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terça-feira, 9 de setembro de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela parceria A Seita/Arte de Autor nos últimos 5 anos!


Depois de um período de férias, regresso ao tema que fui desenvolvendo ao longo do mês de agosto: qual a melhor banda desenhada que cada editora lançou nos últimos 5 anos? O período dos 5 anos é apenas escolhido devido a ser o período de atividade aqui do Vinheta 2020. E porque é um número redondo, claro.

Hoje trago-vos algo um pouco diferente: em vez de me focar na banda desenhada editada por uma editora apenas, trago-vos o conjunto de melhores obras editadas pelo esforço conjunto de duas editoras: a Arte de Autor e A Seita. Sei que já publiquei um TOP 10 sobre cada uma destas editoras, mas tendo em conta a muito prolífera parceria editorial entre A Seita e a Arte de Autor, apresento-vos o meu TOP 10 das duas editoras.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Eis então, as melhores obras que, quanto a mim, a Arte de Autor e A Seita já editaram em conjunto:

quinta-feira, 31 de julho de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pel' A Seita nos últimos 5 anos!



Hoje trago-vos aquela que, na minha opinião, foi a melhor banda desenhada lançada pela editora A Seita nos últimos cinco anos!

Recordo que esta iniciativa surge pela comemoração dos 5 anos do Vinheta 2020, que me fez olhar um pouco para trás e ver a enorme quantidade de excelente banda desenhada que por cá foi publicada durante um período bastante pequeno de cinco anos.

Tendo em conta o enorme sucesso que estes artigos estão a ter aqui no blog, já tendo eu feito artigos dedicados à Ala dos Livros e à Arte de Autor, prometo fazer o mesmo tipo de artigo para a melhor banda desenhada editada por cada uma das principais editoras portuguesas de banda desenhada durante o mês de agosto. Mesmo que, pelo meio, haja uma certa quebra devido às minhas férias que se avizinham.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Chamo a atenção para o facto de eu considerar que fará sentido fazer um TOP dedicado aos lançamentos que A Seita fez em conjunto com a Arte de Autor. Mas isso ficará para outro dia. Como tal, as obras lançadas em conjunto pelas duas editoras não foram tidas em conta para este TOP. Também a Comic Heart merecerá um artigo isolado.

Bem, sem mais delongas, deixo-vos a melhor BD lançada em exclusivo pel' A Seita.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Análise: O Corcunda de Notre Dame

O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita

O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita
O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess

Depois das fantásticas adaptações para banda desenhada de Drácula e Frankenstein, do autor francês Georges Bess, chegou-nos recentemente a sua terceira adaptação de clássicos da literatura mundial. Desta vez, a obra em questão é O Corcunda de Notre Dame (no original Notre Dame de Paris), de Victor Hugo, que, à semelhança das obras acima referidas, é publicada por cá pela editora A Seita, na sua coleção Nona Literatura.

Esta banda desenhada mergulha-nos na atmosfera sombria e intensa da Paris medieval, onde a catedral de Notre Dame se impõe como uma personagem quase viva, testemunha silenciosa das tragédias humanas que ali se sucedem em catadupa. Georges Bess opta por uma abordagem profundamente fiel ao original, distanciando-se das versões mais ligeiras e populares, como a dos estúdios Disney, o que confere à narrativa um peso e uma densidade que a tornam uma experiência mais exigente, mas também, diria, mais recompensadora.

O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita
E ao contrário da célebre adaptação da Disney que se centra quase exclusivamente na personagem do corcunda Quasimodo, esta adaptação, à semelhança do texto original, divide-se mais irmãmente  entre as personagens de Quasimodo, o corcunda que vive enclausurado na catedral, Esmeralda, a jovem cigana de beleza hipnótica, e Dom Frollo, o arquidiácono atormentado por desejos reprimidos e consequentes culpas. Aparecem ainda várias outras personagens que acabam por reclamar para si mesmas mais peso e relevância para o desenlace da história. A teia de sentimentos contraditórios, paixões proibidas e impossíveis, bem como os variados conflitos morais, habilmente arquitetada por Victor Hugo, é trazida à 9ª arte por Georges Bess, que consegue reproduzir todo esse peso narrativo, revelando-se, novamente, um mestre na forma como conduz a narrativa visual, equilibrando a grandiosidade do texto com uma componente visual notável.

Não posso negar que sou um verdadeiro fã destas adaptações de Georges Bess. Gostava do trabalho do autor em O Lama Branco ou Juan Solo, mas é nestas grandiosas adaptações a preto e branco que o virtuosismo do autor mais sobressai. Autor que, já agora, divide os créditos da criação da obra com a sua esposa, Pia Bess - embora essa informação não conste na capa da obra.

O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita
Do ponto de vista gráfico, este álbum é verdadeiramente uma obra de arte! O domínio do preto e branco por parte de Bess mantém-se fulgurante. As sombras profundas, os contrastes intensos e a expressividade das personagens conferem à obra um caráter dramático, ao mesmo tempo belo e perturbador. Os detalhes da arquitetura gótica de Notre Dame, os rostos marcados pelo sofrimento ou pela obsessão, tudo está meticulosamente desenhado, revelando um cuidado quase obsessivo com a fidelidade estética e emocional, por parte do autor.

Os desenhos do autor já me tinham arrebatado em Drácula e Frankenstein e voltam a fazê-lo neste O Corcunda de Notre Dame, embora reconheça que, em certos momentos deste livro - não tantos assim - se sinta uma ligeira oscilação no aprumo visual. Nada de muito gritante, mas um olho atento encontrará algumas vinhetas que aparentam ter recebido menos tempo ou atenção, com fundos mais vazios e traços menos elaborados e mais rabiscados. Reitero que são ligeiras oscilações e que, olhando para o todo, não comprometem a obra, mas fazem-se notar, sobretudo porque o padrão geral é tão elevado. 

