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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Iguana edita obra de estreia de nova autora portuguesa!



Chegou esta semana às livrarias portuguesas um dos novos livros da chancela Iguana (Grupo Penguin), que assinala a estreia da autora R.G.B e que se intitula Manda Msg Quando Chegares.

Trata-se de um conjunto de histórias curtas que relatam histórias reais de abuso sentidas na pele por mulheres, e que, só por isso, já prometem ser uma reflexão profunda sobre o tema do abuso.

Deixo-vos, mais abaixo, com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Manda msg quando chegares, de R.G.B

Uma ode gráfica às mulheres e aos abusos que sofrem todos os dias desde crianças.

R.G.B reuniu uma série de histórias reais de abusos e assédios e transformou-as em arte. Não para as embelezar, mas para as contar de forma que todos ouvissem.

Intercalando fotografias dos locais reais destes episódios com ilustrações, a autora criou uma obra gráfica original e poderosa à qual será impossível ficar indiferente.

Quantas vezes dissemos às nossas amigas ou irmãs “manda mensagem quando chegares” depois de nos despedirmos, para termos a certeza de que nada lhes acontece naqueles breves instantes de separação? Responderão: muitas. E a quantas aconteceu, pelo menos, um dos casos deste livro? A todas.

Todas as histórias deste livro são verdadeiras. Aconteceram a pessoas reais, num tempo não muito distante.
Pedir a uma mulher que mande mensagem quando chegar é pedir-lhe que se proteja, que esteja sempre atenta, que olhe bem à sua volta e que leve o telemóvel na mão enquanto finge que fala com alguém. É dizer que caminhe no meio da estrada e não junto aos prédios. É assegurar que estamos aqui.

Este é um grito de revolta, uma constatação, uma exposição de medos, preconceitos e avisos. Uma coletânea de episódios de todas nós e os retratos daquilo que as mulheres não podem fazer porque não fica bem, porque é provocante, porque se põem a jeito.

A luta continua.


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Ficha técnica
Manda msg quando chegares
Autora: R.G.B
Editora: Iguana
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 170 x 240 mm
PVP: 16,65€

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Já decorre a campanha de crowdfunding para a Umbra #5!



A campanha de crowdfunding para o lançamento impresso do quinto volume da antologia de banda desenhada Umbra já está ativa!

A campanha procura atingir 2.900€ para poder financiar a impressão do quinto número da antologia. Esta é uma das minhas antologias preferidas de banda desenhada, como tenho referido várias vezes.

A belíssima ilustração da capa é da autoria de Rita Alfaiate e poderemos encontrar histórias dos autores Vasco Colombo, Pedro Morais, Fernando Relvas, Pedro Moura, Marta Teives e Gustaffo Vargas.

Reservem já o vosso exemplar, contribuindo para a campanha de crowdfunding que pode ser encontrada, aqui.


Mais abaixo deixo-vos com as primeiras imagens do projeto que, por agora, são conhecidas.







Gorila Sentado está de volta com novo lançamento de "In The Dust of Our Planet"!



É no próximo dia 20 de Setembro que estará disponível a nova edição da editora portuguesa Gorila Sentado!

Desta vez, estamos perante novo livro de In The Dust of Our Planet que, curiosamente, tem o número zero.

A editora refere que se trata de um número especial, pois é uma história que serve para que quem não conheça Solar Sailors possa ser introduzido a toda esta space opera de origem nacional, criada por Daniel da Silva Lopes.

De forma gradual, temos vindo a ver a Gorila Sentado a afirmar-se com mais e melhores bandas desenhadas. Estou bastante empolgado para conhecer este novo lançamento.

O livro já se encontra em pré-venda no site da editora.
Mais abaixo, deixo-vos com a nota de imprensa sobre este novo lançamento.


In The Dust Of Our Planet #0, de Daniel da Silva Lopes

É já em setembro que chega IN THE DUST OF OUR PLANET #0, um número muito especial e diferente de tudo o que lançámos até agora.

Mas… porquê #0? 

Bem, decidimos dar um passo atrás e criar uma história que serve tanto para quem nunca leu nada dos Solar Sailors, como para quem já segue a saga e quer descobrir novos segredos.

É a oportunidade perfeita para mergulhar no quem e no quê deste universo.

Nesta edição, exploramos uma nave esquecida da era dourada da humanidade, aprisionada pela gravidade de um buraco negro. A tripulação já não existe - resta apenas a inteligência artificial M.A.G.S., à espera do fim… até que recebe uma mensagem inesperada da comandante Kali. O que ligará os Solar Sailors a esta IA? E será ainda possível salvá-la?

Com 24 páginas a preto e branco e a cores, este número traz não só uma história intensa e emocionante, mas também, pela primeira vez, uma linha temporal oficial que ajuda a dar contexto ao vasto mundo dos Solar Sailors.

A pré-venda já está disponível na nossa loja online - e todos que reservarem vão receber um brinde exclusivo!

