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quarta-feira, 10 de setembro de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Relógio D' Água nos últimos 5 anos!


Termina hoje o ciclo de TOPs 10 em que analisei a melhor banda desenhada editada nos últimos 5 anos em Portugal - período de existência do Vinheta 2020.

O objetivo destes TOPs foi demonstrar, aos cada vez mais seguidores deste site, as principais obras de BD que por cá foram lançadas por aquelas que considero terem sido as principais editoras de BD nos últimos 5 anos, em Portugal.

E hoje é altura de olhar para as melhores BDs que a editora Relógio D'Água editou por cá.

De todas as editoras que analisei, esta será aquela com menor produção em termos de banda desenhada. E também é verdade que, salvo algumas (boas) exceções, a aposta da Relógio D' Água tem sido em adaptações para banda desenhada de obras da literatura. Mesmo assim, essa produção já é grande o suficiente para um TOP 10 e é mesmo isso que hoje vos trago.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Antes de avançar para o TOP 10 dedicado à Relógio D'Água, convido-vos ainda a (re)lerem os outros TOPs feitos para as restantes editoras:


Relógio D' Água


E agora sim, eis o TOP relativo à melhor BD editada pela Relógio D'Água nos últimos 5 anos.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

A análise ao trabalho das editoras portuguesas de BD em 2024

A análise ao trabalho das editoras portuguesas de BD em 2024

2024 foi um ano de muita banda desenhada lançada em Portugal! 

O excelente artigo publicado recentemente por Daniel Maia confirma, aliás, aquilo que tenho vindo a dizer há muito tempo: vivemos numa era dourada da banda desenhada em Portugal! Sei que estas coisas são sempre cíclicas, de certa forma, e que também já tivemos, no passado mais e menos recente, boas épocas de edição de BD que, infelizmente, acabaram por dar lugar a um certo marasmo editorial após iniciais tempos promissores. 

Isso é verdade, mas uma coisa que também é inegável, é que este "período dourado" já se arrasta há alguns anos. E as coisas até vão melhorando de ano para ano. São cada vez mais os autores portugueses a publicarem os seus trabalhos em belas edições, são cada vez mais as editoras a lançarem obras estrangeiras de qualidade superior (também em belas edições), são cada vez mais os eventos dedicados à banda desenhada que pululam por esse país fora, são cada vez mais os livros sobre banda desenhada a serem publicados... Não esquecendo que já há em Portugal, segundo a Constituição Portuguesa, um dia dedicado à banda desenhada, enfim... estamos mesmo a viver o melhor momento de sempre!

A análise ao trabalho das editoras portuguesas de BD em 2024

2024 até pode ter sido o ano mais forte de todos, mas apenas por ter tido em si o natural e orgânico desenvolvimento das sementes plantadas nos últimos cinco ou seis anos, parece-me.

Trago-vos, portanto, mais abaixo, uma breve análise ao ano de 2024, centrando-me nas editoras portuguesas e no trabalho que as mesmas nos apresentaram ao longo do último ano.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Análise: Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico

Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água


Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água
Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham

A editora Relógio d’Água lançou recentemente a adaptação para banda desenhada da obra-prima de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, escrita originalmente em 1932. À semelhança de um 1984, de George Orwell, ou de um Nós, de Zamiatine, esta é uma das distopias mais famosas da literatura mundial e, convenhamos, uma adaptação para banda desenhada era, quanto a mim, bem-vinda. O responsável por tal feito, é Fred Fordham, de quem a editora Relógio D’Água até já publicou Mataram a Cotovia, outra adaptação de um romance literário que, por acaso, me agradou muito.

Ora, dito tudo isto, estava bastante intrigado com este Admirável Mundo Novo pelas mãos e mente de Fred Fordham, já que sou um grande admirador do romance original de Huxley. E, com efeito, esta é uma adaptação que, mesmo podendo não ser perfeita, consegue bastantes feitos e honra a obra original.

A história passa-se num futuro distante onde a humanidade vive sob um regime totalitário que utiliza a biotecnologia, a engenharia genética e o condicionamento psicológico para manter o controlo social dos humanos. A obra aborda temas como a perda da individualidade, a manipulação do comportamento humano e a superficialidade das relações sociais num mundo claramente dominado pela tecnologia. Parece próximo do mundo em que vivemos? Sim, diria que sim. De facto, Aldous Huxley foi verdadeiramente visionário com esta obra escrita há quase 100 anos.

Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água
O livro descreve uma sociedade altamente organizada e tecnologicamente avançada, na qual as pessoas são produzidas em massa em laboratórios, geneticamente modificadas e condicionadas desde o nascimento para pertencer a uma das várias castas sociais. Estas castas são rigidamente hierarquizadas, com os Alfas no topo, destinados a posições de liderança, e os Ípsilones na base, destinados a trabalhos braçais. A estabilidade social é mantida através do uso de uma droga chamada "soma", que proporciona prazer e alívio do stress sem efeitos colaterais negativos aparentes. A liberdade individual é sacrificada em nome da estabilidade e da felicidade superficial. As emoções são suprimidas e as artes, a religião e a filosofia são praticamente inexistentes, uma vez que poderiam gerar questionamentos e instabilidade.

