mais bem conseguido trabalho. Sem desprimor dos outros, entenda-se. Em Ausência, as cores, o desenho, a planificação, as expressões das personagens, os enquadramentos… está tudo feito de uma forma verdadeiramente impressionante. E já para não falar do argumento que é belíssimo e carregado de uma humanidade e de uma maturidade que é raro encontrarmos. A resolução e fim da história é magnífica, mostrando um autor que sabe dosear o enredo, que sabe guardar a emoção para a altura certa. E tudo isto numa história de 4 páginas! Li uma vez. Arrepiei-me com o final. Li uma segunda vez, acenei com a cabeça de forma aprovadora. Li uma terceira vez e senti o cabelo arrepiado. Maravilhoso trabalho. Apreciava e respeitava o trabalho de Ricardo Baptista mas com esta história, fiquei fã do autor.

Olhando agora para a edição, mantenho o que disse sobre o volume 2 da série: “tendo em conta que estamos perante uma edição de autor – limitada a 200 exemplares numerados - acho que o resultado é bastante agradável (...) Tudo muito clean e bem arrumado. A qualidade do papel é bastante aceitável e a capa mole tem a robustez necessária.”. Destaque ainda para a belíssima capa de André Caetano.

Devo confessar que gostaria que, em vez de 4 páginas por história, fossem 6 ou 8 páginas. Dessa forma, os autores teriam mais espaço para melhor desenvolver as suas histórias e nós, leitores, teríamos mais espaço para melhor mergulhar nos seus contos. Mesmo assim, também compreendo que isto seria, quiçá, desvirtuar o próprio conceito base original da antologia Ditirambos. Portanto, aceita-se.

Finalizando as minhas considerações, admiro muito estes jovens autores da antologia Ditirambos. Vê-se que há ali um gosto, uma personalidade própria e uma vontade em fazer algo refrescante, que todos devemos aplaudir e apoiar. É um grupo que muito aprecio. Não só pelas pessoas acessíveis, simpáticas e “sem tretas” que são como, natural e principalmente, pelo enorme talento e potencial que têm.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Ditirambos #3 - Fauna
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues
Edição de Autor
Páginas: 52, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 x 258 mm
Lançamento: Maio de 2022

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Mais abaixo, deixo o convite para a leitura das análise ao álbum anterior da série:




quarta-feira, 25 de maio de 2022

A Antologia DITIRAMBOS está de volta!


O terceiro volume da Antologia de Banda Desenhada Portuguesa Ditirambos prepara-se para ser lançado no próximo fim de semana, no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja.

Esta é uma antologia que resulta do esforço conjunto de autores portugueses. Uns são emergentes e outros são premiados. E em cada volume há um tema comum a todas as histórias. Se no primeiro e segundo número os temas foram, respetivamente, o Êxtase e o Abismo, nesta terceira empreitada o tema é a Fauna.

Devo dizer que só no número dois pude conhecer esta antologia e fiquei muito bem impressionado com este colectivo de autores. Não só com as pessoas acessíveis e simpáticas que são como, também, pelo enorme talento que têm.

E se a qualidade estiver ao nível do volume dois (o volume um não consegui ler, infelizmente), e certamente estará, devo dizer que recomendo totalmente a compra deste terceiro volume. Aproveitem porque a edição é (bastante) limitada.

Posso dizer ainda que a ilustração deste novo livro três, da autoria de André Caetano, está verdadeiramente espetacular!

A apresentação do Ditirambos #3 ocorrerá no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja no sábado, dia 28 de Maio, pelas 17h15, seguida de uma sessão de autógrafos às 20h30.

Abaixo, deixo-vos com a nota oficial sobre este lançamento e mais algumas imagens promocionais.