Há momentos particularmente memoráveis nesta adaptação como certas cenas de grande tensão dramática ou passagens visuais que nos tiram o fôlego pelo seu impacto artístico. A cena da execução iminente de Esmeralda, por exemplo, é retratada com uma intensidade visual que encapsula perfeitamente o desespero e a injustiça da situação. Da mesma forma, a solidão de Quasimodo ganha vida nas sombras do campanário, numa representação comovente e profundamente humana.

Em termos de adaptação narrativa, a densidade da história original de Hugo impõe-se de forma clara. A complexidade dos enredos secundários, os múltiplos pontos de vista e as reviravoltas constantes podem tornar a leitura algo desafiante, reconheço. Mas se isso puder ser considerado como menos positivo, não será por culpa de Georges Bess, que opta deliberadamente por manter a estrutura e a profundidade da obra original, mas da própria história de Victor Hugo que, quanto a mim, tem alguns volte faces algo rebuscados. Enfim, convém não esquecer que a obra foi originalmente escrita em 1831, há quase 200 anos.

O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita

Portanto, será nesse sentido, na tal componente narrativa e não tanto na visual, que na comparação com as anteriores adaptações de Georges Bess, este O Corcunda de Notre Dame fica uns ligeiros furos abaixo. Quer Drácula, quer Frankenstein, apesar da sua densidade temática, apresentavam uma fluidez narrativa ligeiramente superior. Talvez isso suceda pelo facto de O Corcunda de Notre Dame ser mais enraizado em conflitos humanos e menos centrado em elementos fantásticos.

Seja como for, estamos aqui a falar de detalhes, importando destacar também o respeito quase reverencial com que Georges Bess trata a obra de Victor Hugo. Sente-se que o autor tem um gosto especial por esta história, o que se reflete na forma cuidadosa como a representa. E ao contrário de adaptações mais livres, esta é um tributo fiel, onde as palavras e os silêncios são igualmente poderosos. A escolha de manter o tom trágico, sem aligeirar a narrativa, é uma decisão corajosa e honesta, que dá credibilidade à obra.

Em termos de edição, o livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz, bom papel baço no miolo e um bom trabalho em termos de encadernação e impressão. Há ainda um caderno extra de 10 páginas que nos oferece um magnífico conjunto de ilustrações de Georges Bess.

Em suma, neste O Corcunda de Notre Dame, Bess entrega-nos mais uma vez uma obra de primeira linha, marcada por uma estética requintada e uma fidelidade intransigente ao texto de origem. Pode não ser a sua adaptação mais acessível ou imediata, e ficar uns pontos abaixo de Frankenstein ou Drácula, mas é um trabalho de elevado mérito artístico, que alia a qualidade gráfica à densidade literária, e que, por isso, é fortemente recomendado. 


NOTA FINAL (1/10):
9.2



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Corcunda de Notre Dame, de Georges Bess - A Seita

Ficha técnica
O Corcunda de Notre Dame
Autor: Georges Bess
Editora: A Seita
Páginas: 216, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 225 x 290 mm
Lançamento: Maio de 2025

segunda-feira, 28 de julho de 2025

As novidades de BD d' A Seita para o segundo semestre de 2025!



Hoje trago-vos as novidades de banda desenhada que a editora A Seita tem preparadas para o segundo semestre de 2025! E que belas novidades são elas!

Será um semestre especialmente apetitoso, pois a editora prepara-se para lançar várias obras de qualidade superior! Habitualmente, o segundo semestre d' A Seita costuma ser mais forte, pelo menos em termos de quantidade de lançamentos, e, mais uma vez, parece que é isso que vai acontecer, com boas propostas ao nível de obras franco-belgas, de mangá e de autores nacionais.

Ora vejam, em primeira mão, que novidades são essas, num discurso na primeira pessoa, que um dos editores responsáveis da editora, José Hartvig de Freitas, gentilmente me cedeu!

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Análise: A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou

Uma das mais recentes bandas desenhadas editadas pela editora A Seita - e, desta feita, através da chancela Comic Heart - foi este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos que hoje vos trago, que junta pela primeira vez a dupla nacional formada por André F. Morgado, no argumento, e Kachisou, no desenho. Autores dos quais, de resto, tenho as melhores impressões com base nas suas obras, das quais posso citar, por exemplo, O Infeliz Pacto de George Walden (Morgado) Quero Voar (Kachisou) ou as recentes adaptações de obras clássicas da literatura portuguesa da coleção da Levoir, que André Morgado tem feito com vários ilustradores brasileiros.

Olhando para as obras criadas até então, este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma alternativa deveras diferente face àquilo que os autores nos deram até agora. Este é um livro cuja catalogação afigura-se-me difícil. Dizer que é um livro para um público mais novo está correto, sim, embora seja uma afirmação redutora, pois este é um livro munido de um humor maduro, carregado de referências, que, por isso, também pode (e deve) ser lido por um público mais adulto.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma fábula moderna, com simpáticos animais - exceptuando os amargurados ratos - e reveste-se de um humor que varia entre o inteligente e o absurdo. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A história centra-se num sapo entediado com o pântano e com a sua rotina, que, num impulso de inconformismo, procura uma nova aventura. O que se segue, no entanto, não é o épico tradicional que o protagonista poderia imaginar, mas sim uma espiral de acontecimentos caóticos onde os animais passam a conseguir adquirir as características que nunca tiveram, como a capacidade para falar, para voar, para cantar, para saltar... enfim, para viver tal como os humanos. E tudo isso é conseguido através de amuletos mágicos comercializados pelo Sapo. Entretanto, a comunidade dos ratos decide ficar com enormes corpos musculados e procura a sua vingança por, historicamente, ser um classe animal tão desprezada e mal tratada por todos. No meio disto tudo, ainda entram na trama as caralhotas (pães) de Almeirim. Bem, só por aqui já dá para ver como este desejo do Sapo em alterar a sua vida nos leva a situações divertidas e inusitadas.