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Ficha técnica
In The Dust Of Our Planet #0
Autor: Daniel da Silva Lopes
Editora: Gorila Sentado
Páginas: 24, a preto e branco e a cores
Encadernação: Capa mole agrafada - formato de revista
PVP: 7,00€



terça-feira, 19 de agosto de 2025

Análise: Toxic West

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Toxic West, de João Gil Soares

Uma das mais recentes novidades no catálogo da editora Escorpião Azul dá pelo nome de Toxic West e é da autoria do português João Gil Soares, de quem a editora já havia publicado o livro Forgoth: A Cidade Esquecida. E posso dizer-vos que são livros bastante diferentes entre si.

Toxic West assume-se como um western pós apocalíptico com uma premissa tão inusitada quanto cativante: depois da extinção da humanidade, os mutantes tentam sobreviver num mundo arrasado pela poluição e pelo legado destrutivo dos humanos. Nesse cenário árido, onde desertos cobertos de lixo funcionam como pano de fundo, já não temos pessoas, mas apenas animais. Acompanhamos Patti Graves, uma guaxinim fora-da-lei, e Sierra Bloom, uma ratazana psíquica, na sua jornada rumo à cidade de Zion. A narrativa propõe, desde o início, uma mistura de aventura, crítica ecológica e humor ácido, estabelecendo o tom para o universo bizarro e caótico em que a ação se desenrola.

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Sendo que um dos aspetos mais interessantes da história é o modo como o autor recorre a estereótipos clássicos dos westerns - forasteiros, duelos, caçadores de recompensas, gangues e cidades sem lei, só para mencionar alguns - para depois os distorcer através da lente do (seu) pós-apocalipse. Este "guisado" de elementos resulta num mundo familiar e, ao mesmo tempo, estranho, onde há espaço para que também apareçam soldados robot que são parte do exército controlado pelo vilão, Warden, um tubarão. É neste antagonista especialmente divertido que João Gil Soares introduz um comentário satírico à lógica capitalista, colocando-o como arquétipo de um mafioso que quer expandir os seus negócios a todo o custo.

A dupla de protagonistas, Patti e Sierra, funciona como o fio condutor da narrativa, com a guaxinim a encarnar o espírito do fora-da-lei clássico e Sierra a servir-se dos seus poderes psíquicos. Esta complementaridade entre personagens, por vezes a fazer lembrar o road movie Thelma e Louise, oferece algum espaço para o humor, embora nem sempre isso seja convenientemente explorado pelo autor.

O uso de animais antropomórficos como personagens também se revela uma escolha que acentua esta vertente mais cómica da obra, aproximando-a do universo indie da banda desenhada mais alternativa, ao mesmo tempo que reforça o tom lúdico e satírico da narrativa. 

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Visualmente, este é um livro com uma personalidade muito própria, que ganha força devido ao estilo de desenho adotado, baseado num traço simples e rápido, pouco detalhado e com uma aura “rough on the edges”, que lhe oferece um caráter mais independente. No meu caso, este tipo de desenho remeteu-me para os desenhos animados da era dourada da Nickelodeon em que séries como Ren & Stimpy, Rugrats, Hey Arnold ou CatDog  , só para mencionar algumas, faziam furor. Esse paralelismo é feliz, já que evoca uma nostalgia que pode agradar a leitores mais adultos que cresceram nesse período. 

No entanto, e apesar das boas ideias que a obra traz, o desenvolvimento narrativo deixa a desejar em alguns pontos. A sensação é de que o autor se perde, a meio caminho, na própria história. A progressão de eventos, em vez de seguir uma linha coerente, apresenta-se dispersa, deixando o leitor com a impressão de que partes do enredo se diluem num nonsense acidental. E, lá está, até poderia ser um nonsense procurado pelo autor, mas parece-me que não é o caso, pois, apesar dos elementos cómicos da história, há uma tentativa de progressão narrativa linear e clássica. E é nesse ponto que a obra mais peca, quanto a mim. Ou bem que era totalmente nonsense e audaz por isso, ou bem que a sua história era mais bem afinada. Acaba por ficar no meio dos dois caminhos sem conseguir ser especialmente bem sucedida em nenhuma dessas opções.

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Outro aspeto problemático está na oscilação entre públicos-alvo. Há momentos em que o livro claramente se dirige a um público infantil, com humor simples, situações caricatas e um ritmo acessível. Contudo, noutras partes, como no pendor mais retro-indepedente visual da obra ou na sua crítica subjacente, parece querer dialogar com um público adulto. Esta indefinição acaba por fragilizar o impacto global da obra: se a intenção era criar uma narrativa madura disfarçada de fábula, o argumento necessitaria de maior solidez e coesão, quanto a mim.

Quanto à edição da Escorpião Azul, o livro apresenta capa mole baça, com detalhes a verniz, e com badanas. O papel é de boa qualidade e a impressão e a encadernação também são boas. No final, há um caderno de extras, com 8 páginas, com ilustrações adicionais. À semelhança do que a editora tem vindo a fazer em edições recentes, as margens das folhas do livro são coloridas a verde, o que dá um aspeto diferenciado e apelativo ao mesmo.