Ditirambos #3 Fauna, de vários autores

Um ditirambo é um canto coral exortativo que nos chega da antiguidade grega. Nele, uma multitude de vozes une-se em homenagem ao deus Dioniso.
É também uma antologia de banda desenhada de autores portugueses, cujas distintas técnicas e vozes narrativas obedecem, para além do mote, a um único requisito: 4 páginas.

O primeiro volume explorou o conceito de “Êxtase”, com as contribuições de Ricardo Baptista, Nuno Filipe Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira e Sofia Neto.

No segundo volume - "Abismo", juntaram-se as as novas vozes dos autores e ilustradores Joana Afonso, André Caetano e Carlos Drave e a autora Sónia Mota. Esta edição foi agraciada com dois prémios nos XIX Troféus Central Comics: Melhor Publicação Independente e Melhor Obra Curta para a história "Fissuras" de Diogo Carvalho. Está também nomeado aos Prémios Bandas Desenhadas 2021 nas categorias de Melhor Antologia e Melhor BD Curta editada em Antologia, com a história "Mise en Abyme" de Nuno Filipe Cancelinha e Raquel Costa.
O terceiro volume apresenta-nos 8 histórias de 10 autores nacionais, subordinadas ao tema “FAUNA”.

A diversidade técnica, narrativa e estilística faz deste volume um verdadeiro tesouro a descobrir, juntando nomes já consagrados da banda desenhada nacional a talentos emergentes. Neste terceiro volume – “Fauna” a colaboração de Carlos Drave dá lugar à da autora e ilustradora Carla Rodrigues.

A tiragem é limitada a 200 exemplares numerados.

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Ficha técnica
Ditirambos #3 - Fauna
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues

Edição de Autor
Páginas: 52, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 mm x 258 mm
PVP: 12,00€

NOTA: Venda directa por encomenda para o email ditirambosbd@gmail.com

Venda em eventos de apresentação e festivais de banda desenhada

Venda em livraria: Tinta nos Nervos (Lisboa), Mundo Fantasma (Porto), Dr.Kartoon (Coimbra), Convergência (online e eventos), MES (online)

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Análise: Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses 

Foi lançado há poucos dias o segundo volume da antologia de banda desenhada Ditirambos, que reúne um conjunto eclético de autores nacionais em 8 histórias, e cujo tema subjacente é o "Abismo". Nesse sentido, convém dizer que há, desde logo, um elemento que diferencia esta de outras antologias de banda desenhada que é o tal requisito único de que cada história não deverá exceder as 4 páginas por autor.

Isso traz consigo uma certa dinâmica interessante pois permite-nos, por cada história, um brevíssimo vislumbre a um novo e diferente universo extraído diretamente da criatividade do autor. O tema é comum, mas as abordagens ao nível do argumento e de arte visual diferem muito entre si. Neste segundo livro deste projeto, a âncora narrativa é, como já disse, o "Abismo", mas, e tendo em conta que é um conceito que é – ou pode ser- lato, as liberdades criativas são mais que muitas e, portanto, acima de tudo, julgo ser justo dizer que este livro resulta como que uma pequena amostra do quão bons são os autores portugueses. Quanto potencial há disponível para explorar.

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Isto, claro, se acontecerem duas coisas: por um lado, que as editoras possam dar a ajuda (leia-se "aposta") necessária para que estes autores possam publicar histórias mais longas e com boa distribuição/promoção e, mais importante que isso ainda, que nós, público, saibamos apoiar e glorificar estes autores, fazendo apenas uma coisa muito simples: comprar bd de autores portugueses. Não podemos chorar que em Portugal, em termos de modalidades desportivas, só se aposta no futebol se, em casa, quando vemos televisão, não damos audiência a outros desportos ou se não compramos bilhete para assistir a essas outras modalidades desportivas. Não podemos queixar-nos que em Portugal só se ouve a mesma música comercial sem alma se não compramos discos ou bilhetes para os concertos de bandas alternativas ou emergentes. Da mesma forma, não podemos queixar-nos que a produção nacional de banda desenhada não é boa, se não comprarmos livros de bd de autores portugueses. E podemos começar por fazê-lo, comprando este Ditirambos Vol. 2.