É praticamente impossível que o início desta aventura não nos remeta para O Vento nos Salgueiros, de Kenneth Grahame, e brilhantemente adaptado para banda desenhada por Michel Plessix, quando o sapo dessa história também sente um chamamento interior para ter uma aventura que o transporte da sua vida rotineira no pântano. Mas, claro, o Sapo deste Caos e Coaxos é ainda mais propenso à criação de caos à sua volta. E coaxos!

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A estrutura da história é interessante. O início arranca um pouco aos tropeções, mas essa sensação é rapidamente contrariada quando a trama ganha corpo e se estabelece um fio condutor entre os diversos episódios e as personagens excêntricas que vão surgindo. André F. Morgado demonstra um bom domínio da narrativa ao conseguir amarrar todos os elementos aparentemente aleatórios num final que fecha o ciclo da história com coerência e até com uma subtil moral. 

É nesse equilíbrio entre o nonsense e a estrutura clássica da fábula que reside uma das maiores forças da obra, porque embora o absurdo impere, nunca se sente que o autor perdeu o controlo da narrativa. Ao contrário, percebe-se uma intenção clara de brincar com as convenções do género e de subverter expectativas, algo que contribui para manter o interesse do leitor ao longo da obra. Ao longo da leitura somos constantemente surpreendidos, seja com personagens inusitadas, seja com referências pop inesperadas ou com momentos de quebra da quarta parede.

Nesse ponto, o humor do livro merece um destaque especial. À primeira vista, pode parecer algo infantil ou “silly”, como se se limitasse ao jogo de palavras ou ao absurdo pelo absurdo. No entanto, uma leitura mais atenta revela um humor multifacetado, com várias camadas de referências culturais, literárias e musicais, jogos linguísticos e até críticas subtis ao nosso quotidiano. Essa combinação torna o livro acessível a leitores mais jovens, mas também muito satisfatório para leitores mais maduros que consigam captar as referências. André Morgado tem aqui o mérito de escrever com despretensão sem cair na banalidade. Também é de salientar o trabalho de diálogo e caracterização das personagens. A escrita é eficaz e ritmada, com bons tempos cómicos e um domínio interessante do absurdo como ferramenta narrativa, sem que este se torne cansativo.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
Todavia, se posso criticar algo, diria que a opção de incluir notas explicativas para duas ou três referências, como as de Tyler Durden ou de Chad Channing, por exemplo, me parece desajustada porque, lá está, se a intenção é criar um humor referencial, então parte da graça está precisamente na capacidade do leitor de reconhecer (ou não) as tais referências. Explicá-las tira-lhes impacto e, em certos casos, mata a própria piada, além de criar uma inconsistência, pois algumas referências são explicadas e outras não, o que leva à sensação de que se subestima a inteligência do leitor. Mas, enfim, é apenas uma nota pequena que, naturalmente, não belisca em nada a qualidade da obra.

Falando em qualidade, o trabalho de ilustração de Kachisou é outro ponto alto da publicação. O traço "cartoonesco", simplista, leve e expressivo, combina perfeitamente com o tom da narrativa. A paleta bicromática em tons esverdeados confere identidade visual à obra, sem a sobrecarregar. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
As ilustrações complementam e, em vários momentos, amplificam o humor e o ritmo da narrativa. O Sapo tem expressões que, por si só, são inequívocas em transmitir as suas emoções e pensamentos. Admito que não comecei por adorar os desenhos da autora nas primeiras páginas, mas não é menos verdade que acabei o livro a achar que Kachisou tinha aqui feito (mais) um belo trabalho. E que é diferente de tudo o que a autora já nos deu nas suas outras obras de banda desenhada. Prova superada, portanto.

Refiro ainda que a pertinência deste livro no panorama editorial português também é digna de nota. O humor tem escassa representação na banda desenhada nacional, especialmente com esta combinação de humor absurdo, fábula e sátira, o que faz com que esta A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos seja ainda mais bem-vinda. A aposta das editoras A Seita e Comic Heart revela, neste sentido, uma visão interessante e arriscada, num mercado que nem sempre valoriza este tipo de propostas.

De resto, a edição do livro é em capa dura baça, com bom papel baço e um bom trabalho quanto à impressão e encadernação. No final, como extra, há um conjunto de ilustrações sobre a obra, feitas por artistas convidados.

Em suma, A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos traz consigo algo de lúdico e libertador, convidando à gargalhada, ao espanto e, ao mesmo tempo, à reflexão sobre o que pedimos à vida e sobre as consequências dos nossos desejos. É um livro que vale pela diversão, mas que recompensa também a atenção e a releitura do leitor. 


NOTA FINAL (1/10):
7.8


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A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
A Aventura do Sapo: Caos e Coaxos
Autores: André F. Morgado e Kachisou
Editora: A Seita e Comic Heart
Páginas: 174 páginas, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 23 x 16 cm
Lançamento: Maio de 2025

terça-feira, 15 de julho de 2025

Análise: Dom Quixote de La Mancha

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi

Depois do fantástico O Inferno de Dante, dos irmãos Brizzi, confesso que estava especialmente curioso para mergulhar neste Dom Quixote de La Mancha, dos mesmos autores, recentemente editado pelo esforço conjunto das editoras A Seita e Arte de Autor. E, digo-vos desde já, essa espera foi largamente recompensada!