Um dos temas centrais do livro é também o contraste entre o controlo totalitário exercido pelo Estado e a perda de liberdade individual. A sociedade descrita em Admirável Mundo Novo prioriza a estabilidade e o bem-estar coletivo, mas isso é alcançado à custa do suprimento da individualidade e da liberdade pessoal. Os cidadãos são, pois, condicionados a aceitar o seu papel na sociedade sem se poderem questionar. E se estiverem descontentes em algum dos seus dias, uma dose de “soma” fá-los-á ficarem automaticamente felizes com a vida.

A obra ainda levanta questões sobre o uso da tecnologia para controlar e desumanizar a sociedade e, também, a superficialidade de um consumismo sem travão por parte da sociedade moderna, já que os habitantes deste “admirável mundo novo” são incentivados a procurar prazer imediato e gratificação instantânea, evitando qualquer tipo de reflexão ou desconforto emocional. Por esse motivo, ninguém estabelece relações familiares e toda a gente é independente. Mesmo ao nível da sexualidade, os parceiros sexuais não devem ser repetidos ou mantidos. O sexo é praticado pelo prazer físico do ato e não por questões amorosas.

Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água
Bernard Marx, o protagonista, é um Alfa que se sente deslocado devido a sentir uma certa insatisfação com a sociedade que o rodeia, tornando-o crítico do sistema. Quando este faz uma viagem com Lenina Crowne até ao mundo selvagem – onde as pessoas levam uma existência mais próxima daquela que vivemos – encontram John, o Selvagem. E é a vinda deste personagem para o “admirável mundo novo” que leva o leitor a ter dois pontos de vista diferentes e a mergulhar nas críticas que a obra faz à sociedade humana. Um exercício deveras interessante, a meu ver. E que prova que a obra se mantém atual nos dias de hoje.

Olhando para a adaptação de Fred Fordham para banda desenhada, considero que o autor conseguiu captar a essência da obra original. Se é verdade que, do ponto de vista narrativo, por vezes Fordham parece deixar o leitor algo desorientado, perdendo o fio à meada se não conhecer bem a obra original, a verdade é que o autor foi especialmente bem sucedido na reimaginação do mundo onde decorre a ação. Havia discrições na obra original, sim, mas Fred Fordham acabou por adaptar os cenários, a tecnologia presente, os edifícios e as próprias indumentárias das personagens a um futuro que podemos considerar (mais) próximo da realidade em que vivemos no ano 2024 e, por conseguinte, como sendo mais verosímil. A mim, convenceu-me esta abordagem visual que o autor faz da obra de Huxley.

Há uma certa sensação de despovoamento face aos cenários demasiado vazios, mas, por uma vez, parece-me que isso era tudo o que era necessário numa obra deste calibre. É que o universo de Admirável Mundo Novo é totalmente vazio, clean e acético.

Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água
E uma nota positiva tem que ser dada à forma como Fordham representa as exuberantes festas e orgias sexuais, através de cores fortes e garridas que poderiam lembrar o filme Blade Runner – ou, já agora, a banda desenhada Neon, da portuguesa Rita Alfaiate. Esta utilização da cor por parte de Fordham resulta muito bem para mostrar a superficialidade e surrealismo de uma falsa felicidade que assenta na utilização de drogas e no sexo sem barreiras.

Mesmo assim, também é verdade que, por vezes, os diálogos me pareceram algo longos em demasia. Compreendo que parte de uma distopia é explicar - através da narração ou dos diálogos - esse próprio universo distópico, mas, mesmo assim, talvez alguns diálogos pudessem ser um pouco mais pequenos.

E também é verdade que certos desenhos apresentam, por vezes, pouca definição nas linhas de contorno das personagens. Não consegui perceber se tal se devia à própria arte original de Fordham ou se isso tem que ver com algum erro ou imperfeição a nível editorial e de impressão. Não pude comparar com a versão original da obra. Mesmo assim, é algo negativo e que saltou à minha vista por diversas vezes.

A edição da Relógio d´Água é, como já vem sendo hábito, em capa mole e com bom papel baço no interior e um bom trabalho ao nível de encadernação, embora me pareça que o livro, enquanto objeto físico, beneficiaria se tivesse badanas. 

De qualquer maneira, realço com satisfação a continuação da aposta da editora no lançamento de banda desenhada. É certo que das nove bandas desenhadas lançadas, sete delas são adaptações de obras da literatura mundial e apenas duas foram primeiramente pensadas e projetadas para banda desenhada (O Segredo da Força Sobre Humana e Patos), mas isso não invalida que seja positivo que a editora persista no lançamento de banda desenhada. Que assim continue!

Concluindo, pode-se dizer que Admirável Mundo Novo não seria, à partida, uma obra fácil de adaptar para banda desenhada, mas que Fred Fordham se sai bem nessa empreitada. E, convenhamos, a própria opção por tornar mais presente e mais atual esta obra, que assenta numa crítica poderosa às tendências autoritárias e tecnocráticas da sociedade moderna, também é mais que bem-vinda. Afinal de contas, Admirável Mundo Novo continua a ser relevante hoje, provocando reflexões sobre o papel da tecnologia na sociedade e os limites do controlo estatal sobre a vida humana.


NOTA FINAL (1/10):
8.6


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Admirável Mundo Novo – Romance Gráfico, de Fred Fordham - Relógio D'Água

Ficha técnica
Admirável Mundo Novo - Romance Gráfico
Autor: Fred Fordham
Adaptado a partir da obra original de: Aldous Huxley
Editora: Relógio d’ Água
Páginas: 244, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 16,3 x 23,5 cms
Lançamento: Maio de 2024

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Vinheta 2020 lança nova rubrica para anunciar o Livro de BD do Mês!