Em suma, Toxic West é uma obra algo irreverente, que chama especialmente a atenção pela originalidade e audácia da sua proposta de nos apresentar um western pós-apocalípico, com personagens antropomorfizadas, numa proposta gráfica bastante crua e, por outro lado, infantil. É uma leitura peculiar e bem-vinda, mas que deixa também a sensação de que, com um maior amadurecimento do argumento, o livro poderia ter alcançado um patamar mais sólido e marcante. É, ainda assim, uma obra que merece atenção, sobretudo de quem aprecia banda desenhada alternativa e universos que arriscam sair do comum.


NOTA FINAL (1/10):
6.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul

Ficha técnica
Toxic West
Autor: João Gil Soares
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 136, a core
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 29,00€

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Análise: Ditirambos #4 - Noite

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
Ditirambos #4 - Noite, de Vários Autores

Foi recentemente que chegou às livrarias o quarto volume da antologia Ditirambos! Desta vez, passou-se um pouco de mais tempo entre o lançamento do último volume e o atual, cerca de 3 anos, mas posso dizer-vos que a espera foi compensada com mais um belo lançamento.

Para quem ainda não sabe, Ditirambos é uma antologia de banda desenhada que junta autores já com provas dadas em termos qualitativos. Uns são mais conhecidos ou ativos do que outros, mas todos eles já nos ofereceram obras de BD relevantes.

A antologia volta a manter a sua matriz: um mote único - que, neste caso, é o da Noite - e um constrangimento formal rigoroso de quatro páginas por história, o que, naturalmente, força cada um dos autores participantes a uma certa "ginástica" de síntese narrativa e de soluções visuais inventivas. 

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
A coesão que depois a obra consegue adquirir não é, pois, conquistada pela continuidade visual ou narrativa, mas antes por esse tema comum que, sendo neste caso algo tão abrangente como a "Noite", permite variadíssimas interpretações narrativas. O estilo visual, claro está, revela-se ricamente heterogéneo, sendo facilmente inidentificáveis os estilos dos autores Joana Afonso, Ricardo Baptista, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sofia Neto e Carla Rodrigues. E todos eles se apresentam em boa forma.

Já quanto às histórias, cada autor escolhe uma inflexão distinta sobre o tema, indo desde o onírico ao social, da fantasia ao slice of life, passando até pelo humor ou pelo horror. Como tal, é justo dizer que este quarto volume da antologia apresenta um andamento que, quer em termos de argumento, quer em termos de desenho, consegue ser pertinente e evitar qualquer tipo de monotonia. São histórias que não têm problema em captar a atenção do leitor.

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
É claro que, naturalmente, há histórias que ressoam mais do que outras em nós, consoante as nossas preferências, que serão sempre pessoais. No meu caso, devo dizer que, mesmo tendo gostado de todas as histórias, gostei especialmente das histórias A Esfinge, de Ricardo Baptista; Caçadores, de Raquel Costa e Nuno Cancelinha; Presas, de Francisco Ferreira e Sónia Mota; e Pesadelo, de Carla Rodrigues.

Não obstante as boas sensações que a leitura deste quarto Ditirambos me ofereceu, devo dizer que, desta vez, senti que algumas histórias careciam de maior desenvolvimento para se tornarem mais relevantes. Estou ciente, claro, da regra das quatro páginas por história, mas mesmo assim pareceu-me que alguns destes mini-contos precisariam de mais páginas para que os seus temas fossem melhor explanados. É, pois, interessante notar que, em volumes anteriores, certas histórias pareceram mais bem resolvidas dentro da mesma restrição, atingindo um equilíbrio mais feliz entre concisão e clareza narrativa.

Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira
Mesmo assim, não tenho dúvidas de que Ditirambos se mantém como uma das melhores antologias de banda desenhada em Portugal, com todos os autores a apresentarem-se num bom nível. 

Também em termos de edição, o livro volta a apresentar as mesmas características das edições passadas, envergando capa mole com badanas, bom papel baço no interior e boa encadernação e impressão. Volto a dizer: para um projeto independente, Ditirambos tem tudo de profissional e nada de amador.

Em suma, este quarto volume de Ditirambos confirma a iniciativa como uma das melhores antologias de banda desenhada em Portugal. Todos os autores apresentam trabalhos num bom nível, e o resultado global transmite uma rara sensação de profissionalismo, quer na escrita, quer na ilustração. O projeto contribui, inclusive, para desarmar um preconceito recorrente em certos espaços de discussão sobre BD: a ideia de que as antologias falham em consistência ou qualidade. Pelo contrário, Ditirambos mostra que um trabalho rigoroso e cuidado pode produzir uma antologia sólida e exemplar. Que o projeto continue a sua caminhada!