Sou um grande adepto da obra original de Miguel de Cervantes - ou não se chamasse o meu cão Quixote! - e saber que a mesma era adaptada para banda desenhada pelo singular talento de Paul e Gaëtan Brizzi, deixou-me esperançoso que estivéssemos perante uma merecida adaptação daquele que, exceptuando a Bíblia Sagrada, é o livro mais vendido no mundo.

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Sem surpresas, esta adaptação dos irmãos Brizzi parte do clássico imortal de Miguel de Cervantes para construir uma obra visualmente deslumbrante e fiel ao espírito do original. Mesmo sendo verdade que os autores tomam as suas próprias liberdades criativas, a história base mantém-se: um fidalgo castelhano enlouquece de tanto ler romances de cavalaria e decide tornar-se, ele próprio, cavaleiro andante, assumindo o nome de Dom Quixote. Acompanhado do fiel escudeiro Sancho Pança, parte em aventuras tão absurdas quanto tocantes, onde confunde a realidade com as fantasias da sua imaginação fervorosa.

Desde o primeiro olhar, desde a primeira prancha, desde a primeira vinheta, é impossível não se deixar seduzir pela arte absolutamente incrível que compõe esta adaptação. Os desenhos dos Brizzi são expressivos de uma forma profunda e comovente. As personagens transbordam emoção, bastando um olhar, uma expressão facial ou um posicionamento corporal para percebermos o que as mesmas sentem. E a dicotomia que existe entre o detalhado e realista desenho e a expressividade caricatural das personagens, oferece ao todo uma singularidade impressionante. Mesmo com um traço que, por vezes, se aproxima da caricatura, é espantoso verificar que as personagens nunca perdem o realismo emocional, criando uma mistura que funciona em pleno e que se adapta perfeitamente ao tom tragicómico da narrativa.

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Se os desenhos são lindos e com uma técnica aprimorada, há outra coisa neste livro que merece destaque - e que engrandece a própria obra - que reside na forma como os autores reinterpretaram visualmente as descrições de Cervantes. Um exemplo paradigmático disso são os célebres moinhos de vento, que Dom Quixote toma por gigantes. A visão dos Brizzi sobre esta cena é verdadeiramente deliciosa: os moinhos ganham uma aura mítica e ameaçadora, num jogo entre o grotesco e o fantástico, que traduz com fidelidade o olhar distorcido, mas poético, do cavaleiro. E para incrementar ainda mais a força visual destes momentos imaginados(?) por Dom Quixote, os autores utilizam a cor, em vez do preto e branco das restantes cenas, conseguindo deste modo diferenciar os diferentes momentos. 

Este jogo de luz e cor é tão bem-vindo que até me leva a lamentar que não seja sempre respeitado pelos autores. Quando, por exemplo, Dom Quixote observa Dulcineia (da forma que só ele a consegue observar), não se compreende o porquê dos autores nos oferecerem uma imagem a preto e branco da visão de Dom Quixote. Não é que essa ilustração não seja excecional, porque o é, mas lamenta-se que não seja a cores por uma questão de coerência narrativa.

Mas, enfim, isto será um detalhe ou um capricho de alguém que muito aprecia a obra original - bem como esta adaptação que quase é perfeita.

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Note-se também que, apesar do formato mais condensado da banda desenhada, os Brizzi conseguem não cair na armadilha da simplificação excessiva. A obra permanece rica, com diálogos que mantêm o tom e o humor tão característicos de Cervantes, e com uma estrutura narrativa que respeita a essência do original. É uma adaptação que não infantiliza, nem desrespeita a complexidade da obra-mãe, tornando-a, ao mesmo tempo, mais acessível a novos públicos.

É inegável que, tratando-se de uma versão mais curta de um livro que é imenso e labiríntico, muitos episódios e personagens ficaram de fora. No entanto, o que realmente importa – o espírito indomável, a melancolia heroica, a crítica social e a ternura pelos que sonham alto – está todo lá. Esta fidelidade emocional talvez seja o maior triunfo da banda desenhada dos Brizzi.

Mas, obviamente, o trabalho gráfico também contribui para essa fidelidade: a paleta de cores (quando utilizadas); as sombras; os desenhos  - que ora parecem esboços rápidos, ora apresentam detalhes ultra pormenorizados; ou os enquadramentos arejados em ilustrações de página inteira que conseguem transmitir uma atmosfera que oscila entre o onírico e o trágico. O mundo de Dom Quixote parece ora um palco de teatro, ora um pesadelo fantástico. Essa ambiguidade é precisamente o que define a obra de Cervantes e aqui é captada com uma mestria que impressiona.

Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor
Outro ponto que merece aplauso é a caracterização das personagens. Dom Quixote surge como uma figura ao mesmo tempo ridícula e nobre, louca e profundamente humana. Já Sancho Pança, apesar do seu papel cómico, é retratado com uma sensibilidade surpreendente. Ambos os protagonistas ganham camadas e humanidade, o que torna a leitura não apenas divertida, mas também comovente.

Se O Inferno de Dante já se revelou espetacular, este Dom Quixote de La Mancha consegue ultrapassar essas boas expectativas que eu já tinha. Em termos de ilustrações, ambas as obras caminham lado a lado, mas em termos de narrativa, e da forma como a história original é adaptada, Dom Quixote é superior, pois a profundidade emocional é ainda mais notória nesta nova proposta. Fico com esperança que a obra seguinte dos irmãos Brizzi, O Fantasma da Ópera, editado este ano em França, também venha a merecer publicação por cá.

A edição das editoras A Seita e Arte de Autor, merece ser digna de nota, também! O livro apresenta capa dura baça, com detalhes a verniz, e é-nos dado no grande formato que a edição de O Inferno de Dante já havia adotado, e que, claro está, beneficia em muito a leitura da obra. No interior, o papel utilizado é de excelente qualidade e o trabalho de encadernação e impressão é impecável. Se juntarmos a isto, o generoso caderno de extras de 12 páginas carregadas de esboços ou a capa alternativa exclusiva da Wook, bem como a a inclusão de um ex-libris assinado pelos autores (embora sujeito a algumas unidades apenas), estamos perante uma séria candidata a melhor edição do ano.

