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sexta-feira, 24 de junho de 2022

Análise: Armazém Central (Série Completa)

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp

Quando na apresentação do último volume de Armazém Central, que inclui os últimos tomos da série, As Mulheres e Notre-Dame-des-Lacs, e que ocorreu na última edição do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, a editora da Arte de Autor, Vanda Rodrigues, contou o porquê da aposta nesta série, fiquei de boca aberta e, mesmo sem lágrimas, com um brilho especial nos olhos, certamente. Dizia a editora que, por altura da publicação em França, no Festival de Angoulême, do último volume de Armazém Central, ficou apaixonada pela capa do álbum e, mesmo sem conhecer o livro ou a série, o decidiu comprar, embora várias pessoas lhe tivessem dito que esta era uma série longa e que não a perceberia lendo apenas o último álbum. Foi, mais tarde, ao ler um artigo meu sobre as bandas desenhadas que lamentavelmente tinham sido abandonadas por cá, e em que Armazém Central era uma das séries apontadas por mim, que Vanda Rodrigues ganhou novo ímpeto para apostar na série! Caramba! Nem imaginam o prazer e orgulho que me deu saber isto pela editora da Arte de Autor. Porque mesmo que eu tenha tido apenas 1% (ou menos) de responsabilidade em trazer a série para Portugal, é um autêntico prémio pessoal saber que contribui um pouco para que tal acontecesse, acreditem. Claro que para um "crítico de banda desenhada" como eu é fácil dizer que certas coisas são boas. No entanto, e para além dos autores, logicamente, são os editores é que merecem os nossos agradecimentos pelas boas apostas que fazem. E, portanto, acho que todos os leitores de (boa) banda desenhada deverão estar gratos à Vanda Rodrigues, pela sua bela aposta.

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Já muito escrevi sobre Armazém Central e, por esse motivo, convido os leitores do Vinheta 2020 a revisitarem, pelo menos, as duas primeiras análises que fiz à série. Quer aqui, como aqui. Mas agora que, há poucas semanas, foi publicado, pela Arte de Autor, o último volume da série, da autoria de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp, é tempo de fazer uma última análise à série.

E pego na frase que aqueles que me seguem já me ouviram dizer/escrever muitas vezes e da qual eu não fujo: "Armazém Central está entre as minhas três séries de banda desenhada preferidas de sempre!" Não comparo as séries com os álbum one-shot. Desses, também há tanta, tanta coisa que eu adoro e onde se calhar até terei mais dificuldades em fazer um top 3. Mas, em termos de séries de bd, que necessitam de um sentido de continuidade sempre cativante e impactante… então coloco Armazém Central no meu TOP 3, incluindo Blacksad, de Juanjo Guarnido e Juan Diáz Canales, que adoro da mesma forma. Qual será a minha outra terceira série a figurar neste top 3? Bem, normalmente esse lugar é mais mutável. O que até pode ser compreendido como a certeza de que Armazém Central e Blacksad são as minhas duas séries preferidas de sempre.

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Bem, mas falando menos de mim e mais da série Armazém Central, que posso ainda dizer sobre esta fantástica obra-prima da banda desenhada mundial? Pode uma banda desenhada mudar uma vida? Ensinar-nos o que é a aceitação do outro? Isso, de aceitar os outros, que ainda parece ser tão difícil para todos nós? Armazém Central anda lá perto! E fá-lo com subtileza, com maturidade e de uma forma despretensiosa. Não é, por isso, uma daquelas obras que assume uma função pregadora, de nos estar sempre a (tentar) incutir maneiras de pensar ou de ver as coisas de uma ou outra forma. E, também por isso, todas as belas mensagens que aqui nos são dadas, são através dessa forma, que todos deveríamos usar nas nossas vidas, que é a de colocar em perspetiva todo o tipo de preconceitos que ainda temos em nós. E só assim, alcançaremos um mundo mais humano, onde cada um de nós, seja uma mulher livre, um padre inseguro quanto à sua vocação, um doente mental, um homossexual, um adultero, um homem amargurado, um ex-soldado desfigurado, um conjunto de homens rudes ou um conjunto de mulheres presas à sua devoção religiosa… neste mundo há – só pode haver e tem de haver! – espaço para todos. E nesta vida passageira, que devíamos encarar como um único bilhete num carrossel que, dando voltas durante alguns anos, depressa chega ao fim. Não temos tempo suficiente neste mundo para o gastar a odiar os outros. Ou, como diria Matthew Bellamy, dos Muse, “don’t waste your time or time will waste you”.

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Esta é uma história maravilhosa sobre a vida e as pequenas (grandes) insignificâncias que a tornam humana. Que fazem de nós animais racionais e emotivos. Passando-se no ano de 1926 e sendo localizada em Notre-Dame-des-Lacs, uma pequena aldeia pertencente ao Quebeque, no Canadá, Armazém Central conta-nos a história das gentes desta aldeia. A personagem principal é Marie que, após perder o seu marido, que era o responsável pelo Armazém Central – uma loja que fornecia à aldeia todo o tipo de produtos que possamos imaginar - se vê confrontada com necessidade (obrigatoriedade?) de continuar com a sua vida. Da melhor forma que puder e conseguir. Acaba, pois, por ter que trocar de vida. Mesmo que até não o quisesse fazer. A partir daqui, surgem novas personagens na aldeia que a vão alterando. Porque, afinal de contas, a vida não é algo que seja imutável, certo? Pelo contrário, estamos sempre a mudar, mesmo que não demos conta disso. As mudanças são graduais, naturalmente, mas estão sempre à acontecer. E mesmo havendo resistência à mudança, porque há um enorme medo nos humanos perante o diferente e perante tudo aquilo que coloca em causa a normalidade reinante, a verdade é que, mais cedo ou mais tarde, de forma mais ou menos voluntária, todos acabamos por o fazer.

