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segunda-feira, 11 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Devir nos últimos 5 anos!


Depois de umas curtas férias, estou de volta para vos trazer mais um TOP 10 dedicado à melhor banda desenhada editada em Portugal nos últimos 5 anos que, como sabem, é o período de existência do Vinheta 2020.

E hoje o enfoque vai todo para a editora Devir!

Trata-se da editora portuguesa com o maior catálogo em obras mangá, mas nos últimos anos tem apostado também no alargamento da sua oferta editorial, com o lançamento de obras americanas e europeias e num conjunto de outras novas obras que, mesmo tendo como origem o Japão, se direcionam a um público mais maduro.

Por estes motivos, considero que a Devir se apresenta em grande forma no tempo mais recente.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Assim sendo, deixo-vos, então, com o meu TOP 10 da melhor banda desenhada editada pela Devir nos últimos 5 anos:

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Análise: Maltempo

Maltempo, de Alfred - Devir

Maltempo, de Alfred - Devir
Maltempo, de Alfred

Geralmente mais centrada na publicação de banda desenhada de origem japonesa, bem como de alguns comics americanos, a editora Devir lançou há poucas semanas duas obras de autores europeus: Crónicas de Jerusalém, de Guy Delisle, e este Maltempo, de Alfred, de quem a editora já tinha publicado, em 2022, a obra Como Antes.

Quer Como Antes, quer este Maltempo, fazem parte de uma trilogia, da qual ainda consta Senso, que é ambientada em Itália. São histórias independentes e diferentes entre si, mas que têm em comum as paisagens e cultura italianas como pano de fundo.

Estava bastante desejoso de ler este Maltempo e posso dizer-vos que, se já tinha gostado dos trabalhos anteriores de Alfred, este Maltempo ainda consegue superar Como Antes

Maltempo, de Alfred - Devir
A história centra-se em Mimmo, um rapaz de 15 anos que vive numa pequena ilha italiana onde os dias soalheiros são uma constante. Embora as paisagens sejam de cortar a respiração, com a natureza a pontilhar a vista de verdejantes montes e vales e de um belo azul profundo, quer no céu, quer no mar, a vida nesta ilha não é fácil para os seus habitantes. A pobreza é um destino do qual não parece ser fácil de escapar e para isso também não ajuda que a máfia condicione a vida local. Ou que a calma da ilha pareça ameaçada pela construção de empreendimentos hoteleiros que as gentes locais tentam sabotar. As aspirações de um adolescente como Mimmo parecem, pois, estar mais que condicionadas. Para não dizer "condenadas". Ser-se pobre ou fazer-se parte da máfia local parecem os dois únicos caminhos possíveis.

No entanto, quando um canal de TV anuncia que vai fazer audições naquela ilha para um espetáculo musical na aldeia, Mimmo, que tem a sua guitarra como companhia omnipresente, encara esta iniciativa como a grande oportunidade da sua vida. Junta então os seus três amigos, com quem tem uma banda de rock há muito tempo, e procura resgatar essa simbiose musical com os colegas, através de ensaios, para que a apresentação perante o canal de TV possa ser um sucesso e catapultar os quatro rapazes para uma vida bem sucedida em Roma. Mas a vida local, com todas as suas dificuldades, encontros e desencontros, bons e maus timings, faz com que essa simples tarefa de reunir quatro adolescentes para ensaiar, possa não ser tão fácil quanto parece.

Maltempo, de Alfred - Devir
A forma como o autor constrói a jornada interior do protagonista é notável. Mimmo não é apenas um jovem lutando contra as forças externas; ele é um reflexo das escolhas difíceis que todos enfrentamos em algum momento da vida. O autor convida o leitor a criar empatia com a luta de Mimmo, sem julgar, mas apresentando as complexidades da sua realidade de forma honesta. Por outro lado, os outros três amigos e elementos da banda de Mimmo, também têm as suas próprias lutas individuais que o autor Alfred sabe explorar bem num livro que aborda temas como destino, livre-arbítrio e o impacto das condições sociais sobre as escolhas individuais. Alfred não oferece respostas fáceis, mas constrói uma narrativa que desafia o leitor a questionar as estruturas do poder e as alternativas disponíveis para aqueles que vivem à margem.

Em termos visuais, o autor oferece-nos uma obra verdadeiramente charmosa e elegante. Visualmente, Maltempo é impressionante. Alfred utiliza uma paleta de cores subtis e evocativas, captando a melancolia e a beleza da paisagem mediterrânica. Os cenários insulares e as figuras humanas são trabalhados com um detalhe expressivo, ainda que simples, que reforça o impacto emocional da narrativa. Cada vinheta é uma obra de arte em si, servindo tanto para avançar a história quanto para criar momentos de contemplação.