Em suma, esta adaptação de Dom Quixote de La Mancha não é apenas um reencontro com um clássico; é uma celebração do mesmo. Consegue tornar a obra mais acessível para os leitores contemporâneos, nunca abdicando da sua densidade simbólica, nem do seu humor, nem da sua poesia. Para quem já conhece o original, é (mais) uma nova forma de o amar; para quem nunca o leu, é uma majestosa porta de entrada. Os irmãos Brizzi conseguem dar nova vida à história de Dom Quixote sem a desvirtuar. Quase apetece dizer que Cervantes, se pudesse ler esta adaptação, teria dado a sua bênção sem pestanejar. Há aqui uma compreensão sincera do que significa sonhar contra o mundo... e falhar. E, mesmo assim, continuar a sonhar. E essa é a primordial lição que Dom Quixote continua a ensinar-nos! Imperdível!


NOTA FINAL (1/10):
9.7


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Dom Quixote de La Mancha, de Paul e Gaëtan Brizzi - A Seita e Arte de Autor

Ficha técnica
Dom Quixote de la Mancha
Autores: Paul e Gaëtan Brizzi
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 208, a cores e a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 246 x 341 mm
Lançamento: Maio de 2025 


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Qual o melhor Livro do Mês de Abril de 2025 para o Vinheta 2020?


Hoje venho falar-vos daquele que considero ter sido o melhor livro de banda desenhada do passado mês de Abril.

Relembro que isto do "melhor" e do "pior" é sempre algo subjetivo, concedo, mas o objetivo aqui é muito simples: caso não haja dinheiro para comprar todas as boas bandas desenhadas lançadas por cá, qual a compra mensal mais obrigatória a fazer?

Neste mês, aconteceu a particularidade de uma obra nacional ocupar a categoria de melhor livro do mês, coisa que nunca tinha acontecido.

Portanto, sem mais demoras, eis o Livro do Mês de Abril de 2025:

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Análise: Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita
Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago

Se há coisas que, na maior parte das vezes, me parecem forçadas, por vezes fabricadas por mero apelo comercial, são os crossovers. Este encontro entre personagens de universos diferentes e independentes, muitas vezes utilizado em banda desenhada, mas não só, embora possa ser apelativo, especialmente quando já apreciamos um ou os dois universos que passam a estar juntos, é muitas vezes um exercício forçado, sem grande substância. Partindo deste pressuposto, e depois de ter ligo este Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, posso dizer-vos que esta nova aposta da editora A Seita foi uma agradável surpresa.

Reunindo duas personagens de primeira linha, Dylan Dog, pelos fumetti, e Batman, pelos comics americanos, este é um livro que consegue o quase milagroso feito de ser equilibrado, de ter uma história consistente e que, mais importante que tudo, nunca se atropela a si mesmo. Ou quase nunca. Mas já lá irei.

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita
Com argumento de Roberto Recchioni e desenhos por parte de Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago, este Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego até pode muito bem representar uma das mais inesperadas e bem-sucedidas colaborações intereditoriais da banda desenhada contemporânea. Ao unir dois universos aparentemente tão distintos como o sombrio e surreal mundo do investigador do pesadelo Dylan Dog e o universo noir e urbano do Cavaleiro das Trevas, os autores demonstram uma sensibilidade rara e uma compreensão profunda das personagens que têm em mãos.

A história arranca quando é forjada uma aliança entre os dois vilões Joker e Doutor Xabaras, que acaba por levar Batman a Londres, à cidade de Dylan Dog. A partir deste momento, os dois heróis deverão  colocar de lado as suas visões divergentes sobre a natureza do Mal, e unir forças para eliminar a terrível ameaça que se lhes apresenta.

A narrativa estabelece desde cedo um equilíbrio delicado entre o realismo psicológico e a fantasia gótica. A história decorre entre Londres e Gotham, cidades que espelham as características dos protagonistas: uma mais espectral e melancólica, a outra mais urbana e violenta. O enredo aproveita essa dualidade para explorar o trauma, o medo e a obsessão - temas que são comuns a ambos os heróis, apesar das suas diferentes formas de enfrentá-los.

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita
Recchioni mostra mestria ao fundir as mitologias de Dylan Dog e Batman sem que uma se sobreponha à outra. A construção da história é coesa, e os acontecimentos fluem com naturalidade, o que evita o risco típico de crossovers: o de parecerem artificiais ou forçados. Com efeito, é particularmente eficaz o modo como os dois protagonistas interagem. Em vez de uma simples união para combater um mal comum, há um verdadeiro confronto de métodos, éticas e até de fragilidades. Batman, metódico e controlado, encontra em Dylan uma figura mais intuitiva, sem grandes regras, aberta ao irracional e ao paranormal. Essa diferença é explorada com inteligência e traz-nos bons momentos de diálogo.

No entanto, a introdução da personagem de John Constantine e da ida ao inferno - numa alusão direta à obra de Dante - assume-se, claramente, como o excesso cometido pelos autores. Compreendo que a simples presença de uma personagem carismática como Constantine seja, por si só, uma escolha tentadora para qualquer história que envolva ocultismo, mas, neste caso específico, a sua entrada surge como um artifício que quebra o ritmo e a coerência interna da narrativa. A dimensão infernal, embora visualmente impressionante, acrescenta pouco à estrutura narrativa principal e desvia o foco da relação entre Batman e Dylan Dog. 