Eis uma iniciativa que já queria ter implementado no Vinheta 2020 desde o último mês de janeiro, mas que, por motivos vários que ocuparam bastante do meu tempo, nomeadamente o lançamento do meu livro Muitos Anos a Virar Páginas e a preparação da Gala dos VINHETAS D'OURO 2024, não consegui fazer.

Sempre com o objetivo de fazer alguma curadoria, ajudando os leitores deste espaço a investirem o seu dinheiro na melhor banda desenhada que por cá é editada, lanço, então, a iniciativa LIVRO DO MÊS, cujo princípio não poderia ser mais simples: anunciar qual foi o melhor livro de cada mês. Qual a leitura mais "obrigatória", por assim dizer. Qual a obra que, caso só haja dinheiro na carteira para a compra de um livro por mês, merece ser comprada.

Para além disso, e porque sempre tento incluir e promover a produção nacional, a iniciativa LIVRO DO MÊS também terá sempre a subcategoria BD NACIONAL DO MÊS.

Para que se compreenda bem como funciona esta nova rubrica, permitam-me especificar, então, algumas "regras":

REGRAS DO "LIVRO DO MÊS"

1) Baseando-me na data de lançamento presente na ficha técnica de cada livro, que faz referência à data da primeira edição - ou, em casos excecionais, baseando-me na data em que o livro é efetivamente colocado à venda - anunciarei no início do mês seguinte, qual foi o LIVRO DO MÊS anterior.

2) Isto não devia ser necessário relembrar, mas faço-o à mesma: como é óbvio, o conceito de "melhor" é subjetivo e, claro está, as escolhas apresentadas serão sempre com base na subjetividade da minha opinião.

3) Eu costumo andar bastante atualizado face à nova banda desenhada que por cá vai sendo lançada. Contudo, não sou uma máquina, nem alguém que lê livros "à pressa" só para dizer que os leu. Acho que isso até é desrespeitar os autores/editores envolvidos. E, portanto, esta situação pode fazer com que, em determinados momentos, no final de um mês, eu ainda não tenha lido um livro que, mais tarde, até acabarei por considerar o melhor livro desse mês. Ou seja, poderei considerar que determinada obra merece ser o LIVRO DO MÊS e, passadas umas semanas, quando ler, já fora de tempo, um outro livro lançado no mês em questão, achar: "espera aí, este livro que só agora pude ler é melhor do que aquele que eu considerei como sendo LIVRO DO MÊS no mês passado". Portanto, caso isso aconteça e eu venha a ler um livro fora do mês em que foi lançado e, ainda assim, o considere como o melhor livro lançado nesse mês, farei uma correção ao post desse mês no mês seguinte. Exemplificando: imagine-se que sai um livro na última semana de Abril e que, apesar de eu só o ler no final de Maio, considerá-lo-ei como o melhor lançamento de Abril. Então, quando, no início de Junho, eu anunciar o Livro do Mês de Maio, farei uma adenda ao meu Livro do Mês de Abril. Pode parecer complexo, mas acho que não o será.

4) Caso se justifique, poderão haver MENÇÕES HONROSAS, se for demasiadamente difícil para mim deixar de lado alguma obra. Mesmo assim, obrigar-me-ei a não superar as duas MENÇÕES HONROSAS por mês.

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Portanto, agora que estão partilhadas as Regras a que eu próprio me imponho, avancemos para os primeiros LIVROS DO MÊS de 2024!

Relembro que a ideia é fazer um artigo mensal sobre cada LIVRO DO MÊS, mas, excecionalmente, e como estou em atraso face aos meses de Janeiro, Fevereiro de 2024, desta vez faço um artigo triplo anunciando quais foram os melhores LIVROS DO MÊS do primeiro trimestre do ano.

E são eles os seguintes:

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Análise: Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton

Uma das coisas boas que a arte tem, é aquela que nos faz mudar. Que nos faz pensar. Que nos alarga os horizontes. Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton, editado pela Relógio D’Água, é uma dessas bandas desenhadas que lança luz para um tema que se tem mantido nas sombras. Melhor dizendo, o tema nem tem estado propriamente “nas sombras”, mas talvez não tenha recebido a "iluminação certa", por assim dizer. E uma coisa que acho interessante e curiosa é que, comercialmente falando, esta obra tenha sido apresentada como “um testemunho sobre as Areias Petrolíferas do Canadá”. Sim, é esse o enquadramento. Mas será o enquadramento básico e mais preguiçoso. Porque apresentar Patos apenas como isso, é deveras redutor. Isto porque, e voltando ao tema que considero não estar a ser devidamente “iluminado”, Patos é uma obra onde nos é revelado o quão desagradável e intrusiva pode ser a relação mundana e casual de uma mulher com homens. Especialmente, se for num local onde a maioria da população é do sexo masculino.