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Embora esta seja uma série com uma dimensão considerável de 9 tomos, a meu ver é apenas uma história longa com princípio, meio e fim. Não há aqui fillers para encher, só porque sim. Não. O que aqui há é uma história contada no ritmo certo, que não é muito rápido, é certo. Mas compreende-se o porquê disto se pensarmos que esta é uma história sobre a mudança numa sociedade. E uma mudança a sério na sociedade nunca acontece de um dia para o outro, certo? Portanto, nunca penso nesta série em volumes. Nunca penso algo como: “ah, aquele tomo é espetacular e aquele é mais fraco”. Não, nada disso. Olho sempre para Armazém Central como uma história apenas. É, pois, justo, analisá-la, descrevê-la, catalogá-la e mencioná-la sempre como um todo. Por isso, compreendam que falar de um tomo ou de outro será sempre muito semelhante para mim e é por isso que transcrevo o que escrevi na análise ao volume duplo Confissões e Montreal e que é transmissível a toda a série:

"Como sintetizar a vida humana, as relações que criamos, os medos que desenvolvemos, a necessidade de aceitação, a construção de valores - e respetivo reajuste dos mesmos? E como ultrapassar o luto com que nos vamos deparando ao longo das nossas vidas? E a propensão de ultrapassar as barreiras que se vão colocando na nossa jornada? Como adocicar a existência de vidas amargas? O que é que nos diferencia verdadeiramente dos animais? Será (apenas) a inteligência ou, também, o facto de criarmos relações intensas entre nós? Qual é, então, o papel de cada pessoa numa sociedade? Armazém Central propõe-nos, senão uma resposta a todas estas questões, pelo menos, um cuidado vislumbre para que, na pele de algumas personagens fictícias inesquecíveis, possamos ver o reflexo de nós mesmos. Esta é uma rara e singular obra-prima da banda desenhada. Como que um poema em que os versos são vinhetas e os sonetos são pranchas. O coração enche-se, o nó na garganta instala-se e o resultado desta leitura é algo que, dificilmente, deixará leitores insatisfeitos. Diria que, para conseguir apreciar este portento da 9ª arte, apenas é solicitado uma coisa aos leitores: que tenham sensibilidade e maturidade. Sem isso, talvez esta banda desenhada não possa ser apreciada. Afinal, aqui não há uma ação rápida. Nem pensar! As coisas vão acontecendo de forma lenta, suave e subtil. Assim são as mudanças numa sociedade, certo?

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Não me interessa, portanto, falar mais sobre a história que nos é dada pois acho que não é nos eventos que eu aqui poderia expor que está o maior interesse da série. É nas entrelinhas. Nas mensagens sempre presentes, embora mascaradas no quotidiano, aparentemente, mundano, daquilo que é vivido por estas personagens. Como escrevi previamente, “é nas entrelinhas, naquilo que fica por dizer, que Armazém Central sobe ao Olimpo das melhores bandas desenhadas que já li. Afinal, esta é uma história magnífica, adulta, profunda, madura e que se pode comparar a uma boa telenovela ou série de tv, daquelas em que criamos uma relação profunda com as personagens. E onde o enredo é tecido de forma magistral pelos autores Loisel e Tripp. O ritmo de ação é lento e comedido, convidando o leitor a mergulhar naquilo que aqui se passa. E o que se passa é de tudo um pouco: temas como a emancipação das mulheres, o desafio dos valores impostos, as opções sexuais, os problemas de foro psicológico, a luta entre homens e mulheres, o papel da religião, a solidão, etc.”

Olhando para o desenho, encontramos uma coisa bastante rara em banda desenhada. O álbum é escrito e desenhado por Loisel e Tripp "a meias". Já algumas pessoas me têm dito que isto é uma coisa bastante comum na banda desenhada, uma vez que há um autor que esboça e outro que arte-finaliza. Discordo. E discordo porque não é bem isso que aqui temos. O que aqui temos são dois autores que, unindo esforços, criam um novo autor. Um "Régis Tripp". Ou um "Jean-Louis Loisel", como preferirem. Isto porque os belos desenhos que aqui temos não são bem o desenho tipo de Loisel (embora o seu estilo se faça notar) nem são bem o desenho tipo de Tripp (embora, também neste caso, o seu estilo se faça notar). Portanto, há toda uma simbiose nas ilustrações dos autores que nos dá algo fresco, belo e único e envolto em muitas camadas gráficas que dão profundidade aos desenhos.

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
"O resultado é uma ilustração bastante detalhada, embora muito “riscada”, numa base de esquisso, que acentua as sombras de forma muito demarcada e rabiscada, conseguindo obter uma aura muito artística. E a este processo magnífico e cuidado de ilustração ainda se juntam umas cores suaves [da autoria de François Lapierre] que atenuam a força das sombras dos desenhos. É um estilo de ilustração que serve perfeitamente o tom humanizante e dramático das situações que habitam esta narrativa. O universo rural está magnificamente retratado. O estilo de desenho, típico na arte de Loisel, acentua as feições da cara, oferecendo-lhes um aspeto algo caricatural, mas sério no trato. Como se fosse um próprio mundo, extraído da mente dos autores. A forma como as emoções das personagens são tratadas é verdadeiramente excecional. Se um olhar diz muitas coisas, os olhares destas personagens dizem-nos mil coisas e, muitas vezes, um simples silêncio está repleto de muitas nuances e significados. E isso só é conseguido quando a arte da ilustração se transcende."

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Quanto à edição, a Arte de Autor fez um belo trabalho em toda a série. As capas são duras e com uma bela textura aveludada, tão suava ao toque. Bom papel, boa encadernação e boa impressão. Tudo bem feito. Vou ser sincero… quando a obra é excecional, como é o caso, mesmo que fosse impressa em papel de mercearia e em capa mole, eu já ficaria satisfeito. Mas, como uma cereja no topo do bolo, a edição da Arte de Autor para este Armazém Central está muito bem conseguida. 

Bem, talvez eu desejasse que a obra tivesse sido lançada em três volumes que reunissem os 9 tomos. Mas também compreendo que houve alguns riscos com esta coleção. A editora viu-se forçada a começar a publicar a série a partir do quarto e quinto volume (porque os primeiros três volumes já haviam sido publicados há uns anos pela ASA, relembro) e isso foi a forma conseguida para uma aposta algo arriscada. Felizmente, é com prazer que vejo que a série está a vender bem. 

Ainda falando na edição, apraz-me ver que, tratando-se de 4 álbuns duplos (mais o primeiro) que, logicamente, havia duas hipóteses para cada uma dessas quatro capas. E, felizmente, a editora (quase)  sempre escolheu a melhor capa. A capa do segundo volume é melhor do que a do terceiro e foi essa a escolhida; a capa do sexto volume é melhor do que a capa do sétimo volume e foi essa a escolhida; e a capa do nono volume é melhor do que a capa do oitavo volume e foi essa a escolhida. Bem, só mesmo a capa do quinto volume, Charleston, é, quanto a mim, melhor do que a capa do quarto volume, Confissões. Bem, mas isto sou eu a ser picuinhas e a emitir uma opinião meramente subjetiva. 