Maltempo, de Alfred - Devir
É verdade que já tinha apreciado aquilo que o autor nos deu em Como Antes, mas, pelo menos em termos de desenho, é inegável a evolução que houve dessa obra para este Maltempo  - ou mesmo para Senso, que tive a oportunidade de ler na sua versão francesa e que espero que a Devir venha a editar brevemente por cá. Face a Como Antes, o traço do autor parece mais limpo e confiante e a própria organização do espaço visual apresenta-se mais harmoniosa em termos estéticos. Cada pequena enseada, cada monte ou vale que o autor nos vai dando quando, inteligentemente, utiliza as curtas viagens de vespa de Mimmo para fazer os leitores percorrerem as plácidas e belas paisagens do sul italiano, fazem com que este seja um livro que nos faz viajar, levando-nos a esquecer o nosso dia a dia. E é bem provável que, para muitos leitores, aumente o desejo de conhecer ou voltar à bella Italia.

A edição da Devir apresenta-se de boa qualidade. O livro tem capa dura baça e bom papel baço no seu interior. Os acabamentos, a encadernação e a impressão apresentam boa qualidade.

Em resumo, Maltempo é uma obra que combina uma narrativa envolvente com uma arte expressiva, oferecendo uma reflexão profunda sobre as escolhas individuais face às circunstâncias sociais e económicas adversas. É um livro com o potencial de transcender as barreiras da BD, já que pode apelar tanto a leitores de banda desenhada como a amantes da literatura em geral devido à sua história que, embora profundamente enraizada numa realidade específica, possui uma universalidade que ressoa amplamente. Alfred mostra-nos que, mesmo nas circunstâncias mais sombrias, a esperança e a resistência humana podem encontrar formas de se manifestar. Um doce embalo de viagem e, a par do fabuloso Bairro Distante, de Jiro Taniguchi, o meu livro preferido da Devir lançado durante 2024!


NOTA FINAL (1/10):
9.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Maltempo, de Alfred - Devir

Ficha técnica
Maltempo
Autor: Alfred
Editora: Devir
Páginas: 324, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 14,8 x 21 cm
Lançamento: Novembro de 2024

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Devir regressa ao lançamento de BD europeia!



Depois de anunciar algumas obras bastante interessantes durante este mês de Outubro, como Bairro Distante, de Jiro Taniguchi, ou Crianças do Mar, de Daisuke Igarashi, a editora Devir também fez saber que voltará a lançar uma obra de um autor europeu!

Falo do livro Maltempo, do autor francês Alfred, de quem a editora já lançou, em 2022, o muito recomendado Como Antes!

Para mim, isto é uma grande notícia, pois fico duplamente contente pelo facto de Alfred continuar a ver a sua muito interessante a obra a ser editada em português e, também, é bom verificar que a Devir não deixa cair a edição de autores europeus.

Sim, mesmo assim, gostaria de ver mais autores europeus - ou americanos - a serem editados pela editora, claro, mas também é verdade que este é um bom sinal.
Maltempo terá o seu pré-lançamento no Amadora BD, a 18 de Outubro, devendo chegar às livrarias a partir de 21 de Outubro. Já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Maltempo, de Alfred

Mimmo, um rapaz de 15 anos, vive numa pequena ilha italiana. 

Preso entre a fatalidade de uma vida de pobreza ou um futuro na máfia, o rapaz sente que a única saída é a sua guitarra. 

Quando fica a saber que um canal de TV vai fazer audições para um famoso espetáculo musical na sua aldeia, ser selecionado torna-se o seu único objetivo, uma ideia fixa. 

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Ficha técnica
Maltempo
Autor: Alfred
Editora: Devir
Páginas: 324, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 14,8 x 21 cm 
PVP: 20,00€ 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Análise: Como Antes

Como Antes, de Alfred - Devir

Como Antes, de Alfred - Devir
Como Antes, de Alfred

Se houve coisas que a Devir fez nos últimos meses (e anos!) que muito me agradaram, o lançamento deste Como Antes, de Alfred, foi uma das coisas que mais me deixou feliz!

Em termos de lançamento de banda desenhada, a estratégia da editora nos últimos anos tem revelado um maior enfoque na edição de mangás, onde a Devir tem tido um constante e assíduo lançamento de novos números das séries que vai editando. Infelizmente, para os meus gostos, pelo menos, a editora tem deixado de parte a aposta numa banda desenhada de cariz mais europeu, por um lado, e direcionada para um público mais maduro, pelo outro.