Muito se tem dito e escrito sobre o tema e é comum e natural que o mundo esteja, silenciosa e gradualmente a mudar. As mulheres são, nos dias de hoje, mais respeitadas do que eram há 10 anos, há 50 anos, há 100 anos. Ótimo! No entanto, quer parecer-me que o tema do assédio é parcamente explicado. Especialmente o “assédio leve”. Se é que podemos chamar “leve” a qualquer que seja o tipo de assédio. O que é o assédio, afinal de contas? Sei que é um tema que é amplo e que dá pano para mangas. E que, infelizmente, será sempre avaliado através de uma ótica de subjetividade. Por mais objetivos que, enquanto sociedade, tentemos ser. Mas o assédio não é apenas o toque ou o contacto sexual sem permissão do/a outro/a. E é sobre isso que Patos nos convida a refletir. Sempre nas entrelinhas.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
A história é-nos contada na primeira pessoa por Kate Beaton, autora canadiana, natural do Cabo Bretão, onde as oportunidades de acesso a uma vida mais condigna não são tão fáceis como o mundo ocidental gostaria de admitir. E, para complicar a situação, e à boa maneira da realidade norte-americana, Kate contrai um empréstimo para pagar os seus estudos universitários. E agora que os terminou, o seu primeiro objetivo é liquidar essa dívida. Para tal, a proposta mais ajustada parece ser o rumo ao oeste, em busca de um trabalho, que pague bem, nos campos de extração de petróleo de Alberta - as "areias petrolíferas”. Tal como o capitalismo norte-americano tem assumido, desde sempre, os trabalhos em indústrias rentáveis são bem pagos e aceitam o trabalho de qualquer um. Mas, claro, sempre a troco de um trabalho árduo e constante.

Convicta de que esta é a forma de amealhar rapidamente algum dinheiro, a jovem Kate, com apenas 22 anos, parte para as areias petrolíferas, mesmo que os seus pais tenham alguma dificuldade em aceitar a sua escolha. Mas é só quando chega ao oeste canadiano que Kate se depara com as condições duras de trabalho que ali se vivem. As habitações são precárias, o frio é muito e, mais importante que isso ainda, ali leva-se uma existência onde o isolamento é enorme e a solidão é uma constante. E muitos dos que ali trabalham optam pelo recurso às drogas recreativas para fazerem face ao seu duro e solitário quotidiano. Isto já seria um complexo conjunto de privações para ter de enfrentar e, sinceramente, achei que era “apenas” sobre isso que o livro tratava. Porém, e afinal de contas, o tema do assédio constante, gratuito e quase fisiológico por parte dos colegas de Kate é, por ventura, o tema mais premente e subjacente a todos os intentos artísticos da autora. Pelo menos, foi isso que mais me ficou na retina.

E o que achei especialmente curioso não é o tema que, como já referi, até tem sido bastante explorado em criações artísticas (não só em banda desenhada). Não. O que considerei curioso é a forma meramente ilustrativa e referencial que a autora utiliza para nos introduzir a esse tema e a essa experiência pessoal. Não vemos em Patos grandes cenas dramáticas que ilustrem o assédio constante que ali se vive (salvo duas marcantes e amarguradas exceções). Ao invés, o que observamos é um quotidiano onde o assédio, o piropo e a insinuação dos homens é uma constante na rotina diária laboral de Kate. E por dois motivos apenas: só porque ela é uma mulher e porque está num universo laboral onde há 50 homens por cada mulher.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
Poderão dizer-me - e eu confesso já o ter dito algumas vezes, noutras ocasiões - “Ah, mas um piropo é uma coisa assim tão má? Um piscar de olho é assim tão desconfortável? Perguntar a uma mulher se ela tem namorado é assim tão mau?”. Eu tinha uma resposta para estas questões, mas, depois de ler Patos, não tenho pudores em admitir que a minha resposta automática pode ter mudado. Talvez essas perguntas não sejam assim tão más, admito, mas, e é este o ponto que devemos reter: apenas e só quando são ditas de uma forma avulsa e rara. Não quando essas perguntas são ditas constantemente. A toda a hora. Em qualquer ocasião. E foi precisamente nesse ponto que Kate Beaton conseguiu fazer surgir uma mudança no meu entendimento da questão. E no entendimento de muitos outros homens e mulheres, espero.

Com efeito, são tantas e tantas as vezes que, durante as mais de 400 páginas desta obra, vemos este tipo de assédio, chamemos-lhe, com precaução, o “assédio leve”, que, às tantas, se torna enfadonho e chato. Dei comigo a pensar: “mas será que estes homens podem deixar a mulher em paz?”. Mas, imaginem, se ler um livro me fez ficar cansado pelo constante “assédio leve” de que as mulheres são alvo, imaginem o que é ser uma mulher a viver isto durante toda uma vida. É, portanto, nesse ponto que Patos consegue sobressair face às restantes obras que abordam temas semelhantes. Não sei se este exercício narrativo, repetitivo, foi meramente involuntário… mas lá que resultou, disso não há quaisquer dúvidas.

O tema do assédio não se fica por aqui. Kate Beaton vai mais longe, ao chamado “assédio pesado”, e retrata-nos duas violações de que é vítima por parte de colegas. Estava embriagada, sim. Mas, na hora da verdade, a sua mente e o seu corpo disseram-lhe que não queria envolver-se sexualmente com aquelas pessoas. E referiu que não queria avançar no ato. Mas os homens com quem estava naqueles momentos não quiseram saber disso. Aqui o relato torna-se, expetavelmente, mais chocante, deixando o leitor com um nó na garganta. E o trabalho narrativo-visual da autora nestes dois momentos é muito bem conseguido, procurando não ser gráfico, mas sim deixar nas entrelinhas, naquilo que não é dito nem é desenhado, o drama vivido. Além de que não é todos os dias que vemos um autor a contar na primeira pessoa um trauma semelhante a este. Tiro o chapéu à forma corajosa com que a autora se expõe em Patos.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
De resto, e falando da história, vão-nos sendo dados vários momentos do dia-a-dia da autora. Em termos de narrativa, não gostei muito que a história avançasse, de vez em quando, em saltos temporais, sem mais nem menos. Pareceu-me algo abrupto. Não é grave, mas esses saltos temporais poderiam ser dados de forma mais orgânica.