NOTA FINAL (1/10):
7.8


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Análise: Ditirambos #4 - Noite, de Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira

Ficha técnica
Ditirambos #4 - Noite
Autores: Joana Afonso, Ricardo Baptista, André Caetano, Nuno F. Cancelinha, Diogo Carvalho, Raquel Costa, Francisco Ferreira, Sónia Mota, Sofia Neto e Carla Rodrigues
Editora: Edição Independente
Páginas: 52, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 168 x 258 mm
Lançamento: Maio de 2025

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Análise: A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou

Uma das mais recentes bandas desenhadas editadas pela editora A Seita - e, desta feita, através da chancela Comic Heart - foi este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos que hoje vos trago, que junta pela primeira vez a dupla nacional formada por André F. Morgado, no argumento, e Kachisou, no desenho. Autores dos quais, de resto, tenho as melhores impressões com base nas suas obras, das quais posso citar, por exemplo, O Infeliz Pacto de George Walden (Morgado) Quero Voar (Kachisou) ou as recentes adaptações de obras clássicas da literatura portuguesa da coleção da Levoir, que André Morgado tem feito com vários ilustradores brasileiros.

Olhando para as obras criadas até então, este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma alternativa deveras diferente face àquilo que os autores nos deram até agora. Este é um livro cuja catalogação afigura-se-me difícil. Dizer que é um livro para um público mais novo está correto, sim, embora seja uma afirmação redutora, pois este é um livro munido de um humor maduro, carregado de referências, que, por isso, também pode (e deve) ser lido por um público mais adulto.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma fábula moderna, com simpáticos animais - exceptuando os amargurados ratos - e reveste-se de um humor que varia entre o inteligente e o absurdo. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A história centra-se num sapo entediado com o pântano e com a sua rotina, que, num impulso de inconformismo, procura uma nova aventura. O que se segue, no entanto, não é o épico tradicional que o protagonista poderia imaginar, mas sim uma espiral de acontecimentos caóticos onde os animais passam a conseguir adquirir as características que nunca tiveram, como a capacidade para falar, para voar, para cantar, para saltar... enfim, para viver tal como os humanos. E tudo isso é conseguido através de amuletos mágicos comercializados pelo Sapo. Entretanto, a comunidade dos ratos decide ficar com enormes corpos musculados e procura a sua vingança por, historicamente, ser um classe animal tão desprezada e mal tratada por todos. No meio disto tudo, ainda entram na trama as caralhotas (pães) de Almeirim. Bem, só por aqui já dá para ver como este desejo do Sapo em alterar a sua vida nos leva a situações divertidas e inusitadas.

É praticamente impossível que o início desta aventura não nos remeta para O Vento nos Salgueiros, de Kenneth Grahame, e brilhantemente adaptado para banda desenhada por Michel Plessix, quando o sapo dessa história também sente um chamamento interior para ter uma aventura que o transporte da sua vida rotineira no pântano. Mas, claro, o Sapo deste Caos e Coaxos é ainda mais propenso à criação de caos à sua volta. E coaxos!

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A estrutura da história é interessante. O início arranca um pouco aos tropeções, mas essa sensação é rapidamente contrariada quando a trama ganha corpo e se estabelece um fio condutor entre os diversos episódios e as personagens excêntricas que vão surgindo. André F. Morgado demonstra um bom domínio da narrativa ao conseguir amarrar todos os elementos aparentemente aleatórios num final que fecha o ciclo da história com coerência e até com uma subtil moral. 

É nesse equilíbrio entre o nonsense e a estrutura clássica da fábula que reside uma das maiores forças da obra, porque embora o absurdo impere, nunca se sente que o autor perdeu o controlo da narrativa. Ao contrário, percebe-se uma intenção clara de brincar com as convenções do género e de subverter expectativas, algo que contribui para manter o interesse do leitor ao longo da obra. Ao longo da leitura somos constantemente surpreendidos, seja com personagens inusitadas, seja com referências pop inesperadas ou com momentos de quebra da quarta parede.

Nesse ponto, o humor do livro merece um destaque especial. À primeira vista, pode parecer algo infantil ou “silly”, como se se limitasse ao jogo de palavras ou ao absurdo pelo absurdo. No entanto, uma leitura mais atenta revela um humor multifacetado, com várias camadas de referências culturais, literárias e musicais, jogos linguísticos e até críticas subtis ao nosso quotidiano. Essa combinação torna o livro acessível a leitores mais jovens, mas também muito satisfatório para leitores mais maduros que consigam captar as referências. André Morgado tem aqui o mérito de escrever com despretensão sem cair na banalidade. Também é de salientar o trabalho de diálogo e caracterização das personagens. A escrita é eficaz e ritmada, com bons tempos cómicos e um domínio interessante do absurdo como ferramenta narrativa, sem que este se torne cansativo.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
Todavia, se posso criticar algo, diria que a opção de incluir notas explicativas para duas ou três referências, como as de Tyler Durden ou de Chad Channing, por exemplo, me parece desajustada porque, lá está, se a intenção é criar um humor referencial, então parte da graça está precisamente na capacidade do leitor de reconhecer (ou não) as tais referências. Explicá-las tira-lhes impacto e, em certos casos, mata a própria piada, além de criar uma inconsistência, pois algumas referências são explicadas e outras não, o que leva à sensação de que se subestima a inteligência do leitor. Mas, enfim, é apenas uma nota pequena que, naturalmente, não belisca em nada a qualidade da obra.