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita
Esta parte da história parece, pois, mais motivada por um desejo de introduzir mais uns "cameos" e referências, do que por uma real necessidade de enredo. O inferno de Dante, ainda que estilisticamente coerente com o tom onírico e perturbador do universo de Dylan Dog, soa mais a homenagem do que a desenvolvimento de enredo. E, quanto a mim, acaba por ser a parte mais forçada de um livro que, tal como já referi, até consegue não ser muito "forçado" e que até ali se mantinha sóbrio e bem doseado.

Tirava-se a parte de Constantine deste livro e, para mim, ele seria perfeito. É demasiado o  destaque dado a esta personagem, que acaba por cortar mais do que o devido com a linha narrativa principal da obra. Note-se que há muitas outras personagens que deambulam por este livro, como Alfred, Catwoman, Joker, Crocodilo, Comissário Gordon, Inspetor Bloch e o próprio Groucho... e todas elas foram mais bem introduzidas no espaço que a trama principal lhes permitia ocupar. O próprio Groucho, um comic relief à séria, aparece com tiradas especialmente inspiradas e divertidas que dão alguma luz e cor a uma história mais sombria. 

Apesar do erro da presença do carismático Constantine, o saldo final da obra é amplamente positivo. A ousadia da proposta é sustentada por uma execução sólida, que respeita profundamente os cânones dos dois heróis. Em vez de diluir as suas essências, o livro reforça o que há de mais icónico em cada um: o detetive do insólito, cuja mente é assombrada por sonhos e mortes, e o justiceiro de Gotham, prisioneiro de um trauma infantil que o transforma num símbolo.

Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita
É também digno de nota o modo como os autores evitam o fan service gratuito. Cada referência, cada elemento de ambos os universos é integrado com conta e medida. A sensação que fica é a de uma celebração madura das personagens e não a de um desfile nostálgico para agradar a fãs.

Falando nas ilustrações desta obra, há que referir que a arte de Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago é, sem exagero, deslumbrante. A expressividade das personagens, o uso dramático das sombras e a paleta cromática alternando entre tons frios e quentes, refletem com precisão os estados emocionais das cenas. Há um trabalho pictórico que valoriza tanto a tensão da narrativa quanto a beleza estética do cruzamento entre o terror e o policial. 

O desenho é, portanto, de altíssimo nível, com as personagens totalmente reconhecíveis e carregadas de expressividade e carisma, o que torna cada cena ainda mais envolvente. Os ambientes são ricos em detalhes e contribuem para a atmosfera densa e imersiva da narrativa. A cinematografia dos planos utilizados é muito bem pensada, com enquadramentos dinâmicos que valorizam a ação e o suspense, criando uma leitura fluida e impactante. Além disso, o belo trabalho de cores complementa perfeitamente o clima sombrio, realçando as emoções e o tom de mistério que permeiam a história. Tudo isso junto resulta numa experiência visual marcante e memorável.

Em termos de edição, o trabalho da editora A Seita é bastante bem conseguido. O livro apresenta capa dura baça e bom papel brilhante no seu interior, bem como um bom trabalho em termos de encadernação e impressão. As dimensões do livro são maiores face àquelas que a editora tem utilizado nos seus outros livros dedicados a Dylan Dog. Em termos de extras, o livro inclui um caderno de 12 páginas, que nos traz desenhos inéditos, um guia das personagens dos universos DC e Dylan Dog e uma galeria das capas alternativas. No início, a edição abre com um prefácio de Luca del Salvio. É uma bela edição, portanto.

Em suma, contra as expectativas mais conservadoras e negativas de muitos leitores que, como eu, se habituaram a ver nascer crossovers fracos que procuravam apenas vender livros apoiando-se em franquias de sucesso, Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego é uma bela surpresa. Não só demonstra a viabilidade de cruzamentos improváveis, como também eleva o género de crossover ao propor algo mais do que uma simples junção de mundos: uma verdadeira história com substância, atmosfera e arte. Mesmo que possa não ser perfeita, é uma leitura recomendada tanto para fãs de longa data de Dylan Dog e/ou Batman quanto para novos leitores. E, com sorte, até pode trazer novos leitores ou para os fumetti, ou para os comics americanos! Boa aposta!


NOTA FINAL (1/10):
8.9





Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego, de Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago - A Seita

Ficha técnica
Dylan Dog – Batman: A Sombra do Morcego
Autores: Roberto Recchioni, Werther Dell’Edera e Gigi Cavenago
Editora: A Seita
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 26,5 cm
Lançamento: Março de 2025


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Análise: Os Filhos de Baba Yaga

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro

Sempre disse que Luís Louro precisava de um álbum que, no teor e forma, fosse mais sério. Sempre o disse! E não o dizia por não gostar dos livros de Luís Louro, pois sempre fui fã do trabalho do autor. Também não o dizia por não gostar, genericamente, de trabalhos humorísticos. Gosto, claro. Ou por achar que uma obra dramática ou sorumbática é melhor só por não ser humorística. Claro que não. Dizia-o porque sempre me pareceu que Luís Louro parecia não dar o "passo seguinte" na sua carreira, que era o de fazer uma história mais séria, que pudesse fazer com que o autor fosse/seja levado mais a sério.

Pois bem, Os Filhos de Baba Yaga, o seu novo livro recentemente publicado pelas editoras A Seita e Arte de Autor é o passo que a carreira de Luís Louro precisava. É o seu livro mais sério e, de longe, o melhor. Um clássico instantâneo da banda desenhada nacional que será celebrado daqui a um ano, daqui a 10 anos e daqui a 100 anos. A banda desenhada portuguesa tem mais um livro obrigatório e esse livro é este Os Filhos de Baba Yaga! Digo até mais: por ser um livro com uma história bastante universal, ambientada até fora da realidade portuguesa, este livro tem tudo para ser "exportável", permitindo ao autor, quiçá, ter o reconhecimento no estrangeiro que, por ora, já aufere em terras nacionais.