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Finalmente, tenho que dizer ainda que o último livro da série, As Mulheres e Notre-Dame-des-Lacs é complementado, no final, por um álbum de fotografias que sintetiza alguns dos momentos vividos ao longo da história e que, para além disso, ainda nos dá fotografias legendadas de eventos futuros que acontecem após o final do álbum! Mas que ideia tremenda dos autores e que bom tacto da Arte de Autor em ter incluído este importantíssimo extra, que vale quase como se houvesse um 10º volume da obra! Admito que me emocionei a ler este álbum de fotografias.

Voltando ao parágrafo inaugural desta análise, deixem-me ainda dizer que é com grande satisfação que vejo que duas das três séries que eu mais lamentei por não terem sido integralmente publicadas em Portugal, num dos primeiros artigos que fiz no Vinheta 2020, se encontram finalmente publicadas! Falo de Peter Pan, também de Loisel, que no ano passado foi integralmente publicada pela ASA por cá, e deste Armazém Central que agora também está integralmente publicada por cá. Dos meus três desejos, apenas falta a publicação integral da fantástica série Sambre, de Yslaire. Quem se chega à frente?

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor
Enfim, o meu texto já vai longo, portanto deixem-me concluir desta forma: que mais posso dizer sobre esta série? É autêntica poesia. Saibamos nós termos a sensibilidade, experiência de vida e maturidade para poder absorver essa poesia. “Estamos perante uma série maravilhosa, uma autêntica carta de amor à sensibilidade de cada um de nós e que merece ser (re)conhecida por mais leitores de (boa) banda desenhada. Sendo magnífica nas ilustrações, no argumento e nas questões que levanta, é uma obra fantástica que (também) nos ensina a ser mais humanos, tolerantes e a saber aproveitar e guardar as coisas boas da vida. E de quantas bandas desenhadas podemos dizer isso, afinal?

É uma série perfeita. Perfeita na sua feitura, perfeita nos seus intentos narrativos, perfeita na sua mensagem, perfeita nas suas personagens que todos parecemos conhecer sem, no entanto, conhecermos. Perfeita no seu todo, portanto. Uma série que sempre terá um lugar de honra na minha coleção. Tenha eu 38, 48, 58, 68, 78 ou a idade a que conseguir chegar nesta vida. Mudou a minha vida para melhor. Obrigado, Loisel. Obrigado, Tripp. E obrigado à Arte de Autor, nomeadamente à editora Vanda Rodrigues, por ter publicado na íntegra esta obra-prima da banda desenhada mundial.


NOTA FINAL (1/10):
10.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens dos álbuns. www.instagram.com/vinheta_2020



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Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Fichas técnicas
Armazém Central #1 - Marie
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 227 x 302 mm
Lançamento: Março de 2021

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Armazém Central #2 e #3 - Serge | Os Homens
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 227 x 302 mm
Lançamento: Julho de 2021

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Armazém Central #4 e #5 - Confissões | Montreal
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2020

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Armazém Central #6 e #7 - Erneste Latulippe | Charleston
Autores: Loisel e Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 227 x 302 mm
Lançamento: Setembro de 2021

Armazém Central – Série Completa, de Régis Loisel e Jean-Louis Tripp - Arte de Autor

Armazém Central #8 e #9 – As Mulheres | Notre-Dame-des-Lacs
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 194, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 227 x 302 mm
Lançamento: Maio de 2022

segunda-feira, 23 de maio de 2022

A Arte de Autor prepara-se para publicar na íntegra uma das melhores séries de BD!


... Pelo menos, para os meus gostos!

De todas as centenas, ou melhor, milhares de livros de banda desenhada que já li na minha vida, os 9 volumes que compõem Armazém Central, da autoria dos autores Régis Loisel e Jean-Louis Tripp, estão entre os meus preferidos de sempre!

Esta é uma história maravilhosa sobre a vida e as pequenas (grandes) insignificâncias que a tornam humana. Que fazem de nós animais racionais e emotivos. Uma obra-prima da banda desenhada mundial que, finalmente, é integralmente publicada em Portugal pela Arte de Autor.

Estou muito feliz por isto! Um bem-haja à editora!

E como se isto não fossem já notícias maravilhosas, relembro que este livro terá direito a apresentação, com a presença do autor Tripp, no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja como, aliás, já dei conta aqui.

Abaixo deixo-vos com a sinopse de cada um dos volumes que compõem este último livro duplo da série. Nota ainda para o facto deste livro incluir um álbum fotográfico como extra.


Armazém Central #8 e #9 - Les Femmes e Notre-Dame-des-Lacs, de Loisel e Tripp

Les Femmes

Novamente Inverno. Depois do Charleston, trazido de Montreal por Marie, ter varrido Notre-Dame-des-Lacs como uma fúria, os homens regressaram finalmente à floresta para trabalhar durante toda a estação fria. A calma pode finalmente regressar à aldeia. 
Mas nada diz que será por muito tempo... Porque Marie, depois de ter partilhado a sua cama com Ernest e o seu irmão Mathurin, descobre que está grávida, sem saber realmente quem é o pai - ela que sempre se achou estéril! 

Entretanto, Réjean, o jovem padre da aldeia, refugiou-se em casa de Noël, está tão perturbado pelas suas questões íntimas e existenciais que já não é capaz de desempenhar o seu serviço religioso. Os fanáticos da aldeia entram em pânico! Até se fala em ir ao bispo! Aonde é que tudo isto vai levar? 

Acabou-se o presidente da câmara, acabaram-se os sacerdotes, as danças selvagens, os amantes que vivem em pecado e os filhos sem pai... Não será isto simplesmente o sinal de uma maldição desencadeada em Notre-Dame-des-Lacs?
Notre-Dame-des-Lacs

Já não há presidente da câmara em Notre-Dame-des-Lacs, quase não há padre, Marie grávida de um pai que ninguém conhece, e as mulheres da aldeia num frenesim de compras como nunca antes se viu... 
O mundo foi para o inferno, lá em baixo na zona rural do Quebeque? É este o trabalho do diabo, o início do fim?

Não, claro que não, porque o que permeia cada imagem, cada cena, cada diálogo e cada personagem neste espectacular desfecho sob a forma de uma apoteose alegre é a felicidade! 