O rol de autores aqui presente é bastante vasto: Joana Afonso, André Caetano, Ricardo Baptista, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Carlos Drave, Sónia Mota e Sofia Neto. Alguns já acompanho há alguns anos. Outros eram desconhecidos pela minha pessoa. Mas, concluídas duas leituras deste livro, posso dizer que todas as histórias me cativaram. Por uma ou outra razão. Umas mais que outras, naturalmente, mas há em todas elas algum apontamento positivo a retirar.

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Fazendo, então, um pequeno comentário a cada um dos 8 contos que compõem esta antologia, optarei por falar muito pouco sobre cada uma das histórias desses contos, sob pena de tirar o prazer da leitura e da descoberta àqueles que forem ler o livro. Como são histórias muito pequenas em dimensão, parece-me mais avisado falar, de forma genérica, sobre aquilo que cada uma delas me fez sentir e qual a impressão geral da mesma com que fiquei.

Assim, e começando por falar da primeira história Origma, de Joana Afonso, posso, desde já, ser muito claro e muito sintético: sou um confesso fã da autora e acho-a um dos maiores talentos da banda desenhada nacional! Já escrevi aqui no Vinheta 2020 várias vezes isto, mas vou ter que me repetir: o signature style da autora é de uma originalidade e personalidade que são raros de encontrar. E eu sou fã desse estilo próprio da autora, ao desenhar belas histórias. A conceção visual das suas personagens, entre o grotesco caricatural e o que há de mais belo na expressividade humana, é algo que sempre me cativa. E esta história não é exceção. Obviamente a adição desta autora ao projeto Ditirambos foi uma excelente escolha.

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Depois, passamos para a história Abismo Criativo, de Ricardo Baptista, que apresenta um tom divertido e com uma boa dose de metacomunicação, se tivermos em conta que ele, o autor, e André Caetano, o outro autor que se lhe segue, são personagens de uma história onde é feita a ponte entre a dificuldade da criação de uma banda desenhada e, ao mesmo tempo, a forma livre e sem regras que essa mesma banda desenhada pode tomar. Assim queiram os seus autores. Um exercício criativo que tem continuação na história seguinte, onde André Caetano passa a assumir os comandos do argumento e da ilustração, continuando-a exatamente a partir do momento em que a mesma terminou. No fundo, há aqui uma certa “batotice” no conceito Ditirambos porque, basicamente, a história Abismo Criativo acaba por ter 8 páginas, em vez de quatro. No entanto, não é tanta “batotice” assim, já que cada autor ilustra e cria o argumento da sua parte que contém 4 páginas. Não sendo uma história tão memorável assim, é, sem dúvida, um exercício audaz e inteligente que apreciei e onde a paleta de cores garridas de Ricardo Baptista torna a primeira parte da história apelativa, bem como o traço grosso e caricatural, a preto e branco, de André Caetano funciona igualmente muito bem, sabendo ilustrar com humor a segunda parte da história.

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Diogo Carvalho apresenta-nos, no seu conto Fissuras, uma bela história que está entre as minhas preferidas deste livro. Num estilo slice of life, que nos coloca numa conversa mundana entre um casal de namorados, o autor cria, de forma inteligente, um mapeamento social de como começam as divergências entre dois seres. E como essas divergências ou diferenças, tão pequenas no início, quase irrelevantes, fazem nascer uma pequena fissura que cresce, de forma independente e gradual, até se tornar um abismo entre os tais dois seres. Conceito simples mas muito acertado, e que merece destaque ainda pela forma bem conseguida como o autor utilizou, de forma literal, as "fissuras" que vão nascendo e crescendo em cada uma das pranchas da sua história, até culminarem numa última página espetacular, onde a fissura já deu lugar a um abismo. Muito bom e muito inteligente na abordagem.