Mas com Como Antes, devo dizer que a editora acerta em grande nessas duas vertentes! Esta é uma obra para adultos e de um autor europeu (neste caso francês) que assina apenas como "Alfred".

Já conhecia relativamente bem o autor tendo, inclusive, analisado a sua obra Senso, que me agradou bastante. Mas Como Antes, é a sua obra mais famosa, tendo mesmo vencido o Fauve d’Or do Festival de Angoulême, em 2014. E percebe-se bem porquê.

Como Antes, de Alfred - Devir
Esta é uma história simples, humana e que nos mostra duas vertentes: tudo aquilo que, devido às nossas escolhas e atitudes, nos vai afastando dos nossos familiares mais próximos; mas, também, tudo aquilo que, aconteça o que acontecer, nos aproxima, nos toca, nos enlaça com esses mesmos familiares próximos. E, por muito que duas pessoas se afastem e se considerem opostas uma à outra, nas mais diversas características, a verdade é que, pondo de lado a animosidade de acontecimentos negativos do passado, essas mesmas duas pessoas terão mais em comum do que aquilo que julgariam.

Como Antes faz lembrar um daqueles road movies, que nos vai contando a história e mostrando as personagens, à medida que as mesmas encetam uma viagem de carro. Neste caso, estamos no início dos anos 60 e acompanhamos a viagem, num Fiat 500, de Fabio e Giovanni, que os levará de França à sua terra natal, no sul de Itália. Fabio, que para arranjar uns trocos se tornou boxeur, não queria, por nada, fazer esta viagem, mas quando o irmão, Giovanni, lhe diz que transporta as cinzas do pai no banco de trás do carro, Fabio lá acaba por ceder.

Mesmo assim, esta é uma viagem que, tendo em conta o enorme afastamento temporal de ambas as personagens, não começa muito bem. São muitas as discussões acesas, as discordâncias e os silêncios incómodos que começam por pautar o início da viagem dos irmãos. No cerne do grande afastamento entre eles está o momento em que, há 10 anos, Fabio abandonou a sua família por opção e por causas políticas, pois vivia-se ainda o período da Itália fascista.

Como Antes, de Alfred - Devir
Ao longo da viagem, que passa por belas paisagens campestres, vamos, também nós, conhecendo melhor as personagens e aquilo que lhes aconteceu, enquanto que, de vez em quando, nos são dados, de forma entrecortada, alguns flashbacks do passado, que têm um estilo de desenho e uma palete de cores diferente da narrativa principal. Ao início, estes desenhos mais alternativos parecem algo difusos e aleatórios, mas, lá mais para o meio e fim da obra, vamos percebendo melhor as pinceladas de conteúdo que estas ilustrações mais abstratas atribuem a toda a história que nos é contada.

Sem desvendar nada acerca da maneira como acaba este Como Antes, há que dizer que Alfred se revela como um excelente contador de histórias. Porque sabe guardar bem algumas surpresas para o fim da leitura, não abrindo mão dos seus trunfos narrativos, até que o livro chegue às últimas páginas. E talvez, também, por isso, este Como Antes seja especial. 

Até posso admitir que a história – pelo menos na primeira parte do livro – até não seja assim tão original. Parece que já vimos ou lemos histórias semelhantes a esta. Todavia, a maneira como o autor resolve a história, bem como o conjunto de surpresas que nos deixa para o fim, tornam Como Antes mais especial e singular do que aquilo que, inicialmente, pode parecer.

Como Antes, de Alfred - Devir
Em termos de ilustrações, esta é uma obra que me agradou bastante. Sim, é verdade que o traço do autor não aparenta (logo) ser de um detalhe ou de um virtuosismo inquestionável. Certo tratamento das personagens e suas expressões faciais também não revelam um cuidado muito elevado. Contudo, considero o estilo de ilustração certo e adequado para a história que temos em mãos.

E, à medida que vamos avançando na leitura, e vendo todas as paisagens bucólicas que circundam o Fiat 500 dos dois irmãos, ou que vamos voltando atrás no tempo, através de flashbacks, para visualizarmos um estilo de desenho de linhas mais estilizadas; as ilustrações do autor começam a entranhar-se e, quando terminamos a leitura, estamos encantados. Eu, pelo menos, fiquei.

Já para não falar das belíssimas cores, cuja paleta vai divergindo ao longo da viagem, e que permitem à obra uma boa e contida beleza visual.