Falando nos desenhos, o trabalho de Kate Beaton não me deixou especialmente cativado, embora tenhamos que admitir que as ilustrações que nos são dadas têm a eficiência necessária para contar a história. Contudo, devo admitir que como são várias as personagens com quem Kate se vai cruzando ao longo da sua estadia de mais de dois anos nas areias petrolíferas, por vezes torna-se difícil para o leitor perceber que personagem é aquela, dado que todas elas são tão semelhantes, talvez pelo facto de a autora não dispor da capacidade de, visualmente falando, conseguir diferenciar suficientemente bem as várias personagens com o seu desenho simples, “cartoonesco” e linear. Talvez até seja por isso que, no início de cada capítulo, a autora nos presenteia com uma página com uma legenda de “quem é quem” no capítulo que se segue.

Mesmo assim, com uns desenhos que não são propriamente belos, a autora conseguiu dois pontos que considero bastante positivos: por um lado, a opção por uma bicromia, com uma paleta em tons de azul, foi uma boa escolha, dando unidade visual à obra e conseguindo aquele efeito gelado que nos remete bem para o frio experienciado pelas personagens; por outro lado, na parte das ilustrações dos cenários, a autora conseguiu revelar um bom talento técnico, sendo capaz de transpor para os seus desenhos a grandeza, solitude e aridez das areias petrolíferas, bem como a sensação de pequenez do homem - ou, neste caso, da mulher - face à maquinaria industrial de proporções gigantescas com que estas empresas de extração de petróleo operam.

Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água
A edição da Relógio D’Água é em capa mole, com badanas, e com um belo papel que aumenta a espessura e robustez da obra. A impressão e a encadernação são boas, embora eu recomende que os leitores tenham cuidado a manusear o livro quando o lerem. Como é um livro muito espesso e em capa mole, se, durante a leitura, o abrirem muito, ficarão com a lombada carregada de vincos. Tive muito cuidado com o meu exemplar e, mesmo assim, não pude evitar que o mesmo não ficasse com alguns vincos. A edição desta obra é ainda complementada com a introdução de um posfácio por parte da autora.

Permitam-me que vos deixe com a nota de que as imagens promocionais partilhadas pelo site da editora para este livro, que eu trambém partilhei aqui no Vinheta 2020 há uns dias, não correspondem à impressão do trabalho. Por alguma razão, essas páginas promocionais não apresentavam os contornos nos desenhos mas, felizmente, isso não acontece na impressão do livro, que é boa. Como tal, permitam-me sossegar-vos quanto a isso. Podem comprar o livro à confiança, sem medo desta questão.

Esta é, pois, uma obra bastante completa em todos os pressupostos que traz consigo. Por um lado, é um livro sobre o “assédio leve” dos homens perante as mulheres, que dura uma vida e com o qual as mulheres têm de viver. Por outro lado, a obra oferece-nos outro tipo de reflexões relevantes. Sendo que uma delas é a constatação que, mesmo num país tão desenvolvido como o Canadá, que é porta de entrada para uma multiplicidade de etnias e onde todos são bem-vindos e bem acolhidos, atualmente ainda são dadas condições de trabalho muito precárias aos cidadãos e continua-se a apostar em indústrias com uma pegada ambiental tão grande e tão devastadora. Portanto, quer queiramos, quer não, acaba por ser o capitalismo o grande ditador do modus vivendi do país.

Em suma, é um livro que acabou por me encher as medidas. Não fiquei logo tocado ou impressionado com aquilo que Kate Beaton parecia ter para nos oferecer, mas, à medida que ia progredindo nas mais de 400 páginas deste colosso, acabei por me render à evidência que este será um dos grandes livros (no sentido qualitativo) de banda desenhada, lançados em Portugal, em 2024. Dou os parabéns à Relógio D’Água pela proposta. Este passou a ser o melhor livro de banda desenhada do catálogo da editora.


NOTA FINAL (1/10):
9.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas, de Kate Beaton - Relógio D' Água

Ficha técnica
Patos - Dois Anos nas Areias Petrolíferas
Autora: Kate Beaton
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 440, a cores (em tons de azul)
Encadernação: Capa mole
Formato: 17,15 x 22,86 cm
Lançamento: Fevereiro de 2024

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Relógio D'Água lança BD multipremiada!



É um dos mais esperados lançamentos de banda desenhada do ano e, sem dúvida, a grande aposta da editora Relógio D'Água no que à BD diz respeito!

Falo de Patos, de Kate Beaton, da qual já muito foi escrito. Esta é uma obra que, desde que foi originalmente lançada em 2022, conquistou a crítica mundial e milhares de leitores, e chega, finalmente, a Portugal!

Quando lancei, aliás, um artigo com as 15 obras anunciadas (à data) para 2024 que mais me expetativa me estavam a deixar, este Patos foi uma das obras que figurou no meu top.

Como tal, estou muito curioso em ler este livro que chega às livrarias na próxima quarta-feira!

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Patos, de Kate Beaton

Vencedor de dois Will Eisner Comic Industry Awards 2023, nas categorias de Melhor Livro de Memórias Gráfico e de Melhor Escritor/Artista.