Depois, temos ainda as histórias de Carlos Drave, Titã; de Francisco Ferreira e Sónia Mota, Abimos; e Espontâneas, de Sofia Neto. Todas elas trazem abordagens interessantes. A primeira, de Carlos Drave, coloca-nos num universo sci-fi, apresentando-nos uma história que levanta algumas questões interessantes, mas que, a meu ver, poderiam ter sido mais bem exploradas, caso existissem mais páginas. Também Abismos nos coloca num ambiente de ficção científica, explorando os temas do sonho, da realidade vivida e sonhada, com um twist final interessante. Espontâneas traz consigo um conceito muito interessante das ervas daninhas e como as mesmas se formam. Não fiquei tão entusiasmado com o tratamento visual desta história (ou dos tons amarelados da mesma) mas devo dizer que a premissa deste conto está muito interessante. Quase ao nível das lendas do universo do folclore. Bem que poderia ser (isto se já não for?) uma lenda antiga.

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Por último, para o fim, guardei a história que mais me marcou e que considero, sem grandes problemas, como uma das melhores histórias curtas em bd que li nos últimos anos! Trata-se de Mise en Abyme, de Nuno F. Cancelinha e de Raquel Costa. Mas antes, permitam-me confessar algo: eu não conhecia o trabalho destes autores. Já tinha esbarrado nos seus nomes pela internet, já tinha visto várias ilustrações de Raquel Costa, mas não me lembro de ter lido (com atenção) nenhuma das suas histórias. Creio que nunca o fiz. E por isso, e lamentavelmente, a primeira história que li desta dupla criativa foi mesmo esta Mise en Abyme. E posso dizer que fiquei abismado (é esta a palavra certa!) com a profundidade do argumento, o tratamento que é dado ao tema, a planificação das quatro pranchas e a forma majestosa, cheia de personalidade, de emotividade e de impacto, com que a ilustração de Raquel Costa consegue suster toda esta narrativa. Tudo feito de uma forma miraculosa, impressionante e marcante! Argumento fantástico, narração fantástica e arte visual fantástica! E tudo isto em 4 páginas! É tão bom que quase me irrita! Uma história linda! Eu quero um livro – uma história grande, vá! – feita por estes dois autores!!! A bd portuguesa precisa disso!

Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Em termos de edição, e tendo em conta que estamos perante uma edição de autor – limitada a 200 exemplares numerados - acho que o resultado é bastante agradável. O livro apresenta uma capa fantástica – da autoria de Joana Afonso – e um bom grafismo. Antecedendo cada uma das oito histórias, há sempre uma página em branco com o(s) nome(s) do(s) autor(es) e, no final de cada história, há uma pequena biografia de cada um deles. Tudo muito clean e bem arrumado. A qualidade do papel é bastante aceitável e a capa mole tem a robustez necessária. Mesmo não sendo má, acredito que a impressão poderia ter uma melhor qualidade.

Portanto, em suma, Ditirambos é um projeto de qualidade indubitável na banda desenhada portuguesa. E este Abismo, especificamente, está repleto de boas ideias narrativas, de bons ilustradores e de duas coisas que lhe são transversais: talento e paixão. Paixão por contar histórias em banda desenhada e talento na forma como as mesmas podem ser concebidas! Cabe agora, a cada um de nós, amantes de banda desenhada, desbravar e apoiar este projeto. Pessoalmente, mal posso esperar pelo próximo número!

A nota que dou é uma nota global em relação ao todo.


NOTA FINAL (1/10):
8.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo, de vários autores portugueses

Ficha técnica
Os Ditirambos Vol. 2 - Abismo
Autores: Joana Afonso, André Caetano, Ricardo Baptista, Raquel Costa, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Francisco Ferreira, Carlos Drave, Sónica Mota e Sofia Neto
Editora: Edição de Autor
Páginas: 52, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa mole

Disponível para compra no site oficial do projeto.