Falando em qualidade, o trabalho de ilustração de Kachisou é outro ponto alto da publicação. O traço "cartoonesco", simplista, leve e expressivo, combina perfeitamente com o tom da narrativa. A paleta bicromática em tons esverdeados confere identidade visual à obra, sem a sobrecarregar. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
As ilustrações complementam e, em vários momentos, amplificam o humor e o ritmo da narrativa. O Sapo tem expressões que, por si só, são inequívocas em transmitir as suas emoções e pensamentos. Admito que não comecei por adorar os desenhos da autora nas primeiras páginas, mas não é menos verdade que acabei o livro a achar que Kachisou tinha aqui feito (mais) um belo trabalho. E que é diferente de tudo o que a autora já nos deu nas suas outras obras de banda desenhada. Prova superada, portanto.

Refiro ainda que a pertinência deste livro no panorama editorial português também é digna de nota. O humor tem escassa representação na banda desenhada nacional, especialmente com esta combinação de humor absurdo, fábula e sátira, o que faz com que esta A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos seja ainda mais bem-vinda. A aposta das editoras A Seita e Comic Heart revela, neste sentido, uma visão interessante e arriscada, num mercado que nem sempre valoriza este tipo de propostas.

De resto, a edição do livro é em capa dura baça, com bom papel baço e um bom trabalho quanto à impressão e encadernação. No final, como extra, há um conjunto de ilustrações sobre a obra, feitas por artistas convidados.

Em suma, A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos traz consigo algo de lúdico e libertador, convidando à gargalhada, ao espanto e, ao mesmo tempo, à reflexão sobre o que pedimos à vida e sobre as consequências dos nossos desejos. É um livro que vale pela diversão, mas que recompensa também a atenção e a releitura do leitor. 


NOTA FINAL (1/10):
7.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
A Aventura do Sapo: Caos e Coaxos
Autores: André F. Morgado e Kachisou
Editora: A Seita e Comic Heart
Páginas: 174 páginas, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 23 x 16 cm
Lançamento: Maio de 2025

terça-feira, 22 de julho de 2025

Análise: Tales from Nevermore

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro

Sempre que um artista apresenta a sua obra de estreia ao público, seja um músico com o seu primeiro álbum, seja um realizador com o seu primeiro filme, seja um fotógrafo com a sua primeira exposição de fotografia, seja um escultor com a sua primeira peça esculpida ou seja um autor de banda desenhada com a sua primeira BD, independentemente da qualidade dessa mesma obra, pode fazê-lo de um modo promissor, embora tímido, ou de uma forma retumbante, confiante, orgulhosa, que não deixa ninguém indiferente. Depois desta introdução, deixei-vos a pensar no álbum de estreia da vossa banda preferida? Ou no primeiro filme do realizador que vos enche as medidas? Pois bem, estou a falar concretamente de Tales from Nevermore, a BD de estreia dos portugueses Pedro N. (AKA Pedro Nascimento) e Manuel Monteiro, editada há algumas semanas pela editora Ala dos Livros.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
À semelhança de um Appetite for Destruction, o álbum de estreia dos Guns N' Roses que, curiosamente, festejou ontem os seus 38 anos de existência, e que, mesmo sendo o primeiro álbum de uma banda de jovens músicos, tomou de assalto o rock n roll para sempre desde o dia do seu lançamento original, também Tales From Nevermore tem a energia, a juventude, a ousadia, o talento, a infâmia, a noção do clássico e, pelo menos, o potencial de ser uma primeira obra que abala o meio nacional, neste caso, a banda desenhada portuguesa. Aliás, até gostava de estar enganado - pois isso significaria que o talento nacional é ainda maior do que aquilo que já é -, mas custa-me a crer que, em 2025, Tales From Nevermore não seja a obra revelação da banda desenhada portuguesa.

Esta é uma antologia de histórias curtas de terror que se destaca desde as primeiras páginas pela sua qualidade surpreendente e coesão narrativa. Através da figura de Vincent, um corvo carismático e sombrio que nos serve de anfitrião, um cicerone que nos acompanha por contos tenebrosos e desconfortáveis, os autores levam-nos numa visita ao misterioso cemitério de Nevermore, onde cada campa esconde um conto trágico, macabro e profundamente humano. Esta estrutura narrativa que recorre ao corvo como conector entre histórias é algo que, logo à partida, funciona muito bem para unir os pontos e fazer com que o livro suba de patamar narrativo, já que é um truque perfeito, um bom artifício que se revela o verdadeiro cimento capaz de bem unir as seis histórias aqui presentes, transformando a obra numa experiência imersiva, contínua e verdadeiramente cinematográfica. Em vez de um conjunto de seis histórias, o livro passa, portanto, a ser uma "história grande" que se espraia em seis histórias mais curtas... e tudo graças à vertente catalizadora da personagem de Vincent. E logo aqui, fiquei conquistado.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Vincent é o narrador omnipresente, com um toque irónico e lúgubre, que surge, pois, como a ponte entre cada conto e confere ao livro uma continuidade quase teatral. Essa “cola” narrativa faz com que a antologia se leia como um todo coeso, e não como uma mera compilação de histórias. Ainda recentemente joguei na PlayStation alguns dos videojogos The Dark Pictures Anthology, em que também temos a presença de um narrador presente que tão bem nos mergulha nas histórias de terror, e não pude deixar de fazer ligações mentais entre esses videojogos e este Tales From Nevermore. Mas claro que outra referência que vem à memória quando lemos esta BD é a série televisiva Tales from the Crypt., que também tinha um narrador que dialogava connosco enquanto nos ajudava a mergulhar nas várias histórias de terror.