“Uma obra-prima pungente, uma luz brilhante na escuridão.” [Patricia Lockwood, autora de Priestdaddy]

“Um livro excecional sobre solidão, trabalho e sobrevivência. Kate Beaton é uma guia atenciosa através de um complexo panorama de classe e género, e estas páginas estão cheias de preocupação e encanto.” [Carmen Maria Machado, autora de In the Dream House]

“Em Patos, Beaton não nos conta como o capitalismo extrai e explora os mais diversos produtos. Nem nos mostra como isso acontece. Ela recria a vida nos campos petrolíferos.” [Alison Bechdel, autora de O Segredo da Força Sobre-Humana]

“Complexo e inesquecível.” [TIME]

“Um livro belo e humano.” [The Guardian]

Antes de Kate Beaton, cartoonista de Hark! A Vagrant, existia Katie Beaton dos Beatons de Cabo Bretão, especificamente de Mabou, uma comunidade à beira-mar onde as lagostas são tão abundantes como as praias, os violinos e as canções folclóricas gaélicas. 
Com o objetivo de pagar os seus empréstimos estudantis, Katie viaja para o Oeste para aproveitar a corrida ao petróleo em Alberta — parte da longa tradição dos habitantes da Costa Leste que procuram um emprego lucrativo noutro lugar quando não o encontram na terra natal que amam. Katie depara-se com a dura realidade da vida nas areias petrolíferas, onde o trauma é ocorrência quotidiana, mas nunca é discutido.

A habilidade natural de Kate Beaton para o desenho torna-se evidente ao retratar maquinaria colossal em cenários sublimes de Alberta, com vida selvagem, auroras e florestas boreais. A sua primeira narrativa gráfica longa, Patos: Dois Anos nas Areias Petrolíferas, é uma história desconhecida de um país que se orgulha do seu ethos igualitário e da sua beleza natural, enquanto simultaneamente explora tanto as riquezas da sua terra quanto a humanidade do seu povo.

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Ficha técnica
Patos
Autora: Kate Beaton
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 440, a cores (em tons de azul)
Encadernação: Capa mole
Formato: 17,15 x 22,86 cm
PVP: 26,00€


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Relógio D'Água anuncia 3 novas BDs para 2024!


Não vos trago uma entrevista com a Relógio D'Água, pois são poucos os livros de banda desenhada que a editora tem, por agora, para anunciar para 2024.

Mesmo assim, já vos posso dar a conhecer as tês bandas desenhadas que a editora me confirmou que lançará em 2024. Logo no primeiro trimestre. Portanto, é possível (e expetável) que, entretanto, surjam ao longo do próximo ano mais BDs pelas mãos da editora. Mas, por ora, são estas as confirmações.

Sendo, para muitos leitores, imagino, poucas obras, são bastante interessantes, pelo menos quanto a mim.

Gostei particularmente do trabalho de Fred Fordham em Mataram a Cotovia (também publicado pela Relógio D'Água) e estou especialmente interessado em conhecer a obra de Kate Beaton que tem sido tão aclamada. 

Quanto a Duna, é um clássico da ficção científica. Não está entre as minhas preferências pessoais, mas acredito que interesse a muita gente, tendo em conta que é uma obra de culto.

Portanto, as obras em causa, são:


Patos
de Kate Beaton
(Vencedor Eisner Award, Best Graphic Memoir)




Duna II
de Brian Herbert, Kevin J. Anderson, Raúl Allén e Patricia Martín



Admirável Mundo Novo
 de Fred Fordham

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Análise: O Segredo da Força Sobre-Humana

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água
O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel

Depois de, em 2012, a editora Contraponto ter editado a multipremiada obra Fun Home - Uma Tragicomédia Familiar, da autora americana Alison Bechdel, os leitores portugueses estiveram muitos anos sem que nenhum lançamento da mesma autora por cá fosse feito. Diga-se que Alison Bechdel não é propriamente uma autora que lance muitos livros, mas, ainda assim, a verdade é que havia obras de relevo por editar. Uma delas era este O Segredo da Força Sobre-Humana, originalmente editada em 2021, e que, em boa hora, a Relógio D'Água trouxe para o mercado português há coisa de umas semanas.

Se em Fun Home e em Are You My Mother? a autora nos dá, em jeito auto-biográfico, um relato acerca do relacionamento complicado que teve com os seus pais, neste O Segredo da Força Sobre-Humana continuamos a acompanhar a vida de Alison Bechdel. Como tal, quase que diria que este novo livro funciona como uma terceira parte da trilogia autobiográfica lançada, até agora, pela autora.

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água
Mesmo que, e olhando apenas para o nome, capa e sinopse da obra, isto possa não ser muito claro, à partida. Com efeito, olhando ao viés para esta obra, parece tratar-se de um livro que fala sobre os vários tipos de desporto e de como os mesmos podem mudar a vida de quem os pratica. E, de facto, isso também está presente no livro. Mas, acaba por ser uma parte menor deste livro. O que, quanto a mim, até lhe retira o appeal comercial da obra, tendo em conta que se trata de um livro da conceituada autora Alison Bechdel. Acredito que se a capa, o título e até a própria sinopse fossem mais fidedignos ao facto de esta ser uma obra muito mais profunda do que a prática de numerosos desportos – não obstante o facto de ter um corpo são também contribuir, seguramente, para uma mente sã – acredito que o livro seria mais badalado. Mas são opções autorais/editoriais, claro.