Mas vamos por partes.

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
A história de Os Filhos de Baba Yaga coloca-nos na Segunda Guerra Mundial, nas densas florestas russas, no período histórico em que as tropas alemãs e soviéticas se enfrentavam depois de Hitler ter decretado a invasão da Rússia no evento que ficou conhecido como Operação Barbarossa. Acompanhamos a luta pela sobrevivência - a qualquer custo - de um conjunto de onze crianças órfãs. São crianças que foram juntas pela necessidade de sobrevivência num território completamente devastado, onde a fome impera, onde o frio enregela e onde os estilhaços das explosões e os ruídos dos disparos dos tanques, são uma contante ameaça de morte. 

Trata-se, pois, de uma história de sobrevivência que, naturalmente, nos remete para outras obras célebres em que vimos as crianças a terem que se juntar para sobreviver a um conjunto de privações. O Deus das Moscas, de William Golding - que até recebeu uma belíssima adaptação recente para banda desenhada pelas mãos de Aimée de Jongh - será a obra que mais ecoa na cabeça quando lemos este Os Filhos de Baba Yaga. Porém, ambas as histórias são bastante diferentes, sendo apenas a temática sociológica onde existe maior familiaridade. O novo livro de Luís Louro lembrou-me também dos filmes Fury ou Inglorious Basterds, por motivos diferentes. E outra obra que me lembrou este Os Filhos de Baba Yaga foi o videojogo Heavy Rain, da Quantic Dream, que - sendo ainda mais diferente do que as obras supramencionadas - também nos remete para a questão de até onde somos capazes de ir para assegurar a sobrevivência de nós mesmos ou daqueles que amamos?

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Os Filhos de Baba Yaga
, sendo uma obra duríssima e fortemente recomendada para um público adulto, é ainda mais gutural nos seus pressupostos. O romantismo do amor ao próximo não é propriamente aquilo que Louro nos apresenta, mas sim o instinto natural da sobrevivência humana para, através de todas as forças que ainda restarem, mentais ou físicas, não se sucumbir à morte. É o nosso mais primordial instinto e acaba por ser um conceito bastante aberto que permite uma boa exploração narrativa.

Se a premissa é boa, a história também é bem explanada pelo autor, levando o leitor a embrenhar-se na leitura, querendo saber qual será o destino destas personagens. Personagens essas que são bastante carismáticas. Confesso que, ao início, estava um pouco cético com um tão grande número de personagens. São onze e considerei que isso poderia desfocar um pouco a atenção do leitor, até porque nenhuma das personagens assume um claro protagonismo em relação às demais. Percebi depois que talvez o intento do leitor não fosse o enfoque numa personagem em concreto, mas no grupo das crianças como um todo. E, com efeito, a própria personagem principal não é esta ou aquela criança, mas o grupo das crianças a que podíamos dar o nome de "infância corrompida". Mesmo assim, entre as parcas críticas que possam ser feitas em relação à obra, admito que se considere que talvez certas personagens pudessem ter sido mais desenvolvidas. 

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Não obstante, a verdade é que o ritmo com que Luís Louro nos entrega esta história e estas personagens é, felizmente, bastante lento - especialmente para o habitual modus operandi que conhecemos do autor. Ora, isto permite que a história se vá desenvolvendo de forma mais natural e orgânica, exigindo uma leitura mais atenta do leitor e ofertando à narrativa uma credível passagem do tempo que sedimenta e torna mais complexas as personagens, fazendo-nos refletir sobre a guerra, sobre as crianças e sobre tudo aquilo que uma criança num cenário bélico tem que enfrentar. Se já é difícil para os adultos, imagine-se para as crianças! Sendo um relato histórico fictício, bem que poderia ter sido uma história real. Além disso, a temática também se mantém tristemente atual nos tempos que correm, quando a guerra continua a ser uma realidade nas vidas de milhares de crianças. E até neste ponto, na universalidade do tema proposto, Luís Louro acertou.

O autor português parece, aliás, ter dado tudo de si neste álbum. As coisas foram feitas com mais propósito, com mais tempo, com mais coração e com mais cabeça. E um exemplo claro disto é o próprio humor que, sim, também aparece neste álbum, mas com um maior requinte, pois também nessa área, o autor se revela mais inteligente do que nunca: é que, ao utilizar as crianças enquanto móbile para as suas tiradas humorísticas, o autor consegue não se desfocar da sua história. Não é Luís Louro a fazer uma piada ou trocadilho... são as personagens que as fazem... porque são crianças num cenário hediondo que, através de uma piada, podem sacudir o peso da sua existência. E isso muda tudo! Considero até que talvez essa tenha sido uma das maiores fraquezas do também muito aconselhável Dante. A grande maioria dos outros livros de Luís Louro pode ser inserida na categoria de humor - e isso não é algo que eu considere redutor, mas sim acrescentador -, mas este Os Filhos de Baba Yaga, está longe de poder figurar numa categoria humorística. Pode arrancar-nos um sorriso, aqui e ali, mas apenas e só pela forma como as personagens se comportam entre si, por oposição ao drama reinante à sua volta.

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Outra opção narrativa muito bem conseguida - que foi por ventura a maior surpresa para mim - neste Os Filhos de Baba Yaga, foi a utilização de uma voz off, que funciona como a narração dos acontecimentos, que é feita por uma das crianças do grupo. Ora, não só esta voz off une muito bem os acontecimentos, a passagem do tempo e nos revela o sentimento que vai imperando no grupo de crianças, tornando a narrativa mais bem montada e com menos pontas soltas, como tem o condão de nos oferecer belas frases e metáforas, que nos põem a pensar, revelando-se, inequivocamente, como o melhor texto já escrito pelo autor. São várias as frases e ideias que são - e permitam-me o termo em inglês - "quotable", e isto é uma coisa por que me bato nas minhas análises: considero que quando um livro tem uma ou várias frases que nos ficam na memória, é forçosamente um melhor livro, pois impacta-nos de uma outra forma. Não sabia que Luís Louro (também) tinha esta faceta, mas fiquei a sabê-lo a partir de agora!