A edição da Devir está bastante boa: capa dura, bom papel baço e uma boa encadernação e impressão. Nada de mal a objetar.

Em suma, este é mais um dos livros do ano, asseguro-vos. É de lamentar mas, por vezes, este tipo de obras, cujo desenho pode não impressionar assim tanto à primeira vista, passa pelos pingos da chuva em termos comerciais. No caso concreto de Como Antes, só espero que isso não venha a acontecer. Esta é uma obra carregada de humanismo, de nos deixar com vários nós na garganta, e sobre a vida, tal como ela é. Se não é a melhor obra do ano, estará entre as 10 melhores, sem qualquer dúvida e é o melhor livro da Devir em anos. Esta é uma obra de redenção que é obrigatório comprar e ler!


NOTA FINAL (1/10):
9.4



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Como Antes, de Alfred - Devir

Ficha técnica
Como Antes
Autor: Alfred
Editora: Devir
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cms
Lançamento: Outubro de 2022

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Pára tudo! Devir regressa à sua coleção "Biblioteca de Alice"!...



... e logo com um autor e uma obra de belo valor!

Como Antes, de Alfred, do qual já aqui analisei Senso, é uma obra premiada que se prepara para ser lançada pela Devir que, desta forma, retoma a sua série "Biblioteca de Alice", virada para um tipo de banda desenhada para adultos, que já nos deu belas obras como Blankets, Habibi, Parker ou Comprimidos Azuis!

Estou muito feliz com esta novidade e desejo à editora o maior sucesso possível!

Acho ótimo que a editora lance muitos mangás - e que tenha sucesso com os mesmos - mas também acho relevante que a Devir possa ter uma oferta variada de banda desenhada que chega a vários públicos.
A obra será lançada no dia 22, no Amadora BD, com a presença do autor, que fará uma sessão de autógrafos no mesmo dia, entre as 16 e as 19h.

Por agora, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais da versão brasileira, também lançada pela Devir.

Como Antes, de Alfred

No início dos anos 60, os irmãos Fabio e Giovanni estão prestes a iniciar uma longa jornada. Dentro de um Fiat 500, o caminho será pontuado por discussões amargas, longos períodos de silêncio, lembranças e encontros, e levá-los-á de volta à sua terra natal, Itália – um lugar que Fabio não visita há anos.
Aos poucos, descobrimos quem foi o pai deles, como é difícil a relação entre os membros da família e como o fascismo os dividiu. Com ilustrações belíssimas, Alfred faz um uso estratégico das cores para caracterizar emoções e flashbacks, que mergulham o leitor no clima nostálgico das personagens e, página após página, capturam lindamente a atmosfera das horas do dia, desde as cenas noturnas em azul profundo até ao laranja intenso de um pôr do sol. O domínio do ritmo narrativo dá ao leitor o tempo exato para apreciar todas essas nuances de cores e contribui para fazer de Como Antes uma obra-prima da narrativa gráfica.

Obra vencedora do prémio mais importante da banda desenhada europeia, o Fauve d’Or do Festival de Angoulême (em 2014).

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Ficha técnica
Como Antes
Autor: Alfred
Editora: Devir
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cms
PVP: 24.99€

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Análise: Senso



Senso, de Alfred

A principal pretensão do Vinheta 2020 não será nunca analisar álbuns que são lançados em países estrangeiros mas antes, analisar e dar a conhecer tudo aquilo que se passa no universo da banda desenhada, lançada em Portugal. Não obstante, isso não deverá significar, unilateralmente, que livros estrangeiros não mereçam algum destaque, ou uma análise, sempre que se achar relevante ou conveniente para os leitores deste blog.

Admito até que tento sempre ler banda desenhada em português em detrimento de ler banda desenhada noutras línguas. Mesmo que a versão em português seja ligeiramente mais dispendiosa. Para mim, ler em inglês não apresenta quaisquer dificuldades e também me ajeito a ler em francês e em espanhol – embora de forma mais atabalhoada - mas, ainda assim, considero que não há nada como ler na nossa língua materna e daí retirar toda a profundidade dos significados – múltiplos - que as palavras podem tomar. Portanto, se leio noutras línguas é, essencialmente por 3 razões: 1) Ou faço compras de bd estrangeira numa qualquer viagem que faça; 2) Ou alguém me oferece os livros (é o caso deste Senso, de Alfred); 3) Ou compro um livro, geralmente pela internet, que me desperta muito interesse mas que não tem prevista edição em português. Esta última opção deixa-me sempre com um gosto amargo na boca. Mas é o que temos.