Loisel e Tripp tiveram obviamente um grande prazer em concretizar o destino de cada um dos protagonistas desta história com um humor irresistível, ao longo de alguns meses em 1928, quando passamos da neve profunda para o calor do Verão, tendo como pano de fundo o regresso dos homens da sua campanha. 

Aprendemos, entre muitas outras surpresas, o que acontece ao barco do velho Noël, o que atormentou tanto o jovem padre Réjean, ou o que esteve por detrás da inesperada gravidez de Marie... 

E a aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, no final deste final febril, celebrado como deveria ser por uma grande fogueira do Dia de Verão, entra por sua vez na modernidade.

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Ficha técnica
Armazém Central #8 e #9 - Les Femmes e Notre-Dame-des-Lacs
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 194, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 227 x 302 mm
PVP: 37,00€

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Armazém Central está de volta!!!




Acho que toda a gente que segue o Vinheta 2020 já sabe da minha enorme paixão por esta série fantástica de banda desenhada!

Não me canso de dizer que Armazém Central, de Régis Loisel e Tripp, é uma das séries de bd da minha vida! Há algo maravilhoso nas histórias e nas personagens daquela localidade distante da província canadiana!

E, para este Amadora BD, a editora Arte de Autor prepara-se para nos fazer chegar mais um álbum duplo, que contém os tomos 6 e 7, Erneste Latulippe e Charleston. Depois deste, fica apenas a faltar o último livro da série com os tomos 8 e 9.

Abaixo, fiquem com a sinopse da obra e respetivas imagens promocionais.

Armazém Central #2 e #3 - Erneste Latulippe e Charleston, de Loisel e Tripp

Erneste Latulippe

Na ausência de Marie, que ninguém sabe se e quando ela voltará de Montreal, Serge tomou a decisão de cuidar de seus negócios a partir de agora. É necessário abastecer Notre-Dame-des-Lacs, que carece de tudo desde que seu Armazém geral caiu em desuso. Infelizmente, não é tão simples. Os fornecedores de Saint-Simon, que só confiavam em Marie, recusam-se a dar crédito a Serge. A tensão aumenta na aldeia, dividida em dois grupos: aqueles que sentem saudades de Marie (especialmente os homens) e aqueles que estão felizes por ela ter partido (especialmente as mulheres), não a perdoando por ter "cometido um erro".

Enquanto isso, Marie diverte-se loucamente em Montreal, sai e multiplica os amantes. Mas ela tem saudades da aldeia ...

Charleston

Nada corre bem em Notre-Dame-des-Lacs! Desde o regresso de Marie e Jacinthe de Montreal, um novo vento sopra na aldeia: as moças da aldeia aproveitam os lindos tecidos trazidos para fazer novos vestidos, os homens ensaiam o Charleston e as velhas, claro, estão escandalizadas. Marie, por sua vez, aproveita mais do que nunca a sua viuvez. É hora de colocar as coisas em ordem! Excepto... quando o padre propõe eleger um novo presidente, ninguém quer concorrer!

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Ficha técnica
Armazém Central #6 e #7 - Erneste Latulippe e Charleston
Autores: Loisel e Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 29,00€

sexta-feira, 30 de julho de 2021

Análise: Armazém Central – Volumes 1, 2 e 3



Armazém Central – Volumes 1, 2 e 3, Marie, Serge e Os Homens, de Loisel e Tripp

Já aqui escrevi bastante sobre Armazém Central. Os leitores atentos do Vinheta 2020 saberão que esta é uma das bandas desenhadas da minha vida, marcará sempre presença entre as 3/5 melhores bandas desenhadas de sempre, para os meus gostos, claro está. Que eleva o género da BD a um patamar raro de qualidade. 

E se hoje faço esta análise conjunta aos volumes 1, 2 e 3, Marie, Serge e Os Homens, respetivamente, que a Arte de Autor teve a fantástica iniciativa de retomar, naturalmente irei transcrever muito daquilo que eu próprio já escrevi há uns meses, em Outubro, quando a editora portuguesa publicou o seu primeiro álbum duplo da série, que continha os volumes 4 e 5, Confissões e Montreal. Como foi o primeiro álbum que a editora optou por lançar – uma vez que, há uns largos anos, a ASA ainda tinha lançado os volumes 1, 2 e 3 em Portugal – tentei nessa minha análise fazer um breve resumo do enredo desta saga para conseguir situar os leitores que conheceram a série pela primeira vez.


Lembro-me que, nessa altura, também vi vários leitores céticos com o facto da editora ter começado a editar Armazém Central a partir dos volumes 4 e 5. Mas agora já ninguém pode chorar com isso. Menos de um ano se passou desde então e a Arte de Autor já lançou o primeiro volume, Marie, logo no primeiro semestre de 2021 e, há umas semanas, lançou mais um álbum duplo que contém os tomos 2 e 3, Serge e Os Homens. Ora, se tivermos em conta que no próximo mês de Setembro deverá chegar-nos o próximo álbum duplo com os volumes 6 e 7, Ernest Latulippe e Charleston, e que é expetável que no início de 2022 seja publicado o último volume, que reunirá os números 8 e 9 As Mulheres e Notre-Dame-des-Lacs, podemos dizer que, em pouco tempo, cerca de um ano e meio, teremos uma série de qualidade máxima, composta por 9 volumes, começada e finalizada pela Arte de Autor. Não será isso fantástico?! Logicamente que é!

E fantástica também é esta série, da primeira à última prancha, com uma inspiração, um requinte, uma elegância, uma qualidade por parte dos autores que a assinam, Loisel e Tripp que, se não é inédita, é muito rara de encontrar por esse mundo fora da 9ª arte.


Como já escrevi, embora seja uma série em 9 volumes, é uma saga muito equilibrada entre si, não havendo propriamente "altos e baixos". Na verdade, e a meu ver, apenas existem "altos". Portanto, é um daqueles casos em que me parece que os autores souberam contar uma bela história e ilustrá-la com altos padrões de qualidade, também. É, pois, justo, analisá-la, descrevê-la, catalogá-la e mencioná-la sempre como um todo porque, de facto, não sinto que se possa dizer que os tomos x são y é espetaculares e que os tomos a ou b são mais fracos. Não é isso que acontece aqui porque Armazém Central acaba por ser uma grande história que simplesmente se divide em 9 volumes. Como se fossem 9 capítulos de uma mesma história. Por isso, compreendam que falar de um tomo ou de outro será sempre muito semelhante e é por isso que optarei por aqui transcrever parte daquilo que já escrevi na análise a Confissões e Montreal e que é transmissível a toda a série:

«Como sintetizar a vida humana, as relações que criamos, os medos que desenvolvemos, a necessidade de aceitação, a construção de valores - e respetivo reajuste dos mesmos? E como ultrapassar o luto com que nos vamos deparando ao longo das nossas vidas? E a propensão de ultrapassar as barreiras que se vão colocando na nossa jornada? Como adocicar a existência de vidas amargas? O que é que nos diferencia verdadeiramente dos animais? Será (apenas) a inteligência ou, também, o facto de criarmos relações intensas entre nós? Qual é, então, o papel de cada pessoa numa sociedade?