A escolha de Vincent como anfitrião é particularmente feliz, pois ele é simultaneamente personagem, narrador e figura simbólica, uma presença que acompanha o leitor, que o guia e que o seduz para dentro do mundo sombrio de Nevermore. E já que falamos em "referências", em "Vincent" e em "Nevermore", é impossível não afirmar que a grande influência aqui presente é Edgar Allan Poe, o mestre do terror, ou não fosse a própria menção a "Nevermore" da sua autoria, tendo primeiramente surgido no seu poema The Raven, ou seja, O Corvo. Por outro lado, há muitas outras referências para além de Poe, já que o próprio nome do Corvo, "Vincent", estará certamente ligado a Vincent Price, um dos maiores ícones do cinema de terror, também popularizado pelo realizador Tim Burton. "Burton" que, já agora, também é o apelido de uma das personagens deste Tales From Nevermore. Enfim, como já devem ter percebido, todo o livro aparece carregado de referências e múltiplos easter eggs e homenagens visuais e textuais que celebram o terror clássico e o cinema de culto. São referências subtis (e outras menos subtis) a autores, filmes e obras que podemos encontrar ao longo das páginas, revelando não só o conhecimento profundo de Pedro N. e Manuel Monteiro, mas também o carinho que têm pelo género. Para os leitores mais atentos, e especialmente para os fãs de terror, essa camada de referências funciona como um jogo de descoberta que enriquece ainda mais a obra e que sedimenta a interação com o leitor, criando uma cumplicidade que enriquece a leitura e que a transforma numa experiência (mais) participativa. Tales From Nevermore não é apenas uma coleção de histórias... é um universo, uma mitologia em expansão. E, espero eu, pode ser a abertura de um universo com o potencial de ser explorado, com novas histórias, em livros futuros.

Mas há mais que importa referir sobre este livro!

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
O trabalho de Pedro N. e Manuel Monteiro é tão bem executado que dificilmente se acreditaria tratar-se de uma estreia. A fluidez entre os contos, a consistência tonal e a solidez estética demonstram uma maturidade artística que normalmente se encontra em autores com longa carreira no meio da banda desenhada. Nada parece ao acaso: desde a forma como o horror é trabalhado, com elegância e contenção, até à forma como se gerem os silêncios, os olhares e as sugestões visuais. Há aqui um domínio da linguagem gráfica e narrativa que impressiona.

Pedro N., responsável pelos desenhos, oferece-nos um trabalho verdadeiramente sublime. O seu virtuoso traço a preto e branco é ao mesmo tempo realista e expressivo, com uma capacidade rara de transmitir atmosfera. A planificação das páginas, a escolha dos planos, o uso magistral das sombras e das tramas, a expressividade das personagens... tudo aqui contribui para um resultado visual imersivo, inquietante e sedutor. É um talento raro no panorama nacional, que se afirma, desde já, com uma voz própria e uma assinatura artística inconfundível. É isto que eu chamo "entrar pela porta grande da BD nacional"!

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
As histórias em si, da autoria de Pedro N. e de Manuel Monteiro, abordam temas clássicos como o amor, o ciúme, a ganância ou o arrependimento, e certamente evocarão memórias de outros contos de terror para os mais batidos neste tipo de narrativas, o que pode, por vezes, parecer algo clichet, mas diria que mais do que isso ser uma falha, é uma qualidade, pois há aqui uma reverência assumida pelo género, um reconhecimento das suas raízes, não obstante uma vontade de o reinventar subtilmente. 

Se a proposta é séria e dramática, há ainda espaço para algum humor, bem-vindo, em que os autores nos permitem um certo alívio ao peso funesto da obra. Aqui podemos encontrar anúncios classificados morbidamente divertidos, entrevistas com a presença de figuras como Edgar Allen Poe ou Niccolò Paganini, ou uma página dupla onde, em cada uma das campas do cemitério de Nevermore, há um QR Code que nos convoca a (re)conhecer personagens reais ligadas ao terror e que aqui são homenageadas, como H.P. Lovecraft, Béla Lugosi, Mary Shelley ou Grigori Rasputin. Mas sempre com os nomes abreviados - tal como o próprio nome do autor Pedro N. - para que a referência não seja demasiado óbvia.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Tudo isto torna o livro muito rico e muito denso, o que poderá fazer criar no leitor a necessidade de uma segunda ou terceira leituras. E isso, mais uma vez, revela tenacidade autoral e uma "maturidade juvenil" (se é que isso faz sentido) que, já sendo rara de encontrar na banda desenhada nacional, imagine-se o quão rara é de encontrar numa BD de estreia portuguesa.