Focando agora este texto em Senso, de Alfred, devo admitir que é uma leitura refrescante, adulta, que apresenta um estilo de linha clara, bem ao jeito da escola franco-belga e que, por ventura, poderá – ou poderia – ser um livro aplaudido pelos leitores portugueses se tivesse versão na língua de Camões. Arrisco até que esta é uma obra que encaixaria muito bem na coleção de novelas gráficas da Levoir. Ou talvez mesmo se fosse lançada a solo por outra editora.

Alfred é um autor francês – cujo verdadeiro nome é Lionel Papagalli – e alcançou reconhecimento mundial quando, em 2013, lançou o álbum Come Prima, que lhe valeu a conquisa de um Fauve d'or no Festival de Angoulême de 2014. 

Este Senso, lançado em 2019, conta-nos a história de Germano que chega de combóio a uma cidade do sul de Itália, para se encontrar com a sua filha. Mas esse combóio está atrasado 6 horas devido a uma sufocante onda de calor que paralisou os transportes, e Germano vê-se forçado a adiar os planos com a sua filha para o dia seguinte, decidindo deslocar-se a pé até ao hotel, onde tinha previamente reservado um quarto. Contudo, ao chegar ao hotel, é-lhe dito que a sua reserva foi cancelada devido ao seu atraso e que agora o hotel se encontra totalmente ocupado por causa de um casamento que aí se vai realizar. E o grande problema é que aquele hotel é único num raio de muitos km's, o que não deixa alternativa ao protagonista senão fazer tempo no lobby do hotel. A sua primeira reação é ficar extremamente irritado mas o seu estado de espírito vai sendo alterado à medida que encontra um velho conhecido, que o convida para a festa de casamento, e que trava conhecimento com algumas personagens do hotel. Entre elas, uma mulher madura, livre e original na sua forma de estar, que o faz reviver um episódio verdadeiramente romântico. 

A narrativa, cujo período temporal se desenrola durante um dia e uma noite, oferece-nos uma história adulta e contemporânea daquilo que é – ou poderá ser- um romance entre pessoas maduras, que já tiveram uma outra vida e uma outra existência amorosa. Quase como uma segunda oportunidade para encontrar o amor, mostrando-nos como, e de que forma, uma situalão destas poderá acontecer. Nos dias que correm, em que as taxas de divórcio são cada vez mais elevadas na nossa sociedade ocidentalizada e onde pessoas adultas se vêem na situação de começar uma nova vida, este é um livro que toca um tema muito pertinente.

Mas não o faz de forma muito explicativa ou mesmo apoiando-se numa reflexão paternalista. Ao invés, apresenta-nos meramente um relato credível e verdadeiramente narrativo. Sem julgamentos, sem reflexões. Deixando ao leitor o espaço e o tempo para tirar as suas póprias reflexões. Por vezes, até parece um típico filme do Woody Allen, por apresentar situações, que mesmo parecendo extraordinárias, são situações quotidianas e completamente possíveis de acontecer.

O autor da obra alia muito bem um texto fácil e atual com uma arte tipicamente franco-belga, de linha clara, cores fortes, permitindo-se alguma liberdade, por vezes, para uma planificação mais dinâmica, com algumas vinhetas mais contemplativas, que são um verdadeiro prazer observar durante vários momentos. O seu estilo de ilustração lembrou-me, por vezes, o de Pedrosa na sua obra Portugal

O ritmo da história embora não sendo especialmente lento, permite-nos alguns momentos para respirar, contemplar, refletir. Por vezes somos confrontados com perguntas essenciais que incidem sobre as nossas vidas. Quer enquanto casais, quer a viver sozinho. E é por isso que é uma obra extremamente adulta. Subtil.

Há ainda alguns momentos carregados de um erotismo bastante explícito que aparecem enquanto momentos de interlúdio não sendo, no entanto, obscenos mas sim, poéticos. Diria que o estilo de ilustração utilizado para este tipo de interlúdios eróticos não me agradou tanto, em comparação com as ilustrações da restante história, mas como são partes que se pretendem mais abstractas, aceita-se que o autor tenha experimentado algo diferente.

É um trabalho de extrema qualidade que se recomenda a todos os fãs de bd europeia adulta – desde que não tenham problemas em ler na língua francesa. Quem sabe, este último requisito não cai por terra, se uma Editora portuguesa lançar esta obra. Aguardemos.

Convite: Passem no nosso instagram para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


NOTA FINAL (1/10):
8.4

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Ficha Técnica
Senso
Autor: Alfred
Editora: Delcourt / Mirages
Páginas:160 páginas, a cores
Encadernação: Capa Dura