Armazém Central propõe-nos, senão uma resposta a todas estas questões, pelo menos, um cuidado vislumbre para que, na pele de algumas personagens fictícias inesquecíveis, possamos ver o reflexo de nós mesmos. Esta é uma rara e singular obra-prima da banda desenhada. Como que um poema em que os versos são vinhetas e os sonetos são pranchas. O coração enche-se, o nó na garganta instala-se e o resultado desta leitura é algo que, dificilmente, deixará leitores insatisfeitos. Diria que, para conseguir apreciar este portento da 9ª arte, apenas é solicitado uma coisa aos leitores: que tenham sensibilidade e maturidade. Sem isso, talvez esta banda desenhada não possa ser apreciada. Afinal, aqui não há uma ação rápida. Nem pensar! As coisas vão acontecendo de forma lenta, suave e subtil. Assim são as mudanças numa sociedade, certo?
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Esta é uma série desenhada e escrita “a meias” pelos autores Régis Loisel e Jean-Louis Tripp. Ambos escrevem e ambos desenham. O processo é original porque, embora as ilustrações de Loisel nos remetam para outros dos seus trabalhos, como Em Busca do Pássaro do Tempo ou a adaptação para bd de Peter Pan (que a ASA recentemente publicou integralmente em Portugal), a verdade é que, em Armazém Central, os desenhos acabam por ser algo diferentes – e melhores, a meu ver – devido ao contributo de Tripp que acrescenta individualidade e profundidade às ilustrações. Os autores acabam por criar um terceiro ilustrador, através dos seus esforços conjuntos.


«O resultado é uma ilustração bastante detalhada, embora muito “riscada”, numa base de esquisso, que acentua as sombras de forma muito demarcada e rabiscada, conseguindo obter uma aura muito artística. E a este processo magnífico e cuidado de ilustração ainda se juntam umas cores suaves que atenuam a força das sombras dos desenhos. É um estilo de ilustração que serve perfeitamente o tom humanizante e dramático das situações que habitam esta narrativa.

O universo rural está magnificamente retratado. O estilo de desenho, típico na arte de Loisel, acentua as feições da cara, oferecendo-lhes um aspeto algo caricatural, mas sério no trato. Como se fosse um próprio mundo, extraído da mente dos autores. A forma como as emoções das personagens são tratadas é verdadeiramente excepcional. Se um olhar diz muitas coisas, os olhares destas personagens dizem-nos mil coisas e, muitas vezes, um simples silêncio está repleto de muitas nuances e significados. E isso só é conseguido quando a arte da ilustração se transcende.

Se graficamente é uma obra sublime, a história, sendo simples, é magnifica no seu todo também!»


Nestes primeiros três volumes, é-nos apresentada a pequena aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, situada numa pequena província do Quebeque, no Canadá, no ano de 1926. Esta é uma aldeia perdida no tempo, completamente rural, onde existe um equilíbrio natural – embora ténue, porque assim é o equilíbrio das sociedades criadas pelos Homens – quer a nível de valores, quer a nível económico, quer a nível sociocultural.

Félix Ducharme é o dono do Armazém Central – uma mercearia que vende todas as espécies de bens essenciais para a população local – e, logo nas primeiras páginas do primeiro livro, somos confrontados pela sua morte, que nos é narrada pelo mesmo, na primeira pessoa do singular. A partir daí, Marie, a esposa de Félix, do qual não teve filhos, fica sozinha e desesperada pois estávamos num tempo em que as mulheres mais não eram do que as sombras dos seus maridos. Sozinha e desamparada, Marie vê-se forçada a pôr mãos à obra e a travar o seu próprio destino. Passa então a ser ela a pessoa responsável pelo antigo negócio do marido. Naturalmente, qualquer mudança brusca e inesperada, traz consigo inúmeras dificuldades e pedras no caminho. Mas Marie é perseverante e com a ajuda de amigos, consegue reestabelecer-se.


Se o primeiro tomo é uma porta de entrada já por si fascinante para o mundo imaginado por Loisel e Tripp, é no segundo tomo, com a chegada de Serge, que irá proporcionar um abalo, a todos os níveis, na pequena aldeia de Notre-Dame-des-Lacs, que Armazém Central ainda se torna mais delicioso de acompanhar. Serge é diferente em tudo em relação à população da aldeia: é instruído, viajado, culto e parece saber um pouco sobre todos os assuntos. Logicamente, a sua chegada despoleta comportamentos e reações novos para aqueles que os rodeiam.

Quanto ao tomo 3, Os Homens, é o volume de um primeiro embate pessoal entre Serge, aqueles que já o admiram e aqueles que não nutrem por si tanta simpatia assim. Para os homens, pessoas rudes do campo que se encontravam fora de casa durante longas jornadas de trabalho na indústria lenhadora, Serge simboliza tudo aquilo que eles não são. E, logicamente, a primeira reação à diferença é a desconfiança e o desagrado. Neste terceiro volume também se sente que a relação de Serge e Marie está quase a consumar-se. Contudo, nem tudo é o que parece e no final do terceiro volume é-nos dada uma revelação inesperada.


Estes são os elementos base do enredo destes primeiros três livros. Mas é nas entrelinhas, naquilo que fica por dizer, que Armazém Central sobe ao Olimpo das melhores bandas desenhadas que já li. Afinal, e como já escrevi, «esta é uma história magnífica, adulta, profunda, madura e que se pode comparar a uma boa telenovela ou série de tv, daquelas em que criamos uma relação profunda com as personagens. E onde o enredo é tecido de forma magistral pelos autores Loisel e Tripp. O ritmo de ação é lento e comedido, convidando o leitor a mergulhar naquilo que aqui se passa. E o que se passa é de tudo um pouco: temas como a emancipação das mulheres, o desafio dos valores impostos, as opções sexuais, os problemas de foro psicológico, a luta entre homens e mulheres, o papel da religião, a solidão, etc.»