Ainda assim, há que dizer que Alison Bechdel volta a dar-nos uma obra bem à sua imagem: segura – embora a autora ache que não o é – singular e com um estilo muito próprio. Não admira que o livro tenha ganhado vários prémios internacionais. Até porque o nome de Alison Bechdel já tem a sua própria força devido à autora ser uma ativista pelos direitos do género.

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água
A história começa na infância de Alison, nos anos 60, e vai até aos dias de hoje, passando até pelos tempos da pandemia de covid-19. Ao longo da sua vida e tendo um claro gosto pelos desportos – e por mergulhar em novas modalidades – a autora sempre foi ávida para experimentar um novo desporto. Mas não o fazia de ânimo leve. Pelo contrário, mergulhava de forma radical no mesmo. Fosse o esqui, a bicicleta, as corridas, o karaté, entre muitos outros. Ainda que, e isso é um ponto sempre constante na obra, o desporto parecesse, pelo menos durante a infância e juventure de Alison, ter sido pensado para os homens e vedado às raparigas. Mesmo assim, Alison não se coibia de experimentar novas modalidades. E, à medida que ia mudando de um desporto para outro, essa mudança também acompanhava, normalmente, uma mudança na sua própria vida e na descoberta de si mesma. Primeiro, a infância, depois, os tempos de escola, os tempos de jovem universitária, os tempos de jovem adulta, de meia idade, e por aí fora. Até ao período do menopausa.

Mas a auto-descoberta é algo que, muitas vezes, está envolta em muitas camadas que pressupõem que as retiremos de forma gradual, no seu próprio tempo. Como tal, à medida que vai crescendo e desenvolvendo a sua consciência, Bechdel passa a procurar a sabedoria de filósofos orientais ou de figuras literárias marcantes, como Jack Kerouac, William Wordsworth, Ralph Waldo Emerson, Margaret Fuller ou Samuel Taylor Coleridge.

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água
E é neste ponto que, infelizmente, o livro mais falha, quanto a mim. Compreendo que a autora tente homenagear e/ou reciclar as ideias e espírito destes autores que a marcaram, à semelhança do que também fez em Are You My Mother?. Mas ao fazê-lo de uma forma tão aleatória e quase sem nexo, faz com que o ritmo da história que nos está a contar sobre a sua vida seja, constantemente, interrompido por estas deambulações narrativas que resgatam apenas, e de forma avulsa e algo aleatória, algumas das ideias dos autores. São trechos narrativos que acabam por ser forçados na obra. Compreendo que a autora, se foi influenciada pelos autores, queira falar deles, mas não me parece que tenha introduzido esse tema da melhor forma da obra. Ou, se quiserem, acho que se estas menções aos autores não existissem nesta obra, a mesma seria muito melhor. Seria mais linear, sim, mas melhor.

Acho que é na própria vida de Bechdel que a obra apresenta mais força, nomeadamente na relação da autora com o álcool, na sua relação complexa com o trabalho e com os prazos de entrega, nas várias relações amorosas que teve e na terapia que acabou por se ver forçada a fazer. Outra coisa boa é que o facto de o livro acompanhar a vida da autora, sendo separado por capítulos que complementam uma década, permite que possamos tomar contacto com as mudanças socio-culturais que a sociedade norte-americana foi vivenciando nos últimos 60 anos.

O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água
Os desenhos de Alison Bechdel mantêm-se no registo algo “cartoonesco” a que a autora já nos habituou, havendo depois espaço para que, em termos de planificação, sejamos presenteados por vinhetas que diferem bastante de dimensãoe que subvertem algumas regras ditas "clássicas". E isso torna a leitura menos repetitiva e, portanto, é uma opção bem-vinda. Desta vez, as ilustrações são a cores – feitas por Holly Rae Taylor, a companheira de Alison – o que dá um ar mais leve e descontraído à obra que, a meu ver, funciona bastante bem.

A edição da Relógio D’Água é em capa mole, com badanas, e apresenta bom papel brilhante no miolo. A encadernação e impressão também são boas em qualidade.

De resto, e continuando a falar na editora portuguesa, é com bons olhos que vejo que a Relógio D’Água parece estar a apostar cada vez mais no lançamento de boa banda desenhada. É verdade que, até agora, a editora apenas tem lançado adaptações para banda desenhada de obras da literatura mundial, como Mataram a Cotovia, Fahrenheit 451, 1984, O Grande Gatsby, A Amiga Genial ou Duna, mas a aposta da Relógio D’Água tem vindo a ser maior e a apresentar livros com mais qualidade. E este O Segredo da Força Sobre-Humana é a primeira banda desenhada que não é uma adaptação, mas sim uma obra originalmente pensada para a banda desenhada. O que também é sintomático da aposta da editra. E não esqueçamos que, ainda em 2023, é esperado que a Relógio D' Água lance a muito aclamada obra Patos, de Kate Beaton. Tudo bons sinais por parte da editora, portanto.

Em suma, e apesar de ficar aquém de Fun Home e de Are You My Mother?, revelando alguma anarquia de enredo, este O Segredo da Força Sobre-Humana, nova obra de Alison Bechdel, é uma livro bem interessante, que vale a pena conhecer, e que revela com justiça que a aposta da Relógio d’Água em banda desenhada parece cada vez mais séria.


NOTA FINAL (1/10):
7.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel - Relógio D' Água

Ficha técnica
O Segredo da Força Sobre-Humana
Autora: Alison Bechdel
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 248, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 19 x 25,4 cm
Lançamento: Setembro de 2023

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Adaptação de "Dune" para BD é lançada hoje!