Se há um ponto que merece alguma reflexão, quiçá menos positiva, é a opção por manter todos os títulos dos contos - ou quase todos - em inglês. Ainda que isto seja compreensível dentro da estética do livro e das suas múltiplas homenagens ao imaginário anglo-saxónico do terror já aqui mencionadas, talvez tivesse sido mais interessante (ou mais identitário, diria) que alguns títulos fossem em português. Esta escolha autoral/editorial pode afastar levemente quem procura uma obra de terror com mais sabor local, especialmente num contexto em que o livro se afirma orgulhosamente como produto nacional.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Falando da edição, há que referir que a Ala dos Livros fez aqui (mais) um belíssimo trabalho! O livro é verdadeiramente diferenciado e pleno de detalhes que oferecem requinte à obra. Tem capa dura num tecido que parece pele preta, com detalhes góticos e ainda um corte que cria um "buraco", uma janela que nos permite ver a ilustração da primeira página. Na prática, a capa do livro parece uma moldura para a a primeira página do livro. Delicioso! Há ainda uma fita marcadora em tecido preto e um belo papel baço utilizado no miolo do livro. A impressão e encadernação são excelentes, também. Visualmente é, pois, um livro singular, que chama a atenção pelo seu requinte e pelo seu aspeto gótico e obscuro, tão em linha com o próprio livro. Muito bom!

Enfim, Tales from Nevermore é um livro sofisticado, elegante e assustador no melhor sentido do termo, que, de forma impetuosa, escancara sem medo as portas da BD nacional para a sua entrada triunfal. Consegue ser, ao mesmo tempo, um tributo ao passado e uma proposta ousada para o futuro da BD de terror em Portugal. Pedro N. e Manuel Monteiro entram no panorama da 9ª arte portuguesa com um primeiro livro que poderia perfeitamente ser assinado por autores veteranos. No cemitério de Nevermore, cada história é uma lápide, mas também uma janela. Uma janela para os recantos mais escuros da alma humana, onde o terror não vem de monstros imaginários, mas dos pecados que carregamos connosco. O meu desejo é apenas que possamos voltar brevemente a este cemitério com novas histórias extraídas das mentes de Pedro N. e Manuel Monteiro!

NOTA FINAL (1/10):
9.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros

Ficha técnica
Tales from Nevermore
Autores: Pedro N. e Manuel Monteiro
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 96, a preto e branco
Encadernação: Capa em pele, estampada, com recorte.
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Maio de 2025

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Análise: A Mais Breve História da Rússia (em BD)

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa
A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso

Foi recentemente que a editora ASA, certamente aproveitando a atualidade, lançou o livro de banda desenhada A Mais Breve História da Rússia (em BD), que conta com ilustrações de Joana Afonso e argumento de Dulce Garcia. Este livro é adaptado por Dulce Garcia a partir do livro original do jornalista e comentador político José Milhazes, intitulado A Mais Breve História da Rússia, que, aliás, durante o ano 2022, foi o livro mais vendido na categoria de não ficção em Portugal.

Diria que é uma ambiciosa transposição de um texto informativo para o formato de banda desenhada e que procura manter a essência da obra original, mas oferecendo, ao mesmo tempo, uma experiência visual envolvente, acessível e bastante pedagógica. É um livro que procura chegar ao maior número possível de leitores. E tem potencial para conseguir tal feito.

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa
A obra propõe uma viagem cronológica pela história da Rússia, desde as suas raízes, com os povos eslavos, até à atualidade, atravessando momentos determinantes como o czarismo, a Revolução de 1917, o estalinismo, o colapso da URSS e a era Putin. Uma verdadeira aula de história, portanto. E que procura ser o mais atual possível, incluindo a presença de figuras contemporâneas de relevância mundial como Zelensky, Trump, Navalny ou António Guterres. O  último capítulo do livro até é focado no passado mais recente, centrando-se na invasão da Ucrânia por parte do regime de Putin, que começou no fatídico dia 24 de fevereiro de 2022. Há, pois, um equilíbrio entre o passado e o presente da Rússia e isso é uma das forças da obra.

E para que este livro navegue até bom porto, também conta o bom trabalho das autoras portuguesas responsáveis por esta empreitada.

Dulce Garcia, pelo seu lado, consegue transformar a densa e muitas vezes árida matéria histórica num guião acessível e bem ritmado. Há uma clara intenção de tornar a informação "digerível" sem a simplificar em demasia, respeitando o leitor e confiando na sua curiosidade. Cada um dos períodos históricos está segmentado em capítulos, facilitando a assimilação dos temas abordados, tal como num manual escolar. Ainda assim, apreciei especialmente o facto de a obra atingir um certo equilíbrio entre não ser densa e pesada em demasia, mas, ao mesmo tempo, levando-se a sério e sendo coerente. 