A edição da Arte de Autor é de qualidade máxima, como não podia deixar de ser: os livros têm capas duras com textura aveludada, que tanto aprecio, papel de primeira qualidade, boas cores, boa encadernação e boa impressão.

Os elogios parecem-me sempre fracos para elevar  ao nível justo e merecedo tudo aquilo que Armazém Central é e representa. Se, por algum motivo que a razão desconhece, eu fosse a entidade emissora de Certificados Digitais de Bom Leitor de BD, que atestassem quem eram os leitores requintados, sensíveis, profundos, maduros e com bom gosto de banda desenhada, então a leitura e conhecimento da série Armazém Central teria que ser um dos requisitos primordiais para obtenção desse Certificado.

Afinal, e termino como também terminei a análise a Armazém Central #4 e #5, estamos perante «uma série maravilhosa, uma autêntica carta de amor à sensibilidade de cada um de nós e que merece ser (re)conhecida por mais leitores de (boa) banda desenhada. Sendo magnífica nas ilustrações, no argumento e nas questões que levanta, é uma obra fantástica que (também) nos ensina a ser mais humanos, tolerantes e a saber aproveitar e guardar as coisas boas da vida. E de quantas bandas desenhadas podemos dizer isso, afinal? Esta é “A obra-prima” de Loisel e de Tripp e uma ode à banda desenhada enquanto género. Obrigatório conhecer!»


NOTA FINAL (1/10):
10.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Fichas técnicas
Armazém Central #1 - Marie
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2021


Armazém Central #2 e #3 - Serge e Os Homens
Autores: Régis Loisel e Jean-Louis Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Julho de 2021

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Lançamento: Armazém Central #2 e #3 - Serge e Os Homens





Esta semana chega-nos mais um livro da irresistível série Armazém Central, de Loisel e Tripp!

E, cada vez mais, há menos razões para que os leitores de boa (excelente!, maravilhosa!) banda desenhada não apostem na série. 

A Arte de Autor começou por lançar o álbum duplo, com os volumes 4 e 5 (Confissões e Montréal), no ano passado. Nessa altura, foram algumas as vozes que se insurgiram relativamente à ausência dos volumes 1, 2 e 3 - que anteriormente haviam sido publicadas pela editora ASA - nas livrarias portuguesas.

Em Março deste ano, a Arte de Autor publicou o primeiro tomo, Marie, e agora volta a publicar um álbum duplo com os tomos 2 e 3, Serge e Os Homens, respetivamente.
E não percam tempo na compra destes álbuns porque a editora já informou que o penúltimo álbum da série, com os números 6 e 7, Ernest LatulippeCharleston, deverá chegar às livrarias já no próximo mês de Setembro.

Ficará depois a faltar apenas a publicação do último álbum duplo que se espera no primeiro semestre de 2022. 

Confusos?

Eu explico aqui:
Armazém Central 1 - Marie - já publicado
Armazém Central 2 e 3 - Serge e Os Homens - publicado, a partir desta semana
Armazém Central 4 e 5 - Confissões e Montréal - já publicado
Armazém Central 6 e 7 - Ernest Latulippe e Charleston - será publicado em Setembro
Armazém Central 8 e 9 - As Mulheres e Notre-Dame-des-lacs - A publicar no primeiro semestre de 2022

Maravilhosa aposta!

Abaixo, fiquem com a sinopse e algumas imagens promocionais deste Armazém Central #2 e #3 - Serge e Os Homens.


Armazém Central #2 e #3 - Serge e Os Homens, de Loisel e Tripp

Quebeque, 1926.

Em Notre-Dame-des-Lacs, é ao armazém da Marie que todos se dirigem para as suas compras, se actualizarem e fazerem as suas confidências.
A chegada inesperada de Serge vai alterar os hábitos: a seguir a Marie, é toda a aldeia que aos poucos vai sair do conformismo. Nesta busca da felicidade, Loisel e Tripp, com sensibilidade e optimismo, contam uma história de emancipação através do conhecimento próprio.

Um relato a favor da tolerância, como os melhores filmes de Frank Capra.

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Ficha técnica
Armazém Central #2 e #3 - Serge e Os Homens
Autores: Loisel e Tripp
Editora: Arte de Autor
Páginas: 152, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 29,00€

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Análise: Peter Pan (Série Completa)

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público
Peter Pan, de Régis Loisel

Lembro-me que quando comecei este blog, logo no início de 2020, fiz um artigo sobre as bandas desenhadas que, infelizmente, tinham sido deixadas ao abandono pelas editoras em Portugal e que estavam entre as minhas bandas desenhadas preferidas de sempre. Eram elas Armazém Central, de Régis Loisel e Tripp, Sambre, de Yslaire e este Peter Pan, de Régis Loisel. É bom verificar que passou pouco mais de um ano desde que fiz esse artigo e, até esta data, já duas dessas bandas desenhadas passaram a ser (re)editadas em Portugal, para meu gáudio! Primeiro, Armazém Central, que passou a ser editado pela Arte de Autor e, mais recentemente, Peter Pan, que foi reeditado pela ASA, em parceria com o jornal Público. Sambre mantém-se deixado ao abandono em Portugal desde o quarto álbum, que foi editado pela extinta editora Witloof. Em França, a série prepara-se para chegar ao seu 9º e último álbum. Talvez depois da publicação desse 9º álbum alguma editora portuguesa aposte nesta série magnífica? A ver vamos.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Mas, por agora, centremo-nos em Peter Pan. Quando soube que a ASA iria apostar nesta série, publicando os seus seis volumes numa coleção lançada com o jornal Público, não pude deixar de ficar agradecido e maravilhado por esta aposta da editora portuguesa. Não apenas por ser uma série que vai ao encontro dos meus gostos pessoais de banda desenhada mas também, e principalmente, por ser inequivocamente uma obra-prima da banda desenhada mundial! Por esse motivo, a aposta da ASA em Peter Pan assume-se como sendo "serviço público", tal não é a importância e obrigatoriedade para um fã de banda desenhada que se preze, ter esta série na sua coleção.