Se isto foi uma surpresa, não posso dizer o mesmo do aspeto visual da obra. Na vertente da ilustração, Luís Louro tem apresentado nos últimos anos uma evolução gritante, estando os seus desenhos melhores de livro para livro. Recentemente reli O Corvo III e já não me lembrava como o traço e cores do autor tinham evoluído tanto daí para os mais recentes tomos da série. Também em Dante, o trabalho do autor já havia sido fantástico. Não foi, portanto, uma enorme surpresa que o trabalho de Luís Louro continuasse a evoluir neste Os Filhos de Baba Yaga. Mesmo assim, esperando já algo de fantástico, consegui ficar surpreendido, pois também no cômputo da ilustração, este é o melhor trabalho do autor até à data.

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Os desenhos são impressionantes! Cada página revela uma mestria gráfica inquestionável, com uma paleta cromática que reforça o mistério, a tensão e a beleza sombria da narrativa. As composições são cinematográficas e o detalhe visual é tal que convida à releitura, permitindo sempre descobrir novos elementos que antes haviam passado despercebidos. Louro demonstra aqui um domínio absoluto do ritmo visual e da construção de ambiente. A reprodução da neve, da floresta, dos uniformes dos soldados, dos veículos, dos tanques de guerra e dos detalhes minuciosos nas expressões faciais das personagens contribui para criar uma atmosfera densa. Tudo está representado de forma perfeita e com uma atenção ao detalhe absolutamente impressionante. As personagens apresentam uma excelente expressividade, sendo fiéis em traços àquilo a que o autor já nos habituou, mas apresentando um maior aprimoramento visual. Os enquadramentos, frequentemente cinematográficos, e a composição das pranchas revelam uma maturidade artística que coloca Louro num patamar restrito de autores nacionais. O trabalho de cores é absolutamente notável, sendo imprescindível para que visualmente este livro seja tão forte. Faço ainda uma nota para as várias ilustrações de grande dimensão que pululam no livro, que permitem que Luís Louro se apresente ao seu melhor nível de sempre.

Outra coisa bem conseguida no trabalho de ilustração nesta obra é que embora a história seja dura e tenha alguma violência, Luís Louro não recorre ao "espetáculo fácil"; em vez disso, sabe alternar entre as partes mais violentas da narrativa e um conjunto de ilustrações onde impera a serenidade, através de uma experiência de leitura contemplativa, quase litúrgica, onde cada página convida à pausa e à reflexão. Os Filhos de Baba Yaga consegue ser, portanto, notável tanto pela sua profundidade temática como pelo seu virtuosismo gráfico. 

Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor
Em termos de edição, aplaudo o cuidado especial com que A Seita e a Arte de Autor trataram este livro, numa edição bastante luxuosa. A capa é dura e baça, com textura aveludada e detalhes a verniz, e tem uma lombada em tecido vermelho com o texto em letras douradas. Tudo muito requintado. O interior do livro apresenta bom papel brilhante, boa encadernação e boa impressão. Há ainda um prefácio da autoria de David Soares - que, quanto a mim, não aparece especialmente alinhado com a obra em questão, perdendo-se em divagações abstratas e latas que acrescentam pouco ou nada e que se revelam "muita parra e pouca uva", mas, enfim - e um belo dossier de extras com 16 páginas, que inclui esboços e estudos com comentários do autor, mostrando-nos o seu processo criativo. Há ainda uma boa entrevista de João Miguel Lameiras que se revela pertinente e especialmente inteligente por responder a questões que a leitura do livro poderia suscitar como a questão da presença das folhas secas esvoaçantes (uma imagem de marca do autor), as expressões não traduzidas em russo, entre outras informações bem-vindas. Foi igualmente lançada uma edição exclusiva da loja Wook, com uma capa alternativa e que vinha acompanhada por um ex-libris autografado pelo autor. Estamos pois, perante uma bela edição que inaugura o selo editorial Folha de Louro que, espera-se, venha a publicar mais obras do autor. 

Em suma, Os Filhos de Baba Yaga é uma obra absolutamente fantástica, um marco incontornável da banda desenhada portuguesa contemporânea. Louro atinge aqui um novo patamar criativo, superando-se tanto a nível narrativo como visual. Conhecido há décadas como um dos nomes mais relevantes da BD nacional, o autor consegue que este livro transcenda as suas obras anteriores, impondo-se, sem qualquer hesitação, como o seu melhor livro até à data! Mais do que apenas um excelente álbum, Os Filhos de Baba Yaga afirma-se como um dos melhores livros portugueses de banda desenhada de sempre! É uma obra madura, ambiciosa e profundamente envolvente, que não só confirma o talento de Luís Louro como o eleva. Verdadeiramente obrigatório, este livro é indispensável não apenas para os leitores habituais do autor, mas também para todos os amantes de banda desenhada. Até mesmo para aqueles que nunca deram a devida oportunidade a Luís Louro, terão aqui uma porta de entrada impressionante para o seu universo criativo. É uma leitura que marca, que desafia e que perdura - como só os grandes livros conseguem fazer. Que ótima maneira de assinalar os 40 anos de carreira de Luís Louro!


NOTA FINAL (1/10):
10.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Os Filhos de Baba Yaga, de Luís Louro - A Seita e Arte de Autor

Ficha técnica
Os Filhos de Baba Yaga
Autor: Luís Louro
Editoras: A Seita e Arte de Autor
Páginas: 132, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 230 x 310 mm
Lançamento: Abril de 2025