A Relógio D'Água lança hoje a adaptação para banda desenhada de Dune, de Frank Herbert!

A obra original é adaptada para banda desenhada por Brian Herbert (filho de Frank Herbert), Kevin J. Anderson, Patricia Martín e Raúl Allén. No mercado americano, a série já tem dois volumes e mantém-se em curso.

A editora portuguesa Relógio D' Água, que até lançou poucos livros de banda desenhada ao longo do ano, parece ter guardado alguns trunfos para esta rentrée literária.

Para além deste Duna — O Romance Gráfico: Livro 1, a editora também acaba de lançar O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel, do qual já aqui falei, e deverá lançar, durante o próximo mês de Novembro, a muito aguardada - pela minha pessoa, pelo menos! - obra Patos, de Kate Beaton.
Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse e algumas imagens promocionais deste Duna.


Duna — O Romance Gráfico: Livro 1, de Frank Herbert, Kevin J. Anderson, Patricia Martín e Raúl Allén

NÃO DEVO TER MEDO.

O MEDO É O DESTRUIDOR DA MENTE.

O MEDO É A PEQUENA MORTE QUE TRAZ A OBLITERAÇÃO COMPLETA.
ENFRENTAREI O MEU MEDO…
Duna, obra-prima de ficção científica de FRANK HERBERT, situa-se num futuro distante, no seio de uma sociedade feudal interestelar. Conta a história de Paul Atreides no momento em que ele e a família aceitam assumir o controlo do planeta deserto Arrakis, fonte única da mais valiosa substância do cosmos.

Originalmente publicado em 1965 e agora adaptado a romance gráfico por Brian Herbert — filho de Frank Herbert — e por Kevin J. Anderson, Duna explora as interações complexas entre política, religião, ecologia, tecnologia e emoção humana à medida que as forças do império se confrontam pelo domínio de Arrakis.

Uma mistura de aventura, misticismo, ambientalismo e política, Duna é agora adaptado visualmente por Raúl Allén e Patricia Martín. 

O resultado é fascinante e pretende abranger uma nova geração de leitores.

ELOGIOS A ESTE LIVRO:

«Raul Allén e Patricia Martín partem de uma história densa, adaptando matizes e significados a urna nova linguagem gráfica. Os desenhos estabelecem o âmbito e a geografia das cenas, destacam a personagem que tem o poder e guiam o leitor através da ação de um mundo de ficção científica onde famílias estão em guerra e vermes gigantes irrompem da areia. Um feito raro e visualmente muito atraente.»

[Eric Heisserer, argumentista de O Primeiro Encontro, nomeado para um Oscar]


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Ficha Técnica
Duna — O Romance Gráfico: Livro 1
Autores: Frank Herbert, Kevin J. Anderson, Patricia Martín e Raúl Allén
Editora: Relógio D' Água
Páginas: 180, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 16,51 x 24,7 cm
PVP: 21,00€

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Relógio D'Água lança nova BD da criadora de "Fun Home"!



Depois de, em 2012, a Contraponto ter editado a multipremiada obra Fun Home - Uma Tragicomédia Familiar, da autora Alison Bechdel, é a vez da editora Relógio D'Água lançar por cá a obra mais recente da autora americana!

Chama-se O Segredo da Força Sobre-Humana e foi originalmente lançada em 2021. 

Agora, chega-nos pelas mãos da Relógio DÁgua e deverá estar disponível nas livrarias a partir do próximo dia 11 de Outubro.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


O Segredo da Força Sobre-Humana, de Alison Bechdel

Melhor romance gráfico de 2021 para a Publishers Weekly e o The New York Times | Melhor livro queer de 2021 para a Autostraddle | Um dos melhores livros de 2021 para o Boston Globe e o St. Louis Post Dispatch

“Cor? É o primeiro sinal de que algo de novo está a acontecer num livro cheio de floreios familiares, (incluindo) a gura da própria Bechdel, desenhada como uma espécie de cruzamento entre Tintin e Waldo, vibrando de ansiedade, fazendo o possível por fugir de bicicleta, de esquis ou a pé… É um livro que se distingue por uma graça flexível e descontraída, uma ausência de medo que se traduz em simplicidade, disciplina e modéstia.” [The New York Times]

“Surpreendente […], absolutamente absorvente.” [The Atlantic]
Em O Segredo da Força Sobre-Humana, Alison Bechdel oferece-nos uma história fascinante, que vai da infância à idade adulta, atravessando todas as modas do fitness, de Jack LaLanne nos anos 1960 até à estranheza existencial das corridas atuais.

Os leitores veem o seu passado atlético ou semiativo passar-lhes diante dos olhos numa panóplia em constante evolução de ténis de corrida, bicicletas, esquis e diversos outros equipamentos.

Mas quando Bechdel tenta melhorar-se, esbarra no seu próprio eu. Volta-se para a sabedoria dos filósofos orientais e de figuras literárias, como o escritor beat Jack Kerouac, cuja procura da transcendência ao ar livre surge numa comovente conversa.
A conclusão é que o segredo da força sobre-humana não está nos músculos modelados pelo exercício, mas em algo muito menos claramente definido: enfrentar a sua própria interdependência, não transcendental, mas muito importante, de qualquer coisa que nos rodeia.

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Ficha técnica
O Segredo da Força Sobre-Humana
Autora: Alison Bechdel
Editora: Relógio D'Água
Páginas: 248, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 19 x 25,4
PVP: 19,50€