Esta é a adaptação que Régis Loisel faz da obra original de J.M. Barrie que será, possivelmente um dos contos infanto-juvenis mais famosos de sempre. Conceitos como a terra do nunca, onde as crianças nunca crescem; a fada sininho; os meninos órfãos; o capitão gancho e o crocodilo que o persegue; os índios; as sereias; ou a habilidade de Peter para voar; passaram a fazer parte da cultura popular. E já nem falando no clássico de animação da Disney que tanto marcou o cinema e a sociedade. 

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Mas este não é um Peter Pan para crianças. A história é adulta, negra e pesada e está repleta de cenas violentas aterrorizantes, inúmeras cenas de nudez e uma linguagem que, por vezes, até é ordinária. Loisel fez a tarefa prodigiosa de misturar o universo fantástico de J.M. Barrie com o ambiente de uma Londres suja e pobre, bem ao jeito das obras de Charles Dickens, mais concretamente da sua maior obra, Oliver Twist.

A mistura destas duas vertentes, aparentemente díspares entre si, funciona perfeitamente e é a ignição para o arranque da história que procura ser a história da origem da criança que se recusava em crescer. Estamos em 1887 e Peter é apenas uma das muitas crianças londrinas que vivem na mais profunda miséria. O seu pai já não está neste mundo (?) e a sua mãe, consumida pelo álcool, trata-o com a mais profunda violência psicológica. Os seus amigos são as crianças de um orfanato a quem Peter conta inúmeras histórias que funcionam como escape para a dura realidade que rodeia todos eles. Felizmente para Peter, este conhece Kundal, um velho médico que lhe dá de comer, enquanto o ajuda na sua educação. É por isso que Peter é das poucas crianças que sabe ler e escrever. E é lendo o velho livro que o seu pai lhe tinha deixado, que Peter trava contacto com uma pequena fada, que baptiza como Sininho. E é a partir daqui que Peter viaja da sua desencantada Londres para uma terra imaginária onde conhecerá personagens de todas as cores e feitios como fadas, sereias, piratas, índios, duendes, elfos e muitas outras criaturas mitológicas. O seu próprio mundo carregado de imaginação para onde foge, de modo a preservar o seu bem mais valioso: a sua infância e a sua ingenuidade.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Mas se esta Terra do Nunca parece um local de sonho, isso não quer dizer que não aconteçam também eventos horríveis. E um desafio com que Peter se depara, logo à partida, é a região de Opikanoba, onde cada um se vê forçado a enfrentar os seus próprios medos. A partir daqui, a trama vai-se adensando com um conflito sempre presente entre o capitão Gancho, que procura incessantemente o tesouro escondido na ilha, e Peter que, entretanto, passa a adoptar o nome de Pan por se sentir, de certa forma fundido nessa outra personagem que era o líder das criaturas mitológicas.

Há que dizer que há depois muitos avanços e recuos na história a que vou poupar os leitores do Vinheta 2020 para não lhes estragar o prazer da leitura. Mas, seja como for, há que dizer que Régis Loisel se mostra incrivelmente criativo nesta história. De certa forma, consegue até trazer mais coisas para a trama do que a obra original de J.M. Barrie. O que é algo de louvar. E isso leva-me a crer que Loisel tem necessariamente de ser um grande admirador do conto original, olhando para a forma apaixonada e dedicada como tenta fazer crescer os eventos, as personagens e os seus intentos, em relação à obra original. 

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Já para não falar da enorme quantidade de significados ocultos e metáforas com que polvilha este Peter Pan. Até as coisas mais ínfimas parecem trazer uma dupla interpretação à história. E se isto é verdadeiramente genial, talvez traga consigo o único defeito – se é que assim se lhe pode chamar – desta obra majestosa. Mas, quanto a isso, já lá irei.

Sobre a história, resta-me ainda dizer que achei delicioso que certas coisas que todos nós conhecemos na obra original, recebam aqui uma resposta que justifica o porquê de tal coisa. Exemplos: acabamos por descobrir a razão que leva Gancho a ficar sem uma mão, como é que Sininho ganha esse nome ou até mesmo qual é a razão que leva Peter a assumir o nome de "Pan". 

Para além de tudo isto, onde a história também é verdadeiramente sublime é na abordagem de psicologia que traz consigo. Com efeito, sublinha-se a questão da infância enquanto uma idade que, contrariamente ao que todos nos parecem ensinar, é violenta e descaradamente marcante na vida dos adultos. Todos os adultos já passaram pela infância e todos eles, de forma melhor ou pior, acabaram por crescer. E crescer significa ganhar ou significa perder? Será a idade da infância o nosso mais fértil período? E, por esse motivo, o mais perigoso período? E serão os sonhos e a vida que temos na imaginação uma outra forma de realidade, já que condiciona de forma concreta a nossa vida, dita “real”? E qual a importância de uma mãe nas nossas vidas? Conceitos adultos e oriundos do universo da psicologia, como o complexo de Édipo, a maternidade não-assumida ou violência infantil são trazidos por Loisel para esta adaptação.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Se há uma única crítica, menos positiva, que posso fazer a este Peter Pan é que não me parece que a história fique verdadeiramente resolvida. E quando digo isto, não me refiro ao facto de eu gostar ou não do final que Loisel escolheu para a sua obra. Ou por ser um final “aberto”. Não. Refiro-me, isso sim, ao facto de me parecer que Loisel embora tenha sabido abrir brechas na trama tão relevantes e pertinentes, acabou por não as agarrar na íntegra. Faz perguntas, levanta questões, faz sugestões, desenvolve muito bem a componente metafórica de toda a história mas depois, parece que não agarra todas essas belas ideias. Que deixa cair algumas dessas ideias sem que atribua à sua história um sentido de closure. De plenitude. Por outras palavras, ao longo da história Loisel levanta tanto as expetativas que, à medida que nos vamos aproximando do final, sentimos um subaproveitamento de tão maravilhosas ideias, analogias, metáforas e recriação da obra de J.M. Barrie. Talvez se a obra tivesse mais um ou dois volumes fosse possível agarrar e resolver todas as pequenas e grandes ideias de Loisel.


Quanto à arte ilustrativa, estamos também perante uma obra acima da média. A arte de Loisel é uma coisa magnífica em Peter Pan. Não que sejam os desenhos mais bonitos de sempre. Loisel não é aquele autor que nos vai dar as personagens mais bonitas na banda desenhada. Mas, por ventura, conseguirá algo muito melhor e mais raro do que produzir “apenas” desenhos bonitos: o autor consegue criar um universo próprio, onde as personagens são compostas por um traço cheio de dicotomias: ora belo na conceção, ora grotesco. As mulheres, de seios fartos e ancas generosas, ora parecem feias, com corpos deixados ao abandono e ao descuido, ora parecem belas em toda a sua voluptuosidade e curvas de perder de vista. As dicotomias estão por toda a parte e sentem-se particularmente nos desenhos de Loisel.