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa
Deste modo, o livro consegue ser educativo sem se tornar maçador e, também por isso, é uma leitura que tanto pode ser aproveitada por um público mais jovem, que tenha interesse inicial pelo tema, como por adultos que procuram uma introdução concisa e bem construída à história da Rússia. A banda desenhada cumpre aqui um papel de mediação cultural e histórica, descomplicando sem infantilizar.

No plano visual, há que dizer que o trabalho de Joana Afonso é absolutamente fundamental para o sucesso do livro. Mantendo-se fiel ao seu traço expressivo e detalhado, Joana Afonso consegue imprimir dinamismo a uma narrativa que, à partida, poderia parecer demasiado expositiva. A forma como gere os enquadramentos, o ritmo das vinhetas e a composição das páginas revela uma maturidade artística notável e confirma porque é que a autora é muitas vezes - e justamente! - considerada como uma das autoras mais interessantes da banda desenhada portuguesa contemporânea.

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa
Tendo em conta a obra que temos em mãos, o mais notável no trabalho de Joana Afonso é que, mesmo perante um tema tão denso e exigente, consiga evitar a armadilha da monotonia visual. Assim, cada página oferece estímulos variados, seja através da expressividade dos rostos, da reconstituição histórica de ambientes, de alguns momentos de humor ou de uma bela diversidade na planificação que nos oferece ilustrações grandes e pequenas. É um trabalho gráfico que respeita o texto, mas também o enriquece, oferecendo ao leitor pistas visuais que ampliam a compreensão da narrativa. Mesmo os momentos mais sangrentos da história russa são-nos dados de uma maneira mais ligeira, mas sem os desdramatizar. "Equilíbrio" parece, portanto, ser a palavra de ordem neste trabalho. A paleta de cores onde imperam os tons a azul ou a vermelho, também dá uma certa personalidade demarcada à obra, que é bem-vinda.

Claro que podemos afirmar que, por vezes, o livro parece ser um livro ilustrado em detrimento de um livro de banda desenhada, já que, em vários casos, tem algum texto expositivo em que eventos referidos não são desenhados. É verdade, mas diria que também é frequente que em banda desenhada de cariz mais didático, a sequência narrativa não tenha uma ligação tão óbvia entre texto e desenho, servindo este último mais para adornar e esquematizar a informação do que, propriamente, para retratar as palavras de um modo mais literal. Mesmo assim, considero que Joana Afonso consegue camuflar bem essa suposta fragilidade através de todo o seu manancial de opções gráficas que tornam a experiência de leitura dinâmica e nunca enfadonha.

A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa
É impossível não referir também a atualidade pungente do tema abordado. Num momento em que a Rússia ocupa o centro das atenções mediáticas devido à invasão da Ucrânia, esta obra oferece contexto e profundidade a todos os interessados. Permite compreender como eventos do passado moldaram a mentalidade estratégica e autoritária do atual regime russo, oferecendo uma base mais sólida para interpretar os acontecimentos do presente. Obviamente, talvez seja uma obra algo histórico-política em demasia para muitos, mas isso não lhe tira mérito e revela que, sim, cada vez mais, o mercado nacional de banda desenhada dá passos no sentido certo, incrementando a diversidade da sua própria oferta.

Nota ainda para algo que apreciei no livro, que foi o facto de o mesmo ter a virtude de não ser panfletário. A complexidade da história russa é respeitada, sem desresponsabilizar os seus protagonistas. Figuras como Lenine, Estaline ou Putin são apresentadas com o devido peso histórico, mas também com a necessária contextualização, o que permite ao leitor formar um juízo mais informado e crítico. Ponto a favor, portanto.

A edição da ASA é em capa dura baça, com bom papel baço e boa encadernação e impressão. Não existem extras e parece-me que se perdeu a oportunidade de ter um prefácio do próprio José Milhazes que pudesse fazer uma introdução a como surgiu a ideia de adaptar para banda desenhada o seu A Mais Breve História da Rússia. Uma nota ainda, de louvor, para a belíssima ilustração da capa deste livro. Se há capas que ajudam a vender o livro, esta é uma delas.

Em suma, este livro é uma leitura recomendável para todos os que procuram compreender melhor a história da Rússia, as suas tensões internas, os seus traumas e as suas aspirações imperiais. Dulce Garcia e Joana Afonso conseguem o feito de transformar uma lição de história numa banda desenhada equilibrada, tendo uma boa informação que não é demasiadamente maçuda nem simplória e, ao mesmo tempo, sendo brilhantemente ilustrada por Joana Afonso que, aparentemente, não sabe fazer maus livros. É uma obra que educa, esclarece e estimula, como deve ser qualquer boa banda desenhada de não ficção.


NOTA FINAL (1/10):
8.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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A Mais Breve História da Rússia (em BD), de Dulce Garcia e Joana Afonso - ASA - LeYa

Ficha técnica
A Mais Breve História da Rússia (em BD)
Autoras: Dulce Garcia e Joana Afonso
Adaptação a partir da obra original de: José Milhazes
Editora: ASA
Páginas: 128, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 275 x 206 mm
Lançamento: Maio de 2025