O traço de Loisel é nervoso, com o tratamento e conceção das personagens muito assente na caricatura e na utilização de expressões exageradas, que imprimem à narrativa um conjunto de sentimentos inequívocos que acentuam aquilo que passa para o leitor. Os cenários são belos, e a utilização de enquadramentos originais, como grandes-planos das faces das personagens ou perspetivas isométricas arriscadas, é sempre muito bem conseguida e inspirada.

Há ainda uma boa paleta de cores que dá vida às verdejantes florestas da ilha ou ao mar que a rodeia, bem como um belo jogo de sombras em cenas mais nocturnas. A parte da tempestade no mar também merece nota pela sua magnificência de ilustrações e cores.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

E para além de desenhar bem em termos técnicos há aqui outra coisa que quero destacar: é que em termos de character builiding, isto é, a forma como é imaginado - e depois recriado graficamente - cada personagem, é muito bem conseguida e mais outro dos trunfos de Loisel. Sininho e o seu corpo de ancas largas e grandes seios, que parecem estar sempre em vias de sair da sua apertada e sensual indumentária será, por ventura, o maior apanágio do que acabei de escrever. Mas, também a própria personagem de Peter, de dentes salientes, de Gancho, de tez sempre tão carregada, ou mesmo de personagens mais secundárias como a bela índia Lírio-Tigre, as sereias de fartos seios, Smee ou Pholus, são fantásticas. No total, Loisel cria de forma soberba um conjunto de personagens carismáticas em termos gráficos que não mais esqueceremos depois de feita a leitura desta obra.

Acima de tudo, os desenhos de Loisel são de uma profundidade enorme e únicos na sua forma de ilustrar, tão maravilhosamente, o belo e o feio, o delicado e o grotesco. Além de que outro dos feitos do autor é trazer uma tão grande variedade na concepção das suas personagens que acabam por nunca serem confundidas entre si e são tantas e tão variadas.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Um destaque deve ser dado ainda à forma como os desenhos de Loisel vão evoluindo de álbum para álbum. O primeiro tomo, Londres, apresenta muito menos detalhes nos cenários e na conceção das personagens, do que o último tomo, Destinos. Assim, as expressões de personagens como Gancho, Sininho ou o próprio Peter, vão ficando cada vez mais detalhadas e mais bem concebidas. Além de que a linguagem corporal das personagens, se já era boa no primeiro tomo, fica ainda melhor ao longo da série.

Quanto às capas, embora considere a capa do volume 2, Opikanoba, como bastante fraca e não muito bem conseguida do ponto de vista visual, há que reconhecer que há capas maravilhosas nesta série. Para além das fantásticas capas de Tempestade, de Gancho e de Destinos, onde temos uma Sininho carregada de mistério e erotismo, tenho que referir que a capa de Mãos Vermelhas, em que o autor teve a ousadia de fazer “apenas” um plano de detalhe da cara de Peter, é a mais magnífica e a minha preferida.

Quanto à edição da ASA, estes seis livros têm as características próprias dos livros a que a editora nos tem habituado: capas duras, boa encadernação, bons acabamentos e bom papel. Tal como referi no comparativo que fiz entre as edições da Bertrand e da Booktree, julgo que a edição da ASA está globalmente superior às edições antigas o que também é justificável pelo facto das técnicas de impressão terem, certamente, evoluído nos últimos anos. Estes novos livros têm melhores cores, sem dúvida. As capas também ficaram mais apelativas, sem aquela moldura verde dispensável que os livros antigos tinham. Lamenta-se que não exista nenhum dossier de extras tal como tinha o volume 3, Tempestade, editado pela Booktree. Mas é algo que, tendo em conta que houve uma tentativa de estandardização dos livros e que o preço de cada volume era bastante acessível, se aceita perfeitamente.

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Quero aqui demonstrar uma palavra de apreço perante a editora ao ter apostado nesta série. Durante muitos anos, sempre achei que as apostas que a ASA fazia em parceria com o jornal Público eram demasiado sóbrias, apostando em séries muito clássicas e de certa forma algo obsoletas. Muitas delas, recebendo novas edições para títulos que ainda se encontravam no mercado. Mas, desde o ano passado, a editora parece estar a mudar este paradigma. Primeiro, foi a aposta na interessantíssima série RIO que, confesso, me surpreendeu e foi, a meu ver, uma escolha muito acertada, dada a qualidade da obra e o certo desconhecimento da mesma que havia em Portugal. Agora, apostou em Peter Pan, colmatando um buraco editorial que havia em Portugal, pois nunca tinham sido cá editados os volumes 5 e 6. Mil vénias à editora! Pelo sentido de oportunidade, pela boa curadoria no que à qualidade de banda desenhada tem editado e por querer dar um passo em frente, e diferente, em relação aos últimos anos. Parece-me que esta aposta em mini-séries franco-belgas, com histórias finitas e contidas em si mesmas, como disso exemplo são RIO ou este Peter Pan, tem tudo para ser uma boa aposta. É por aqui o caminho certo, ASA.

Por fim, resta-me terminar dizendo que este Peter Pan de Loisel é uma autêntica obra-prima da banda desenhada mundial e é obrigatório numa boa estante de banda desenhada. Não fica nada atrás das igualmente geniais versões original de J.M. Barrie ou da fabulosa adaptação pela Disney. Não é “mais uma adaptação”. Régis Loisel acaba por ser um verdadeiro génio ao serviço da banda desenhada: porque desenha e escreve (ou reescreve) de forma absolutamente magistral. Se não atribuo nota máxima a Peter Pan é apenas porque me parece que não seja uma história verdadeiramente resolvida, como escrevi acima. Ainda assim, está perto da perfeição!


NOTA FINAL (1/10):
9.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Fichas técnicas
Peter Pan #1 - Londres
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Abril de 2021

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan #2 - Opikanoba
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Abril de 2021

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan #3 - Tempestade
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Maio de 2021

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan #4 - Mãos Vermelhas
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Maio de 2021

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan #5 - Gancho
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Junho de 2021

Peter Pan, de Régis Loisel - ASA e Público

Peter Pan #6 - Destinos
Autor: Régis Loisel
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Junho de 2021